HISTÓRIA DO DIREITO
PENAL
Tempos primitivos
Embora a história do direito penal se confunda
com a do homem, não se pode falar na
existência de um sistema jurídico-penal nos
tempos primitivos.
Nas
sociedades
primitivas,
que
eram
supersticiosas, os fenômenos naturais maléficos
eram tidos como manifestações divinas (totem),
que estavam revoltadas pela prática de fatos
que exigiam reparação.
Para aplacar a ira dos deuses, criava-se
uma série de proibições, conhecidas como
tabus
que,
se
desobedecidas,
acarretavam em castigo. A desobediência
levava a coletividade à punição do infrator
para acalmar a divindade.
Estão são as origens dos termos crime e
pena.
A partir de então, houve a evolução do
direito
penal
para
uma
período
caracterizado pela função de vingança da
pena, do revide à agressão sofrida.
Podemos chamar esta fase de período da
vingança penal.
Segundo a doutrina mais aceita, podemos
falar em três fases neste período:
vingança privada, vingança divina e
vingança pública.
Na fase da vingança privada, cometido um
crime, a reação cabia à vítima, seus
familiares ou ao grupo social.
No entanto, eles agiam sem proporção à
ofensa, atingindo não só o ofensor, como
também todo o seu grupo.
Se o transgressor fosse do mesmo grupo,
era punido com o banimento, deixando o
mesmo a mercê de outros grupos, que lhe
inflingiam, invariavelmente, a morte.
Ainda na fase da vingança privada, buscouse evitar a dizimação das tribos, surgindo
então o talião (de talis – tal).
Com essa lei, limitou-se a reação à ofensa a
um mal idêntico ao praticado.
Ainda após mais evolução, surgiu o período
da composição, onde o ofensor se livrava
do castigo pagando por sua liberdade
(indenizando a vítima).
A fase da vingança divina deve-se à
influência decisiva da religião na vida dos
povos antigos.
O direito penal passou a reprimir o crime
como satisfação aos deuses pela ofensa
praticada no grupo social.
O castigo era aplicado, por delegação
divina, pelos sacerdotes, que aplicavam
penas severas e cruéis, visando à
intimidação.
Na fase da vingança pública, com a busca
de maior estabilidade ao Estado, buscouse a segurança do soberano pela
aplicação da pena, ainda severa e cruel.
Neste período, o estado assumiu o poderdever de manter a ordem e a segurança
social.
No início, esta fase ainda mesclava poder
divino e político, pois o soberano era o
representante
da
divindade.
Posteriormente, a pena libertou-se de seu
caráter religioso.
O Direito Romano
O Direito Romano oferece um ciclo jurídico
completo, uma vez que seus institutos
penais passam por todo o período da
vingança.
No período da fundação de Roma, a pena
tinha a função sacral (vingança divina).
A lei das XII tábuas, primeiro diploma legal
escrito, impôs a lei de talião e admitiu a
composição (vingança privada).
Evoluindo nas fases de vingança, direito e religião
se separaram.
O direito romano passou a dividir os delitos em
crimes públicos (crimina publica) que eram
traição, conspiração política contra o estado e
assassinato, e crimes privados (delicta privata),
também chamados de delitos, que eram
infrações consideradas menos graves.
O julgamento dos crimes públicos era feito pelo
estado, através do magistrado. Já os crimes
privados eram julgados pelo ofendido,
interferindo o estado só para regular o exercício
de tal direito.
Posteriormente (na época do império) foram
criados os crimes extraordinários (crimina
extraordinaria), que eram crimes fundados nas
ordenações imperiais e nas decisões do
senado.
Finalmente, a pena tornou-se, em regra pública,
regrando-se as penas e praticamente abolindose a pena de morte.
Saliente-se que o Direito Romano muito contribuiu
para a evolução do direito penal, criando
princípios penais como o erro, culpa, dolo,
imputabilidade, dentre outros.
O Direito Germânico
Primitivamente não era composto de leis escritas,
mas constituído apenas pelo costume.
Era caracterizado pela vingança privada, estava
ele sujeito à reação indiscriminada e à
composição. Só mais tarde foi aplicado o talião
por influência do direito romano e do
cristianismo.
Outra característica do direito germânico era a
ausência de distinção entre dolo, culpa e caso
fortuito, determinando-se a punição do autor do
fato sempre em relação ao dano causado e não
à sua vontade.
