PATRIMÔNIO CULTURAL E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA
URBANA: NOVAS APROXIMAÇÕES ENTRE O DIREITO DAS COISAS E O DIREITO
DAS CIDADES. 1
Andreza Saballa
Orientador: Prof. Ricardo Aronne
SUMÁRIO: Resumo; 1 As complexas relações entre o homem e o mundo; 2 Modernidade e
a coisificação do indivíduo – sujeitos e sujeitados; 3 Os desafios do Estado Social; 4 A
privatização da cultura na sociedade de informação; 5 Atuais possibilidades do Patrimônio
Cultural; Considerações finais; Referências.
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar a aplicabilidade da função social
da propriedade imobiliária urbana do patrimônio cultural. Com o advento da Constituição
Federal de 1988, o princípio da função social da propriedade se tornou direito fundamental
assim como o direito de propriedade. A preservação do patrimônio cultural se dá em
consonância com o desenvolvimento das cidades, do ambiente e do direito de propriedade
na qual exerce uma função social – o acesso à cultura. Na busca de uma identidade
espaço-temporal, a propriedade privada que possuir um interesse cultural deverá ser
preservada, não podendo o proprietário demolir ou intervir sem prévia autorização do órgão
público competente. Com isso, observam-se os conflitos entre o público e o privado quando
dois direitos fundamentais estão divergindo. Deve-se prevalecer a harmonia e a
flexibilização do sistema jurídico para a efetivação da função social da propriedade privada.
1 AS COMPLEXAS RELAÇÕES ENTRE O HOMEM E O MUNDO.
Ao voltar-se à atenção para as múltiplas dimensões históricas que a propriedade
privada tomou, emerge sua dinâmica existencialista que desmente quaisquer modelos
jurídicos fechados ou meramente racionalistas, que a Teoria do Direito já desfilou diante das
muitas sociedades à que se submeteu ou à que se submeterá.
A propriedade teve um elemento cultural a ela associado por força dos Direitos
Fundamentais. Não obstante, seu próprio caráter cultural é, por si só, um fundamento apto
para sua melhor compreensão.
O homem primitivo teve que se conectar à terra por um longo tempo até começar a
estabelecer uma relação localizada, duradoura, dela podendo se apoderar e nela construir.2
1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Direito orientado pelo Professor Ricardo Aronne e apresentado à
Banca examinadora composta pelas Professoras Clarice Beatriz da C. Söhngen e Magda Azário K. Polanczyk.
2
Não há, até então, noção de propriedade privada uma vez que tal noção irá se afirmar à
medida que o homem evolui.
Uma análise histórica, cultural e sociológica se faz importante para melhor
radiografar a propriedade privada. Assim também, para o Estado, uma vez que este se
transforma conforme os anseios da sociedade. “A propriedade e o patrimônio, na seara
pública ou privada, compõem esse binômio que radiografa o Estado e a própria sociedade”.3
“[...] sociedade e cultura são domínios estruturados ao redor de símbolos. Enquanto
símbolos irão exigir interpretação. Qualquer metodologia que ignore o esquema
interpretativo pelo qual a ação social acontece, está destinada a fracassar.”4
Verifica-se, como primeira relação do homem com a terra, a de subsistência. As
pessoas viviam em grupos e utilizavam como alimento apenas o que a natureza lhes
oferecia. Mudavam-se com freqüência e construíam abrigos que eram conhecidos como
abrigos de caça e colheita, vivendo no local até que acabassem todas as fontes de
alimento.5
Com isso, ainda não se vislumbra relação de propriedade privada; viviam em
grupos em busca de uma sobrevivência comum. Não havia formação de cidade uma vez
que permaneciam no local enquanto houvesse alimento. As construções serviam apenas
para abrigo enquanto ali permanecessem.
No desenrolar da história, o homem aprendeu a plantar, estocar e domesticar
animais. Fixar-se e construir os primeiros vilarejos. Eram mais sofisticados que os abrigos
de caça e colheita, onde podiam viver em comunidade.6 Para Morgan7, aqui, adentra-se ao
estágio da barbárie, em sua fase inferior. Através da domesticação de animais, o homem,
além de se fixar por mais tempo na terra, começa a evoluir.
Engels8 não vê, nesses primeiros agrupamentos, a sociabilidade, uma vez que a
relação de subsistência se demonstra predominante nos afazeres cotidianos, não havendo
2
A EVOLUÇÃO da Humanidade: Armas, Germes e Aço - Saindo do Jardim do Éden/Conquista (Vol. 1).
Produção de Jared Diamond. EUA: National Geographic, 2005. DVD (106min): fullscreen, sonoro, colorido.
Legendado: Inglês/Português. Documentário.
3
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.p. 178.
4
ARONNE, Ricardo. Direito Civil – Constitucional e Teoria do Caos: Estudos Preliminares. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 69.
5
A EVOLUÇÃO da Humanidade: Armas, Germes e Aço - Saindo do Jardim do Éden/Conquista (Vol. 1).
Produção de Jared Diamond. EUA: National Geographic, 2005. DVD (106min): fullscreen, sonoro, colorido.
Legendado: Inglês/Português. Documentário. E, A EVOLUÇÃO da Humanidade: Armas, Germes e Aço - Entre
os Trópicos (Vol. 2). Produção de Jared Diamond. EUA: National Geographic, 2005. DVD (53 min): fullscreen,
sonoro, colorido. Legendado: Inglês/Português. Documentário.
6
A EVOLUÇÃO da Humanidade: Armas, Germes e Aço - Saindo do Jardim do Éden/Conquista (Vol. 1).
Produção de Jared Diamond. EUA: National Geographic, 2005. DVD (106min): fullscreen, sonoro, colorido.
Legendado: Inglês/Português. Documentário.
7
MORGAN, Lewis Henry. Apud ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do
Estado. São Paulo: Centauro, 2002. p. 30 e 31.
8
ENGELS, Friedrich. Apud LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil:
aspectos jurídicos e políticos.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 38.
3
tempo para viver em sociedade. O primeiro tipo de propriedade surgida seria, desta forma, a
comunal.
Todos trabalhavam e produziam juntos para se alimentarem, partilhando os bens.
Descobriram que podiam plantar e domesticar animais para sobreviver, saindo da condição
de nômades e se fixando por um período maior na terra, construindo suas casas. O
importante para o homem era a subsistência e a produtividade; a terra não tinha outro valor
senão produzir alimento; não existia uma diferença entre público e privado, tudo era comum,
ficando difícil identificar a instituição da propriedade privada. Fixando-se na terra, tem-se o
início daquilo que se tornaria cidade e em decorrência disso uma provável sociabilidade.
Com o passar do tempo, o homem entendeu que a terra tinha um outro tipo de
valor, passando a se tornar motivo de dominação. Quanto mais terras conquistassem, maior
se tornava o poder do homem em relação a outras civilizações. Iniciaram-se as primeiras
invasões - a terra não era propriedade de ninguém, ficava com ela aquele que possuía mais
força e poder. A busca, agora, não era somente por alimento, era por riquezas, conquistas
e glória.9
Mesmo em outras civilizações, como a dos Gregos e a dos Romanos, a terra era o
que determinava direitos e deveres dos cidadãos, assim como regulava riqueza e interesses
da comunidade.10
Da Grécia antiga, faz-se imperioso registrar o processo de formação do Estado. Na
época heróica, não se vislumbra o aparecimento do Estado. Este, somente veio surgir em
razão de uma necessidade social que assegurasse a riqueza e a formação da propriedade
privada.
Resumindo: a riqueza passa a ser valorizada e respeitada como bem supremo e as
antigas instituições da gens são pervertidas para justificar-se a aquisição de riquezas
pelo roubo e pela violência, faltava apenas uma coisa: uma instituição que não só
assegurasse as novas riquezas individuais contra as tradições comunistas da
constituição gentílica, que não só consagrasse a propriedade privada, antes tão
pouco estimada, e fizesse dessa consagração santificadora o objetivo mais elevado
da comunidade humana, mas também imprimisse o selo geral do reconhecimento
da sociedade às novas de aquisição da propriedade, que se desenvolviam
umas sobre as outras – a acumulação, portanto, cada vez mais acelerada, das
riquezas -; uma instituição que, em uma palavra, não só perpetuasse a nascente
divisão da sociedade em classes, mas também o direito de a classe possuidora
explorar a não-possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda.
11
E essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado.
9
A EVOLUÇÃO da Humanidade: Armas, Germes e Aço - Entre os Trópicos (Vol. 2). Produção de Jared
Diamond. EUA: National Geographic, 2005. DVD (53 min): fullscreen, sonoro, colorido. Legendado:
Inglês/Português. Documentário.
10
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: Aspectos Jurídicos e
Políticos.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 32.
11
ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Centauro,
2002. p. 127.
4
O desenvolvimento do Estado em Atenas apresenta, como primeiro sintoma de
formação, a “destruição dos laços gentílicos, dividindo os membros de cada gens em
privilegiados e não-privilegiados, e dividindo estes últimos em duas classes, segundo seus
ofícios, e opondo-as uma à outra.”12
No período romano, onde já se vislumbra a formação de patrimônio, família,
governo e direitos, também se observa a questão do que é de interesse público e de
interesse privado, assim como a propriedade privada e propriedade coletiva. Os romanos
confundiam o Público e o Privado em quase todos os setores.
Os nobres romanos tinham um senso agudo da autoridade e da majestade de seu
Império, mas o que chamamos de senso de Estado ou serviço público era-lhes
desconhecido. Distinguiam mal funções públicas e dignidade privada, finanças
públicas e bolsa pessoal. A grandeza de Roma era propriedade coletiva da classe
governante e do grupo senatorial dirigente; assim também cada uma das milhares
de cidades autônomas que formavam o tecido do Império era coisa dos notáveis
13
locais.
Em Roma, o poder era exercido pela elite governante. Havia um sistema político
chamado de cooptação, onde se confundiam funções públicas com interesses particulares:
A realidade da vida política estava na cooptação: o clube que era o Senado decidia
se um homem tinha o particular perfil social que o tornava admissível em seu seio e
se traria sua cota ao prestígio coletivo que os membros desse clube dividiam entre
si. [...] As funções públicas eram tratadas como dignidades privadas e o acesso a
14
tais dignidades passava por um elo de fidelidade privada.
Infere-se que o poder público existia para satisfação da dignidade privada.
Havia, por isso, muita corrupção e enriquecimento ilícito por meio do serviço público. Paul
Veyne chamava esse período de Império da Propina onde tudo tinha seu valor. “Ninguém
servia o Estado, porém dele se servia.”15
Em Roma, não existia conceito de propriedade absoluta. Todavia, existia a
definição de domínio (dominus). Foi somente na Idade Média que os termos usar (jus
utendi), fruir (jus fruendi) e abusar (jus abutendi) passaram a integrar a propriedade privada.
A propriedade em Roma era tida como “rigidamente individual”, mas não era absoluta.16
Segundo Pezzella17, a propriedade privada em Roma, em seu período arcaico, não
possuía um conceito abstrato e muito menos havia uma definição de propriedade. A
12
ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Centauro, 2002.
p. 131.
VEYNE, Paul. O Império Romano. In: _____. História da Vida Privada: Do Império Romano ao ano mil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 103.
14
Ibidem. p. 104.
15
Ibidem. p. 106 à 108.
16
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: Aspectos Jurídicos e
Políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 40.
17
PEZZELLA, Maria Cristina Cereser. Propriedade Privada no Direito Romano. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Editor, 1998. p. 124, 136 e 186.
13
5
propriedade privada era incluída numa estrutura familiar em que o pater famílias possuía o
amplo poder de seu exercício. A estrutura fundamental da sociedade romana era baseada
na família. Os romanos classificavam as coisas a fim de resolver problemas. A propriedade
privada estava inclusa na classificação das coisas mancipi (prédios urbanos, propriedades e
construções em solo itálico. As coisas eram classificadas em mancipi e nec mancipi
conforme a função econômico-social que representavam à família romana. Essas
expressões foram utilizadas até o final do Império.
Embora a propriedade em Roma fosse individual, observa-se limitação jurídica na
propriedade privada romana.18
O direito absoluto de propriedade romana vai, com o decorrer dos tempos, sofrendo
limitações legais inspiradas em motivos de ordem pública, privada, ética, higiênica
ou prática. Assim, é admitido usar e fruir da propriedade, inclusive abusar dela,
desde que isso não ofereça danos à propriedade ou aos direitos de outrem,
19
respeitando desta forma os direitos da vizinhança.
Aronne entende que o caráter absoluto da propriedade privada em Roma é
discutível uma vez que:
o conceito de propriedade é conceito menos freqüente nos textos romanos, no quais
diz respeito ao senhorio da coisa, para positivar deveres dos proprietários e não
proprietários.
A propriedade, nesse viés, já se mostrava obrigacionalizada para os romanos, eis
que referente à obrigação mútua entre indivíduos, de positividade e negatividade,
muitas vezes referente a um dever de suportar, do próprio proprietário do bem e não
só como obrigação passiva universal dos demais sujeitos. Portanto, o argumento
histórico que subsidia as interpretações da civilística clássica e conservadora para
refutar uma funcionalização da propriedade, tendo-a como absoluta, são passíveis
de discussão.20
Na Roma antiga existiu, além da imagem de propriedade privada, a da propriedade
coletiva que teve duas fases. A coletividade visava como aspecto central a cidade, onde
tudo era da cidade e a cidade era de todos moradores, e como conseqüência não havia
alienação de bens imóveis. Já na Era Republicana, o entendimento quanto à propriedade
coletiva é modificado, deixando assim, a cidade, de ser o ponto central e surgindo como
novo
sustentáculo
de
coletividade,
a
família.
