MIGRAÇÃO E RELAÇÃO CAMPO-CIDADE1
Débora Aparecida Tombini*
Marcos Aurélio Saquet**
INTRODUÇÃO
Desde o surgimento da vida humana na Terra até o início do século XIX, a população
cresceu em ritmo lento e a maioria das pessoas vivia no campo. A partir do século XX, houve
um crescimento muito rápido da população e o estilo de vida começa a sofrer alterações,
surgem necessidades que, na maioria das vezes, são sanadas nas cidades e estas ganham
destaque nesse século. (SACARLATO, 1999).
A cidade representa a concentração das pessoas, local onde as mesmas procuram uma
infraestrutura básica, serviços essenciais como educação, lazer, saúde, transporte, oferta de
mercadorias, é o local da concentração do capital. Neste sentido, a cidade é uma condição
histórica para o aparecimento do urbano como um modo de consumir, pensar e agir, é um
modo singular de vida das pessoas. (CARLOS, 2008).
O campo é definido como um espaço mais ou menos afastado dos centros urbanos,
onde os habitantes se dedicam às atividades ligadas a terra, como agricultura, pecuária,
atividades florestais, entre outras; os habitantes são em menor número, ocorrendo uma baixa
densidade populacional. (MEDEIROS, 2011)
O campo vem sofrendo transformações devido à migração, fornecendo força de
trabalho, matéria-prima e produtos alimentícios para os habitantes da cidade; esta, por sua
vez, oferece serviços e bens para os moradores do campo. Desta forma, dá-se a relação de
dependência e troca entre os espaços urbano e rural. Conforme SOARES (2011, p. 69) “a
1
Resumo resultante da pesquisa de mestrado em andamento sobre a orientação do professor Marcos Saquet.
* Mestranda em geografia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus
Francisco Beltrão, [email protected]
** Professor do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Geografia, Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, campus Francisco Beltrão, [email protected]
cidade e o campo no Brasil aparecem como realidades cada vez mais integradas”. Uma
depende da outra para oferecer serviços essenciais para a população em geral.
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕS CAMPO-CIDADE-CAMPO
Na região Sul do Brasil, a maioria das cidades foi formada como pequenas vilas
fundadas pelos portugueses, alemães, italianos e poloneses. Nas proximidades dos caminhos
das tropas que ligavam o RS a SP, havia paradas em determinados trechos para alimentação e
descanso das pessoas e do gado. A partir daí emergem pequenas vilas que, aos poucos,
tornam-se cidades. No decorrer do século XX, como nas demais regiões do Brasil, há um
intenso processo de urbanização que passa, necessariamente, pela migração campo-cidade.
“Neste início de século XXI, fazendo-se uma retrospectiva do século passado, verificamos
que uma de suas principais marcas foi o intenso processo de urbanização”. (SPOSITO, 2006,
p. 111)
A paisagem vai sendo alterada à medida que as pessoas saem do campo e procuram as
cidades para viver, esta cresce espacialmente em virtude da transformação das áreas rurais em
urbanas. Assim, a cidade constitui-se como a expressão material da sociedade, são as
residências, o comércio, as indústrias e áreas de recreação; já o espaço urbano se caracteriza
pelo modo de vida, da forma como as pessoas convivem neste espaço, o trabalho, o agito, o
trânsito, as centralidades etc. Constitui-se no conjunto dos diferentes usos da terra, a divisão
que caracteriza as áreas que compõem e valorizam a cidade, tais como a central onde, durante
a semana, é um espaço agitado, em virtude da concentração das lojas e, nos finais de semana,
é espaço calmo, apesar do adensamento populacional. Existem as áreas industriais, onde há
maior concentração de empresas, localizadas em espaços mais distantes do centro da cidade.
Na cidade ainda existem os espaços de lazer, áreas residenciais, espaços calmos e amplos, e
áreas de futuras expansões. (CARLOS, 2008).
Ainda conforme a autora, a cidade é uma forma de apropriação do espaço, essa
apropriação influencia as desigualdades sociais pela valorização do espaço que tem um valor
* Mestranda em geografia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus
Francisco Beltrão, [email protected]
** Professor do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Geografia, Universidade
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de uso e de troca. “O uso do solo será disputado pelos vários segmentos das sociedades de
forma diferenciada, gerando conflitos entre indivíduos e usos”. (CARLOS, 2008, p. 88). Essa
disputa tem como foco principal o mercado que impõe condições capitalistas, gerando os
conflitos sociais nesse espaço, pois o mesmo apresenta desigualdades. A cidade é o lugar
onde acontecem os processos sociais, como a produção do capital e acumulação deste, que
gera as edificações espaciais numa organização espacial urbana específica. Os processos
sociais e espaciais são responsáveis pela organização desigual das cidades.
