LETRAS
Jorge Andrade e seu Rasto Atrás
Maria Lucileide Ferreira da Silva
Pesquisadora
Sílvia Quintanilha Macedo
Orientadora
Resumo
Esta pesquisa teve como proposta a análise, sob o aspecto filosófico, da obra dramática Rasto Atrás de Jorge Andrade.
A perspectiva de leitura foi a de relacionar o conflito do protagonista Vicente com alguns princípios do existencialismo de
Jean-Paul Sartre. Ressaltamos que além da análise dessa peça teatral, fizemos um panorama dos dez textos que compõem
o ciclo Marta, a Árvore e o Relógio. Com essas leituras procuramos destacar o caráter universal da obra do autor e a sua
marginalidade no cenário do teatro brasileiro. Considerando a grande Rasto Atrás, constatamos que o protagonista
Vicente é um ser angustiado. Não negligenciou a sua liberdade. Fez da angústia um sentimento sempre presente em sua
trama pessoal.
Palavras-chave: Teatro. Existencialismo.
Abstract
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This research has as a proposal an analysis, under a philosophic aspect, from the dramatic work called Rasto Atrás,
by Jorge Andrade. The reading perspective was to relate the conflict of the protagonist Vicente and some existencialism
principles by Jean-Paul Sartre. We have showed through this play that we’ ve prepared a panorama from the ten texts
that compound the cycle Marta, a Árvore e o Relógio. With this test we’ve tried to show the universal characteristic from
the author work and its marginality around the Brazilian dramatic art. Regarding the great Rasto Atrás, we noticed that
Vicente is an afflicted creature. He hasn’t omitted his liberty. He’s done the affliction a kind of feeling always alive in
his personal drama.
Key words: Dramatic art. Existencialism.
Revista PIBIC, Osasco, v. 3, n. 1, 2006, p. 127-134
Maria Lucileide Ferreira da Silva
1 Introdução
espécie de labirinto do autor; em outras palavras, as
dez obras desse Ciclo abarcam os mesmos motes: o
Esta pesquisa propõe analisar a obra dramática Rasto
Atrás, de Aluízio Jorge Andrade Franco, sob o aspecto
filosófico. Na verdade, tal projeto acadêmico ambiciona
investigar o sentimento de angústia do protagonista
Vicente à luz da filosofia de Jean-Paul Sartre. Importa
passado aprisionador, o apego às tradições do antigo
sistema patriarcal, o conflito de gerações e a inadaptação
ao tempo moderno- todos esses episódios têm como
origem o despreparo emocional dos ex-fidalgos ante a
decadência econômica.
salientar que esta monografia enfocará, ainda, o conjunto
de dez peças que compõe o Ciclo Marta, a Árvore e o
Cabe frisar que esses aspectos evidenciam o
Relógio. Essas análises resultaram em abordagens
universalismo da obra de Jorge Andrade, já que o
significativas, como, por exemplo, a depreensão dos
escritor ao narrar a história da decadência dos antigos
temas da morte e da resistência ao porvir.
aristocratas paulistas, não se esqueceu de expor a
agonia desses indivíduos. Desse modo, partiu do
Interessa ressaltar que esses temas, também,
relacionam-se com a análise filosófica, visto que os
“mortos-vivos” da dramaturgia de Jorge Andrade,
correspondem aos Em-sis de Jean-Paul Sartre. Tal
diálogo ainda ocorre quando as figuras dramáticas
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resistem ao porvir, evitando assim a angústia: “o modo
de ser da liberdade.”
particular para o universal. Contudo, tal evento é
pouco explorado por determinados críticos, que
preferem inserir esse elaborado teatro numa literatura
social referente apenas à história de São Paulo, ao
ciclo do café. Muitos desses profissionais limitam-se
em destacar que Andrade registrou a conturbada
passagem do Brasil rural para o urbano, omitindo o
Vale destacar que a morte nesse teatro revela-se
de duas maneiras: os mortos que servem à vida, e as
fato de que é o próprio homem, com o seu respectivo
desespero, a principal personagem dessa trama.
existências passivas de um tempo estagnado. No
primeiro caso, tem-se como um dos representantes, a
personagem José Dias, de As Confrarias. Este provoca
com o seu corpo insepulto a união das quatro
confrarias. Considerando o segundo caso, existe uma
série de representantes. São eles Joaquim de A
Moratória, Francisco de O Telescópio, Antenor de A
Escada entre outros. A morte destas personagens
revela-se por meio da evasão da realidade, oriunda
da inadaptação ao mundo pós-crise de 29, logo, do
aniquilamento do presente.
