O CONHECIMENTO DE ALUNOS JOVENS E ADULTOS EM RELAÇÃO AOS
NÚMEROS DECIMAIS: O CASO DE PEDREIROS E AJUDANTES
Maria José Gomes – UPFE
[email protected]
Rute Elizabete S. Rosa Borba – UFPE
[email protected]
Resumo
O presente estudo investigou o conhecimento matemático construído por alunos
da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Objetivou-se investigar os
conhecimentos sobre números decimais de alunos de escolas da rede pública que
exercem diferentes profissões. Foi realizado um levantamento das profissões
exercidas pelos alunos e selecionados para o estudo-piloto quatro profissionais da
construção civil e foram coletados dados através de entrevista clinica piagetiana.
Observou-se que os alunos buscam referências na sua experiência profissional e
transferem suas estratégias para situações não familiares, evidenciando, assim, a
necessidade de aproveitamento no ensino na EJA de estratégias utilizadas pelos
alunos nas suas práticas profissionais.
Palavras–chave: Prática profissional, conhecimento de decimais, educação
matemática.
Introdução
Ao longo de nossas experiências como educadoras várias são as
nossas indagações sobre a ação de ensinar e de aprender, e ainda, sobre as
especificidades pertencentes à Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Buscando conhecer melhor sobre este tema, temos procurado as publicações
para fim de estudos, porém, estas ainda são relativamente poucas no Brasil.
Segundo Fonseca (2002) há carência de produção nesta área, e esta é
ainda maior na Educação Matemática. Tal afirmação nos mostra a necessidade
de pesquisas sobre o aluno da EJA e nos incentiva a contribuir nesta
investigação, buscando conhecer sua identidade sócio-cultural, seu potencial
cognitivo e afetivo, enfim – suas especificidades.
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Aluna do Curso de Mestrado em Educação (CE/UFPE).
Orientadora da dissertação em andamento.
GOMES, M., BORBA, R. O Conhecimento de Alunos Jovens e Adultos em Relação aos Números Decimais: O
Caso de Pedreiros e Ajudantes. In Anais do SIPEMAT. Recife, Programa de Pós-Graduação em EducaçãoCentro de Educação – Universidade Federal de Pernambuco, 2006, 8p.
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Por isso nesta pesquisa (em andamento) do Mestrado em Educação
temos os seguintes objetivos:
y Identificar as estratégias pessoais dos alunos da EJA utilizadas na resolução
de problemas, envolvendo números decimais.
y Observar conhecimentos aplicados a diferentes contextos.
Revisão da Literatura
Estudos de interacionismo histórico–social, tais como os desenvolvidos
por Vygotsky (1987) e Lúria (2002), têm defendido a idéia de que a cultura
influencia no desenvolvimento cognitivo do homem e que, através das relações
sociais travadas no seu cotidiano, o homem é capaz de reconstruir significados
e conceitos. Estes estudos evidenciam que esta reconstrução se dá desde a
infância através do contato da criança com os membros da sua família e
continua ao longo da sua vida, ampliando-se através das novas relações que
surgem no ambiente de trabalho, na escola, nas relações sociais de forma
geral.
Em acordo com este pensamento, esta pesquisa assume a perspectiva
que a cognição é socialmente construída e, conseqüentemente, que o
conhecimento não pode ser estudado enquanto uma atividade isolada de seus
contextos de origem. Tem-se como objeto de estudo o conhecimento
matemático sobre o conceito de números decimais, que é construído pelos
alunos Jovens e Adultos em seu exercício profissional, relacionados aos
contextos da construção civil e da marcenaria. Entende-se que através das
relações que estes profissionais travam com outros profissionais mais
experientes, bem como através das atividades que executam no seu cotidiano
em seu contexto de trabalho, eles vão formando o conceito de números
decimais.
