“Não são os que procuram a verdade que são perigosos, mas os que acham que a
encontraram.”
W. Ritschard
Tal como proferido por W. Ritschard perigosos são aqueles que se julgam como
possessores de verdade. A verdade não se possui, a verdade conhece-se. A partir do momento
em que o Homem passou a existir, que a verdade sempre foi assunto de opiniões controversas
e debates sobre a veracidade das afirmações sobre a dita verdade. No entanto, podemos
“dividir” a verdade em duas frentes: a veracidade de uma dada proposição e a verdade que,
muitas vezes, se constitui como orientadora da conduta humana, a verdade que aos olhos dos
filósofos sempre foi vista como o supremo conhecimento, o mais alto degrau a que se pode
subir: saber a verdade sobre o mundo, sobre a existência, conhecer a verdade escondida nas
entrelinhas do nosso caminho – a razão do nosso viver, ocultada pelas rotinas de todos os dias,
que dá sentido à Vida. E é acerca dessa verdade que desejo discutir.
Para começar acho importante esclarecer um aspeto que, para alguns, não apresenta
qualquer diferença: a diferença entre ter conhecimento e conhecer. Creio que ter
conhecimento de algo é muito diferente de conhecer algo. É verdade que temos
conhecimentos de numerosos acontecimentos do mundo, das várias culturas que nos rodeiam
(e dos respetivos preconceitos e “tábuas” de valores que as caracterizam), das diferenças
existentes entre o nosso país e o país de outrem, das dificuldades que atravessamos, da crise
que hoje em dia enfrentamos. Mas será que apesar de termos conhecimento de tudo isto
podemos afirmar que o conhecemos? Não, não creio que o possamos fazer. Se questionarmos
a maior parte da população portuguesa sobre o porquê da nossa situação atual, sobre o
porquê de existir guerra, o porquê dos conflitos de valores, o porquê dos preconceitos, seriam
poucos os que nos saberiam responder. E não o conseguiriam fazer, precisamente, por terem
apenas conhecimento do que se passa e por, efetivamente, não o conhecerem de verdade.
Mas o que é afinal afirmar que conhecemos algo? Será apenas ter consciência da sua
existência? Não, a isso chama-se ter conhecimento de x assunto. Conhecer algo vai muito além
do empírico, do mundo sensível onde projetamos as nossas vidas. Em analogia com a Alegoria
da Caverna, de Platão, poderíamos dizer que o ter conhecimento de algo seria representado
pelas sombras na parede, simples alusões a uma realidade, que acabam por ser vistas como a
própria realidade. Por outro lado, conhecer algo seria representado pelo caminho duro e árduo
que liberta o olhar retorcido pela penumbra que, durante toda uma vida, impediu o Homem
de Olhar o Mundo, caminho esse que após grande dose de reflexão e percepção da nova
realidade, daria lugar à luz que ilumina a vida dos Homens, a luz do conhecimento, a luz da
razão.
O que acontece no mundo de hoje é, precisamente, esta confusão entre estas duas
ideias: o ter conhecimento e o conhecer. E quem é realmente perigoso é aquele que por ter
conhecimento da existência da verdade, julga conhecê-la. Um verdadeiro sábio tem
consciência que nada sabe. Sócrates, convencido desta verdade, procurou mostrar aos
homens que se julgavam sábios, que na verdade nada sabiam. Como é de imaginar, homens
que eram altamente reconhecidos pela sociedade daquela época não admitiram ser chamados
de ignorantes (não por nada saberem, mas por pensarem saber tudo). O destino de Sócrates
foi a morte. Foi morto porque o mundo não aceitou a verdade (aquela que pensava já ter
encontrado).
Será que Sócrates estava errado em relação à sua perspetiva do saber, do
conhecimento? Será que, de facto, não sabemos nada? Na minha opinião, não podemos
afirmar que nada sabemos. O Homem conhece vários aspetos da sua vida, no entanto, esse
conhecimento é referente a assuntos que se encontram dispostos na espessa camada do
mundo sensível. Podemos afirmar que o Homem sabe como regar uma planta (porque tem
conhecimento da sua necessidade de água mas, principalmente, depois de a ter estudado,
conhece o porquê desta necessidade), no entanto, será que podemos afirmar que o Homem
conhece a Vida? Ele tem, de facto, consciência da sua existência mas será que conhece o seu
porquê, as suas razões? Não… mas é esse o “papel” dos homens. Conhecer a razão para que
estamos aqui e, a partir desse momento, poder investir nesse bem tão precioso que é o
conhecimento e tornar-se não num mero homem, que vagueia pela Terra a queixar-se
constantemente dos males que o assombram, mas no Homem que se encontra dentro de
todos nós e que anseia ter a oportunidade de vir conhecer o Mundo, de subir os degraus da
escada da Vida e poder dizer que a olhou, olhos nos olhos.