Verificamos ainda, com tal investigação, que o ciclo
Marta, a Árvore e o Relógio demonstra-se como uma
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A autobusca apresenta-se como um tema recorrente
nesse projeto dramatúrgico, uma vez que Jorge Andrade
partiu de sua memória familiar, e dela extraiu seus
demônios, a fim de exorcizá-los. Essa auto-análise
revela-se como resposta à incomunicabilidade presente
entre pais e filhos, dentro de um sistema patriarcal.
Interessa sublinhar que Rasto Atrás aborda de maneira
substancial essa problemática.
Constamos que o teatro de Aluízio Jorge Andrade
Franco possui temáticas pouco estudadas, e que estas
representam o principal objetivo de alguém que fez da
arte dramática uma procura constante. Portanto, este
Jorge de Andrade e seu Rasto atrás
artigo visa evidenciar os principais motes que inserem
Vale ressaltar que a estagnação representa um dos
o autor no cenário dos mais completos dramaturgos
cenários principais do teatro andradino. Suas figuras
brasileiros.
dramáticas, na maioria dos textos, são prisioneiras de
um espaço por onde o tempo transita sem nada
2 O teatro de Jorge Andrade
movimentar. A inação encontra-se sempre presente nesse
Aluízio Jorge Andrade Franco (1922- 1984) é
espaço-tempo. Todavia, a falta de ação física não denota
considerado pela crítica especializada um dos mais
uma ausência de ação dramática, ao contrário, é a inação
completos teatrólogos brasileiros. Sua temática vai
a geradora da dramaticidade desse mundo estagnado.
da história brasileira a questões universais.
Andrade, ao desenhar suas personagens, utilizou-se da
Considerando o caráter histórico de sua obra, percebe-
lembrança de pessoas de sua família e de outras de seu
se um Brasil calcado num processo de degradação
convívio. Contudo, ao transformá-las em seres fictícios,
sócio-político-econômico e cultural. E nesse cenário
não escreveu apenas sobre elas, mas, também, do grupo
encontra-se o homem brasileiro, com sua trajetória
social de que fazem parte. O fato de ter usado a própria
marcada por decadências. Estas são o reflexo de uma
vida como inspiração, faz dele um escritor ousado- pela
economia que desde cedo sofreu uma “crise de
coragem de especular o próprio passado, buscando de
identidade”. Afinal de quem é o ouro? A obra do
certa forma a própria identidade, e pela maestria em
escritor paulista faz um panorama histórico dessa crise
transformar os problemas de indivíduos em conflitos
antiga e, ao mesmo tempo, atual.
de grupos sociais. Como bem frisou o crítico Sábato
Magaldi: “Da memória familiar específica, o dramaturgo
Ao ler a dramaturgia de Jorge Andrade, o leitor
ascende à memória grupal.” 1
atento constata, por exemplo, a transição conturbada
do Brasil rural para o urbano. E nesse contexto, as
Interessa salientar que Andrade é reconhecido pela
personagens reais ganham vida interior. Os mais velhos
crítica, sobretudo, pelo caráter histórico de sua obra.
resistem ao progresso, voltando-se sempre para as glórias
Entretanto, há, ainda, em seu repertório dramático, eixos
do passado, enquanto os mais jovens projetam neste
temáticos de cunho psicológico e filosófico, embora
progresso, a salvação para a ruína do “mundo antigo”.
esses aspectos não tenham atraído, de maneira
Tal conflito de gerações está bastante evidente, por
substancial, alguns estudiosos. Existem questões de
exemplo, na relação entre Joaquim e Marcelo de A
caráter universal no bojo de acontecimentos históricos.
