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USO DA ENERGIA NUCLEAR PARA FINS PACÍFICOS: MEDIDAS DE
DENSIDADE, UMIDADE E COMPRIMENTO DE MATERIAIS
USANDO RADIAÇÃO GAMA
Luiz Fernando Pires
Doutor em Ciências - USP
Departamento de Física, Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Campus de Uvaranas, Bloco L, Sala 115
Av. Carlos Cavalcanti, 4748, CEP 84.030-900Ponta Grossa – PR
Resumo
Fontes radioativas têm sido amplamente usadas nas últimas décadas para pesquisas em muitas
áreas de conhecimento tais como, na indústria, agricultura, biologia e medicina. Técnicas
nucleares são sempre utilizadas quando é desejável se evitar o contato mecânico com o material que
está sendo analisado. Neste trabalho a técnica de atenuação de raios gama foi aplicada em medidas
de distribuição de densidade e umidade e de comprimento de materiais sólidos e porosos. Uma fonte
radioativa de 241Am e um detector de iodeto de sódio dopado com tálio (NaI(Tl)) para a detecção dos
fótons gama foram usados. Os resultados obtidos pelo método nuclear foram comparados com
àqueles medidos por métodos tradicionais e demonstraram uma boa correlação entre métodos.
Portanto, a técnica nuclear mostra-se uma ferramenta interessante para medidas não destrutivas de
densidade, umidade e comprimento em diferentes pontos de amostras sólidas ou líquidas, o que não
pode ser obtido pelos métodos tradicionalmente usados.
Palavras-chave: Raios gama; coeficiente de atenuação; lei de Beer-Lambert.
Abstract
Radioactive sources have been widely used in the last decades in the scientific research in
many areas of knowledge such as, industry, agriculture, biology, and medicine. Nuclear
techniques are always utilized when avoidance of mechanical contact with the material
analyzed is desirable. In this work the gamma-ray attenuation technique was applied to
measurements of moisture and density distributions and length of solid and porous
materials. A 241Am gamma-ray source and a NaI(Tl) scintillation crystal detector were
used. Obtained results by the nuclear method were compared to those measured by
traditional methods and they demonstrated a good correlation. The nuclear technique
shows to be an interesting tool to non-invasive density, moisture, and length measurements
in different places of solid and liquid samples, which can not be obtained by traditional
methods.
Keywords: Gamma-rays; attenuation coefficient; Beer-Lambert law.
I. Introdução
A radiação gama e os raios-X são ondas eletromagnéticas que possuem a mesma
natureza da luz visível. A radiação gama tem origem quando núcleos instáveis (radioativos)
sofrem decaimento através de emissões de partículas alfa ou beta. Nestes processos, como os
decaimentos nem sempre são puros, os núcleos radioativos acabam decaindo, após a emissão
de uma partícula radioativa, para estados metaestáveis ocasionando assim a emissão de fótons
gama até que o núcleo atinja a estabilidade. Os raios-X podem ser produzidos, por exemplo,
quando elétrons são acelerados em direção a átomos de um dado material (alvo). A interação
destes elétrons com os átomos do alvo permitem a obtenção de raios-X através de dois
diferentes processos de interação: 1) ionização do átomo alvo a partir da colisão dos elétrons
2
acelerados com os elétrons constituintes do alvo arracando-os e 2) freamento dos elétrons
acelerados ao passarem próximos do núcleo atômico do átomo alvo (Radiação de
Bremsstrahlung). Nesse último caso a interação dos elétrons rápidos com o núcleo atômico do
átomo alvo modificará a sua trajetória e de acordo com os princípios da física quântica, o
decréscimo de energia de movimento dos elétrons é convertida em fótons de raios-X.
Existem tubos de raios-X onde é possível se produzir essa radiação X. Esses tubos
consistem basicamente de um cátodo (filamento) e um ânodo (alvo) encapsulados por um
invólucro no qual se faz vácuo. Quando uma corrente passa pelo filamento provoca
aquecimento do mesmo possibilitando que elétrons sejam ejetados (efeito termoiônico) 1 .