Surgem
as
possíveis
etapas
de
desenvolvimento da propriedade individual da cidade.
18
19
20
“O conteúdo da propriedade romana foi limitado juridicamente, podendo-se citar os exemplos dos poderes dos
proprietários de escravos que foram limitados na época imperial, e a propriedade imobiliária que foi
multiplamente limitada por relações de vizinhança e também de direito público”. PEZZELLA, Maria Cristina
Cereser. Propriedade Privada no Direito Romano. Porto Alegre: Sérgio Antônio Editor, 1998. p. 129.
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: Aspectos Jurídicos e
Políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 41 e 42.
ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de Direitos Reais.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 99.
6
Havia, porém, duas formas de propriedade coletiva: a da cidade (gens) e, depois, a
da família. No período antigo, a propriedade seria da cidade, embora já não se
desse a cada indivíduo mais do que uma faixa de terra reduzida; as pastagens
pertenciam a todos, sendo certo que fortalecia a idéia de propriedade coletiva o fato
de só se admitir como bens alienáveis os móveis.
Com o decorrer do tempo, já no período da República em Roma, a idéia de
propriedade coletiva da cidade desaparece, sobrevindo a familiar, que, por sua vez,
submerge ante a autoridade cada vez mais presente e intensa da figura do pater
famílias. Decorrem daí considerações sobre as possíveis etapas de desenvolvimento
da propriedade individual em Roma: (1) apresenta-se, em primeiro lugar, uma
propriedade individual sobre os objetos constitutivos do domínio necessário à
existência de cada um; (2) surge, em seguida, a propriedade individual sobre os
objetos produzidos para o uso do indivíduo suscetíveis de serem trocados com
outras pessoas, embora de uso particular; (3) decorre dessa evolução a propriedade
dos meios de produção, assegurando-se a alguns indivíduos a propriedade de tudo
21
quanto lhes fosse necessário à produção de mercadorias .
Vislumbra-se que, no decorrer de todo o período romano, a propriedade privada
tomou novos contornos. O Estado passa a intervir em função das necessidades sociais.
Pezzella entende que a propriedade privada em Roma tomou, cada vez mais, contornos
relativos aos interesses sociais diferentemente do que sempre se pensava - em propriedade
privada romana como absoluta. A intervenção do Estado é singela, mas é de se verificar sua
importância nesse período.
Embora muitos intérpretes medievais e modernos do Direito romano tenham
identificado como característica preponderante do direito de propriedade em Roma o
absolutismo, isto não se pode admitir nem em sua época mais primitiva pois, como
se demonstrou neste estudo em exemplos concretos retirados das fontes romanas
originais, desde o início do processo de civilização da sociedade romana pode se
observar a clara submissão do exercício da propriedade ao interesse social.
A submissão do exercício da propriedade, inicialmente ao interesse de grupos
aparentados e, posteriormente, à sociedade toda, evidencia o privilégio do princípio
da humanidade sobre os demais princípios do direito, o que permite que se afaste
também o individualismo como característica marcante da propriedade romana,
como alguns romanistas o fizeram, pois mesmo quando exercida individualmente, a
propriedade romana sempre esteve sujeita ao interesse social.
Pode-se concluir, portanto, que a propriedade liberal moderna não tem sua origem
22
na propriedade romana, com a qual guarda insuperáveis diferenças de princípio.
Adentrando a Idade Média, percebe-se que a dicotomia público-privado se difere
em alguns setores. Vê-se tal dicotomia tomando um formato diverso do que se observava
em Roma, podendo-se falar num “retrocesso” do conceito, em razão da barbárie. Tudo
tende a ser privado, pois não há mais freios às vontades individuais.
Consideremos antes a Idade Média como nosso inconsciente coletivo e a grande
fase de dissimulação de nossas paixões espontâneas, aquela em que a recusa de
toda estrutura pública desnuda os impulsos de cada um e permite uma nova
educação do homem. [...]
21
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 41.
22
PEZZELLA, Maria Cristina Cereser. Propriedade Privada no Direito Romano. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Editor, 1998. p. 129.
7
Os bárbaros não podem compreender a res publica, a coisa pública, noção que
requer certa capacidade de abstração. [...] A justiça franca, merovíngia e carolíngia,
privilegia, pois, os assuntos privados. [...] Por certo se trata em geral de poderosas
famílias nobres, mas o fato de problemas de propriedades familiares terem adquirido
23
tamanha dimensão indica uma generalização dos interesses privados.
Já no feudalismo, o privado torna-se preponderante onde se verifica uma atenção
maior quanto à proteção do patrimônio, destacando-se, principalmente três institutos: a
vassalagem, onde o senhor feudal oferecia proteção em troca de serviços prestados pelos
proprietários menos poderosos; o benefício, onde o senhor feudal, em troca de serviços,
cedia porções de terras para que os chefes de família pudessem cultivá-las, e estas porções
de terra eram partes inseparáveis das glebas; e a imunidade, onde o senhor feudal isentava
de tributos às terras sujeitas ao benefício.
24
No Estado feudal, assim como ocorrera nos
períodos grego e romano, o poder político é “distribuído conforme a importância da
propriedade individual.”25
A vida privada era a vida em família, “tornando-se cada grande casa como um
pequeno Estado soberano” onde o público praticamente desaparece. Porém, à medida que
as vontades privadas tornam-se as vontades da família dentro desse pequeno Estado
soberano, poder-se-ia dizer, “no limite, que tudo se tornou público na sociedade
feudalizada.”26
Haverá intervenção do Público no Privado, segundo Duby, em somente três
circunstâncias no período feudal. Trata-se de intervenções quase que domésticas, porém
relevante, em uma época que os valores individuais tornaram-se dominantes.
Essa população não está submetida a uma outra mão, a do poder público, senão em
três circunstâncias. Em primeiro lugar, quando essas pessoas, transpondo a
clausura, penetram no espaço popular, encontram-se nas vias ou nas praças
públicas sem estar acompanhadas pelo chefe da casa de que dependem ou por
homens livres da família; tornados como que forasteiros, cabe ao magistrado
assegurar-lhes o ‘conduto’, enquadrá-los, substituindo o poder paterno. Por outro
lado, quando o chefe da casa não está mais presente, quando já não há na morada
adulto do sexo masculino de condição livre capaz de proteger os menores da
‘família’: assim, a função primitiva do rei, que a delegava a seu agente, era tomar
sob sua guarda a viúva e o órfão. Enfim, terceiro caso, a mão forte do magistrado
pode ser expressamente requisitada por um apelo, uma queixa, que se diz clamor ou
‘grito’, tornando-se públicos desde então o dolo, o rancor e os culpados
27
abandonados à autoridade geral.
23
24
25
26
27
VEYNE, Paul. Alta Idade Média Ocidental. In: _____. História da vida privada: Do Império Romano ao Ano
Mil. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 528 e 405.
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 21.
ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Centauro,
2002. p. 206.
VEYNE, Paul. O Império Romano. In: _____. História da Vida Privada: Do Império Romano ao Ano Mil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 23 à 25.
DUBY, Georges. Poder Privado, Poder Público. In: _____. História da Vida Privada: Da Europa Feudal à
Renascença. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 29.
8
Convém dizer que, durante a Idade Média, não houve a figura do “Estado
centralizado, [...] exatamente pela fragmentação dos poderes em reinos, feudos, etc.”28 Tal
forma estatal surgirá com o fim da idade média, início do Modernismo, em razão do
capitalismo emergente.
Quando o feudalismo começa entrar em decadência, com o advento do
Mercantilismo e da Revolução Industrial, a sociedade e a propriedade sofrem modificações.
Tem-se a ascensão da burguesia e o aparecimento do capitalismo, adentrando à
Modernidade. De acordo com Leal, a propriedade começa a tornar-se produtiva.29
Ao entrar na Modernidade, resultado da Renascença e do Iluminismo, ocorrem
mudanças em relação ao Estado, ao sujeito e à propriedade. Com a ascensão da classe
burguesa, tem-se o início do liberalismo fundado nos interesses desta, em que o Público
não poderá intervir no Privado, podendo o indivíduo dispor de seus bens da forma que bem
entender.
Com a tomada do poder pela burguesia, na Revolução Francesa (1789), a
propriedade passa a figurar dentre os direitos fundamentais, juntamente com a vida
e a liberdade; prova disso é o constante no art. 17 da “Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão”, que afirma ser o direito de propriedade inviolable es sacré,
posição ratificada, claramente, pelo Código de Napoleão (1804), onde é considerada
um direito, o assento territorial da independência do indivíduo. Era possível, a seu
detentor, utilizar-se de seu bem segundo os princípios do jus utendi e jus abutendi
do Direito Romano.30
Observa-se que, em todo o período da antiguidade, sempre existiu confusão entre
público e privado, se é que realmente se chegou a essa distinção, pois os autores, conforme
fora visto, fazem essa diferenciação de acordo com o modelo de vida dessas civilizações.
Com isso, a propriedade teve suas peculiaridades, sendo reflexo da sociedade e de seus
anseios.
O Estado Antigo (Oriental ou Teocrático), como sendo uma forma estatal definida
entre as antigas civilizações do Oriente ou do Mediterrâneo, onde a família, a
religião, o Estado e a organização econômica formavam um conjunto confuso, sem
diferenciação aparente. Em conseqüência, não se distingue o pensamento político
da religião, da moral, da filosofia ou de doutrinas econômicas.31
28
29
30
31
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 23.
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: Aspectos Jurídicos e
Políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 44 e 45.
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 50.
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 23.
9
Para Aronne, antes do período moderno não se vislumbrou a separação do público
e do privado uma vez que as civilizações antigas não possuíam tal noção. 32
Observa-se, até hoje, a dificuldade em separar o poder público do poder privado
principalmente no que tange a propriedade privada. O Público sempre existiu para afirmar o
Privado mesmo que a sociedade não soubesse. Modelos antigos, principalmente o do
período moderno, ainda são mantidos pela nossa codificação não correspondendo ao
progresso social.
2 MODERNIDADE E A COISIFICAÇÃO DO INDIVÍDUO – SUJEITOS E SUJEITADOS
Com o advento do Estado Moderno ocorreram mudanças significativas em relação à
propriedade privada frente ao sujeito e ao Estado. Diferente do que se vislumbrava no
Período Medieval, onde tudo se concentrava em mãos privadas, o Estado Moderno - Liberal
vem para separar o Público e o Privado a fim de proteger os interesses da classe burguesa.
“O liberalismo é a expressão, isto é, o álibi, a máscara dos interesses de uma classe.”33 A
acumulação de riqueza e patrimônio traz a necessidade da separação formal e clara entre o
Privado e o Público fazendo com que a sociedade se auto-organizasse. De tal forma, o
homem passa a criar direitos e obrigações sobre si, ou seja, através da relação jurídica e do
Direito Civil tradicional.34
A partir da Revolução Francesa, em 1798, através da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, a propriedade privada se consagra absoluta, tornando-se direito
fundamental junto ao direito à vida e à liberdade:
[...] prova disso é o constante no art.17 da “Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão”, que afirma ser o direito de propriedade inviolable et sacré, posição
ratificada, claramente, pelo Código de Napoleão (1804), onde é considerada um
direito, o assento territorial da independência do indivíduo. Era possível, a seu
detentor, utilizar-se de seu bem segundo os princípios do jus utendi e jus abutendi
35
do Direito Romano.
Através da Revolução Francesa e do Iluminismo, o século XIX foi denominado
como “século das luzes em que trouxe o homem como um ser racional e,
32
33
34
35
ARONNE, Ricardo. A Arquitetura das Titularidades nos Fractais do Estado Social. In: CONGRESSO DO
PROCESSO
E
DIREITO
DA
UPF,
I,
2006,
Passo
Fundo/RS.
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ARONNE, Ricardo. Os Direitos Reais no Paradigma do Direito Civil-Constitucional. In: CONFERÊNCIA
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&so=0&type=search&plindex=1>. Acesso em: 10 de ago. 2007.
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: Aspectos Jurídicos e
Políticos.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 50.
10
conseqüentemente, a evolução significativa da ciência de da tecnologia.”36 Nasce, então, a
idéia de liberdade, ou, liberalismo, advinda da visão de sujeito individual com liberdade para
fazer o que quiser. Tal pensamento refletiu diretamente na propriedade privada que passava
a ter valor de mercado sendo conveniente à classe dominante sua proteção.
Através do pensamento liberal, o Estado declara, formalmente, a igualdade plena
de todos os indivíduos. Segundo Fachin, “os homens seriam formalmente iguais quanto à
possibilidade abstrata de entrar em relação com o objeto de mercancia, em uma dimensão
puramente formal.”37
Porém, passando por cima das desigualdades econômicas e sociais, acaba-se por
distanciar as classes e a concentrar o poder nas mãos de poucos em razão do capitalismo e
do “desenvolvimento tecnológico e produtivo.”38
A partir do ponto de vista da Modernidade, influenciada pelo Iluminismo, afasta-se,
então, da humanidade, a natureza e o conhecimento. Os bens de relevância humana eram
somente aqueles bens os quais pudessem ser transferidos pelo homem. Só teria valor
aquilo que tivesse trabalho agregado. O trabalho importava em detrimento do conhecimento,
uma vez que este era coletivo e aquele, individual. Dessa forma, o valor estava somente nos
bens de troca – mercadoria.39
O indivíduo se torna, então, sujeito de direito abstrato em relação à propriedade
privada, ora absoluta. O homem sai do centro do universo e cede espaço à propriedade
privada. Sendo esta um direito fundamental, o sujeito acaba por ser um reflexo do seu
patrimônio e com ele se confundindo – só é sujeito de direito quem possui propriedade
privada.