Já com relação à definição de campo temos, conforme Marafon (2011), que o mesmo
se define como local onde ocorre a produção agropecuária, também se transforma num espaço
que abriga outras atividades, tais como, trabalho de caseiros, diaristas, jardineiros, entre
outros, gerando renda e lucro como ocorre nas atividades da cidade.
Medeiros (2011, p. 59-60) destaque que “o campo pode ser compreendido como
recurso a partir do seu modo produtivo (agricultura, pecuária, agroindústria e turismo, etc...)
como um modo de vida enquanto local de residência e de lazer”. Esta autora ainda lembra a
importância da natureza que, em muitos casos, é preservada, contribuindo para manter a
diversidade biológica através da manutenção e preservação da vegetação, principalmente em
locais onde ocorre a produção familiar, pois suas atividades são diferenciadas do agronegócio
que possuem a lógica capitalista, onde cada metro de área é usado para a produção mercantil.
De maneira geral, na década de 1960, começa a mecanização da agricultura e esse
processo vai se intensificando, aumentando também as relações entre os espaços rural e
urbano (ROSA, 2006) proporcionando, em muitas situações, o êxodo rural.
A partir da década de 1970, o processo de urbanização se acentua em virtude de
fatores econômicos, políticos e culturais. Muitas empresas transnacionais, por exemplo,
instalam-se na região Sudeste e esta passa a ser pólo receptor de migrantes principalmente do
campo, que saem das regiões Nordeste e Sul em busca de trabalho e melhores condições de
vida. Ao longo do século XX, a economia brasileira sofreu modificações, com o advento da
industrialização, situação que intensificou o processo de urbanização nas cidades.
* Mestranda em geografia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus
Francisco Beltrão, [email protected]
** Professor do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Geografia, Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, campus Francisco Beltrão, [email protected]
“Com as transformações ocorridas no Brasil posterior a políticas implementadas por
Getúlio Vargas e Jucelino Kubitschek, aconteceu uma nítida transição nos cenários políticos e
econômicos, passando de um país agrário exportador para um país urbano industrial”.
(SILVA, 2006, p. 65). O êxodo rural tem significativa influência das políticas que
favoreceram o desenvolvimento industrial e a mecanização da agricultura, pois contribuíram
para provocar a expropriação de muitos trabalhadores rurais que acabaram migrando para as
cidades, consoante já mencionamos.
Com as mudanças bruscas do processo de mecanização da agricultura, muitas vezes,
as cidades não estavam preparadas para receber o contingente populacional migrante do
campo, pois é necessário infraestrutura para atender a população, com programas habitação de
qualidade, oferta de empregos, de escolas, de serviços na saúde, entre outros, processo que
acirrou os problemas sociais, como o surgimento de favelas, o desemprego, a violência, o
tráfico de drogas, entre outros. Há, no campo e na cidade, a espacialização das desigualdades
sociais.
A migração para a cidade ainda é um fato cotidiano, porém, em menor escala. Os
jovens camponeses, em especial, continuam migrando para as cidades para trabalhar, estudar
etc., enfim, em busca de melhores condições de vida, deixando de dar continuidade ao
trabalho dos seus pais, pois o sonho de uma vida mais tranquila com um salário mensal está
na cidade.
Existem vários problemas enfrentados pelos migrantes nas cidades, tais como os
preços elevados dos imóveis, salários baixos, entre outros, tornando a vida cada vez mais
difícil. Nesta condição, começa a ocorrer o inverso, algumas famílias procuram voltar ao
campo, em busca de empregos nas vagas ofertadas pelas agroindústrias. “Há que se destacar o
continuo processo de migração da cidade para o campo, pois as pessoas buscam a inserção no
mercado de trabalho e uma melhor qualidade de vida”. (MARAFON, 2011, p. 155)
No decorrer do tempo as relações entre campo e a cidade foram se transformando, o
campo se moderniza e se aproxima da cidade em suas pautas e modelos de comportamento e
organização. (SOARES, 2011). Isso pode ser explicado através da inserção da tecnologia e da
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modernização no campo. Essa modernidade facilita a vida no campo, atrai migrantes que
procuram tranquilidade sem perder a comodidade. Percebemos então a migração inversa ao
que mencionamos anteriormente, aqui pessoas que vivem nas cidades procuram no campo um
lugar de moradia, de turismo e de prestação de serviços. Conforme Marafon (2011) há que se
destacar o contínuo processo de migração da cidade para o campo, pois as pessoas buscam
entre outras coisas, a qualidade de vida que este meio oferece.