Moratória:
Ao escrever A Moratória e O Telescópio, por exemplo,
o teatrólogo não se ateve, apenas, em evidenciar uma
“Joaquim: Você não honra o nome que tem.
crise econômica (Crise de 1929), mas principalmente,
em expor o doloroso diálogo que o homem travou com
Marcelo: (Pausa) E o que é que vale este nome?
essa situação socioeconômica:
Joaquim: Muita coisa. Ainda somos o que fomos “.
(ANDRADE, 1986, p. 158)
Sinto paz quando compreendo que, além do dramaturgo,
sou um repórter que gosta, não de fornecer dados, mas
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de encontrar o homem, e só ele, dentro do fato. É a sua
Pedreira das Almas constatarem que a cidade repleta de
face que procuro tentando encontrar a minha. (Andrade,
1978, p. 51)
túmulos não lhes garante mais nenhuma segurança de
ordem material, uma vez que os veios auríferos há muito
Ao leitor atento não passará despercebido que o
objetivo primeiro do criador dramático é o de expor o
homem como protagonista de sua história, e, ao mesmo
tempo, o de encontrar-se no centro dessa historiografia.
Nesse sentido, vale evidenciar, nesse artigo, algumas
temáticas da sua obra que foram ignoradas e/ou pouco
estudadas por parte de alguns críticos. Há uma série de
questões merecedoras de destaque no teatro do autor
de A Moratória. Questões que demonstram, por exemplo,
o caráter universal da dramaturgia discutida. São muitos
esgotaram. Todavia, foi necessário que Martiniano
morresse pelos soldados das forças absolutistas, e Urbana
pela dor de perder seu filho, para que uma população
percebesse a degradação à qual estava submetida e a
partir daí pudesse reconquistar um novo mundo. Notase, então, que esses mortos foram benéficos à vida.
Trouxeram o futuro aos estagnados de uma cidade cuja
vida havia sido assimilada pela a morte. Urbana e
Martiniano talvez sejam a alma, ou, o bom espírito da
cidade de Pedreira das Almas.
os exemplos dessa universalidade, mas focaremos apenas
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dois que, a nosso ver, possuem extrema importância
Temos ainda no cenário do morto-herói o
para a compreensão do elaborado teatro de Aluízio Jorge
protagonista José da peça As Confrarias, um ator do
Andrade Franco: a morte e a angústia.
Brasil colônia, assassinado por soldados, repressores da
Inconfidência Mineira, movimento do qual o artista fazia
3 A Morte na dramaturgia andradiana
Percebe-se que o universo ficcional andradino
apresenta-se repleto de corpos insepultos. Alguns destes
tratam de personagens que, de fato, morrem. Entretanto,
esses defuntos servem à vida. Por outro lado, surgem
entre esses corpos uma série de “mortos- vivos”. Estes
não servem aos vivos, embora não tenham ainda findado
as suas existências. Quanto ao primeiro grupo, ou seja,
os mortos que servem à vida, tem-se os textos em que
algumas figuras dramáticas morrem. Tal acontecimento
provoca mudanças consideráveis no percurso da trama.
É o caso das peças As Confrarias e Pedreira das Almas.
Nesta última, duas personagens, Martiniano e Urbana
morrem e, após esse evento, toda uma comunidade deixa
a sua cidade (Pedreira das Almas) e vai para o Planalto
parte. Marta carrega o corpo do seu filho numa rede e
passa por várias confrarias com o intuito de sepultá-lo.
Entretanto, não pertence a nenhuma ordem religiosa, já
que sua família nunca pagou os dízimos abusivos das
igrejas, numa época, inclusive, em que os impostos eram
altíssimos, e aquele que não contribuísse com as leis
pré-estabelecidas do Estado e das tais Confrarias, era
considerado um desalinhado. Marta, também
protagonista da trama, não desiste de enterrar o filho.
Da Ordem Terceira de Nossa Senhora à Ordem Terceira
das Mercês, a personagem-mito de Jorge Andrade
incomoda os representantes religiosos das quatro
confrarias. Incomoda, uma vez que questiona a “política”
desses membros, chegando a acusá-los de serem iguais
nas hipocrisias, preconceitos e ambições.
(São Paulo) iniciar o ciclo do café. Os corpos de
A mãe de José expõe o corpo do filho para que o
Martiniano e Urbana servem para os habitantes de
seu odor provoque nos religiosos um desconforto; para
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obrigá-los a perceberem o seu filho, ainda que sem vida.