Uma pergunta pode ser mais explosiva do que milhões de respostas. Na minha visão do
mundo e da vida, aquilo que se procura não são as respostas mas sim as perguntas. Os grandes
filósofos do mundo tornaram-se Homens pela sua questionação constante, pelo seu amor à
sabedoria, pela vontade incessante de nunca deixar de aprender. O mar de conhecimento que
é o mundo é uma imensidão sem fim que ninguém pode possuir nem conhecer por inteiro –
Sócrates tinha consciência disso, por isso afirmava nada saber. O grande Bem da Vida é
conseguir que cada gota, cada novo mergulho nesse oceano sem fim, acrescente algo em nós,
nos faça mais cultos, mais conscientes da nossa ignorância (que deve constituir não um
entrave na nossa caminhada de todos os dias, mas sim um força motriz que nos leve mais e
mais longe, a cada dia que passa).
O Homem, que vive acomodado no seu tão vago saber, aprisionado às correntes do
pensamento, às sombras da caverna, que o impedem de ser realmente Livre para voar e
conhecer o Mundo, ainda não aprendeu a olhar o que o rodeia com um olhar crítico, com um
pensamento construtivo. Assume que as coisas são como são e de nada vale dar-se ao
trabalho de as questionar, de as tentar conhecer. Contenta-se com o facto de ter
conhecimento da sua existência. E é esta humanidade que gera os homens que se julgam
sábios, que julgam ter encontrado a verdade. Mas a verdade, é que esses homens estão longe
de encontrar a verdade. Para além de não a terem encontrado, perseguem-na (na esperança
de a possuir) como quem persegue o horizonte: quando pensamos estar a aproximar-nos dele,
mais longe ele se encontra do nosso alcance. Mas então, não será normal perguntar o porquê
desta situação e, talvez, até relacioná-la com a situação de crise (financeira e de valores) que
vivemos hoje em dia? Porque será então que o homem julga já ter encontrado a verdade, o
grande Bem da vida? O que o faz tão presunçoso assim? Porque será que se imagina mais Alto
que a própria vida? Não será então esta realidade distorcida da verdadeira realidade que tem
sida implementada na vida dos homens (por eles mesmos) a razão de muitos dos nossos
problemas? Acharmo-nos de tal forma poderosos, que tudo está sob o nosso controlo,
senhores e donos da razão, da verdade sobre a vida? Sim, na minha opinião, foi esta atitude
perante a vida tão pouco humilde que nos levou à situação que hoje vivemos: uma profunda
crise de valores, de troca de prioridades, que acabou por despoletar numa crise financeira em
que nos afundamos a cada dia que passa.
O que é também intrigante, para além da existência desta atitude tão pouco estimulante
do pensamento humano, é se de facto ainda existem homens que procurem a verdade e que,
à medida que vão conhecendo pedaços do mundo, continuam a ter consciência que apesar de
terem alargado o seu saber não encontraram ainda a verdade. Será que ainda existe esperança
numa atitude mais pró-ativa dos homens, de uma atitude mais filosófica? Se não houvesse,
porque estaria eu numa sala repleta de jovens mentes com sede de conhecer o mundo, o
conhecimento, a vida? Existe esperança, não tenho dúvidas. Ainda existem muitas mentes que
divagam pelas perguntas que constituem o nosso mundo, pelas perguntas sobre a sua
existência e do porquê de vivermos a vida como realmente o fazemos. Enquanto existir
Filosofia, vai continuar a existir esperança. Enquanto o mundo não desistir da Filosofia, quando
deixar de desvalorizar a sua enorme força de mudança, vai haver esperança não só para os
homens mas também para um mundo melhor. A Filosofia é a chave da mudança que
desejamos ver no mundo. A Filosofia é a luz da razão, a luz que ilumina a vida de quem
escolheu deixar a escuridão para trás e vir ao encontro do mundo, do Mundo que se esconde
nas coisas supérfluas a que acabamos por dar mais importância do que uma boa conversa,
uma boa discussão em torno de algo realmente importante, algo que faça parte dos homens
não pelo seu valor material mas pelo valor inestimável de o conseguir mudar, de lhe conseguir
abrir os olhos.