É isso que permite ao Direito a libertação do indivíduo dos antigos vínculos
hierárquicos, restituindo-o a uma nova ordem social mediada pela racionalidade
fundada na propriedade como mercadoria. É formula pela qual se mantêm os
sujeitos juntos e, simultaneamente, perenemente isolados. Todavia, o cumprimento
desse projeto de modernidade de libertação do indivíduo, com a lógica sistêmica,
torna também o sujeito geral supérfluo na estrutura do sistema.
O individualismo moderno é o do consumo, em que o homem é um apêndice do
objeto, que circula livremente e, por isso, o homem só pode ser identificado
40
mediante o consumo desse objeto.
Aronne identifica o indivíduo dessa época como átomo isolado sem compromisso
de cunho social:
36
ARONNE, Ricardo. Direito Civil – Constitucional e Teoria do Caos: Estudos Preliminares. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 71.
37
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 53.
ARONNE, Ricardo. Por uma Nova Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos
Fundamentos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 6.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Conquistas e Desafios na Tutela do Patrimônio Cultural
Brasileiro. Palestra apresentada no Encontro do Ministério Público/RS – “A Tutela do Patrimônio Cultural
Brasileiro”, 2007, Porto Alegre/RS.
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.p. 55.
38
39
40
11
O indivíduo era concebido como um átomo isolado, sem qualquer traço de
interdependência social sendo, portanto, causa e fim do Direito, cujo objetivo
substancial seria o de assegurar a liberdade descomedida e o mais absoluta
possível. O sistema jurídico se encontrava centrado em dois pilares, em âmbito
patrimonial, o contrato e a propriedade e somando-se a esses, a família.41
Características como a liberdade e a igualdade fizeram com que houvesse a
necessidade da formalização através das normas. A codificação viria para regular uma
sociedade de indivíduos livres e iguais.
Estas características levaram à redução do conjunto de normas organizado em
codificação que, segundo se passou a sustentar, seria suficiente para regular toda
42
a vida da sociedade civil, como lei maior da comunidade, de forma igualitária.
Utilizada como alicerce da codificação, a liberdade estaria fundada no princípio da
autonomia da vontade – indivíduo livre para dispor dos seus bens, principalmente da
propriedade privada, e livre para contratar – possibilitando ao indivíduo à “autoregulamentação dos seus próprios interesses.”43 Não dispor do bem seria como destruí-lo,
não podendo, este, retornar à coletividade – o Estado estava organizado para garantir esse
direito não podendo intervir.44
No Brasil, com o surgimento do Código Civil em 1916, influenciado pelo Código
Napoleônico, tem-se o fechamento do sistema para dar maior segurança jurídica através de
um direito que já existe antes mesmo dele se concretizar: “é como se a resposta sempre
estivesse formulada antes da elaboração da própria pergunta.”45
Confirma-se a diminuição do espaço no que tange a intervenção do Público no
Privado. A importância da pessoa estaria naquilo que ela tem, e não naquilo que representa
como pessoa, uma vez que o código era eminentemente de caráter patrimonial, ou privado.
Não é a pessoa que tem a coisa, é a coisa que possui a pessoa. Por isso, o aumento da
desigualdade, pois nem todo mundo teria acesso e nem conseguiria acompanhar o
consumismo
que
se
modificava
constantemente,
aumentando,
dessa
forma,
a
marginalização.
41
42
43
44
45
ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de Direitos Reais.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 38.
SILVEIRA RAMOS, Carmem Lucia. A Constitucionalização do Direito Privado e a Sociedade Sem Fronteiras.
In: FACHIN, Luis Edson (Coord.) Repensando Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998. p. 5.
MEIRELLES, Jussara. O Ser e o Ter na Codificação Civil Brasileira: Do Sujeito Virtual à Clausura Patrimonial.
In: FACHIN, Luis Edson (Coord.) Repensando Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998. p. 100.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Conquistas e Desafios na Tutela do Patrimônio Cultural
Brasileiro. Palestra apresentada no Encontro do Ministério Público/RS – “A Tutela do Patrimônio Cultural
Brasileiro”, 2007, Porto Alegre/RS.
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 92.
12
O código resguarda somente os direitos das pessoas que têm bens e não daquelas
que não os possui. Só é sujeito de direito quem possui patrimônio.46 Já a outra parte da
população – a maioria – que não tem bens, não é resguardada pelo código, tendo de vender
sua força de trabalho para se tornar sujeito de direito.47
Aqueles que não possuíam patrimônio acabavam vendendo sua força de trabalho.
Eram explorados e influenciados pelo discurso de poder disciplinar e capitalista da classe
dominante.
Para Meirelles, o sujeito poderia se apresentar de duas formas: sujeito real ou
sujeito virtual:
Traçando-se uma espécie de paralelo tem-se, de um lado, o que se pode denominar
pessoa codificada ou sujeito virtual; e, do lado oposto, há o sujeito real, que
corresponde à pessoa verdadeiramente humana, vista sob o prisma de sua própria
natureza e dignidade, a pessoa gente.
O sujeito virtual é reconhecido por ter nome de família e registro; é absolutamente
livre para auto-regulamentar seus próprios interesses, sendo a ele possível, por
exemplo, contratar ou não, conforme seja-lhe mais conveniente, escolher a pessoa
do outro contratante e até mesmo determinar o conteúdo contratual, esse sujeito
conceitual tem, igualmente, família constituída a partir do casamento, e tem bens
suficientes para honrar os compromissos assumidos ou, eventualmente, responder
pelos danos causados a outrem. Só apresenta um grave e inarredável defeito: no
48
mais das vezes, não corresponde ao sujeito real.
A propriedade privada se torna expressão da liberdade, ou seja, das perspectivas
do indivíduo - direitos fundamentais, ou direitos de primeira geração. Quem não tem
propriedade não consegue se expressar na sociedade.49 “A mais alta exteriorização da
personalidade do individuo era o gozo pacífico, seguro e absoluto da propriedade. Esse era
o ápice do Estado burguês, onde a propriedade era sinônimo de realização e felicidade.”50
A industrialização e a urbanização estão em plena evolução. O indivíduo não
amparado pelo código acaba sendo empurrado para a periferia das cidades, vendo-se
obrigado a sobreviver em uma outra realidade que não é a civil. Não tem nome registrado,
não tem propriedade privada, não tem conhecimento.
46
47
48
49
50
ARONNE, Ricardo. Os Direitos Reais no Paradigma do Direito Civil-Constitucional. In: CONFERÊNCIA
DA
ADVOCACIA
GERAL
DA
UNIÃO,
I,
2003.
Disponível
em:
<http://video.google.com/videoplay?docid=9098098780850486630&q=agu+aronne&total=2&start=0&num=10
&so=0&type=search&plindex=1>. Acesso em: 10 de ago. 2007.
SILVEIRA RAMOS, Carmem Lucia. A Constitucionalização do Direito Privado e a Sociedade Sem Fronteiras.
In: FACHIN, Luis Edson (Coord.) Repensando Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998. p. 5 e 6.
MEIRELLES, Jussara. O Ser e o Ter na Codificação Civil Brasileira: Do Sujeito Virtual à Clausura Patrimonial.
In: FACHIN, Luis Edson (Coord.) Repensando Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998. p. 91 e 92.
ARONNE, Ricardo. Os Direitos Reais no Paradigma do Direito Civil-Constitucional. In: CONFERÊNCIA
DA
ADVOCACIA
GERAL
DA
UNIÃO,
I,
2003.
Disponível
em:
<http://video.google.com/videoplay?docid=9098098780850486630&q=agu+aronne&total=2&start=0&num=10
&so=0&type=search&plindex=1>. Acesso em: 10 de ago. 2007.
ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de Direitos Reais.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 38.
13
O Estado, antes impedido de intervir, agora se vê provocado para tal, diante de
tamanho clamor social.
No fim do século, um fator novo foi injetado na filosofia liberal. Era a justiça social,
vista como a necessidade de apoiar os indivíduos de uma ou outra forma quando
sua autoconfiança e iniciativa não podiam mais dar-lhes proteção, ou quando o
mercado não mostrava a flexibilidade ou a sensibilidade que era suposto demonstrar
na satisfação de suas necessidades básicas. Um novo espírito de ajuda, cooperação
e serviços mútuos começou a se desenvolver que se tornou mais forte com o
51
advento do séc. XX.
O mercado imobiliário se tornou tão intenso que acabou gerando insegurança
social, uma vez que o Código Civil permitia ao proprietário do bem que, ao vender seu
imóvel, pudesse se arrepender até o registro, quando havia a efetivação da obrigação,
pagando somente uma indenização por perdas e danos. O motivo era a alta valorização dos
imóveis e terras gerando insegurança ao promitente comprador. Havia enriquecimento dos
vendedores, uma vez que a indenização a qual deveriam pagar era inferior ao valor
auferido.52
A dicotomia público-privado perde sua força e não consegue se sustentar – o
Estado precisa intervir no privado para o bem da sociedade como um todo. O futuro precisa
ser previsto e resguardado para as próximas gerações. A igualdade liberal não foi
alcançada, pelo contrário, aumentava-se cada vez mais – “Livres e iguais para não serem
livres e iguais.”53
3 OS DESAFIOS DO ESTADO SOCIAL
A história presentificou a perniciosidade de um Estado Mínimo, cujo discurso de
neutralidade, justificador de sua não-intervenção é polarizador das energias do mercado e
provocador de intensos desequilíbrios.
O Estado Social nasce da necessidade de um Estado mais atuante e interventivo.
Afasta o seu papel de mantenedor do status quo da classe burguesa e assume um novo
compromisso, com reflexos no Brasil, através do advento da Constituição Federal de 1988.
Os direitos fundamentais acabaram transpassando a ideologia clássica agregando novos
direitos assim denominados como direitos fundamentais de segunda geração, ou chamado
51
52
53
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60.
ARONNE, Ricardo. Por uma Nova Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos
Fundamentos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 354 e 355.
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 31.
14
de direitos sociais. Tais direitos vêm com a finalidade de trazer o Público para dentro do
Privado gerando reflexos na propriedade privada assim como na família e no contrato.54
O Código Civil deixa de ser o único55 meio de regulação da sociedade da época conforme se observara através do dogma da completude de Bobbio56 - dando espaço à
Constituição Federal de 1988 que veio para regular não somente as relações privadas como
também as públicas ou coletivas “funcionando como um estatuto de organização da vida
econômica e social.”57 Cabe lembrar da existência de Constituições anteriores; todavia,
mantinham, de forma geral, o mesmo raciocínio privatista do Código Civil. 58
Antes mesmo do surgimento da atual Constituição Federal de 1988, já se
verificavam leis especiais59 que acompanhavam o desenvolvimento social “na tentativa de
adequar os institutos tradicionais da sociedade civil (a pessoa, a família, a propriedade, o
contrato e a responsabilidade civil) às novas contingências.”60 A Constituição Federal de
1988 veio com o objetivo de ampliar e de regular tudo aquilo que estava fora do Código Civil
e que mantinha o sistema fechado. 61
A sociedade evolui e as necessidades se modificam. É o que se vislumbra por
reconstrução - quando se reconhece o direito como fenômeno histórico e mutável o qual
54
ARONNE, Ricardo. Os Direitos Reais no Paradigma do Direito Civil-Constitucional. In: CONFERÊNCIA
DA
ADVOCACIA
GERAL
DA
UNIÃO,
I,
2003.
Disponível
em:
<http://video.google.com/videoplay?docid=9098098780850486630&q=agu+aronne&total=2&start=0&num=10
&so=0&type=search&plindex=1>. Acesso em: 10 de ago. 2007.
55
“No curso do século XX (entendido como tal não a partir de seu momento cronológico inicial, mas pelos
marcos históricos que representaram a efetiva ruptura com os cem anos precedentes, cabendo lembrar, como
tais, a Revolução Russa de 1917 e o final da Primeira Guerra Mundial, pelas modificações que provocaram
nos diferentes Estados, por via direta ou reflexa) – nesta cronologia considerado o Código Civil brasileiro fruto
do século XIX – o gradativo abandono da neutralidade do direito (a despeito da influência das idéias de
pensadores como Kelsen) provocou a superação deste modelo ideologicamente baseado no individualismocapitalista, redigido para regular a vida da sociedade civil como documento completo e único, e de alguns de
seus dogmas tradicionais, além do reconhecimento de sua historicidade e vinculação a um momento sóciopolítico-econômico.” SILVEIRA RAMOS, Carmem Lucia. A Constitucionalização do Direito Privado e a
Sociedade Sem Fronteiras. In: FACHIN, Luis Edson (Coord.) Repensando Fundamentos do Direito Civil
Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 6.
56
“A completa e fina técnica hermenêutica que se desenvolve entre os juristas comentadores do Direito Romano,
e depois entre os tratadistas, é especialmente uma técnica para a ilustração e o desenvolvimento interno do
Direito romano, com base no pressuposto de que ele constitui um sistema potencialmente completo, uma
espécie de mina inesgotável da sabedoria jurídica, que o intérprete deve limitar-se a escavar para encontrar o
veio escondido”. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: UNB, 1999, p. 119
57
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 114.