Como existe uma diferença de potencial grande entre o cátodo e o ânodo, os elétrons ejetados
pelo efeito de aquecimento do filamento, são acelerados fortemente. Esses elétrons são então
direcionados até o alvo e após a interação podem produzir raios-X através das duas maneiras
descritas anteriormente.
A característica dos raios-X produzidos irá depender da voltagem de aceleração e do
material de que é constituído o ânodo. Quanto maior for a voltagem de aceleração maior será
a energia do elétron e, conseqüentemente, maior será também a energia da radiação sendo,
portanto, menores os comprimentos de onda da radiação produzida (McGERVEY, 1971) 2 .
Os processos ocorridos na interação da radiação gama e X com a matéria são bastante
diferentes daqueles envolvendo partículas alfa (α) e beta (β). Essas radiações tratam-se de
fótons que possuem um alcance e poder de penetração muito maiores do que as partículas α e
β (HELENE, 1996; FARIA E VENTURA, 2002) 3 . No caso dessas duas últimas, quando
interagem com a matéria - devido as suas massas e cargas - perdem rapidamente a sua energia
para o meio com o qual estão interagindo, produzindo excitações e ionizações. No caso das
radiações gama e X o processo de absorção pode ser completo, envolvendo o
desaparecimento do fóton, ou pode ser parcial, neste caso o fóton é espalhado para fora do
feixe original. Esse processo ocorre com cada fóton gama sendo removido individualmente do
feixe num único evento. Essa característica do processo de remoção dos fótons é responsável
pela absorção sempre ocorrer seguindo uma exponencial. Assim o número de fótons que pode
ser removido ao passar por uma dada espessura (Δx) do absorvedor é proporcional a Δx e ao
número de fótons que alcança Δx, este tipo de dependência conduz à lei de absorção
exponencial (KAPLAN, 1983; KNOLL, 1989).
Os processos mais importantes de absorção da radiação gama e X pela matéria são: 1)
absorção fotoelétrica, 2) espalhamento Compton e 3) produção de pares elétron-pósitron, que
ocorre como um resultado da interação entre os raios gama e os campos elétricos dos núcleos
atômicos.
II. Coeficiente de atenuação
Quando um feixe de fótons gama monoenergético interage com um determinado
material absorvedor, esses fótons podem ser espalhados, absorvidos ou transmitidos através
do mesmo. Para um mesmo absorvedor com diferentes valores de espessura, o resultado da
atenuação deve ser uma exponencial simples (Fig. 1).
1
O efeito termoiônico é definido como a emissão de elétrons por uma superfície metálica aquecida. Os primeiros
sinais do fenômeno foram observados em meados do século XVIII por Charles DuFay (McGERVEY, 1971), que
notou que um um gás conduzia eletricidade quando colocado próximo a um sólido aquecido.
2
McGERVEY, J. D. Introduction to Modern Physics. London: Academic Press, 1971.
3
HELENE, M. E. M. A radioatividade e o lixo nuclear. São Paulo: Editora Scipione, 1996.
FARIA, J. A.; VENTURA, D .R. Noções de Física Moderna. Viçosa: Editora UFV, 2002.
3
Fig. 1 – Curva característica de transmissão de raios gama para uma boa colimação em que x representa a
espessura, μ o coeficiente de atenuação linear e I/I0 a atenuação devido à amostra.
A capacidade que o material absorvedor apresenta de espalhar ou absorver o fóton,
possibilita caracterizá-lo com uma grandeza chamada coeficiente de atenuação. O coeficiente
de atenuação linear (μ) representa a probabilidade, por unidade de comprimento, de que um
fóton gama seja absorvido por um determinado material. Microscopicamente, o coeficiente de
atenuação linear é simplesmente a probabilidade de que um fóton seja removido do feixe
pelos efeitos fotoelétrico, Compton, produção de pares e Rayleigh (FERRAZ E MANSELL,
1979; KAPLAN, 1983):
μ = τ ( fotoelétrico) + ε (Compton) + κ ( pares) + ξ ( Rayleigh)
(1)
onde τ representa a contribuição da atenuação devido ao efeito fotoelétrico, ε ao efeito
Compton, κ ao efeito produção de pares e ξ ao efeito Rayleigh.