A formação de conceitos matemáticos e o uso da matemática na vida
diária em relação à matemática formal da escola têm sido documentadas em
diversas pesquisas, principalmente no campo da Psicologia Cognitiva (Abreu,
1988; Nunes Carraher, 1988; Schliemann, 1988; Magalhães, 1990; dentre
outros), buscando verificar como as pessoas desenvolvem conceitos
matemáticos através de experiências não formais em diferentes contextos
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Caso de Pedreiros e Ajudantes. In Anais do SIPEMAT. Recife, Programa de Pós-Graduação em EducaçãoCentro de Educação – Universidade Federal de Pernambuco, 2006, 8p.
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sociais. De forma geral, estas pesquisadoras constaram que a experiência
social contribui para o desenvolvimento de estratégias e habilidades e que
melhores resultados são obtidos quando a experiência social é combinada com
experiência escolar.
Tendo como objeto o fazer matemático na pratica profissional, faz-se
importante considerar também a Etnomatemática e a sua proposta pedagógica,
pois esta direciona nosso olhar para questões sócio-culturais e exige, de nós
professores, uma pedagogia de inclusão de espaços para a diversidade e para
a valorização dos saberes presentes em diferentes contextos. (MONTEIRO,
OKEY, DOMITE, 2004, p.19).
Como afirma Freire (2006, p.30), ensinar exige respeito ao saberes dos
educandos, sobretudo os da classe populares, que chegam à escola com
saberes socialmente construídos na prática comunitária. Isto significa abrir
espaço para que no âmbito escolar sejam consideradas as várias formas de
matematizar dos diferentes grupos sociais: a Matemática praticada por
categorias profissionais específicas, a Matemática escolar, a Matemática
presente nas brincadeiras infantis, dentre outras (KNIJNIK, 1996, p.74.).
Ao admitir a existência de outras matemáticas, será incorporado à
Matemática, como disciplina, o respeito a outros modos de pensar, até então
desvalorizados e, porque não dizer, ignorados.
As pesquisas realizadas no campo da Etnomatemática buscam o
resgate da etnomatemática de povos de diferentes culturas, bem como se
voltam para a educação e para a Educação de Jovens e Adultos. Dentre estas
destacamos, o estudo realizado por Giongo (2004) com alunos-trabalhadores
da 7ª série, que buscou identificar a relação entre as práticas da produção de
calçados com os saberes formais da escola; a pesquisa de Ribeiro e Nazareth
(2004) sobre como estabelecer “um vínculo entre a matemática escolar e o
cotidiano de um grupo social” com sujeitos alunos de uma 5ª série com
experiência profissional na área da construção civil; e a de Fantinato (2004)
com este mesmo objetivo foram analisadas as representações quantitativas e
espaciais de alunos de duas turmas de jovens e adultos de uma comunidade
do Rio de Janeiro.
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De forma geral, estes pesquisadores concluíram haver a necessidade
da investigação dos saberes de um grupo social e suas formas de construção,
pois esta garante a preservação da identidade dos sujeitos e ainda verificaram
que a construção dos saberes dá-se prioritariamente em contextos externos à
escola.
Metodologia
A metodologia, aqui exposta, refere-se a um estudo piloto, no qual foram
participantes quatro alunos da Educação de Jovens e Adultos, que são
profissionais da construção civil, tendo os seguintes perfis:
Alunos
A1
A2
A3
A4
Série
Módulo I
Módulo I
Módulo II
Módulo II
Idade
23
17
32
35
Profissão
Ajudante de pedreiro
Ajudante de pedreiro
Pedreiro
Pedreiro
Tempo de Trabalho
1 ano
9 anos
4 anos
5 anos
Os procedimentos adotados constaram de:
1. Levantamento em quatro escolas publicas (municipais de Recife e
estaduais) das profissões exercidas pelos alunos.
2. Seleção de quatro alunos, de acordo com a freqüência das profissões.
3. Elaboração e aplicação de um teste de 6 problemas envolvendo números
decimais, sendo 3 questões de construção civil e 3 de marcenaria. Uma
questão de cada contexto não era muito usual na construção civil ou
marcenaria.