58
RESCHKE, Alexandra; AGUSTINI, Camila; GUERESI, Simone. Um Novo Parâmetro para a Gestão dos Bens
da União: Função Socioambiental da Propriedade. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico,
Porto Alegre, vol. 8, out./nov.2006. p. 35.
59
60
61
“A edição de um número cada vez maior de textos de lei especial provocou uma verdadeira descentralização
do sistema de direito privado, ausente na perspectiva dos idealizadores da codificação, excluindo o monismo
consagrado no código civil, em atendimento às emergências sociais”. SILVEIRA RAMOS, Carmem Lucia. A
Constitucionalização do Direito Privado e a Sociedade Sem Fronteiras. In: FACHIN, Luis Edson (Coord.)
Repensando Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 6.
MEIRELLES, Jussara. O Ser e o Ter na Codificação Civil Brasileira: Do Sujeito Virtual à Clausura Patrimonial.
In: FACHIN, Luis Edson (Coord.) Repensando Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998. p. 109.
SILVEIRA RAMOS, Carmem Lucia. A Constitucionalização do Direito Privado e a Sociedade Sem Fronteiras.
In: FACHIN, Luis Edson (Coord.) Repensando Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998. p. 6 e 7.
15
existe para atender aos anseios de uma sociedade.62 O que acontecia fora do código não
era protegido e isso gerava insegurança. O art. 1º, inciso III da Carta Magna traz, através do
princípio da dignidade da pessoa humana, um novo paradigma em relação ao sujeito:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
[...]
63
III – a dignidade da pessoa humana;
Tal princípio modificou a visão de sujeito; não se tratando mais de um sujeito
abstrato, mas de um sujeito que existe enquanto pessoa humana movida por emoções e
sentimentos64. A pessoa humana volta para o núcleo.65
Assim, tem-se que os direitos fundamentais, por se tratarem de princípios, surgem
para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana independentemente das
relações serem públicas ou privadas.66 Observa-se que, em certas situações, o Código Civil
não conseguia refletir a realidade, uma vez que nem todas as pessoas eram consideradas
sujeitos de direito, pois nem todas mantinham relações jurídicas. “Não existem, perante o
ordenamento, apenas situações jurídicas, em que as pessoas ou se amoldam a essas
situações jurídicas ou não existem para o mundo do direito.”67 Aquele sujeito abstrato do
código passa a ser enxergado na sua situação concreta em relação ao objeto. Deve-se ater
à análise de comportamentos e casos concretos.“O objeto não é mais algo em si; passa a
ter função.”68 O ser passa a ser mais importante que o ter. O que eu sou não é o que eu
tenho. O homem se separa da coisa. 69
62
63
64
65
66
67
68
69
ARONNE, Ricardo. Os Direitos Reais no Paradigma do Direito Civil-Constitucional. In: CONFERÊNCIA
DA
ADVOCACIA
GERAL
DA
UNIÃO,
I,
2003.
Disponível
em:
<http://video.google.com/videoplay?docid=9098098780850486630&q=agu+aronne&total=2&start=0&num=10
&so=0&type=search&plindex=1>. Acesso em: 10 de ago. 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de out. de
1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 3.
ARONNE, Ricardo. Os Direitos Reais no Paradigma do Direito Civil-Constitucional. In: CONFERÊNCIA
DA
ADVOCACIA
GERAL
DA
UNIÃO,
I,
2003.
Disponível
em:
<http://video.google.com/videoplay?docid=9098098780850486630&q=agu+aronne&total=2&start=0&num=10
&so=0&type=search&plindex=1>. Acesso em: 10 de ago. 2007.
“O personalismo coloca o ser humano no centro do sistema jurídico, retirando o patrimônio dessa posição de
bem a ser primordialmente tutelado, ao contrário do que faz o individualismo proprietário. Propõe o autor a
superação do individualismo por um solidarismo jurídico, que valorize a coexistencialidade. O ser humano não
pode ser pensado nem compreendido em contaposição à sociedade, exceto na dimensão abstrata do
individualismo, que deve ser afastada.” FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo.Rio
de Janeiro: Renovar, 2006. p. 46.
ARONNE, Ricardo. Por uma Nova Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos
Fundamentos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 64.
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.100.
Ibidem. p. 88 à 90.
MEIRELLES, Jussara. O Ser e o Ter na Codificação Civil Brasileira: Do Sujeito Virtual à Clausura Patrimonial.
In: FACHIN, Luis Edson (Coord.) Repensando Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998. p. 111.
16
Por essa razão, entende-se que o homem não possui somente um papel privado na
sociedade, mas também um público ou social. Não se trata de um ser sozinho, isolado;
necessita do outro para ver seus objetivos também realizados, ou seja: “o que encaro no
outro nada mais é que aquilo que encontro em mim mesmo.”70
O homem é o sujeito de interesse. O bem, ou bens, são o objeto do interesse.
A relação é o vínculo que explica, em face dos demais integrantes do grupo social, a
dominação do sujeito sobre o bem, ou bens, em todos ou alguns de seus aspectos.
Ocorre que as necessidades humanas são ilimitadas, crescentes, na medida em que
se desenvolve o processo civilizatório. Acontece, por outro lado, que os bens são
finitos, ou, pelo menos, sua reprodução, em princípio, não se realiza na mesma
velocidade com que aquelas aumentam ou se renovam.
A finitude dos bens e o acrescentamento das necessidades humanas fazem surgir o
conflito de interesses.
Surge o conflito quando a situação favorável à satisfação de uma necessidade exclui
a situação favorável à satisfação de uma outra necessidade.71
O problema surge quando o interesse de um não é atingido em razão do outro,
surgindo o conflito.
Este é o âmago de todo o problema: não é mais admissível soerguer a vida
empregando como apoio somente o indivíduo isolado. A vida não é uma Ilíada de
um só. A complexidade do mundo moderno repele o pensamento autocrata (Cogito)
que se obstina em aprisionar a existência em um elemento simples, desviado do
espaço humano circundante. A unidade do singular só é conquistada através da
progressiva associação com o mundo exterior, que se torna tão mais verdadeira e
íntima quanto maior for o desapego à estabilidade particular e mais vasta a união
com valores e princípios universalizáveis.
[...]
A subjetividade, mais do que a confrontante auto-satisfação individual, desenvolvese, antes, no sentido da reflexão, fruto de uma vontade dialogada e universalizável,
produzida por um sujeito não apenas consagrado a si mesmo, mas que, na
multiplicidade diferenciada dos seus interesses, descobre que sua própria
72
emancipação depende, em ampla margem, da emancipação da pessoa humana.
A propriedade privada assume um novo papel. O direito subjetivo do proprietário
torna-se social uma vez que a propriedade privada não serve mais para mera satisfação
daquele.73 A Constituição Federal declara que, antes da propriedade privada servir de mera
autonomia da vontade do proprietário, esta, deverá atender a uma função social. Nasce o
princípio da Função Social da Propriedade como direito fundamental.
70
71
72
73
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. p.
294.
LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 309 e 310.
PASQUALINI, Alexandre. O Público e o Privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet (Org.) O Direito Público
em Tempos de Crise: Estudos em Homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1999. p. 34 e 35.
“Considerando o patrimônio, por vezes dotado de um determinado fim, espera-se a compreensão de que o
patrimônio individual não é apenas fruto das oportunidades individuais, mas algo que é antes definido pelo
coletivo, dotado de um sentido social. daí a superação proposta dessas concepções clássicas sobre a pessoa
e patrimônio.” FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar,
2006.p. 39.
17
interesses extraproprietários, de natureza pública ou social, passam a concorrer com
o respectivo interesse privado, sem que necessariamente prepondere este último,
como natural na arquitetura absoluta das titularidades. A propriedade desloca-se
para uma condição de meio para a realização do homem, e não mais condição de
74
fim para que este ascenda à dimensão jurídica.
Cai por terra o caráter absoluto e individual da propriedade privada dada pela
codificação civil, tornando-se, agora, relativa.75 O que a Constituição vem a regular é que
não se pode deixar de pensar em direito de propriedade sem pensar na sua função social.
Observa-se, dessa forma, a publicização da propriedade privada. A Constituição Federal
prevê o direito de propriedade desde que esta atenda sua função social.76 Tem-se a
abertura do sistema e a amplitude de direitos.
O conceito de propriedade a emergir do sistema, assim como se verifica no domínio,
há de conter a necessária abertura para tratar as tantas espécies que o instituo
compreende e que não podem ficar a descoberto do Direito.
Essa mobilidade e abertura conceitual é importante para que não se perpetue o
regime de exclusão que se verifica na abordagem de sistemas fechados, e é
77
alcançável pelo preenchimento tópico e axiológico do conceito.
A igualdade está na Constituição, pois aquele que estava fora agora está dentro, e,
através dela, terá proteção – todos são sujeitos de direito independente de possuir
patrimônio ou não.
Os sistemas, em sua evolutividade e superação histórica, fulminam a perspectiva
oitocentista, por via de seus dispositivos de instrumentalidade e abertura, inerente
ao axiologismo de sua essência, de modo que o Direito, como revela a própria
jurisprudência, deve acompanhar a sociedade para o qual se dirige, como
instrumental não só de segurança, como também de justiça, conteúdo material do
Estado, positivado na Constituição, de modo vinculante ao operador do Direito.78
A função social da propriedade nasce através de princípios e não por regras; dá-se
naquela determinada propriedade. Avalia-se o caso concreto, pois cada caso possui suas
74
75
76
77
78
ARONNE, Ricardo. Direito Civil – Constitucional e Teoria do Caos: Estudos Preliminares. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 111.
“A identificação das posições dominiais (estáticas), que encerram vínculos reais de natureza absoluta com as
titularidades (no caso a propriedade), implicam contradição substancial para com o princípio da função social,
positivado no inciso XXIII do art. 5º, com eficácia prevista no respectivo § 1º desta regra da codificação. A
propriedade é uma titularidade (entre outras) instrumentalizadora do domínio, traduzindo-lhe a oponibilidade,
o dever passivo universal, a obrigação de abstenção do não-titulares. Obrigacionaliza o domínio. A
propriedade, no sistema atual, portanto, é relativa e dinâmica, não mais absoluta e estática.” O §§ 3º e 4º do
presente artigo também substanciam o explicitado. ARONNE, Ricardo. Código Civil Anotado – Direito das
Coisas – Disposições Finais e Legislação Especial Selecionada. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 123.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de out.
de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 5.
ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de Direitos Reais.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 144.
Idem. Por uma Nova Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos Fundamentos
Contemporâneos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 23 e 24.
18
peculiaridades.79 De acordo com a Constituição de 1988, o direito de propriedade vem
previsto no caput do art. 5º e no inciso XXII como direito fundamental e é elevado a princípio
da ordem econômica (art. 170, inciso II). No entanto, logo em seguida ao inciso XXII,
encontra-se também no inciso XXIII80, o princípio da função social da propriedade que limita
tal direito, afirmando que a propriedade privada deverá atender a sua função social.81 Dessa
maneira, o princípio da função social da propriedade possui caráter especial82 por se tratar
de uma área específica do direito.83
O sistema jurídico passa a demonstrar problemas em relação aos conflitos em que
se discutem tanto interesses públicos quanto privados.
Indivíduo e sociedade: tais são os dois principais ângulos da geografia humana.
Esses dois ângulos são, ao mesmo tempo, as suas duas necessidades (ananke).
Uma não existe sem a outra. Mas há duas guerras nestas duas fronteiras: a guerra
da opressão, que é a preponderância do Estado sobre o indivíduo; a guerra do
individualismo, que é a supremacia do indivíduo sobre o Estado. Dois excessos
84
produtos de um único erro: a falta de identidade moral entre ambos.
Trata-se da chamada publicização do direito privado a qual remete à
despatrimonialização do Direito Civil, ou, ainda, repersonalização85 do Direito que “consiste
no deslocamento de enfoque dos códigos do patrimônio para a pessoa humana.”86 O
Privado deve lembrar que antes de tudo há um Público e que, este, em muitas situações, irá
limitar aquele.
Esta despatrimonialização do direito civil não significa a exclusão do conteúdo
patrimonial no direito civil, mas a funcionalização do próprio sistema econômico,
diversificando sua valoração qualitativa, no sentido de direcioná-lo para produzir
79
80
81
82
83
84
85
86
Idem. Os Direitos Reais no Paradigma do Direito Civil-Constitucional. In: CONFERÊNCIA DA
ADVOCACIA
GERAL
DA
UNIÃO,
I,
2003.
Disponível
em:
<http://video.google.com/videoplay?docid=9098098780850486630&q=agu+aronne&total=2&start=0&num=10
&so=0&type=search&plindex=1>. Acesso em: 10 de ago. 2007.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade nos termos seguintes: [...] XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII- a propriedade
atenderá a sua função social. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil: promulgada em 5 de out. de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 31ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 7.
RESCHKE, Alexandra; AGUSTINI, Camila; GUERESI, Simone. Um Novo Parâmetro para a Gestão dos Bens
da União: Função Socioambiental da Propriedade. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico,
Porto Alegre, vol. 8, out./nov.2006. p. 36 e 37.
ARONNE, Ricardo. Por uma Nova Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos
Fundamentos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 72.
LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 313.
PASQUALINI, Alexandre. O Público e o Privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet (Org.) O Direito Público
em Tempos de Crise: Estudos em Homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1999. p. 36.