A Filosofia é o que confere ao homem consciência da sua “ignorância” perante o
mundo… um filósofo sabe que pode aprender e surpreender-se com o céu estrelado, que pode
conhecer-se a si mesmo, que pode questionar as normas morais tendo em conta os seus
princípios éticos, que pode constatar que os valores que hierarquiza talvez precisem de uma
mudança. Um filósofo tem conhecimento que o que existe para conhecer é infinito: porque o
conhecimento e o saber não se podem delimitar, não existe fronteira que impeça o seu
crescimento constante. Um filósofo sabe que não pode possuir o conhecimento tal como sabe
que para todas as perguntas que colocar a resposta que obtiver nunca o deixará por ali… pelo
contrário, levá-lo-á a novas perguntas, a novas interrogações, rumo a uma nova fonte se saber,
a mais um degrau a ser subido.
Qual será então o risco de alguém julgar ter encontrado a verdade? Como já disse
anteriormente neste ensaio, a verdade não se possui, a verdade conhece-se. Apesar de muitos
de nós termos conhecimento da existência da verdade, alguns insistem em vê-la como algo
que temos de ter “do nosso lado” para que sejamos vistos pelo mundo como alguém
inteligente, alguém que deve ser tido em conta. Mas aquele que, um dia, consiga encontrar a
verdade (se é que tal é possível) não será um homem vulgar. Aquele que conseguir olhar a
Vida olhos nos olhos será a representação humana da Filosofia, a desfragmentação do mundo
num só Homem, os pedaços de todas as vidas conjugadas na sabedoria de uma só.
Haverá tarefa mais difícil do que conhecer o grande Bem da Vida, a razão para que
estamos aqui, conhecer a verdade? Não nos podemos esquecer que conhecer o Mundo
acarreta consigo uma grande responsabilidade: o dever de agir eticamente perante todos os
homens, não usufruindo do enorme saber adquirido para detrimento do Outro. Encontrar a
verdade, encontrar o grande Bem da Vida é algo que exige de nós tudo o que somos e tudo o
que podemos vir a ser. Tão longa caminhada com certeza que nos levaria por locais da mente
nunca antes explorados, por assuntos delicados que fazem o homem levantar questões que
lhe desorientam a alma e a vontade de continuar… Se do conhecimento advém uma noção
diferente do mundo que habitamos, então essa noção acabará por nos transformar também a
nós, a nossa visão de nós mesmos. Não querendo, de todo, denotar o conhecimento
negativamente, mas sim tentar demonstrar o “outro lado da moeda”, é preciso também ter
em conta que quando a nossa forma de olhar o mundo muda, também nós acabamos por
mudar. E a mudança, um processo que não é visto com bons olhos pela maioria (exatamente
por ser difícil), transforma a nossa perspetiva em relação à vida, o que é difícil: apercebermonos que passámos uma vida inteira a viver num mundo que não conhecíamos e que acaba por
se revelar algo muito diferente de tudo com o que estamos habituados a lidar. Mas a
habituação à mudança faz parte do processo de aprender a conhecer, e quando o homem se
dispõe a aprender a conhecer, começa a sua longa caminhada pelos caminhos da Vida e de si
próprio, onde irá conhecer a beleza e os pormenores importantíssimos de tudo o que nos
rodeia, mas também a frieza com que o mundo às vezes se nos apresenta.
Apesar de a mudança constituir um processo usualmente demorado e difícil, dessa
mudança conseguimos sempre (re)construir um pouco de nós mesmos, reinventar a nossa
forma de pensamento, as nossas ideias… E eu creio que o mundo (e pelo mundo, refiro-me aos
homens, que o constroem) necessita de uma mudança. E essa mudança não pode demorar
muito mais tempo… Urge que os homens se levantem do seu sono dogmático, se libertem das
correntes que o têm limitado e enfrentem a vida com uma nova atitude! Uma atitude positiva
que vise a felicidade, uma atitude que permita levantarmo-nos oito vezes depois de cairmos
sete, uma atitude que nos desperte para o que se passa no mundo e o que se passa connosco
mesmos, uma atitude atenta às relações pessoais, que estimule a nossa condição de ser social.
Por outras palavras, uma atitude filosófica que nos leve a questionar, a conhecer, a tentar
compreender o mundo… Uma atitude que nos faça felizes não por termos encontrado a
verdade, mas por continuarmos à procura dela.
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O texto da Beatriz