No entanto, o uso do coeficiente de atenuação linear é limitado pelo fato de variar com
a densidade do absorvedor, mesmo que este seja sempre o mesmo material. Por esse motivo,
define-se um novo coeficiente chamado de coeficiente de atenuação de massa (μm) e que é
amplamente utilizado, dado por:
μm =
μ
ρ
(2)
onde ρ (kg.m-3) representa a densidade física do material absorvedor. Para uma determinada
energia, o coeficiente de atenuação de massa não muda com o estado físico do absorvedor,
por exemplo, ele permanece o mesmo para a água tanto no estado líquido como gasoso
(JENKINS et al., 1981).
Porém, diferentes energias de fótons apresentarão distintos valores de coeficientes de
atenuação de massa. Por exemplo, durante a interação de fótons de 59,54 keV4 do 241Am com
a água, o efeito Compton contribui com aproximadamente 89% (81% de espalhamento
Compton e 8% de absorção Compton) do coeficiente de atenuação total e o efeito fotoelétrico
e Rayleigh com 7% e 4%. Para fótons de energia média, como é o caso do 137Cs (661,6 keV),
o efeito Compton contribui com aproximadamente 100% do coeficiente de atenuação total
(62% devido ao espalhamento Compton e 38% devido à absorção Compton), outros processos
para essa energia podem ser negligenciados (FERRAZ E MANSELL, 1979; KAPLAN,
4
Vale lembrar que 1 eV = 1,6 x 10-19 J.
4
1983). A tabela 1 a seguir traz os principais radioisótopos que podem ser usados em métodos
de medida experimental usando radiação gama.
Tabela 1 – Radioisótopos usados como fontes de raios gama em medidas de atenuação da radiação gama pela
matéria (Fonte: FERRAZ E MANSELL, 1979).
Radioisótopos
Amerício – 241Am
Cádmio – 109Cd
Césio – 134Cs
Meia vida (T1/2)
(anos)
458
1,24
2,5
Césio – 137Cs
Chumbo – 210Pb
Cobalto – 60Co
30
20
5,3
Mercúrio – 203Hg
0,13
Sódio – 22Na
2,6
Picos Principais
(%)
(keV)
86
60
100
88
23
570
98
605
99
796
85
662
4
47
100
1173
100
1332
38
78
77
279
180
511
100
1275
III. Atenuação da radiação pela matéria: Lei de Beer-Lambert
A lei de atenuação de Beer-Lambert é capaz de relacionar a atenuação produzida por
uma amostra às suas características físicas, tais como: densidade, umidade e espessura. A Fig.
2 traz um desenho esquemático da interação de um feixe de raios-X ou gama com uma
amostra material.
Fig. 2 – Representação esquemática do processo de atenuação de radiação por uma dada amostra material.
Sendo N0 o número de fótons que atravessa a abertura C (de área A) por unidade de
tempo em direção a D, caso somente o ar estivesse atenuando o feixe de radiação, para uma
pequena distância poderia se considerar que o valor do número de fótons seria considerado
praticamente constante, claro que à medida que o feixe vai se afastando da fonte, o número de
fótons que chegam a um determinado ponto cai com o quadrado da distância devido à
dispersão do feixe. No entanto, no caso do diagrama esquemático existe um material
atenuador com o qual o feixe de radiação está interagindo. Nesse diagrama é possível
observar que existem fótons que são absorvidos, espalhados e refletidos pelo atenuador de
espessura dx. Esses efeitos decorrem dos processos de interação da radiação com a matéria.
Portanto, após a interação da radiação com a amostra material haverá uma dada quantidade
dN de fótons que não irá alcançar D. O número de fótons dN que não chegam a D é
5
proporcional à quantidade inicial N0 de fótons e também à espessura dx do absorvedor, como
mostrado a seguir:
dN = − μ .N 0 dx
(3)
onde a constante de proporcionalidade μ é o coeficiente de atenuação linear como já descrito
anteriormente.