Ponto interessante do direito germânico
eram as ordálias ou juízos de Deus,
Estas eram provas a que eram submetidos
os acusados, que, se passassem por elas
incólumes, eram considerados inocentes
(as provas eram de água fervente, de
ferro em brasa, dentre outras).
Também havia os duelos judiciários, nos
quais os litígios eram decididos através de
luta.
Direito Canônico
Surgiu após o direito penal romano e o germânico. É o
direito penal da igreja, com a influência decisiva do
cristianismo no direito penal. Proclamou-se a igualdade
entre os homens, estabeleceu-se o predomínio do
aspecto subjetivo do crime e da responsabilidade penal
e tentou-se acabar com as ordálias e os duelos
judiciários.
Nesse período, houve a mitigação das penas, que
passaram a ter como fim não só a expiação, como
também
a
regeneração
do
criminoso
pelo
arrependimento e purgação da culpa (posteriormente tal
fato levou aos excessos da inquisição).
Direito Comum
Na idade média surgiu o direito comum, que foi a junção
dos direitos romano, canônico e germânico, juntamente
com costumes locais. Era caracterizado pela excessiva
previsão de pena de morte, que era executada das
formas mais cruéis, visando a intimidação das pessoas.
As sanções penais eram desiguais, dependendo da
condição social e política do acusado (porque só
Tiradentes foi morto?).
O caráter público da mesma é exclusivo. Assim, seu fim é
a defesa do estado e da religião. A arbitrariedade
judiciária, entretanto, cria em torno da justiça penal uma
atmosfera de incerteza, insegurança e terror.
O Período Humanitário
Fruto do iluminismo, pregou a reforma das
leis e da administração da justiça penal no
fim do século XVIII. É nesse momento que
se toma consciência crítica do problema
penal como problema filosófico e jurídico,
desenvolvendo-se de temas tais como o
fundamento do direito de punir, a
legitimidade das penas, dentre outros.
Em 1764 - Cesare Bonesana, o Marquês de
Beccaria publicou “Dos Delitos e das
Penas”.
Propõe:
1) Os cidadãos, por viverem em sociedade, cedem
apenas uma parcela de sua liberdade e
direitos. Por isso, não se podem aplicar penas
que atinjam direitos não cedidos.
2) Só as leis podem fixar as penas.
3) As leis devem ser redigidas com clareza para
que possam ser compreendidas e obedecidas
por todos os cidadãos.
4) A prisão preventiva somente se justifica diante
da prova da existência do crime e de sua
autoria.
5) Devem ser admitidas em juízo todas as provas,
inclusive a palavra dos condenados.
6) Não se justificam as penas de confisco, que
atingem os herdeiros do condenados, e as
penas infamantes, que recaem sobre toda a
família do criminoso.
7) Não se deve permitir o testemunho secreto, a
tortura para o interrogatório e os juízos de Deus,
que não levam à descoberta da verdade.
8) A pena deve ser utilizada como tratamento
social, não só para intimidar o cidadão, mas
também para recuperar o delinquente.
Esses postulados, embora não totalmente
originais, formam a base do direito penal
moderno, muitos dos quais adotados pela
Declaração dos Direitos do Homem e pela
Revolução Francesa.
As Escolas Penais
No século XIX surgiram várias correntes de
pensamento que tratavam sobre o direito de
punir, a natureza do delito e o fim das sanções.
Essas correntes foram denominadas de escolas
penais, que podem ser definidas como “o corpo
orgânico
de
concepções
sobre
a
legitimidade do direito de punir, sobre a
natureza do delito e sobre o fim das
sanções”.
Estudaremos agora as escolas penais mais
importantes:
A Escola Clássica
Na realidade, não houve uma escola clássica
propriamente dita. O nome, de cunho pejorativo,
foi dado pelos positivistas, no sentido de antigo,
antiquado.
A escola clássica deu início à construção da teoria
geral do delito, elaborando um exame analítico
do crime, distinguindo os seus vários
componentes. É influenciada pelo Iluminismo e
pelas ideais de Beccaria e do Contrato Social de
Rousseau.
Seu maior expoente foi Francesco Carrara.
Para ele, o delito é um ente jurídico pois
consiste na violação de um direito. Este
“ente jurídico” é impelido por duas forças:
a física, que é o movimento corpóreo e o
dano do crime, e a moral, que é a vontade
livre e consciente do criminoso.