“A ‘repersonalização’ do Direito assenta-se na premissa de que patrimônio e pessoa não estão
absolutamente entrelaçados, nem ocupa um primeiro plano a relação entre eles; ademais nem sempre o
conceito de universalidade jurídica é aplicável à mesma massa patrimonial.” FACHIN, Luiz Edson. Estatuto
Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.p. 39.
ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de Direitos Reais.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 41.
19
respeitando a dignidade da pessoa humana (e o meio ambiente) e distribuir as
riquezas como maior justiça.
[...]
Assim, embora se mantenha, como princípio, um direito centrado no homem,
construído segundo o imaginário racionalista-liberal, estabelece-se restrições e
limites, voltados para a preservação dos interesses coletivos, bem como para o
desenvolvimento e preservação da dignidade do cidadão, ausentes no sistema
87
clássico do direito civil, consolidado no Código de 1916.
O civilista deve ler o Código Civil à luz da Constituição Federal – Carta Magna que
rege todas as relações jurídicas.88
O Código Civil de 1916 não correspondia mais à realidade social, e essa crise
“suscita, antes de mais nada, questões concernentes à sua historicidade, à análise da interrelação entre Direito e Sociedade, ao principio do dinamismo que impinge ao Direito seu
eterno diálogo com o meio social, seu tempo e seu espaço.”89
A Constituição de 1988 confirmou tal problemática. Pensava-se em uma nova
codificação, uma vez que a atual era totalmente incoerente com a Carta Maior,
principalmente no que tange a propriedade privada. Após anos de formulação e tramitação,
em 2002, entra em vigor o Novo Código Civil. Dentro dele veio embutido o princípio
constitucional da função social da propriedade90, assim como tantos outros princípios já
previstos na constituição. Observa-se que o novo Código se manteve privado, apenas, foi
adaptado para mostrar que atende à Constituição Federal.
A unidade abstrata do patrimônio é fundada na teoria clássica, adotada pelo
legislador brasileiro de 1916 e reproduzida pelo Código de 2002, em sua ligação
necessária com a pessoa, por ser atributo ou projeção da personalidade. [...]
A função social da propriedade prevista pelo novo Código Civil é um passo relevante
na direção do que já apontava a Constituição de 1946, o Estatuto da Terra e
especialmente a Constituição de 1988. Nada obstante, a estrutura da disciplina
91
codificada se manteve rente ao horizonte da modernidade em atraso.
Muito se critica quanto às inovações do Código Civil de 2002, uma vez que nada
mudou. Veio apenas para confirmar aquilo que já estava na Constituição, e para isso, não
haveria a necessidade de um novo Código. A função social da propriedade não necessita de
87
88
89
90
91
SILVEIRA RAMOS, Carmem Lucia. A Constitucionalização do Direito Privado e a Sociedade Sem Fronteiras.
In: FACHIN, Luis Edson (Coord.) Repensando Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998. p. 16 e17.
ARONNE, Ricardo. Por uma Nova Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos
Fundamentos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 36.
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 22.
“Art. 1228 O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de
quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e
sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a
fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a
poluição do ar e das águas.” Idem. Código Civil Anotado – Direito das Coisas – Disposições Finais e
Legislação Especial Selecionada. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 123.
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo.Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 39 e 40.
20
lei especial para dar eficácia; a Carta Magna tem eficácia direta e horizontal. A
contemporaneidade do código veio na Constituição Federal de 1988.92
Um novo Direito Civil, independente do asfalto, que suba o morro e reencontre a
sociedade, não se fez em códigos, é fruto de uma reconstrução epistemológica,
capitaneada pela jurisprudência mais compromissada, nucleada na nova dimensão
existencial do Direito Privado, que teve por ante-sala um substancioso Diploma
Constitucional, destinado a uma sociedade advinda de vinte e um anos de
93
militarismo totalitário.
A preocupação com o coletivo remete também à questão do bem-estar social
advinda das transformações econômico-sociais, como a preocupação com o meio ambiente,
através de uma melhor qualidade de vida em que se consiga vislumbrar um atual e futuro
desenvolvimento sustentável, obtendo-se, dessa maneira, maior eficácia à função social da
propriedade privada.
Dentro do meio ambiente se encontram o ambiente natural e o cultural. Nessa
esteira, entende-se que “o homem é histórico, tem de construir-se a si mesmo, colocado
entre outros homens e os objetos, condicionado pelo passado e projetando-se para o
futuro.”94 O art. 170 da Constituição Federal95 traz tal preocupação, ao estabelecer que “a
ordem econômica, fundada na livre iniciativa (sistema de produção capitalista) e na
valorização do trabalho humano (limite ao capitalismo selvagem, deverá regrar-se pelos
ditames de justiça social, respeitando o princípio da defesa do meio ambiente [...].”96
Novas questões foram se configurando, a ponto de fazerem surgir novos ramos do
Direito, tais como o Direito do Trabalho, o Direito Agrário, o Direito Previdenciário, e
legislação específica para o inquilinato, a proteção do meio ambiente, a atividade
bancária, a engenharia genética, a propriedade industrial, intelectual e urbana, e
tantas outras situações novas a reclamar disciplina jurídica. Desse modo, rompeu-se
a generalidade do Código Civil, configurando-se, outrossim, uma crescente
intervenção estatal nos assuntos que, aos olhos do sistema clássico, referiam-se à
ordem privada.97
92
93
94
95
96
97
ARONNE, Ricardo. Os Direitos Reais no Paradigma do Direito Civil-Constitucional. In: CONFERÊNCIA
DA
ADVOCACIA
GERAL
DA
UNIÃO,
I,
2003.
Disponível
em:
<http://video.google.com/videoplay?docid=9098098780850486630&q=agu+aronne&total=2&start=0&num=10
&so=0&type=search&plindex=1>. Acesso em: 10 de ago. 2007.
ARONNE, Ricardo. Direito Civil – Constitucional e Teoria do Caos: Estudos Preliminares. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 38.
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo.Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 45.
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
[...]
VI – defesa do meio ambiente. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil: promulgada em 5 de out. de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 31ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 114.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 25.
MEIRELLES, Jussara. O Ser e o Ter na Codificação Civil Brasileira: Do Sujeito Virtual à Clausura Patrimonial.
In: FACHIN, Luis Edson (Coord.) Repensando Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1998. p. 110.
21
O princípio da função social da propriedade se torna elemento ímpar no
desenvolvimento sustentável em relação ao meio ambiente e no planejamento das cidades.
O parágrafo segundo do art. 182 da atual Constituição vinculou a função social da
propriedade urbana às exigências da ordenação da cidade expressa no plano diretor.
O art. 182, parágrafo segundo, da Constituição de 1988 subordinou o cumprimento
da função social da propriedade urbana às exigências da ordenação da cidade, o
que estabelece de forma muito clara quais as diretrizes a serem observadas no
gerenciamento dos espaços privados localizados em zona urbana, ou seja, aquelas
que venham ao encontro dos princípios e garantias fundamentais da cidadania
brasileira, priorizadas sobre os interesses privados ou setoriais porventura
98
existentes.
Como a propriedade privada deverá estar ligada a sua função social, e, em
conseqüência disso, encontra-se dentro de uma estrutura chamada de “cidade”, esta
deverá, também, atender a uma função social, ou seja, a uma função social da cidade.
Dessa forma, a função social da propriedade urbana acompanhará a função social da
cidade.99
A cidade é um cenário político e filosófico da vida das pessoas que ali moram,
trabalham, relacionam-se e constituem família fazendo, assim, história.100 De tal maneira,
que a cidade evolui conforme a realidade humana se transforma. Faz-se importante tal
visão a fim de vislumbrar o papel atual do Estado como limitador da propriedade privada. 101
Falar em cidade, hoje, é falar em urbanização. Tal fenômeno dá-se muito depois do
surgimento da cidade em razão do crescimento imobiliário desorganizado102 que ocorre a
partir do século XIX. Houve, em função disso, a necessidade de um Direito Urbanístico que
regulasse todo esse fenômeno evolutivo. Por essa razão, Silva afirma que “o direito
urbanístico é uma nova disciplina jurídica em franca evolução. O qualitativo ‘urbanístico’
indica a realidade sobre a qual esse Direito incide: o urbanismo – palavra que vem do Latim
urbs, que significa ‘cidade’.”103
98
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: Aspectos Jurídicos e
Políticos.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 121.
Idem. Direito Urbanístico: Condições e Possibilidades da Constituição do Espaço Urbano. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003. p. 25.
100
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: Condições e Possibilidades da Constituição do Espaço Urbano.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 3.
101
Idem. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: Aspectos Jurídicos e Políticos.Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1998. p. 115
102
“Esse movimento do mercado imobiliário começou a ameaçar a própria segurança da ordem social e a
necessidade de proteção do bem-estar coletivo, necessitando uma intervenção estranha à figura do Estado,
em razão da política liberal que norteava a Primeira República.” ARONNE, Ricardo. Por uma Nova
Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos Fundamentos Contemporâneos. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001. p. 355.
103
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros editores, 2006. p. 19.
99
22
No Brasil, o fenômeno da urbanização eclodiu a partir de 1930 com o êxodo rural.
Até então a sociedade era agrária e havia evoluído de forma lenta. 104
Silva105 bem coloca a questão da urbanização quando a analisa juntamente com o
fenômeno de urbanificação. A urbanização seria, resumidamente, o fenômeno em que há a
concentração urbana, ou seja, em como se dá o crescimento das cidades.
Essa
concentração urbana se deu, no Brasil, de forma desorganizada, uma vez que não havia
visão quanto ao planejamento das cidades106. Gerou, com isso, grandes problemas, pois,
desorganizou a sociedade modificando a utilização do solo e a paisagem urbana
deteriorando o ambiente. Por essa razão, tem-se o fenômeno da urbanificação, em que se
segundo vislumbra a intervenção do Poder Público para regular esses problemas, ou seja,
um fenômeno que vem para regular o outro, podendo também ser reconhecido como
fenômeno de reurbanização.
No que diz respeito ao Plano Diretor, através da Constituição de 1988, assume a
função de instrumento básico da política urbana do Município, que tem por objetivo ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar da
comunidade local (art. 182).”107
O Direito Urbanístico também está previsto na Constituição, nos artigos 30, inciso
IX, 215 e 216, no que tange a proteção do patrimônio histórico-cultural e artístico, assim
como a competência dos entes federativos em implementar norma de Direito Urbanístico
(artigos 21, incisos IX, XX e XXI; 24, inciso I e 30, incisos I, II, VIII e IX).108
Diante disso, vislumbra-se que a função social da propriedade privada é também
urbana, pois a propriedade urbana, “diferentemente da propriedade agrícola, é resultado já
da projeção da atividade humana. Está, portanto, impregnada de valor cultural, no sentido
de algo construído pela projeção do espírito do Homem.”109 Devendo, dessa forma,
acompanhar e se adequar ao desenvolvimento das cidades com base no bem-estar social.
Porém, não se pode apartar o estudo do direito das coisas da totalidade do sistema,
para que não reste ferida a congruência do ordenamento a ser preservada pela
vinculação do intérprete ao princípio da unidade axiológica, bem como da abertura
do sistema jurídico, em sua comunicação com o sistema social, político, econômico,
110
psicossocial ou mesmo com o ambiente (determinante a qualquer sistema).
104
105
106
107
108
109
110
ARONNE, Ricardo. Por uma Nova Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos
Fundamentos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 344 e 346.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros editores, 2006. p. 26 e 27.
“A formação territorial brasileira, neste particular, nunca recebeu mais demorada atenção por parte dos
governos, deixando-se o tratamento das questões urbanas, principalmente as voltadas ao tema da
propriedade urbana, ao encargo das necessidades e tendência políticas elitistas.” LEAL, Rogério Gesta. A
Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: Aspectos Jurídicos e Políticos.Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1998. p. 62.
Ibidem. p. 99.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros editores, 2006. p. 48.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros editores, 2006. p. 78.
ARONNE, Ricardo. Por uma Nova Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos
Fundamentos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 102.
23
A necessidade de uma melhor qualidade de vida nas cidades decorre do antigo
descaso quanto ao desenvolvimento urbanístico e de maior atenção quanto à proteção
ambiental. Dessa forma, fizeram com que se almejasse um Estatuto que regulasse de forma
mais completa tais problemáticas.O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) vem para
confirmar e tornar ainda mais eficaz a função social da propriedade urbana e a função social
da cidade, “eis que grande marco regulatório da organização do espaço urbano, trazendo
princípios e objetivos nacionais neste âmbito.”111
A urbanização, além de causar problemas quanto à desorganização das cidades
também deteriora o ambiente, seja no sentido da poluição (do ar, sonora ou visual), seja na
questão da paisagem (natural, artificial e cultural).112
Já no crepúsculo do século XX, surge uma terceira geração de direitos
fundamentais, não mais com o escopo de proteger interesses individuais ou
coletivos, porém com intuito de proteger o próprio gênero humano, como valor
supremo de sua existência terrena, garantindo-lhe, dentre outros, o direito ao
113
desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente sadio e à comunicação.
Nessa esteira, o Direito Urbanístico atrai para a análise o direito ambiental.
Os bens integrantes do meio ambiente cultural e natural constituem objeto de
disciplina urbanística. Seu regime jurídico (como também das jazidas, minas, etc.)
decorre de normas constitucionais (arts. 216 e 225), independentemente da
114
aplicação do princípio da função social da propriedade.
Dessa forma, o meio ambiente também deverá atender a uma função social. A
propriedade privada deverá cumprir uma função social enquanto propriedade privada e,
também,
enquanto
inserida
num
espaço
urbano
chamado
cidade115,
e,
esta,
conseqüentemente, fazendo parte de um espaço ainda maior, o ambiental, cumprindo,
assim, uma função socioambiental.