Freqüentemente nos textos científicos encontra-se a Eq. 3 escrita em termos da
mudança dI na intensidade inicial I0 do feixe de radiação que chega até o absorvedor. Assim
para o caso de um feixe de fótons monoenergéticos a variação da intensidade será dada por:
dI = − μ.I 0 dx
(4)
O sinal negativo indica a diminuição na intensidade do feixe transmitido com o
aumento da espessura do absorvedor. A Eq. 4 ainda pode ser integrada ao longo da espessura
da amostra considerando-se x = 0 a superfície em que chegam os fótons incidentes e x = x a
superfície de onde emergem os fótons transmitidos:
I
x
dI
∫I I = − μ ∫0 dx
0
(5)
Após a integração da Eq. 5 é possível chegar à conhecida Lei de Beer-Lambert:
I = I 0 exp(− μ.x)
(6)
Para sistemas em que existem dois ou mais tipos de materiais absorvedores, como é o
caso, por exemplo, de amostras de solo é possível escrever a seguinte relação para o feixe
transmitido (WANG ET AL., 1975; FERRAZ E MANSELL, 1979; HUBBELL, 1990):
I = I 0 . exp− ( μ ag .xag + μ s .x s ) = I 0 . exp− ( μ mag .ρ ag .θ + μ ms .ρ s ).x
(7)
onde μs, μag, μms e μmag são os coeficientes de atenuação linear e de massa do solo e da água,
respectivamente.
Pela Eq. 7 é possível observar que nas medidas do coeficiente de atenuação linear do
material absorvedor estão embutidas informações a respeito da sua densidade e umidade, o
que possibilita medir essas duas quantidades através da técnica de atenuação de raios gama.
IV. Equipamentos usados para efetuar medidas experimentais pela técnica de
atenuação de raios gama
As intensidades da radiação gama transmitida e incidente (I e I0) utilizadas na
determinação da atenuação produzida por diferentes materiais são determinadas através de um
sistema chamado de cadeia nuclear (Fig. 3).
6
Fig. 3 – Diagrama em blocos do sistema de detecção da radiação gama (cadeia nuclear).
Através dos mecanismos de interação da radiação com a matéria, elétrons do interior
do cristal cintilador (detector de radiação) são elevados a estados de maior energia decaindo
aos estados de menor energia muito rapidamente. No processo de transição aos níveis de
menor energia são emitidos fótons com freqüência situadas na faixa de luz visível do espectro
eletromagnético.
Os pulsos luminosos gerados da interação da radiação com o material que compõem o
cristal possuem intensidades proporcionais à energia da radiação incidente no cristal
cintilador. Um amplificador associado a uma válvula fotomultiplicadora, faz com que estes
pulsos luminosos sejam transformados em pulsos elétricos, que podem ser discriminados
através da utilização de um analisador monocanal. Um contador identifica os pulsos
discriminados no analisador monocanal e os conta num intervalo de tempo determinado por
um temporizador.
As medidas de densidade, umidade e comprimento efetuadas neste trabalho foram
realizadas no Laboratório de Física dos Solos do Centro de Energia Nuclear na Agricultura
(USP/CENA) situado na cidade de Piracicaba, SP. A fonte radioativa usada foi de 241Am com
um período de meia vida (T1/2) 5 de 458 anos. A energia do fóton gama (Eγ) proveniente da
fonte de 241Am é de 59,54 keV e sua atividade é de aproximadamente 7,4 GBq 6 . Um detector
de iodeto de sódio ativado com tálio [NaI(Tl)] do tipo plano com dimensões de 3x3 polegadas
foi usado para detecção dos fótons gama. O detector é revestido por um castelo cilíndrico de
alumínio e blocos de chumbo são colocados ao seu redor para minimizar a detecção de fótons
não provenientes das fontes radioativas, ou seja, radiação de fundo ("background").
Na saída da fonte radioativa e entrada do detector foram colocados colimadores de
chumbo com diferentes formatos (cilíndricos e fenda) e diâmetros. A colimação entre fonte e
detector é importante porque pode minimizar erros tanto nas medidas de densidade como de
umidade (FERRAZ E MANSELL, 1979). Sistemas mal colimados possibilitam a detecção de
5
Cada elemento radioativo decai a uma velocidade que lhe é característica. Meia-vida é o tempo necessário para
que a sua atividade seja reduzida à metade da atividade inicial.
