A polêmica de Machado X “ O primo
Basílio” de Eça de Queirós
Carla L. Mendes
Erika Fabiana M. Salvador
Luana Noleto
Luiz Morete
Brevíssimo contexto histórico
O ROMANTISMO É A EXPRESSÃO LITERÁRIA
DO LIBERALISMO PORTUGUÊS.
Na primeira metade do século XIX viveu-se
a luta entre partidários da continuidade da
Monarquia Absoluta e partidários da
implantação de um Regime Liberal, em que
sugeria-se, como definição de poder do
estado, a formação de uma constituição.
Almeida Garrett e Alexandre Herculano
foram dois grandes escritores românticos da
época que defenderam o Liberalismo
ideológica e fisicamente. Alistaram-se no
exército de D.Pedro e lutaram com armas a
favor da implantação do liberalismo em
Portugal.
•
1808
-
TRANSFERÊNCIA
DA
CORTE
PORTUGUESA PARA O BRASIL;
•
1820
-
•
1831
-
PRIMEIRA REVOLUÇÃO LIBERAL;
D.
PEDRO
ABIDICA
DA
COROA
PORTUGUESA PARA REIVINDICAR O TÍTULO DE REI
DE PORTUGAL E GARANTIR O LIBERALISMO NO
PAÍS;
•
1832-1834 - GUERRA ENTRE OS FILHOS DE
D.JOÃO VI.
• 1865 – Estreia literária da segunda geração
intelectual surgida no período constitucionalista:
QUESTÃO COIMBRÃ.
Geração conhecida como “Geração de 70” cujos
principais integrantes eram Antero de Quental,
Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Teófilo
Braga e Eça de Queirós, essa geração foi
responsável pela introdução do Realismo em
Portugal.
» 1871 – Conferências realizadas pelos jovens da
geração de 70 para tratar temas que julgavam
importantes para o desenvolvimento cultural da
época.
» Participação de Eça de Queirós na
conferência:
A principal reivindicação de Eça de Queirós na
conferência era a de que “a arte moderna tinha por
objetivo examinar a sociedade e o indivíduo e
proceder à ‘crítica dos temperamentos e dos
costumes’” (Franchetti, p. 14)
O ROMANCE NATURALISTA:
O Primo Basílio pertence ao que se poderia
chamar de segunda fase da escrita de Eça de
Queirós, pois é a fase em que se define com
influência naturalista. Essa segunda fase se inicia
em 1875 com a obra “O Crime do Padre Amaro”.
Porém, devido ao seu caráter revolucionário, Eça
de Queirós não fica confortável quanto aos seus
princípios revolucionários.
A obra como uma crítica à
sociedade
• Ao modo de vida burguês - social;
• À instituição do casamento - cultural;
• Aos hábitos das mulheres sem
profundidade psicológica - como a leitura
e a música;
• À religião – Luísa quando se encontra
em desespero, enferma.
Com isso, segundo Pamuk (2009), apud Castro
Rocha (2011, p. 16, 17), percebe-se que a obra de Eça
tinha o intuito de criticar, satirizar a sociedade da época,
a fim de expor suas mazelas para que assim ela olhasse
para si e alterasse seu comportamento, pois a arte
moderna daquele período “tinha por objetivos examinar
a sociedade e o indivíduo.” Assim, “a arte moderna
tornava-se uma eficiente “auxiliar da ciência e da
consciência”, e se comprometia com a verdade e a
promoção da justiça social, isto é, com a revolução.”
(FRANCHETTI, p. 14).
Luísa aos olhos de Eça
“A senhora sentimental, mal-educada, nem espiritual
(porque cristianismo já não o tem, sanção moral da
justiça, não sabe o que é isso), arrasada de romance,
lírica, sobre excitada no temperamento pela ociosidade
e pelo mesmo fim do casamento peninsular, que é
ordinariamente a luxúria, nervosa, etc,enfim, a
burguesinha da Baixa”
Luísa aos olhos de Machado
“Luísa é um caráter negativo, e no meio da ação ideada
pelo autor, é antes um títere do que uma pessoa moral.
Repito, é um títere; não quero dizer que não tenha
nervos e músculos; não tem mesmo outra coisa; não
lhe peçam paixões nem remorsos; menos ainda
consciência”. (ASSIS, 1878)
Acácio
Tornou-se célebre como representação da
convencionalidade e mediocridades dos políticos e
burocratas portugueses dos finais do século XIX, sendo até
à atualidade utilizada para designar a pompa balofa e a
postura de pseudo-intelectualidade utilizada por muitas
das figuras públicas portuguesas.
Deu origem ao termo acaciano, designação utilizada
para tais figuras ou para os seus ditos.
O Conselheiro Acácio é descrito por Eça como
sendo um homem alto, magro, vestido todo de preto, com
o pescoço entalado num colarinho direito. O rosto aguçado
no queixo, ia-se alargando até à calva, vasta e polida, um
pouco amolgada no alto. Tingia os cabelos, que de uma
orelha à outra lhe faziam colar para trás da nuca; e aquele
preto lustroso dava, pelo contraste, maior brilho à calva;
mas não tingia o bigode: tinha-o grisalho, farto, caído aos
cantos da boca. Era muito pálido; nunca tirava as lunetas
escuras. Tinha uma covinha no queixo e as orelhas muito
grandes, muito despegadas do crânio.