O livre arbítrio, como pressuposto da
responsabilidade e da aplicação da pena
é o núcleo de suas ideias.
Para a Escola Clássica, o método que deve
ser utilizado no Direito Penal é o dedutivo
ou lógico e não o experimental, já que se
trata de uma ciência jurídica.
A Escola Positiva
O movimento naturalista do século XVIII,
que
pregava
a
supremacia
da
investigação experimental em oposição à
indagação puramente racional, influenciou
o Direito Penal.
No século XIX, uma época de franco
predomínio do pensamento positivista,
surgiu a chamada Escola Positiva.
O movimento criminológico ou positivista do
Direito Penal iniciou-se com Cesare Lombroso,
que publicou, em 1876, a obra “O homem
Delinquente”.
Nela, ele considerava o crime como a
manifestação da personalidade humana e
produto de várias causas.
Ele estudava o delinquente do ponto de vista
biológico.
Criou com seus estudos a Antropologia Criminal
e, nela, a figura do criminoso nato. Suas
ideias, algumas refutadas e outras reafirmadas,
deram origem à Criminologia.
Podemos assim resumir as suas idéias:
1. O crime é um fenômeno biológico, e não um
ente jurídico. Por essa razão, o método que
deve ser utilizado em seu estudo é o
experimental e não o lógico-indutivo.
2. O criminoso é um ser atávico (inato) e
representa a regressão do homem ao
primitivismo.
3. O criminoso nato apresenta características
físicas e morfológicas específicas (assimetria
craniana, fronte fugidia, face ampla, cabelos
abundantes, barba escassa, etc).
4. O criminoso nato é insensível fisicamente,
resistente ao traumatismo, canhoto ou
ambidestro, moralmente insensível, impulsivo e
preguiçoso.
5. A causa da degeneração que conduz ao
nascimento do criminoso é a epilepsia, que
ataca os centros nervosos, deturpando o
desenvolvimento.
6. Existe a “loucura moral”, que deixa íntegra a
inteligência, suprimindo, porém, o senso moral.
7. O criminoso é, assim, um ser atávico,
semelhante ao louco moral, doente antes que
culpado e deve ser tratado e não punido.
Esta ideia não foi de todo sepultada, sendo
que ainda hoje existem estudos que
mostram que certas características
genéticas, não obstante não predestinem
alguém ao crime, influenciam no seu
modo de ser.
O
maior nome da Escola Positiva,
entretanto, foi Enrico Ferri, que ressaltou a
importância do trinômio causal do delito:
os fatores antropológicos, os fatores
sociais e os fatores físicos. Ferri aceitava
o determinismo, mas afirmava ser o
homem responsável por viver em
sociedade.
Classificava os criminosos em cinco
categorias:
1) os natos, conforme propusera Lombroso;
2) os loucos, portadores de doença mental;
3) os habituais, produtos do meio social;
4) os ocasionais, indivíduos sem firmeza de
caráter e versátil na prática do crime e
5) os passionais, homens honestos, mas de
temperamento nervoso e sensibilidade
exagerada.
Em resumo, os princípios básicos da Escola
Positiva são:
1. O crime é um fenômeno natural e social, sujeito
às influências do meio e de múltiplos fatores,
exigindo o estudo pelo método experimental.
2. A responsabilidade penal é responsabilidade
social, por viver o criminoso em sociedade, e
tem por base a sua periculosidade.
3. A pena é medida de defesa social, visando a
recuperação do criminoso ou a sua
neutralização.
4. O criminoso é sempre, psicologicamente, um
anormal, de forma temporária ou permanente.
As Escolas Mistas
Procurando conciliar os princípios da Escola
Clássica e o tecnicismo jurídico com a
Escola Positiva, surgiram as escolas
mistas ou ecléticas, tais como a Terceira
Escola ou a Escola Moderna Alemã.
Basicamente, elas aproveitavam as ideias
dos clássicos e positivistas, separando-se
o direito penal das demais ciências
penais.
Procuravam a causalidade do crime, e não
a sua fatalidade, excluindo, assim, o tipo
penal antropológico.
Como reação ao positivismo jurídico, os
penalistas passaram a preocupar-se com
a pessoa do condenado em sua
perspectiva humanista.
Para estas escolas, a sociedade apenas é
defendida à medida que se proporciona a
adaptação do condenado ao convívio
social.
Download

HISTÓRIA DO DIREITO PENAL Tempos primitivos