6
1 Bq = 1 desintegração por segundo (s-1).
7
fótons espalhados – não "puros" – como se fossem transmitidos (fator "build-up")
(OCHIANA, 1994; BRAR et al., 1998). Uma boa colimação é sempre necessária para a
realização de medidas mais precisas utilizando-se o método de atenuação da radiação gama. A
Fig. 4 traz fotos de alguns dos equipamentos usados nas medidas pelo método nuclear.
(A)
(B)
(C)
Fig. 4 – (A) Colimadores de chumbo com diferentes formas e diâmetros; (B) Castelo de chumbo contendo a
fonte radioativa de 241Am; (C) Mesa de medidas onde pode ser observado o detector de NaI(Tl), o préamplificador, o castelo de chumbo contendo as fontes radioativas e a blindagem de chumbo sobre o detector.
8
V. Resultados experimentais
1) Coeficiente de atenuação
A fonte radioativa utilizada como descrito anteriormente foi a de 241Am com "janela"
fixada para o fotopico do espectro de radiação entre 3,2 a 5,8 V (Fig. 5). A temperatura da
sala para as medidas foi mantida constante em torno de 22,0 ± 1,0°C. O levantamento do
espectro para a definição do fotopico, referente aos fótons emitidos pela fonte radioativa,
consiste no primeiro passo experimental antes de qualquer medida usando um feixe de
radiação colimado (MANSELL ET AL., 1973).
6000
Colimador tipo fenda
Colimador 4 mm
5000
I (10 s)
4000
3000
2000
1000
0
1
2
3
4
5
6
7
altura do pulso (V)
Fig. 5 – Espectro do
formatos diferentes.
241
Am com o fotopico referente ao gama de 59,54 keV obtido para dois colimadores de
A determinação do coeficiente de atenuação linear para as amostras sólidas (peças de
acrílico e nylon) usadas neste estudo foi realizada através do seguinte procedimento: 1)
mediu-se o I0 (cps) com o feixe de radiação sendo atenuado somente pelo ar, usando
colimadores de 1 mm e 4,5 mm na saída da fonte radioativa e entrada do detector, com um
tempo de contagem de 60 s para cada medida de intensidade; 2) mediu-se o I (cps) para 20
diferentes posições (repetições) ao longo das amostras; 3) determinou-se a espessura, x (cm),
de cada material com auxílio de um paquímetro; 4) usou-se a Eq. 6 para a determinação de μ;
5) mediu-se a densidade, d (g.cm-3), de cada material para o cálculo dos respectivos
coeficientes de atenuação de massa pela Eq. 2;
A determinação do coeficiente de atenuação linear para a amostra porosa (solo) usada
neste estudo foi realizada através do seguinte procedimento: 1) primeiramente a amostra de
solo secada em estufa a 105°C por um período de 24 h foi passada em peneira com malha de
2 mm; 2) selecionou-se um recipiente de volume conhecido para acondicionar o solo, o qual
foi preenchido cuidadosamente; 3) mediu-se a massa de solo, m (g), contida no recipiente para
a determinação da sua densidade e, conseqüentemente, do seu coeficiente de atenuação de
massa; 4) determinou-se a espessura do material medindo-se o comprimento interno do
recipiente usado para acondicionar o solo; 5) mediu-se o I0 com o feixe de radiação sendo
atenuado somente pelo recipiente onde o solo foi acondicionado; 6) mediu-se o I para 20
9
diferentes posições (repetições) ao longo da amostra; 7) usou-se a Eq. 6 para a determinação
de μ.