Além do corpo em decomposição, a protagonista desafia
4 Rasto Atrás e a autobusca de Jorge Andrade/
Vicente: entre a angústia e a má-fé
o poder religioso com depoimentos de sua própria vida
e de sua família que, de certa forma, comprometem essas
Irmandades. A heroína Marta expõe o desvio ético das
igrejas, e a partir dessa denúncia, forma-se uma única
Confraria: a confraria de todos os homens. Portanto,
José representa o morto que serve à vida de todos os
homens, mas principalmente, daqueles “desalinhados”,
submetidos a uma vida insana.
Considerando os “mortos- vivos”, constata-se, no
teatro andradiano, a presença de seres que
negligenciam a sua vida. Isso porque fizeram da ilusão
A obra Rasto Atrás exemplifica o processo de
autobusca de Aluízio Jorge Andrade Franco, na qual
se constata, por exemplo, a luta desenfreada de
Vicente, alter ego do autor, contra o passado que se
apresenta como um monstro.
O protagonista Vicente também anda “rasto atrás”
em relação a seu projeto humano, já que age, muitas
vezes, como um saudosista. Ele quer se libertar do
ontem, contudo, vive preso em rememorações sobre
o passado, evitando, dessa forma, a realidade presente.
o mote de suas existências, deixando, dessa forma, de
Vicente traduz, de certa forma, alguns princípios do
alterar as suas realidades. Joaquim de A Moratória
existencialismo de Jean-Paul Sartre. Detecta-se nesse
exemplifica essa negligência. Nessa obra dramática a
personagem que suas ações o colocam num caminho
morte está legitimada pelo protagonista Joaquim, um
cujas estradas o inserem entre o sentimento da angústia
2
ex-aristocrata cafeeiro cuja falência é oriunda da crise
e da má-fé , à medida que suas decisões e indecisões
de 1929. O protagonista vive a ilusão de que recuperará
são antíteses presentes em sua personalidade. Ele vacila,
sua fazenda. Não aceita a nova época e com ela a
muitas vezes, diante do seu projeto:
triste realidade de que os valores mudaram, de que
um nome, por exemplo, não possui o mesmo
Trabalhei nesta peça durante dois anos, fechado em cima
daquela garagem, preso a uma máquina...! Começo a
significado do antigo mundo aristocrático. Essa
duvidar do que desejei tanto! (ANDRADE, 1986, p. 499).
personagem não faz nada além de sonhar com a
recuperação de seus bens e, enquanto sonha, a sua
filha Lucília sustenta a família com o trabalho de
costureira. O “velho Quim” cultua os mortos, ou melhor,
cultua o grande defunto: a oligarquia cafeeira. Essa
atitude faz dele um “morto-vivo”.
O teatrólogo Vicente cuja obra é marginalizada,
embora premiada, vive um impasse: retornar ou não à
sua antiga morada? Enquanto não decide vive num
processo de “contra-angústia”, já que evita a sua
liberdade de escolher uma ação. Importa ressaltar que
sua esposa Lavínia tenta salvá-lo de uma possível
Enfim, a morte nessa dramaturgia apresenta-se como
estagnação. Isso ocorre quando ela o extrai de suas
um dos principais temas. Tal sentimento vincula-se a
rememorações e o estimula a fazer uma escolha. Por
um dos principais motes do projeto andradino: a
meio dessa personagem feminina e respectivos diálogos
decadência da aristocracia do café.
que trava com o esposo, constata-se a angústia e a máfé do protagonista.
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A criatura mostra-se angustiada ao decidir, por
O homem, estando condenado a ser livre, carrega nos
ombros o peso do mundo inteiro: é responsável pelo
exemplo, investigar a si próprio, e o meio em que vive.
mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser. (2005,
Angustia-se quando não aceita a inautenticidade da vida
p. 678)
na fazenda. Ao negar viver num mundo “estagnado”
Todavia, o autor dramático também “experimenta” a
sob as leis de outrem, revela-se autêntico. Essa
má-fé ao vacilar ante a resolução do seu conflito em relação
autenticidade está presente no diálogo que trava com a
ao passado, cujo protagonista é o pai. Na verdade, voltar
ex-noiva Maria:
ao passado representa, nesse caso, permitir-se ir ao encontro
de si. Mas há uma resistência muito intensa nesse retorno.