Perante a sociedade, o Conselheiro Acácio era um
moralista, com constantes declarações a favor da sã moral
e dos bons costumes, que faziam dele um público paladino
da família e das virtudes cristãs.
Nascido e criado em Lisboa, era um solteirão sem família,
aposentado do cargo de diretor-geral do Ministério do
Reino, que vivia num terceiro andar da Rua do Ferregial,
amancebado com a criada, que entretanto o atraiçoava.
Expressava-se com chavões e elaboradas frases
vazias e citava muito. Com gestos sempre medidos e
cerimoniosos, jamais usava palavras triviais: não dizia
vomitar, antes fazia um gesto indicativo e empregava o
termo restituir.
Tinha sido feito cavaleiro da Ordem de Santiago, em
atenção aos seus grandes merecimentos literários e às
obras publicadas, de reconhecida utilidade, no campo da
economia política. Em atenção aos seus grandes
merecimentos literários e às obras publicadas, de
reconhecida utilidade, no campo da
economia política. Era autor das seguintes obras:
Elementos Genéricos da Ciência da Riqueza e Sua
Distribuição, com o subtítulo Segundo os Melhores Autores;
da Relação de Todos os Ministros do Estado desde o
Grande Marquês de Pombal até Nossos Dias com Datas
Cuidadosamente Averiguadas de Seus Nascimentos e
Óbitos e de uma volumosa Descrição Pitoresca das
Principais Cidades de Portugal e Seus Mais Famosos
Estabelecimentos
Basílio
Basílio foi construído como “um maroto, sem paixão nem a
justificativa da sua tirania, que o que pretende é a
vaidadezinha de uma aventura e o amor grátis””. (BELLINE,
1997, p.65)
“ Basílio, ao pé de Luísa, ia calado. Que horror de cidade!
pensava. -Que tristeza! E lembrava-lhe Paris, de verão;
subia, à noite, no seu fáeton, os Campos Elísios devagar;
[...] os restaurantes flamejam; há uma intensidade de vida
amorosa e feliz; e para além, sai das janelas dos palacetes;
através dos estores de seda, a luz sóbria e velada das
existências ricas. Ah! Se lá estivesse! [...]”. (p.76)
Enquanto caminhavam pela rua, o seu amigo Visconde
Reinaldo, censurava Basílio por ter tido um romance com
uma "burguesa", sem distinção. Não era, como ele mesmo
dizia, uma amante chique, pelo contrário "não possuía
relações decentes", "casara com um reles indivíduo de
secretaria" e "vivia numa casinhola". Achava a relação
absurda, no final das contas. E arrisca dizer que Basílio
fizera o que fizera, por "higiene". Ao responder "Que ferro!
Podia ter trazido a Alphonsine", Basílio confirma a
suspeita do amigo.
Conto: Missa do Galo
Pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no
mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos
espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas caíram
naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muitos claros,
e menos magros do que se poderiam supor. (...) A
impressão que tive foi grande. (...) Quando eu alteava um
pouco a voz, ela reprimia-me:
• — Mais baixo! Mamãe pode acordar.
• E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão
perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era
preciso falar alto para ser ouvido; cochichávamos os dois,
eu mais que ela, porque falava mais (...). Afinal, cansou;
trocou de atitude e de lugar.
Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no
canapé. Voltei-me, e pude ver, a furto, o bico das chinelas;
mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão
era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram
pretas. Conceição disse baixinho:
— Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve; se
acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono.
— Eu também sou assim.
— O quê? Perguntou ela inclinando o corpo para ouvir
melhor.
Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e
repeti a palavra. Riu-se da coincidência; também ela tinha
o sono leve; éramos três sonos leves.
- Há ocasiões em que sou como mamãe: acordando,
custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levantome, acendo vela, passeio, torno a deitar-me, e nada.
- Foi o que lhe aconteceu hoje.
- Não, não, atalhou ela.
Conto: “Uns braços”
Havia cinco semanas que ali morava, e a vida era sempre a mesma,
sair de manhã com o Borges, andar por audiências e cartórios,
correndo, levando papéis ao selo, ao distribuidor, aos escrivães, aos
oficiais de justiça. (...) Cinco semanas de solidão, de trabalho sem
gosto, longe da mãe e das irmãs; cinco semanas de silêncio, porque
ele só falava uma ou outra vez na rua; em casa, nada. “Deixe estar, –
pensou ele um dia – fujo daqui e não volto mais.”
Não foi; sentiu-se agarrado e acorrentado pelos braços de D.
Severina. Nunca vira outros tão bonitos e tão frescos. A educação
que tivera não lhe permitira encará-los logo abertamente, parece até
que a princípio afastava os olhos, vexado. Encarou-os pouco a
pouco, ao ver que eles não tinham outras mangas, e assim os foi
descobrindo, mirando e amando.
