DISCURSO CARLOS LESSA
ÍNTEGRA DO DISCURSO DE CARLOS LESSA
Senhor Márcio Fortes de Almeida, Secretário Executivo do Ministério da Indústria e
Comércio; Senhor Antonio Juan Sossa, Vice-Presidente Corporativo da Corporación
Andina de Fomento; Senhor Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário
Executivo do Ministério das Relações Exteriores; Professor Marco Aurélio Garcia, Chefe
da Assessoria Especial do Presidente da República.Vejo agora confirmada a minha
certeza anterior: este seminário de prospecção de projetos de infra-estrutura voltados à
integração foi, dentro das condições em que podemos trabalhar e dentro do estágio de
conhecimento que alcançamos, um êxito.
Eu não vou revisitar os argumentos que o meu companheiro Sossa já tão bem
listou, segundo os quais nós dois estamos avaliando que o seminário foi um passo à
frente. A infra-estrutura é, rigorosamente, a locomotiva do processo de desenvolvimento.
Sem o bloco de infra-estrutura não se preenche a condição necessária para que as
sinergias do continente venham a nos beneficiar a todos e a cada um. Caminhar nessa
direção é certamente uma tarefa prioritária para os bancos de fomento que promoveram
esse encontro, para todos os senhores que aqui estiveram nessa jornada, escutando,
conversando, realizando reuniões paralelas, trocando cartões de visita, trocando sonhos,
trocando informações, construindo uma rede sul-americana para a integração do
continente. Este é o momento de falar de providências concretas, práticas e que se
sucedem a essa reunião.
Nesse momento, tenho imensa satisfação de poder anunciar aos senhores que o
BNDES tomou a decisão de organizar um departamento vocacionado para a integração
sul-americana. Vamos organizá-lo na nossa área de comércio exterior. O departamento
representa - e eu quero dizer isso só para que os senhores tenham uma idéia do nosso
interesse e esforço - numa área
que tem 22 técnicos e que opera 42% do nosso
orçamento, o recrutamento de mais 16 pessoas. O Banco é muito avarento com o seu
pessoal. Nada nos desgosta mais do que qualquer outra instância de governo pedir
alguém emprestado. Temos poucos quadros; dedicar 16 quadros do Banco nesse
momento a essa tarefa é, para todos que pertencem à comunidade do BNDES, um sinal
inequívoco da imensa importância que damos à integração sul-americana.
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Nós estamos prontos para examinar, em conjunto com o CAF, formas de convergir
nossos esforços. O Dr. Sosa falou, com muita precisão, que nos debruçaremos sobre os
projetos que estejam maduros -
veremos qual o melhor caminho para que
sejam
financiados. Isso pode passar por um co-financiamento, pode passar pelo financiamento
de cada um dos nossos bancos isoladamente; porém, daqui para a frente, qualquer que
seja o contrato ligado à infra-estrutura sul-americana a ser assinado, terá, pelo menos, a
assinatura espiritual dos nossos bancos. Estaremos juntos em qualquer desses projetos.
Esperamos que esse primeiro conjunto de projetos seja o início de uma caminhada para
etapas mais ambiciosas. Creio que os 22 projetos aqui repertoriados se distribuem mais
ou menos assim: vinte deles somam alguma coisa em torno de 5,5 bilhões de dólares;
dos dois brasileiros, o do Rio Madeira tem o tamanho dos outros 20, é há um menor. O
projeto Rio Madeira, sozinho, tem quase 6 bilhões de dólares.
Eu insisti muito para que o projeto Rio Madeira fosse apresentado nesse seminário.
Primeiro, eu estou absolutamente convencido de que um projeto desta magnitude irá
gerar muita controvérsia e, quanto mais controvérsia gerar, mais viabilização haverá para
ele; em segundo lugar, esse projeto era, da carteira dos nossos projetos, o que tinha mais
o sentido da conquista do Oeste, o sentido da construção no interior do continente, de um
espaço de prosperidade e de um espaço articulado para a expansão.
Eu não sei se a energia dessas usinas será para Manaus, se irá numa ou noutra
direção, mas estou absolutamente certo de que 4,8 mil quilômetros de aquavias - 30
milhões de hectares de terras no Brasil, na Bolívia e Peru abertos à produção representam para a história do continente um movimento em pequena escala do que foi a
ocupação do velho oeste do continente norte-americano. Eu acho que é um gesto, um
projeto que tem este significado de por a modernidade sul-americana na interlândia ainda
não ocupada. Nunca consigo deixar de lado o que foi, na minha juventude, o anúncio de
Brasília: foi objeto de toda classe de críticas possíveis, toneladas foram escritas contra
Brasília. Hoje Brasília representa uma área de ocupação com 30 cidades com 100 mil
habitantes ou mais, representa uma malha de transporte, representou a civilização
brasileira com o que lá tem de virtudes e defeitos, representou ocupar a Amazônia
meridional. José Carlos Braga, meu amigo de velha guarda, Secretário de Planejamento
do Amazonas, sonha todo dia com um modo de ocupar a Amazônia setentrional. Eu creio
que não deve ser um sonho muito diferente dos venezuelanos, dos colombianos, dos
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peruanos e dos equatorianos que têm, ainda, um vasto pedaço da Amazônia a ser
incorporada ao processo produtivo.