Assim, a preocupação com o tipo de vida nas cidades é preponderante para definir o
tipo de vida humana. Se a ela se quer imprimir a nota da qualidade, os cuidados
111
112
113
114
115
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: Condições e Possibilidades da Constituição do Espaço Urbano.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 78.
MARCHESAN, Ana Maria. Tutela Jurídica da Paisagem no Espaço Urbano. Revista Magister de Direito
Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, v. 8, out./nov.2006. p. 89.
ARONNE, Ricardo. Por uma Nova Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos
Fundamentos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 113.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros editores, 2006. p. 82.
“A partir daqui, podemos falar, talvez, de um conceito de que ‘tudo é cidade’, no sentido de incorporar todas
as zonas da comuna: rural, urbana, comercial, residencial, industrial, etc., com a intenção de preservar seus
valores ambientais e de manter sua vocação para a atividade rural, econômica, artística, social, de lazer e de
turismo, além do uso residencial.” LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: Condições e Possibilidades da
Constituição do Espaço Urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 66.
24
com a paisagem são indispensáveis, não somente do ponto de vista estético, mas
também da funcionalidade.
A forma pela qual historicamente o homem transforma a natureza deixa marca
indeléveis, cria texturas no espaço. As sociedades deixam suas impressões digitais
através das paisagens e essas serão tanto mais harmoniosas quanto o for a vida em
sociedade.
Para nortear esse convívio entre os homens, existe o Direito e, em especial, o Direito
Ambiental e todo o seu manancial de princípios e instrumentos comprometidos com
um escopo muito claro: o desenvolvimento sustentável. O desafio da
116
sustentabilidade urbana passa pela tutela da paisagem [...].
Observa-se, dessa maneira, a complexidade quanto à eficácia do direito de
propriedade. A função social ainda gera conflitos na aplicação do direito de propriedade117,
e, ainda maiores, quando agregados outros valores como os de cunho urbanístico (já
comentado anteriormente) e de proteção ambiental, incluindo nesta esteira a proteção do
meio ambiente natural, artificial e cultural.
A proteção ambiental passa pela ininterrupta tensão com o direito de propriedade, o
qual está quase sempre decalcado aos valores materiais e imateriais nos quais se
expressam os bens naturais, artificiais e culturais que compõem a visão holística de
meio ambiente.
Devido à indissociável conexão entre o direito de propriedade e a preservação
ambiental é que a doutrina passou a explorar a temática da função social, ora
encarando-a como desdobramento da função ambiental e, portanto, embutida na
disciplina do Direito Administrativo; ora tratando-a como atributo do direito de
118
propriedade e, por fim, como princípio de direito ambiental.
O patrimônio cultural exercerá sua função social quando tiver o elemento cultural.
Os bens socioambientais alteram e complementam a função social da propriedade,
porque agregam elementos funcionais a ela. Uma casa de moradia urbana, que
cumpra sua função social por servir de residência, quando tombada como patrimônio
cultural, passa a ter também a função social de preservar a memória e evocar uma
manifestação cultural, isto é, agrega, amplia, a função social da propriedade. A
alteração não será apenas por agregar algo a mais, podendo haver mudanças, já
que um bem socioambiental teve alterada a sua essência jurídica.
[...]
Em relação à propriedade rural, a Constituição define a sua aplicação no artigo 186,
e, em relação à urbana, no artigo 182, § 2º. Para a propriedade rural é visível a
orientação da Constituição no sentido de ordenar a função para a produção e a
razoável adequação às relações de trabalho, além da proteção ao meio ambiente.
Já a propriedade urbana está vinculada à função social da cidade que visa, ela
mesma, o bem-estar de seus habitantes. No caso rural ou urbano, o reconhecimento
do valor cultural, histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
116
117
118
MARCHESAN, Ana Maria. Tutela Jurídica da Paisagem no Espaço Urbano. Revista Magister de Direito
Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, v. 8, out./nov.2006. p. 69.
“O direito de propriedade resta inserido dentro de um todo, e deve ser apanhado perante este todo. A
propriedade, nem que seja pelo seu uso, deve servir ao bem da comunidade. A vinculação social da
propriedade, através de princípio jurídico, implica na negativa de que o interesse individual do proprietário
sobreponha-se incondicionalmente aos interesses de uma coletividade.” ARONNE, Ricardo. Propriedade e
Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de Direitos Reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.
158.
MARCHESAN, Ana Maria. A Tutela do Patrimônio Cultural Sob o Enfoque do Direito Ambiental. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 139.
25
ecológico ou científico agrega por compor o bem-estar dos habitantes das cidades
119
ou o meio ambiente, função social à propriedade. Nova função social!
A propriedade privada que possui valor cultural deverá cumprir tal função social.
Todavia, deve-se vislumbrar que essa função social se desdobra de várias maneiras (função
social da cidade, socioambiental), mas que não se tratam de uma da mesma coisa. Trata-se
de partes do todo que devem ser compreendidas, tanto de forma separada, para entender o
todo, como de forma uníssona para se entender a parte.120
O papel do judiciário, enquanto intérprete, far-se-á importante, na resolução dos
conflitos, ao tentar harmonizar todas essas funções sociais (da propriedade, das cidades e
ambiental) em detrimento do direito de propriedade e de outros de caráter individual. Por
isso, a função social se dará em cada propriedade quando inserida em um caso concreto.
Na medida em que tal esclarecimento recíproco entre as normas ocorre na
totalidade do ordenamento jurídico, enquanto sistema, a partir da Constituição, tal
processo deverá ser observado para qualquer interpretação, mesmo que de norma
infraconstitucional, categoria na qual se insere o Código Civil, na condição de lei
ordinária.
Os princípios estruturantes precisam das demais espécies de normas (regras e
princípios menos abstratos), para ganharem densidade e, ao mesmo tempo,
transparência. Portanto, somente o todo formará uma unidade material que,
justamente, é a unidade sistemática.
A interpretação jurídica haverá de se orientar pelo princípio da hierarquização
axiológica, de modo a serem vencidas ou evitadas antinomias ou conflitos
normativos, informada por outros princípios jurídicos objetivadores da interpretação,
de modo a que restem afastados subjetivismos e para que não ocorra mera teoria da
121
argumentação, sem a cientificidade necessária.
O meio ambiente deverá ser protegido em razão de ser formado por três diferentes
tipos de ambiente: o natural, o artificial e o cultural. O que interessa sob a égide do direito
ambiental, em que se preocupa a temática deste trabalho, e a sua função social, é a
proteção do meio ambiente cultural em que se vislumbra a proteção do patrimônio cultural –
bens imóveis.
Ao ser concebido o patrimônio histórico-cultural como parte da própria cultura de um
povo ou nação, cumpre seja protegido à luz da função social, para que se mantenha
e conserve, não podendo ser explorado ao árbitro de quem o possua ou titulariza.
Advém daí o princípio da proteção do patrimônio histórico-cultural, tanto como limite
ao titular no exercício do domínio de bem que integre tal patrimônio como
122
impulsionador do Estado para intervenção protetiva.
119
120
121
122
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e Proteção Jurídica. Porto Alegre: Unidade
Editorial, 1997. p. 20 e 21.
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000. p. 88 e 89.
ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de Direitos Reais.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 11 e 12.
ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de Direitos Reais.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 126.
26
A paisagem urbana, em certos contextos das cidades, reproduz uma cultura de
identificação de seu povo em determinada época. O ser humano necessita entender o seu
passado, que, em muitas ocasiões, está gravado nos modelos arquitetônicos.123
O direito ambiental se refere, objetivamente, à questão da preservação a fim de que
se assegure o mundo como um local em condições sadias de se viver o hoje e o amanhã.
Por essa razão, o meio ambiente cultural também deverá ser preservado.
O meio ambiente, entendido em toda a sua plenitude e de um ponto de vista
humanista, compreende a natureza e as modificações que nela vem introduzindo o
ser humano. Assim, o meio ambiente é composto pela terra, a água, o ar, a flora e a
fauna, as edificações, as obras-de-arte e os elementos subjetivos e evocativos,
como a beleza da paisagem ou a lembrança do passado, inscrições, marcos ou
sinais de fatos naturais ou da passagem de seres humanos. Desta forma, para
compreender o meio ambiente é tão importante a montanha, como a evocação
mística que dela faça o povo.
Alguns destes elementos existem independentes da ação do homem: os chamamos
de meio ambiente natural; ou outros são frutos da sua intervenção e os chamamos
124
de meio ambiente cultural.
O art. 225125 da Constituição declara que todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Veja-se que esse
dispositivo possui “uma conotação multifacetária, porquanto o objeto de proteção verifica-se
em pelo menos quatro aspectos distintos (meio ambiente natural, artificial, cultural e do
trabalho), os quais preenchem o conceito da sadia qualidade de vida.”126
A proteção do patrimônio cultural está diretamente ligada à função social da
propriedade privada, uma vez que o proprietário de um imóvel tombado estará limitado no
seu direito de propriedade devendo preservar aquele bem que se tornou fonte de cultura
para aquela sociedade. “As coisas são veículos culturais, tornam-se bens culturais e por
isso devem ser preservadas.”127“É a partir do momento em que são investidas de sentido
pelos indivíduos e comunidades, que essas coisas passam a ter função de ‘signos’, como
elementos significativos necessários à comunicação entre os membros do grupo.”128
123
124
125
126
127
128
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros editores, 2006. p. 307.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e Proteção Jurídica. Porto Alegre: Unidade
Editorial, 1997. p. 9.
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sádica qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.“ BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil: promulgada em 5 de out. de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 31ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2003. p. 139.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000. p.
179.
REISEWITS, Lúcia. Direito Ambiental e Patrimônio Cultural: Direito à Preservação da Memória, Ação e
Identidade do Povo Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 85.
HORTA, Maria de Lourdes Parreiras. Fundamentos da Educação Patrimonial. Ciências & Letras - Educação
e Patrimônio Histórico-Cultural: Revista da Faculdade Porto Alegrense de Educação, Ciências e
Letras, Porto Alegre, n. 27, jan./jun. 2000. p. 29.
27
Interesses privados e públicos hão de se alinhar, relativizando-se em caso de
conflito, sem se eliminarem, de modo que, em sua constituição mútua, seja
verificável o conteúdo de funcionalização em apreço, plenamente exigível na
condição de direito social, erguido nos ombros do art. 5º da CF/88 à condição de
129
direito fundamental.
Vislumbra-se que a Constituição vai muito além, quando determina o que seria
bem-estar social, pois, em um país como o Brasil, onde necessidades básicas não
conseguem se concretizar, afirmar que a desordem no desenvolvimento das cidades, a falta
de identificação cultural, e a importância destas para a formação do ser humano, é algo que
vai muito além das expectativas dos cidadãos brasileiros que lutam para viver um hoje, pois,
sequer possuem perspectivas para o futuro, e, por essa razão, o passado pouco importa.
Para aqueles que têm fome, que não conseguem emprego, e que morrem esperando
atendimento médico, fica difícil enxergar, em meio a tudo isso, a importância da cultura
como parte do bem-estar do homem. É por essa razão que
direitos absolutos não têm como se funcionalizarem, senão mercê da boa vontade
de seus titulares; e o resultado o liberalismo já deu mostras da insuficiência de tal
concepção, ao salientar a exclusão social das classes menos abastadas, pela
construção jurídica clássica de uma titularidade absoluta.130
A cultura não faz parte da educação do cidadão brasileiro; é privilégio de poucos, e,
por isso, observa-se a dificuldade em aplicar a função social da propriedade privada no
âmbito do patrimônio cultural. Dentro desse entendimento, o acesso à cultura, por mais
direito fundamental que seja, é um dos maiores desafios do Estado Social.
4 A PRIVATIZAÇÃO DA CULTURA NA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO
A função social da propriedade imobiliária urbana frente à proteção do patrimônio
cultural se dá, única e exclusivamente, através da cultura como identificadora do homem
enquanto ser que transforma o mundo e é transformado por ele. “O ser humano nos é
revelado em complexidade: ser, ao mesmo tempo, totalmente biológico e totalmente
cultural.”131 “Onde há ser humano há cultura. Onde quer que o ser humano toque, o que
quer que faça, está a modificar a realidade e a si próprio e, assim que interfere no mundo
natural ou dele participa, está a criar um mundo cultural.”132
129
130
131
132
ARONNE, Ricardo. Por uma Nova Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos
Fundamentos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 123 e 124.
Idem. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de Direitos Reais. Rio de
Janeiro: Renovar, 1999. p. 175.
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000. p. 40.
REISEWITS, Lúcia. Direito Ambiental e Patrimônio Cultural: Direito à Preservação da Memória, Ação e
Identidade do Povo Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 80.
28
Todavia, o acesso à cultura se torna um problema social, uma vez que se torna
objeto de uma elite, quando deveria ser de todos, como sujeitos iguais que são, assim como
é declarada pela Carta Maior. Outra problemática se dá em razão da importância que tem o
acesso à cultura frente ao “mundo reorganizado”133 pela globalização através de uma
sociedade de consumo que se formou do capitalismo.