4. A apresentação foi realizada de duas maneiras diferentes:
Seqüência alternada: um problema do contexto de construção civil seguido
de um problema de contexto de marcenaria
Seqüência contínua: todos os problemas do contexto da construção civil
seguidos de todos os problemas de contexto de marcenaria.
5. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista clínica piagetiana.
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Resultados
Três aspectos foram tomados como eixos para comparação entre os
resultados obtidos, que serão apresentados e exemplificados.
1. Uso de Aproximações: Em muitas práticas profissionais aproximações
ou arredondamentos são freqüentemente usados. Um dos alunos explicitou
este fato diante da seguinte situação proposta:
Um marceneiro foi contratado para revestir alguns quadros do Colégio
Brasil com as seguintes medidas. 2,05 de comprimento por 1,4 de largura.
Quantos metros quadrados de fórmica serão necessários para revestir 8
quadros?
Aluno (A4): E! Quando a gente vai, no meu caso, como eu sou pedreiro, eu
vou trabalhar com cerâmica. Então esse cinco, aqui (apontando para o 2,05), já
não tá valendo, porque isso aqui é uma parte do material, quando a gente vai
fazer... porque a gente pede normal, dois e oitenta e cinco, mas ai tem a sobra
e não vende dois e oitenta e cinco, só vende três metros. Então a gente fecha
em três metros, por causa dos trinchos. Tem de ser quadrado!
2. Relevância da experiência: a experiência profissional dos pedreiros,
em relação à dos ajudantes, mostrou-se ser mais significativa para a resolução
das situações apresentadas (apesar de um dos ajudantes ter 9 anos de
trabalho).
Um terreno retangular tem 15,25 m de comprimento por 8,3 de largura.
Quantos metros de muro o pedreiro vai ter de construir para cercá-lo?
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Aluno (A2): Oito metros aqui (apontando para o desenho) com 8 daqui, dá
dezesseis. E aqui quinze e vinte cinco com quinze e vinte cinco dá ... quarenta
e sete metros.
Aluno (A4): Dá oito e trinta com mais oito e trinta dá dezesseis e sessenta.
Com mais quinze. Ai .. quinze com quinze dá... dá trinta, né? Trinta metros e
meio com dezesseis e sessenta, no caso, dá o total de quarenta e sete,
quarenta e sete e dez. Quarenta e sete e dez menos dois e cinqüenta, fica
quarenta e cinco e setenta centímetros.
3. Seqüência dos problemas propostos: em ambas as seqüências, ocorreu a
transferência de contextos familiares para não familiares, porém percebemos
durante a realização das entrevistas que na seqüência alternada os alunos
tiveram mais facilidade para realizá-la do que na seqüência contínua.
Conclusões
Os resultados obtidos neste estudo sugerem:
1. Ao tentar resolver situações propostas, alunos da EJA buscam referências
na sua experiência profissional.
2. Em relação aos pedreiros, observamos que a experiência destes é
significativa na formação do conceito de números racionais, devido às
estratégias de cálculo utilizadas e às habilidades demonstradas.
3. Diferentemente, os ajudantes de pedreiro demonstraram muita dificuldade na
resolução e em realizar cálculos com números decimais, pois desconsideravam
a parte decimal dos números propostos na situação.
4. Os alunos conseguem transferir estratégias para outras situações que não
são comuns ao seu cotidiano.
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Caso de Pedreiros e Ajudantes. In Anais do SIPEMAT. Recife, Programa de Pós-Graduação em EducaçãoCentro de Educação – Universidade Federal de Pernambuco, 2006, 8p.
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5. Os resultados evidenciam a necessidade de aproveitamento no ensino na
EJA de estratégias utilizadas pelos alunos nas suas práticas profissionais.
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Caracteriza-se pela exposição de uma síntese de uma pesquisa ou