A determinação do coeficiente de atenuação linear para a amostra líquida (glicerina)
usada neste estudo foi realizada através do seguinte procedimento: 1) escolheu-se um
recipiente de volume conhecido para acondicionar o líquido, o qual foi preenchido
cuidadosamente; 2) mediu-se a massa de líquido contido no recipiente para a determinação da
sua densidade e, conseqüentemente, do seu coeficiente de atenuação de massa; 3) determinouse a espessura do material medindo-se o comprimento interno do recipiente usado para
acondicionar o líquido; 4) mediu-se o I0 com o feixe de radiação sendo atenuado somente pelo
recipiente onde o líquido foi acondicionado; 5) mediu-se o I para 20 diferentes posições
(repetições) ao longo da amostra; 6) usou-se a Eq. 6 para a determinação de μ.
2) Medidas de densidade usando atenuação de raios gama
Dois materiais sólidos (peças de nylon e acrílico) e um líquido (glicerina) foram
usados nas medidas de densidade pelo método de atenuação de raios gama. Os valores dos
coeficientes de atenuação destes materiais foram retirados do trabalho de Pires et al. (2005).
Na tabela 2 constam detalhes a respeito de algumas características físicas dos materiais usados
nas medidas de densidade.
Tabela 2 – Características físicas das amostras usadas na determinação da densidade usando a lei de atenuação
de Beer-Lambert.
Material
Acrílico
Nylon
Glicerina
V (cm3)
11,3
107,3
134,8
m (g)
10,6
120,5
160,7
d (g.cm-3)
0,93
1,12
1,19
μm (cm2.g-1)
0,152
0,183
0,184
As medidas de densidade pela técnica de atenuação de raios gama foram feitas com o
feixe de radiação sendo posicionado para passar em cinco diferentes posições ao longo das
amostras. Um colimador de chumbo com 1 mm de diâmetro foi usado na saída da fonte. Estas
posições foram nominadas P1, P2, P3, P4 e P5. O valor de densidade média (média aritmética
simples das 5 densidades obtidas para as 5 diferentes posições de varredura) obtido pela
método nuclear foi comparado com o calculado tradicionalmente (tabela 2). A tabela 3 traz os
valores de densidade medidos pelo método nuclear para os 3 diferentes materiais.
Tabela 3 – Medidas de densidade usando a atenuação de raios gama.
Material
Acrílico
Nylon
Glicerina
1
P1
0,95
1,15
1,20
P2
0,99
1,19
1,17
P3
0,97
1,09
1,18
O erro relativo (ER) foi calculado usando-se a seguinte relação:
d (g.cm-3)
P4
P5
Média ER (%)1
0,93
0,96
0,96
3,2
1,13
1,13
1,14
1,6
1,19
1,19
1,19
0,3
d ( tradicional ) − d ( atenuação )
ER (%) =
.100
d ( tradicional )
O baixo valor de erro relativo (tabela 3) demonstra que os valores experimentais de
densidade medidos através da técnica de atenuação de raios gama estão bastante próximos dos
valores determinados tradicionalmente. Este resultado mostra que esta técnica pode ser usada
com segurança para determinações de densidade de diferentes materiais. O valor de erro
maior encontrado para a peça de acrílico pode ser explicado pela presença de impurezas na
10
peça afetando a sua homogeneidade ou então devido a flutuação estatística existente nos
eventos de desintegração de um núcleo radioativo. Durante uma medida de I, a sua incerteza a
um nível de 68% de probabilidade, é igual a I .
Ainda com a finalidade de mostrar que os dados de densidade obtidos pelo método
nuclear são satisfatórios foi construído um gráfico de densidade, calculada tradicionalmente e
pelo método de atenuação de raios gama, versus o coeficiente de atenuação linear para os 3
diferentes materiais (Fig. 6).
1,20
-3
d (g.cm )
1,12
1,04
Método Tradicional
Método Nuclear
Ajuste Linear dos Dados
0,96
d=0,48+3,20μ
2
r =0,99
0,88
0,12
0,15
0,18
0,21
0,24
-1
μ (cm )
Fig. 6 – Correlação entre a densidade e o coeficiente de atenuação linear de diferentes materiais.
Quando ocorre um aumento da densidade de um determinado material este deve
também atenuar uma maior quantidade de fótons, por este motivo as blindagens para fontes
radioativas de raios gama são feitas geralmente de chumbo 7 . Portanto, quanto maior a
densidade maior o coeficiente de atenuação do material, sendo este resultado corroborado
pelo gráfico mostrado na Fig. 6.