No fim de três semanas eram eles, moralmente falando, as suas
tendas de repouso.
Dom Casmurro
(...) Foi o caso que a minha vida era outra vez doce e
Plácida,a banca do advogado rendia-me bastante,
Capitu estava mais bela, Ezequiel ia crescendo.
Começava o ano de 1872. - Você já reparou que Ezequiel
tem nos olhos uma expressão esquisita?
perguntou-me Capitu. Só vi duas pessoas assim, um amigo
de papai e o defunto Escobar. Olha, Ezequiel; olha firme,
assim, vira para o lado de papai, não precisa revirar os
olhos, assim, assim... Era depois de jantar, estávamos
ainda à mesa, Capitu brincava com o filho, ou ele com ela,
ou um com outro, porque, em verdade, queriam-se muito,
mas é também certo que ele me queria ainda mais a mim.
Aproximei-me de Ezequiel, achei que Capitu tinha
razão; eram os olhos de Escobar, mas não me
pareceram esquisitos por isso. Afinal não haveria
mais que meia dúzia de expressões no mundo, e
muitas semelhanças se dariam naturalmente.
Ezequiel não entendeu nada, olhou espantado
para ela e para mim, e afinal saltou-me ao colo:
- Vamos passear, papai?
E lá o levei e deixei. A ausência temporária não atalhou o
mal, e toda a arte fina de Capitu para fazêlo atenuar, ao
menos, foi como se não fosse; eu sentia-me cada vez pior. A
mesma situação nova agravou a minha paixão.
Ezequiel vivia agora mais fora da minha vista; mas a volta
dele, ao fim das semanas, ou pelo descostume em que eu
ficava, ou porque o tempo fosse andando e completando a
semelhança, era a volta de Escobar mais vivo e ruidoso. Até
a voz, dentro de pouco, já me parecia a mesma.
Aos sábados, buscava não andar em casa e só entrar
quando ele estivesse dormindo; mas não escapava ao
domingo, no gabinete, quando eu me achava entre jornais e
autos.
Ezequiel entrava turbulento, expansivo, cheio de riso e de
amor, porque o demo do pequeno cada vez morria mais por
mim.
Eu, a falar verdade, sentia agora uma aversão que mal podia
disfarçar, tanto a ela como aos outros.
O Primo Basílio
Uma das partes mais conhecidas do romance
corresponde à chantagem da empregada Juliana
ao descobrir o adultério da patroa:
“ – Seiscentos mil-réis! Onde quer você que eu vá
buscar seiscentos mil-réis?
- Ao inferno!- gritou Juliana. -Ou me dá seiscentos
mil-réis, ou tão certo como eu estar aqui, o seu
marido há de ler as cartas!
Luísa deixou-se cair numa cadeira, aniquilada.
- Que fiz eu para isto, meu Deus? Que fiz para
isto? Juliana plantou-se-lhe diante, muito
insolente”.
Criterios Criticáveis
Os criterios empregados por Machado são
surpreendentemente moralistas- e não no sentido
e não no sentido do moralismo francês do século XVII,
sentido tão próximo ao próprio Machado, mas na acepção
burguesa tão satirizada por Flaubert, atacada por Eça e
exposta a seco nas Memórias póstumas. Eis como o leitor
de O Primo Basílio descreveu o caso de Luísa e Basílio:
“essa ligação de algumas semanas, que é o fato inicial
e essencial da ação, não passa de um incidente erótico,
sem relevo, repugnante, vulgar” (ASSIS, 1986, p. 906)
Por que repugnante e vulgar? Talvez
simplesmente por ser um incidente erótico, ou
como Machado esclareceu um pouco adiante,
condenando a “fatalidade das obras do Sr. Eça de
Queirós ou, noutros termos, do seu realismo sem
condescendência: é a sensação física”.
O Machado de 1878, isso é, o leitor de O Primo
Basílio, certamente condenaria o Machado de 1880,
ou seja, o autor de Memórias póstumas de Brás
Cubas. Para o crítico normativo de 1878, as
aventuras de Brás Cubas pareceriam
desnecessariamente eróticas;
O móvel de suas ações pouco claro, uma vez
que o personagem caracteriza-se por uma
volubilidade estrutural; sobretudo, o crítico
normativo de 1878 rejeitaria a falta de
verossimilhança de um defunto narrador e
apontaria a falha fundamental da estrutura: ora,
como principiar uma história pela sua conclusão?
Sobretudo: como deixar de condenar um romance em que
o acessório parece sempre impor-se em relação ao
essencial, através da técnica da digressão, com inegável
sabor sterniano?
Eça x Machado
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Bibliografia
FRANCHETTI, Paulo. Apresentação. In: QUEIRÓS, Eça
de. O Primo Basílio. Episódio doméstico. 3. ed. São Paulo:
Ateliê Editorial, 2004.
ROCHA, João Cezar de Castro. Machado de Assis e Eça
de Queirós: formas de apropriação. Floema, n.9, jan/jun
2011.
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O Primo Basílio