A injustiça cultural [...] é obrigar grupos e manifestações culturais diversos a se
submeterem a normas e configurações políticas estanques e imutáveis. À lógica da
via única e da política homogênea. Qualquer política de cultura a ser adotada pelo
País, deve garantir a abertura dos canais institucionais e financeiros, através da
reforma do sistema nacional de cultura, a amplos setores tradicionalmente atendidos
pelas ‘políticas de recorte social ou assistencialistas’. É simbólico que o País não
possua uma política de cultura para os indígenas, para o artesanato, para estimular
a diversidade cultural das várias regiões brasileiras, para os grupos culturais
atuantes nas favelas e bairros de periferia dos grandes centros urbanos. E é
sintomático que não empreenda, num mundo marcado pelo trânsito incessante de
informações, uma política de comunicação cultural capaz de gerar produtos
informativos de qualidade para a enorme rede nacional de educação e também para
os mercados televisivos e editoriais. Faz-se a política para os empresários e para os
artistas renomados nada desprezível, mas insuficiente para o tamanho e a força
134
criadora do País.
A Constituição Federal de 1988 prevê o acesso à cultura como um direito
fundamental do cidadão e “é protegida como fenômeno social e fator de emancipação
humana, especialmente no art. 215.”135 Ela garante o pleno exercício dos direitos culturais,
bem como seu acesso; valorando e incentivando; tendo o Estado e o próprio cidadão o
dever de proteger. Tanto é assim, que o art. 5º, inciso LXXIII da CF/88 prevê o uso da ação
popular, podendo ser impetrada por qualquer cidadão que se depare com qualquer tipo de
degradação ao meio ambiente natural, artificial ou cultural.
A cultura é um grande desafio para o Estado Social, principalmente em nível de
Brasil, onde se vislumbra uma privatização da cultura, uma vez que esta chega até poucos
que dela podem desfrutar. O Brasil, por ser um país que enfrenta problemas primários,
como a fome, saúde, violência, advindos do capitalismo exarcebado e de uma cultura de
consumo, torna-se precário, também, em nível de educação.136
Giddens137 fala em um “mundo em descontrole”, uma vez que a globalização
alterou não somente a economia mundial, mas a vida cotidiana das pessoas, modificando
seus costumes e tradições, ou seja, modificando sua cultura.
133
134
135
136
137
SADER, Emir. Cultura Globalizada e Culturas Locais. In: SCHOLZE, Lia (Coord.). Reunião Pública Mundial
de Cultura. Porto Alegre: Unidade Editorial, 2003. p. 21.
PORTO, Marta. Por Uma Política Pública de Cultura: Desenvolvimento e Democracia. In: SCHOLZE, Lia.
Reunião Pública Mundial de Cultura. Porto Alegre: Unidade Editorial, 2003. p. 37.
MARCHESAN, Ana Maria. A Tutela do Patrimônio Cultural Sob o Enfoque do Direito Ambiental. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 27.
SADER, Emir. Cultura Globalizada e Culturas Locais. In: SCHOLZE, Lia. Reunião Pública Mundial de
Cultura. Porto Alegre: Unidade Editorial, 2003. p. 23.
GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. Rio de Janeiro:
Record, 2003. p. 21.
29
O homem faz parte de um ambiente natural, urbano, social e cultural, e, por isso,
necessita dessa identificação, independentemente de querer, e ter, ou não, consciência.
O ser humano, que compõe a natureza, interage com os demais elementos e produz
uma série de intervenções na realidade da qual é parte. Modifica-se a si mesmo
geneticamente, modifica a fauna e a flora geneticamente, produz lixo, destrói matas,
polui águas etc., num infindável número de situações, muitas vezes, indesejáveis.
Por outro lado, constrói pirâmides, torres, castelos, casas, empregnando seu gênio
criativo nas mais diversas formas de arte, e essas intervenções agora passam a ser
138
desejáveis, pois enriquecem sua própria vida.
O ser humano não é um ser destacável do mundo. É fruto de toda uma interação
que vai além de sua própria casa. O homem vive em sociedade e interage com outras
pessoas, através da comunidade, da cidade, dos estados, dos países, do mundo. “Conhecer
o humano não é separá-lo do Universo, mas situá-lo nele.”139 O homem se identifica tanto
com a natureza (pois faz parte dela) quanto com o patrimônio cultural, uma vez que o
homem interfere no ambiente fazendo sua história.
Trata-se de procurar sempre as relações e inter-retro-ações entre cada fenômeno e
seu contexto, as relações de reciprocidade todo/partes: como uma modificação local
repercute sobre as partes. Trata-se, ao mesmo tempo, de reconhecer a unidade
dentro do diverso, o diverso dentro da unidade; de reconhecer, por exemplo, a
unidade humana em meio às diversidades individuais e culturais, as diversidades
140
individuais e culturais em meio à unidade humana.
A ligação com o passado age no espírito humano e traz uma sensação de bemestar e de localização no tempo e no espaço. Torna-se, dessa maneira, mais solidário e
compreensivo, capaz de ampliar seu conhecimento e de entender suas incertezas.141
A educação, através do ensino142, ainda seria o meio mais eficiente de transmitir a
cultura para aqueles que, de certa forma, não conseguem alcançar. Todavia, como é o caso
do Brasil, em muitas situações, o educador também passa fome, pois é mal remunerado e,
por isso, é desestimulado, desestimulando, assim, o educando. No que tange ao patrimônio
cultural, a Educação Patrimonial se faz importante para refletir quanto à preservação, mas,
138
139
140
141
142
REISEWITS, Lúcia. Direito Ambiental e Patrimônio Cultural: Direito à Preservação da Memória, Ação e
Identidade do Povo Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 5.
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000. p. 37.
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000. p. 25.
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000. p. 73.
“O ‘ensino’, arte ou ação de transmitir os conhecimentos a uma aluno, de modo que ele os compreenda e
assimile, tem um sentido mais restrito, porque apenas cognitivo.
A bem dizer, a palavra ‘ensino’ não me basta, mas a palavra ‘educação’ comporta um excesso e uma
carência. [...].
A missão desse ensino é transmitir não o mero saber, mas uma cultura que permita compreender nossa
condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre. [...].
Mas a educação pode ajudar a nos tornarmos melhores, se não mais felizes, e nos ensinar a assumir a parte
prosaica e viver a parte poética de nossas vidas.” Ibidem. p. 11.
30
uma depende da outra. Torná-la como atividade da educação escolar normal seria
interessante para o contato inicial das crianças e dos jovens esclarecendo a importância da
preservação.143
Os meios de comunicação, uma vez que deveriam auxiliar no acesso à cultura, já
que se vive em uma sociedade onde há informação para todos os lados, faz muito pouco,
ou, quase nada, perto do que poderia ser feito.
As concessões destes meios até hoje serviram basicamente para interesses
fisiológicos, gerando uma grande distorção: estes meios não têm em regra nenhum
compromisso com nossa identidade e história. O avanço tecnológico permitiu a
formação de redes nacionais, numa unificação de linguagem que agride uma das
nossas maiores riquezas – a nossa diversidade. Esta política perversa, já vitoriosa
em nossas TVs, chega hoje também ao meio de comunicação mais acessível a
todos, que é o rádio. O resultado é uma ação criminosa para com nossa cultura,
além de ocasionar num imenso desemprego entre os profissionais do ramo. Ao
144
governo urge tomar para si a responsabilidade que lhe cabe, e a lei permite.
Um prédio que possui caráter cultural está acessível a todos que por ele passam,
uma vez que se localiza na rua, onde qualquer pessoa pode admirar e interagir, através de
sua arquitetura que transmite vivências e conta história. Nele, contém uma história, uma
paisagem e uma harmonia socioambiental.145
Retomando as considerações iniciais sobre a cidade, e considerando que
atualmente as trocas de bens, informações e conhecimentos podem prescindir dela
como suporte material, me parece que as trocas de afetos não. Os afetos
necessitam de lugares para despertarem emoções, e a memória necessita de
materialidade para se exercitar e transformar-se. E nós temos a obrigação de refletir
sobre o papel que o patrimônio arquitetônico e o urbanístico, como formas concretas
e facilmente percebidas pela população, pode desempenhar nesse mundo
mundializado.146
O art. 216 da Carta brasileira define a constituição do patrimônio cultural: “os bens
de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
143
144
145
146
LUPORINI, Teresa Jussara. Educação Patrimonial: Projetos para a Educação Básica. Ciências & Letras –
Patrimônio e Educação: Revista da Faculdade Porto Alegrense de Educação, Ciências e Letras, Porto
Alegre, n. 31, jan./jun. 2002. p. 325.
GOMES, Marcos. Cultura, Identidade e Auto-Estima: Uma Experiência. In: SCHOLZE, Lia (Coord.). Reunião
Pública Mundial de Cultura. Porto Alegre: Unidade Editorial, 2003. p. 111.
“Do universo da cultura caminha-se para uma primeira redução até se chegar ao patrimônio cultural para,
logo em seguida, ampliar-se novamente o campo da análise para o meio ambiente, integrado não só pela
dimensão cultural, como pela artificial e natural.” MARCHESAN, Ana Maria. A Tutela do Patrimônio Cultural
Sob o Enfoque do Direito Ambiental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 27.
MEIRA. Ana Lucia Golzer. Patrimônio Cultura e Globalização. In: POSSAMAI, Zita Rosane; ORTIZ, Vitor
(Org.) Cidade & Memória na Globalização. Porto Alegre: Unidade Editorial da Secretaria Municipal da
Cultura, 2002. p. 123 e 124.
31
brasileira.”147 Inclui, dentro desses bens, “os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”148 (inciso V).
Ocorre que, por meio da preservação do patrimônio cultural estamos exercitando
nosso direito à memória, direito do qual depende a nossa sobrevivência histórica.
Aquilo que não está guardado na memória não existiu. Portanto, para a construção
da cidadania, da identidade nacional e da soberania, é preciso preservar os
patrimônios de nossa cultura.
Nesse caso, o valor tornado relevante pelo direito é a própria cultura, que se
desmembra em memória, identidade e estética. Ela é, portanto, fundamental para a
garantia da qualidade de vida. Não se pode falar em qualidade de vida sem
149
considerar o aspecto cultural, uma vez que este é inerente ao ser humano.
Somente se poderão esclarecer as dúvidas quanto à existência humana, através da
evolução do próprio homem, podendo ser demonstrada de diversas formas, sendo uma
delas através de um prédio que possui um valor histórico-cultural. A preservação do meio
ambiente cultural, assim como a do meio ambiente natural, é condição para uma sadia
qualidade de vida do cidadão. “A partir daí, o conceito de homem tem dupla entrada: uma
entrada biofísica, uma entrada psicossociocultural; duas entradas que remetem uma à
outra.”150
Vive-se nas cidades e estas precisam estar organizadas esteticamente e
harmoniosamente junto à natureza e à cultura. Quando se refere à harmonia das cidades
em relação à cultura, remete-se justamente aos prédios históricos em que o antigo se
harmoniza com o novo, moderno. E o novo, hoje, poderá ser o antigo futuramente, uma vez
que a sociedade está em movimento e modifica constantemente os seus valores.151
A forma como as cidades estão dispostas afeta diretamente o homem, contribuindo
para o stresse que se perfaz de um mundo totalmente acelerado, robotizado e depressivo. É
por essa razão que, “apesar de a sociedade transformar-se em ritmo acelerado, é suicídio o
pleno desenvolvimento sem a compreensão de que a humanidade necessita da natureza e
dos marcos de civilização que evocam as gerações antecedentes.”152
A globalização, ao mesmo tempo que conseguiu interagir diversos povos e culturas,
fez com que também houvesse uma perda de identidade, uma vez que a cultura de outros
147
148
149
150
151
152
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de out.
de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 134.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de out.
de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 135.
REISEWITS, Lúcia. Direito Ambiental e Patrimônio Cultural: Direito à Preservação da Memória, Ação e
Identidade do Povo Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 59.
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000. p. 41.
MEIRA, Ana Lucia Golzer. Em busca da democratização do patrimônio cultural. In: POSSAMAI, Zita (Org.).
A Memória Cultural Numa Cidade Democrática. Porto Alegre: Unidade Editorial da Secretaria Municipal da
Cultura, 2001. p. 18.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e Proteção Jurídica. Porto Alegre: Unidade
Editorial, 1997. p. 9.
32
povos passaram a fazer parte do cotidiano humano. Giddens, ao analisar o surgimento da
globalização entende que “não se trata – pelo menos no momento – de uma ordem global
conduzida por uma vontade humana coletiva. Ao contrário, ela está emergindo de uma
maneira anárquica, fortuita, trazida por uma mistura de influências.”153 O Brasil, por exemplo,
por si só possui uma diversidade de culturas. Com a globalização, houve uma mistura ainda
maior de culturas tornando a sociedade cada vez mais complexa e confusa.154
Por essa razão, a preservação do patrimônio cultural se faz importante para a
transmissão da cultura na busca de uma identidade local. O acesso à cultura é um direito
fundamental, e, por isso, torna possível a função social da propriedade privada na
preservação do patrimônio cultural uma vez que o elemento “cultura” é agregado à
propriedade privada. “Na pós-modernidade, o homem necessita de referenciais sólidos
pelos quais possa se guiar, a fim de que não sucumba frente às leis ditadas pelo mercado e
por sua mais forte ideológa – a mídia.”155
A cultura, assim como as ciências, serve para uma orientação, uma noção do
passado para que se posa entender o agora. Nada é certo. Vive-se num mundo de
incertezas. “Conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas
dialogar com a incerteza. É preciso, portanto, prepararmo-nos para o nosso mundo incerto e
aguardar o inesperado.”156
Para isso, faz-se necessário o conhecimento desses elementos, dentro dos quais o
patrimônio cultural faz parte.