3) Medidas de umidade usando a atenuação de raios gama
Para a medida de umidade utilizando o método nuclear foi coletada uma amostra de
solo (material poroso) com estrutura indeformada em um tubo de PVC possuindo as seguintes
dimensões: altura de 30 cm, diâmetro de 10 cm e volume de 2355 cm3. No centro do tubo de
PVC, contendo o solo, foi inserida uma cápsula porosa ligada a um outro tubo de PVC, com
as mesmas dimensões da cápsula (diâmetro de 2 cm), o qual era mantido cheio de água. Com
o solo inicialmente seco foram feitas as medidas de I0 em diferentes posições ao longo da
amostra desde próximo a borda da cápsula porosa até próximo a borda do tubo de PVC que
continha a amostra (Fig. 7A). As medidas de I0 e I foram realizadas ao longo de um plano
cruzando o centro da cápsula porosa e em ambos os lados da mesma (Fig. 7B). Após todas as
medidas de I0 e I, ao redor da cápsula porosa, o tubo de PVC foi girado de 90˚ e novas
medidas de I0 e I foram realizadas em ambos os lados da cápsula porosa por uma segunda vez
(Fig. 7C). Os valores de umidade obtidos representam uma média das medidas em ambos os
7
Por exemplo, as densidades da água, chumbo e alumínio são: 1 g.cm-3, 11,34 g.cm-3 e 2,70 g.cm-3.
11
lados da cápsula porosa (para cada posição) antes e após girar o conjunto de 90˚. Estas
determinações foram realizadas para se verificar a capacidade do solo em retirar água da
cápsula porosa preenchida com água.
Fig. 7 – (A) Representação esquemática do arranjo experimental para determinação da distribuição de umidade
de material poroso (solo) usando o método de atenuação de raios gama; (B) Cada seta indica a posição de
varredura do feixe de radiação ao lado da cápsula porosa; (C) Varredura nas mesmas posições após o conjunto
girar um ângulo de 90˚.
Os coeficientes de atenuação de massa do solo (0,241 cm2.g-1) e da água (0,199 cm2.g) foram determinados seguindo os procedimentos descritos anteriormente. Como a espessura,
x, é variável para a amostra de solo contida no cilindro de PVC, a mesma foi determinada
marcando-se com uma caneta a posição onde seria feita cada avaliação de atenuação ao longo
do tubo e medindo-se cada espessura com o auxílio de um paquímetro. As espessuras das
amostras varridas pelo feixe ao longo das sete posições selecionadas, a partir da borda da
cápsula porosa, foram: 9,4; 9,0; 8,5; 7,5; 6,8; 5,9 e 4,0 cm. Vale lembrar que a espessura no
centro do conjunto (tudo de PVC + cápsula porosa) era de 10 cm. Portanto, conhecendo-se os
coeficientes de atenuação do solo e da água, a densidade do solo calculada tradicionalmente
(1,56 g.cm-3) e as espessuras cruzadas pelo feixe de radiação foi possível o cálculo da
distribuição de umidade média ao redor da cápsula porosa com auxílio da Eq. 7. A tabela 4
traz o valor da distribuição de umidade média para as sete diferentes posições de medida ao
longo da cápsula porosa.
1
Tabela 4 – Valores médios da distribuição de umidade em amostra de solo (material poroso) usando a técnica de
atenuação de raios gama.
Posição da Medida
1
2
3
4
5
6
7
R (cm)1
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
x (cm)2
9,4
9,0
8,5
7,5
6,8
5,9
4,0
θ (%)3
37,9
24,4
14,7
11,1
6,8
3,5
2,3
1
R representa a distância da medida com o feixe de radiação a partir da parede da cápsula porosa; 2 x represente a espessura cruzada pelo
feixe de radiação; 3 θ representa a distribuição de umidade do solo expressa em porcentagem.