Eu ouvi com atenção a chamada do meu querido Marcio sobre meio ambiente.
Tenho absoluta certeza de que esse é um ponto fundamental, porém eu gostaria de
chamar a atenção para que a maior agressão ao meio ambiente, à natureza, é o homem
pauperizado e sem destino. Esse homem destrói a natureza porque é a única forma que
ele tem para poder sobreviver. Coerentemente,aqueles que querem preservar o meio
ambiente como absoluto deviam ser conseqüentes e propor o genocídio. Por que? Porque
a única forma de ter um meio ambiente amável, bem tratado, bem cuidado, preservado e
sustentável é dando uma condição de vida digna para todas as pessoas, para o bicho
homem, que faz parte da natureza. Eu não resisto muito a sublinhar isso, porque é
evidente que uma estrada que está encascalhada deve ser asfaltada, ou então
dinamitada e devem ser colocadas trincheiras, com minas, para destruir qualquer bicho
homem que ouse penetrar naquele espaço. Eu realmente não consigo entender com
muita clareza o que significa vetar o desenvolvimento das forças produtivas, tenho muita
dificuldade em entender isso. Sou uma voz controversa sobre o assunto; obviamente,
nenhum projeto será aprovado sem que cumpra as exigências de avaliação dos impactos
de meio ambiente, condição mínima para que o BNDES e o CAF examinem os projetos.
Pelo que eu estive conversando, praticamente todos os 22 projetos
já têm as
autorizações de meio ambiente, as avaliações de impacto ambiental. Vamos estar prontos
para seguir em frente.
Eu não resisto, ainda, a revisitar uma coisa que eu achei que o meu Marcio Fortes
ia falar; quero dar o último recado. Conversava hoje eu com o Senhor Ministro de Obras
Públicas da Bolívia e ele me falou que há um contingenciamento na Bolívia, de 2% do
equivalente PIB, como limite superior de operações de financiamento/ano. Muito bem, eu
não consigo entender porque a Bolívia tem um limite desse tipo que, aliás, não é diferente
dos limites que o próprio Brasil e a maior parte dos países latino-americanos tem. Quem
nos põe camisa de força? Quem toma conta dos nossos anseios, das nossas ambições?
Quem reduz ou minimiza o impacto dos nossos pesadelos?
Sonhos e pesadelos são nossos. Eu não acho correto, acho quase insultante que,
na Europa, as regras de contabilização do fundo para os investimentos do setor público
sejam muito mais amenas e muito mais racionais do que as da América Latina. O que
significa isso? Estamos sendo interditados? Em capítulos como o convênio de crédito
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recíproco, com restrições ao investimento em projetos que a nossa competência técnica e
que a nossa vontade política escolha, não podem pesar restrições vindas de além-mar.
As restrições devem ser da nossa própria consciência, da nossa própria competência,
porque quem sofre com os resultados da nossa incompetência ou da nossa inação somos
nós. Devemos de ter o direito de decidir como enfrentá-los. Eu acho que essa é uma
convicção que deve estar presente no coração dos sul-americanos. Caso contrário,
estaremos reduzidos a desempenhos extremamente medíocres, que não passam pela
vontade nem dos bancos que organizaram esse encontro, nem dos senhores que vieram
aqui passar três dias conosco, aceitar.
Na verdade, os projetos que são importantes devem ser financiados. E aí os
senhores me perguntarão: “está desconhecendo as restrições de natureza fiscal e
financeira?” Não, sou macro-economista e sei que, do ponto de vista do movimento global
das economias, essas restrições são vencidas, basicamente, pelo próprio processo
dinâmico de expansão e desenvolvimento econômico. Dito de outra maneira: se nós
tivermos coragem de levar à frente nossos sonhos, eles viram realidade e constróem
novas configurações. Se ficarmos intimidados, rigorosamente iremos a uma posição mais
secundária e mais marginal, e cada vez mais as restrições nos parecerão inibidoras.
Este seminário termina, para mim, com uma dimensão muito, muito, muito forte de
afirmação da identidade do continente sul-americano. Que, antes do fim do ano, a maior
parte desses projetos já se estejam convertendo em consultas concretas a nossos dois
bancos, para que possamos abrir caminho a eles.
Agradeço imensamente a presença e a participação dos senhores. Muito obrigado.
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