“Maria: E serei uma noiva eterna, como sua tia? Vicente!
Ou será agora, ou nunca!
Essa ocorre quando ele se ausenta do presente, entregandose a devaneios onde retoma as imagens do ontem. “Ainda
Vicente: Você acha que será feliz assim? Casada com um
aquela mania horrível de me ausentar, de repente”.
homem que ainda não encontrou a verdade dele? Que
não sabe o que é?!
Maria: Que importância tem, Vicente?!
(ANDRADE, 1986, p. 487)
Contudo, considerando as atitudes de Vicente durante
toda a obra, prevalecem os momentos de angústia. O
Vicente: Se me casar agora, terei de morar na fazenda, Maria.
homem, cuja temática principal traduz a “procura do
E eu não sou fazendeiro. Casando assim... eu seria infeliz e a
pai perdido”, ultrapassa as fronteiras de suas lembranças
faria infeliz também.” (ANDRADE, 1986, p. 512).
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e encontra-se com o seu progenitor. Ao tomar essa
Considere-se, dessa forma, que essa criatura não
atitude, saiu do seu estágio estático.
negligenciou o seu ser, incondicionalmente livre, já que
saiu da fazenda do pai e foi para a cidade grande rumo as
suas possibilidades de Para-si3. Vicente, ao deixar Jaborandi,
não sabia de antemão o que encontraria na São Paulo
Prevaleceu a angústia porque a personagem não se
negou como um ser incondicionalmente livre. Cabe frisar
metropolitana, contudo, escolheu. Agiu. Não hesitou
que esse sentimento revela-se nos questionamentos do
diante de sua liberdade: “Vou embora. Nada mais me prende
protagonista. Suas falas refletem questionamentos
aqui”. (ANDRADE, 1986, p. 522)
relativos ao mundo a seu redor e, principalmente, a
Na metrópole realiza o seu sonho de comunicar-
tudo o que se encontra “amoitado” dentro de si:
se. Faz-se dramaturgo e recebe uma série de prêmios
por seu trabalho. Convém salientar que o escritor não
se restringe ao ato de escrever, o que de fato realiza
Então, minha verdade saiu da terra, cresceu e ultrapassou
a mata. Percebi... como devia ser maravilhoso
compreender, interpretar e transmitir! Partir da minha casa,
com a preocupação de evidenciar a sua verdade e a
minha gente, de mim mesmo... e chegar ao significado de
de seu grupo social: “Existem nesta cidade cinco
tudo, tendo como instrumentos de trabalho apenas as
milhões de habitantes! Como levar a eles, o que é
meu. Nenhum braço, além dos meus. Nenhuma
preciso dizer”? (ANDRADE, 1986, p. 487)
inteligência, exceto a minha. Isto era ser livre! Eu me
palavras e a vontade. Não usar nenhum suor a não ser o
comunicaria! Seria tudo! (ANDRADE, 1986, p. 486)
Sartre em O Ser e o Nada sublinhou:
O jovem, que aos vinte e três anos abandona o campo
para buscar-se, representa o exemplo máximo de quem
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Jorge de Andrade e seu Rasto atrás
faz da vida um procurar constante de um lugar no mundo
Em suma, o projeto dramatúrgico de Jorge Andrade
cuja estada não seria tão significativa sem a
representa a auto-análise do autor e, também, a sua busca
experimentação da angústia, a grande condição da
implacável em comunicar ao mundo a agonia de um grupo
liberdade. “Eu vou vencer. Está ouvindo?” (ANDRADE,
social ante a mudança de um Brasil rural para o urbano.
1986, p. 523).
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Notas
1
MAGALDI, Sábato. Posfácio. In: FRANCO, Aluízio Jorge Andrade. Marta, a árvore e o relógio. 2. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1986, p. 673.
2
Sartre define em seu Ser e o Nada a angústia como a consciência da liberdade e a má-fé como um mentir para
si mesmo.
3
O próprio homem, o ser da consciência, das possibilidades.
Revista PIBIC, Osasco, v. 3, n. 1, 2006, p. 127-134
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