A partir da análise dos dados de umidade média mostrados na tabela 4 é possível
observar que existe um gradiente de umidade a partir da borda da cápsula porosa preenchida
com água até as paredes do cilindro de PVC. Este resultado mostra que a água tende a se
concentrar próximo a cápsula porosa e apenas uma pequena fração sua consegue atingir as
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regiões próximas as bordas da amostra de solo. Portanto, o método nuclear demonstra ser uma
ferramenta útil para medidas de distribuição da umidade em materiais porosos.
4) Medidas de comprimento usando a atenuação de raios gama
Para as medidas de comprimento foram usadas duas peças sólidas construídas em
acrílico e nylon cuja descrição encontra-se na tabela 2. A escolha de tais peças é devido a
relativa homogeneidade de seus valores de densidade. Para a peça de nylon (retangular) foram
feitas 3 medidas em um de seus lados e outras 3 em outro, sendo cada contagem dos fótons
realizada na altura central da amostra (Fig. 8A). Após essas 3 medidas em cada lado foi
obtido um valor médio de comprimento referente a cada um dos lados e estes dados foram
usados para o cálculo da área da peça pelo método nuclear. Para a peça de acrílico (cilíndrica)
foram feitas 3 medidas na área de maior diâmetro da peça, sendo que para cada medida a peça
foi girada de 90˚ (Fig. 8B). O objetivo de cada medida foi obter um valor médio do diâmetro
da peça para posteriormente calcular-se a área da base da peça cilíndrica de acrílico usando-se
o método nuclear. A Eq. 7 foi utilizada na determinação do comprimento e diâmetro das
peças. Como ambas não continham água o termo referente a umidade foi considerado nulo e
os valores de densidade usados para ambas as peças foram aqueles determinados
tradicionalmente (tabela 2).
Fig. 8 – (A) Posições selecionadas (setas) de passagem do feixe de radiação para a determinação do
comprimento da peça de nylon; (B) Posições selecionadas (setas) de passagem do feixe de radiação para a
determinação do diâmetro da peça cilíndrica de acrílico.
As medidas de comprimento de ambas as peças realizadas tradicionalmente com o
auxílio de um paquímetro e também pelo método de atenuação de raios gama são
apresentadas na tabela 5.
Tabela 5 – Valores de comprimentos obtidos tradicionalmente e pelo método de atenuação de raios gama para
dois materiais diferentes.
Método Tradicional
Material C1 (cm)1 C2 (cm) A (cm2)2
Acrílico
4,73
17,57
Nylon
6,11
4,00
24,44
1
C1 (cm)
4,70
6,09
Método Gama
C2 (cm) A (cm2)
17,35
3,99
24,30
ER (%)3
1,3
0,6
Cn representa os comprimentos medidos por ambas as técnicas; 2 A representa a área calculada; 3 O erro relativo (ER) foi calculado usando-
se a seguinte relação:
ER (%) =
A(tradicional ) − A( atenuação )
A(tradicional )
.100 .
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O baixo valor do erro relativo encontrado mostra que a técnica de atenuação de raios
gama permite a obtenção de valores de comprimento e diâmetro com uma boa precisão.
VI. Considerações finais
Os resultados deste trabalho demonstram possíveis aplicações da energia nuclear e da
lei de Beer-Lambert para determinações de distribuições de umidade e densidade de materiais
e também cálculos de espessura. Neste trabalho optou-se por se trabalhar com fontes
radioativas que emitem raios gama. No entanto, os mesmos resultados poderiam ser
alcançados com o auxílio de fontes de raios X.
As aplicações da técnica de raios gama demonstradas neste trabalho podem ser
facilmente repetidas em universidades que possuam laboratórios que façam uso da energia
nuclear, porém o uso desta metodologia em instituições de ensino médio torna-se inviável
devido ao preço dos equipamentos necessários para tais medidas e das exigências das
agências que regulam o uso de materiais radioativos no Brasil para a instalação de fontes
radioativas.
A publicação deste trabalho tem como objetivo principal mostrar aos professores e
alunos do ensino médio, e também superior, possíveis usos da energia nuclear visando o
ensino e a pesquisa, além da sua já conhecida utilização na geração de energia elétrica e
construção de bombas de destruição em massa.
VII. Referências bibliográficas
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