De acordo com Medeiros (2011, p. 64), “o rural passa a ser buscado como ambiente
para o lazer e para a fuga dos problemas da vida urbana, fazendo com que cresçam os
investimentos em condomínios horizontais, chácaras, hotéis-fazenda, spas e coisas do
gênero”.
As atuais transformações no campo brasileiro tornaram-se fundamentais,
pois, o campo, além de desempenhar as funções tradicionais de fornecer
mão-de-obra para a cidade, matérias-primas e consumir produto da cidade,
abriga cada vez mais, atividades não agrícolas, como a produção industrial,
os serviços associados às atividades de turismo que valorizam as áreas com
aspectos naturais. (MARAFON, 2011, p. 155)
Conforme SOARES, (2011, p.77), “[...], hoje em dia esta relação foi totalmente
subvertida pela modernização do campo havendo fluxos intensos de informações de ambos os
sentidos e direções”. O campo é importante da mesma forma que a cidade, na prestação de
serviços, na habitação, no lazer e na geração de renda.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, vale destacar que o trabalho no campo é essencial para a vida nas cidades,
pois é nele que se dá a produção da maioria dos produtos que são consumidos. Ao mesmo
tempo, a produção industrializada e a prestação de serviços feitas nas cidades também são
fundamentais para a vida no campo. Assim, existem redes de circulação (de pessoas e
mercadorias) e comunicação (de informações), e territorialidades, que estão na base das
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relações campo-cidade. Há expansão do urbano no rural e permanências de uma vida rural na
cidade. Ao mesmo tempo, ocorre a migração campo-cidade e, em alguns espaços brasileiros,
há o movimento contrário, pessoas que, sistematicamente, procuram visitar e/ou morar no
campo. De maneira geral, há uma interação constante entre o campo e a cidade, entre o
urbano e o rural, ambos são complexos e heterogêneos: a compreensão da cidade ajuda a
entender o rural e vice-versa. Assim, nos estudos urbanos e rurais, é fundamental se
considerar, além das especificidades de cada espaço, as relações que acontecem entre ambos.
REFERÊNCIAS
CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (Re)Produção do espaço urbano. 1 ed. 1. reimp. – São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
MARAFON, Glaucio. J. Relação campo – cidade: uma leitura a partir do espaço rural
fluminense. In: SAQUET, M. A.; SUZUKI, J. C.; MARAFON, G. J. (Org.).
Territorialidades e diversidade nos campos e nas cidades latino-americanas e francesas.
São Paulo: Outras Expressões, 2011. p. 155- 167.
MEDEIROS, Rosa. M. V. Dilemas na conceituação do campo e do rural no Brasil. In:
SAQUET, M. A.; SUZUKI, J. C.; MARAFON, G. J. (Org.). Territorialidades e diversidade
nos campos e nas cidades latino-americanas e francesas. São Paulo: Outras Expressões,
2011. p. 59- 65.
ROSA, Lucelina. R.; FERREIRA, Darlene. A. de O. As categorias rural, urbano, campo,
cidade: a perspectiva de um continuun. In: SPOSITO, M. E. B.; WHITACKER, A. M. (Org).
Cidade e campo. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 247p. p. 187- 204.
SCARLATO, Francisco C; POTIN, Joel A.; FURLAN, Sueli A. (coordenação). O ambiente
urbano. São Paulo: Atual, 1999.
SILVA, William. R. da. Reflexões em torno do urbano no Brasil. In: SPOSITO, M. E. B.;
WHITACKER, A. M. (Org). Cidade e campo. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 247p.
p.65- 80.
* Mestranda em geografia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus
Francisco Beltrão, [email protected]
** Professor do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Geografia, Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, campus Francisco Beltrão, [email protected]
SOARES, Paulo R. R. Dilemas na conceituação da cidade e do urbano no Brasil. In:
SAQUET, M. A.; SUZUKI, J. C.; MARAFON, G. J. (Org.). Territorialidades e diversidade
nos campos e nas cidades latino-americanas e francesas. São Paulo: Outras Expressões,
2011. p. 67-78.
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. A questão cidade-campo: perspectiva a partir da
cidade. In: SPOSITO, M. E. B.; WHITACKER, A. M. (Org). Cidade e campo. São Paulo:
Expressão Popular, 2006. p.111- 130.
* Mestranda em geografia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus
Francisco Beltrão, [email protected]
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