5 ATUAIS POSSIBILIDADES DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Qual o Tao Chinês, não se perceberá na dicotomia público e privado a pureza que
o patrimonialismo burguês buscou imprimir-lhe. Assim, mesmo na esfera pública, haverá
uma presença privada que lhe é indissociável. Muitas vezes, por trás de um anseio que se
titula coletivo encontra-se o privado. É necessário que se proteja algo para todos, mas, o
individual pertence ao todo e, por isso, também será beneficiado através das políticas
públicas.
153
154
155
156
GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 28.
“Portanto, o desafio da globalidade é também um desafio de complexidade. Existe complexidade, de fato,
quando os componentes que constituem um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico,
o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre
as partes e o todo, o todo e as partes. Ora, os desenvolvimentos próprios de nosso século e de nossa era
planetária nos confrontam, inevitavelmente e com mais e mais freqüência, com os desafios da
complexidade.” MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p. 14.
MARCHESAN, Ana Maria. A Tutela do Patrimônio Cultural Sob o Enfoque do Direito Ambiental. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 71.
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000. p. 61.
33
Coloca-me, pois, no último grau de objetividade, no momento mesmo em que posso
me crer uma subjetividade absoluta e única, posto que sou visto sem sequer poder
experimentar o fato de que sou visto e sem poder me defender, por meio deste
experimentar, contra meu ‘ser visto’. Sou possuído sem poder voltar-me contra
aquele que me possui. Na experiência direta do Outro enquanto olhar, defendo-me
experimentando o Outro, e resta-me a possibilidade de transformar o Outro em
objeto.157
Assim, dá-se na esfera da preservação do patrimônio cultural, em que direitos
coletivos e privados estão em “jogo”, onde, muitas vezes, o que seria bom para uma
coletividade está sendo má para outra coletividade ou parte. Cabe ao intérprete, diante de
um conflito em que se discute direitos diversos, e também fundamentais158, como é o caso
do direito de propriedade e da função social da propriedade, tentar harmonizar e não aplicar
meramente a norma ao caso concreto.
O Direito guarda fractalidade. Possui uma plástica apta a moldar-se ao caso
concreto, até o limite de sua resistência axiológica, de sua torção. Isso refuta as
simplificações da teoria tradicional, visíveis em toda a ciência moderna. Variando a
lide, poderá variar o sentido da norma incidente, pois varia todo o sistema em sua
dinâmica de unidade axiológica, garantidora de coerência material, evitando
entropia. A preocupação da ciência jurídica moderna era com a coerência em
parâmetro meramente formal.[...]
Se o indeterminismo, nos padrões metafísicos, arruinou o pensamento moderno
159
como legado, um rastro de razão foi deixado para a pós-modernidade: Caos.
Cabe ao intérprete analisar o que pesa mais na esfera dos direitos fundamentais e
no que tange ao princípio da dignidade da pessoa humana. “Assim, tanto a função social
como a garantia da propriedade privada têm leitura indissociável do princípio da dignidade
da pessoa humana [...].”160
Assim, a qualquer hermenêutica que se pretenda instituir no âmbito da criação,
fiscalização e aplicação das leis impõe-se como necessária sua vinculação orgânica
aos princípios constitucionais, definidores de uma escolhida concepção de homem e
de mundo pela própria sociedade, até porque o texto normativo não contém
imediatamente a norma; esta é construída pelo intérprete no decorrer do processo
de concretização do direito.
Ao pretendermos fazer a interpretação da função social da propriedade e da função
social da cidade, institutos inscritos no texto constitucional regente, temos de ter em
conta que possíveis definições e caracterizações destes institutos devem vir ao
encontro da consecução daquela visão de mundo e de homem contemplada pelo
conteúdo principiológico de seu título primeiro.161
157
158
159
160
161
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. p.
475.
AVANCINI, Helenara Braga. Direitos Fundamentais na Sociedade da Informação. Texto fruto de pesquisa
do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. Disponível em :
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/193/1/Direitos_Humanos_Fundamentais.pdf>. Acesso em: 08
out. 2007.
ARONNE, Ricardo. Direito Civil – Constitucional e Teoria do Caos: Estudos Preliminares. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 34 e 35.
ARONNE, Ricardo. Por uma Nova Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos
Fundamentos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 135 e 136.
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 107 à 109.
34
No Brasil, antes do surgimento da Constituição Federal de 1988, já existiam
manifestações que remetessem à proteção do patrimônio cultural. Como quase tudo em que
se deu no país, foi pela influência européia através da modernidade, e com o advento da
Revolução Francesa, que surgiram os primeiros movimentos referentes à proteção
patrimonial.162
Patrimônio. Esta bela e antiga palavra estava, na origem, ligada às estruturas
familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade estável, enraizada no espaço e
no tempo. Requalificada por diversos adjetivos (genético, natural, histórico, etc.) que
fizeram dela um conceito ‘nômade’, ela segue hoje uma trajetória diferente e
retumbante.
Patrimônio histórico. A expressão designa um bem destinado ao usufruto de uma
comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação
contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado
comum: obras-primas das belas-artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de
todos os saberes e savoir –faire dos seres-humanos. Em nossa sociedade errante,
constantemente transformada pela mobilidade e ubiqüidade de seu presente,
‘patrimônio histórico’ tornou-se uma das palavras-chave da tribo midiática. Ela
remete a uma instituição e a uma mentalidade.
A transferência semântica sofrida pela palavra revela a opacidade da coisa. O
patrimônio histórico e as condutas a ele associadas encontram-se presos em
estratos de significados cujas ambigüidades e contradições articulam e desarticulam
163
dois mundos e duas visões de mundo.
As Constituições anteriores tratavam da proteção do patrimônio cultural. Merece
destaque o fato de que desde a Constituição de 1934 o direito de propriedade já vinha
sendo limitado através da definição de bem-estar social e da intervenção do Estado na
ordem econômica conferindo ao proprietário o dever de preservar. A partir de então, a
proteção do patrimônio cultural continuou evoluindo. Observa-se, dessa forma, que,
juntamente a essa intervenção do Estado, o princípio da função social da propriedade
privada vinha se desenvolvendo dentro dessa lógica preservacionista. Com advento da
Constituição Federal de 1988, a temática da preservação do patrimônio cultural continuou se
aprimorando, a qual se dedicou a uma seção inteira referente à cultura e ao patrimônio
cultural sendo aquela elevada à direito fundamental. A expressão patrimônio cultural se
alarga abrangendo tanto os bens de natureza material e imaterial (art. 216, caput, CF/88).
“Por bens de natureza material entendem-se as coisas corpóreas. Bens imateriais são as
coisas incorpóreas, como as formas de expressão, os modos de fazer e viver”.164
Isso implica a preservação do patrimônio cultural enquanto uma das facetas que
compõem o complexo habitat humano. As mudanças podem ocorrer na medida em
que possam ser absorvidas pelo sistema sociocultural. Essa postura adquire maior
162
163
164
MARCHESAN, Ana Maria. A Tutela do Patrimônio Cultural Sob o Enfoque do Direito Ambiental. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 32 e 33.
CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001. p. 11.
AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da Cidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 187.
35
relevância se levarmos em conta que o conceito de patrimônio alargou-se cada vez
165
mais – do nacional ao local, do monumental ao comum, do material ao imaterial.
A proteção ganhou mais força uma vez que Constituição de 1988 foi “a primeira a
tratar deliberadamente da questão ambiental. Pode-se dizer que ela é uma Constituição
eminentemente ambientalista.”166 E, o patrimônio cultural compõe o meio ambiente devendo
ser preservado também em nível ambiental, este, também, um direito fundamental . “Todo
bem referente a nossa cultura, identidade, memória etc., uma vez reconhecido como
patrimônio cultural, integra a categoria de bem ambiental e, em decorrência disso, difuso.”167
O § 1º do art. 216 da Constituição confere ao Poder Público, juntamente com a
colaboração da comunidade a proteção do patrimônio cultural por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, prevendo a possibilidade de outras
formas de preservação. No art. 24 da Constituição, inciso VII prevê a competência
concorrente da União dos Estados e do Distrito Federal da proteção do patrimônio histórico,
cultural, artístico e paisagístico. Embora não explicitado, cabe também ao Município tal
competência uma vez que se trata de Poder Público possuindo previsão expressa conforme
inciso IX do art. 30 da CF/88.
As políticas públicas são importantes para que o Estado atue de forma mais eficaz
e harmônica. São metas, diretrizes que direcionam a política estatal visando o interesse
público. É a concretização daquela opção que já foi feita pelo constituinte.168
A sociedade civil, consciente de suas prerrogativas enquanto artíficie do próprio
processo de constituição do Político, deve buscar a implementação de políticas
públicas competentes para garantir aqueles direitos, tendo como premissa de
combate que somente o enfretamento cotidiano, com as regras do sistema e do
mercado, e paralelamente criando novas regras de pressão e mobilização, lhe
garantirá uma mínima chance de interlocução com os poderes instituídos, causando,
com isso, não mais uma prática de favores clientelísticos e assistenciais frente ao
Estado, mas uma efetiva conquista de voz e vez na definição de sua própria
história.169
Todavia, nas políticas urbanas, não há essa preocupação com a tutela do
patrimônio cultural. “Avenidas, ruas, e outras obras de infra-estrutura acabam sendo
165
166
167
168
169
MEIRA, Ana Lúcia Golzer. O Passado no Futuro da Cidade: Políticas Públicas e Participação dos Cidadãos
na Preservação do Patrimônio Cultural de Porto Alegre nas décadas de 70 a 90. 2001. 273 f. Dissertação
(Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2001. p. 58.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2004. p. 46.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000. p.
180.
FERREIRA, Ximena Cardozo. Controle Judicial de Políticas Públicas. Oficina ministrada no I Seminário
Internacional Estado Socioambiental, 2007, Porto Alegre/RS.
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 164 e 165.
36
projetadas à sorrelfa de avaliação patrimonial, eliminando edificações que tornam cada
cidade peculiar. Enfim, construções que conferem ‘personalidade’ à urbe.”170
Diante da análise sobre a função social do patrimônio cultural e de que forma ela se
dá, deve-se vislumbrar, que, na prática torna-se complexa sua efetivação, uma vez que
limita a fruição do proprietário do imóvel preservado. Em princípio, tal função social não gera
prejuízos econômicos, pois o proprietário poderá usar o bem e aliená-lo. O que não poderá
fazer é alterá-lo, destruí-lo sem prévia autorização do órgão público competente. Como
titular do bem, deverá conservá-lo para cumprir sua função social – o acesso à cultural.
Partindo-se do pressuposto de que a propriedade tem como uma das características
a elasticidade, vale dizer, a possibilidade de ser comprimida a um certo mínimo ou
alcançar um máximo, sem deixar de ser propriedade, deve ela ser exercida de
acordo com condicionantes que venham a garantir a observação de suas funções
sociais, dentre elas, destaca-se a preservação e valorização do patrimônio
cultural.171
A problemática do cumprimento da função social do imóvel de interesse cultural,
encontra-se na conservação172 deste, quando esta se torna onerosa ao particular. Não se
trata de meros reparos, mas de restauração.
Todos os bens, materialmente considerados, sejam ambientais ou não são públicos
ou privados. Os ambientais, porém, independente de serem públicos ou privados,
revestem-se de um interesse que os faz ter um caráter público diferente. A diferença
está em que, seja a propriedade pública ou particular, os direitos sobre estes bens
são exercidos com limitações e restrições, tendo em vista interesse público, coletivo
de que o bem cultural deve ser preservado. Este fenômeno não transforma estes
bens em bens públicos, mesmo porque grande parte do patrimônio cultural e natural
do Brasil se encontra sob a propriedade privada, não havendo nem interesse, nem
condições financeiras de, a cada declaração de valor cultural, o Poder Público
promover a desapropriação para transformá-lo em público. Portanto, apesar da
concentração do interesse existente, estes bens não ficam alterados nos pólos
docotômicos de público e privado. Continuam o que eram, públicos se públicos,
173
privados se privados.
Diante desses dispositivos, tem-se a responsabilidade primeira do proprietário do
bem na conservação da coisa e a co-responsabilidade do ente federativo quando for
necessário. Para isso, não deve o proprietário utilizar má-fé o argumento da falta de
170
171
172
173
MARCHESAN, Ana Maria. Tutela Jurídica da Paisagem no Espaço Urbano. Revista Magister de Direito
Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, v. 8, out./nov.2006. p. 87.
MARCHESAN, Ana Maria. A Tutela do Patrimônio Cultural Sob o Enfoque do Direito Ambiental. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 145.
O art. 17 do DL 25/37 impõe tal responsabilidade. No art. 19, informa que se o proprietário do bem não
dispuser de recursos para a conservação e reparação deverá levar ao conhecimento do órgão competente
sob pena de multa. Caso sejam necessárias as obras o órgão competente irá excuta-la às custas do ente
federativo que no caso da lei, é a União; ou providenciará a desapropriação (§ 1º). Caso não sejam efetuadas
as obras, o proprietário poderá requerer o cancelamento do tombamento da coisa (§ 2º). Assim, segue-se o
mesmo raciocínio das leis de tombamento estaduais e municipais. Coletânea de Leis sobre preservação
do Patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, 2006. p. 104.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e Proteção Jurídica. Porto Alegre: Unidade
Editorial, 1997. p. 16.
37
recursos, lucrando às custas do ente público. Se a União, os Estados ou os Municípios
tivessem de arcar com ônus seria impossível preservar. O titular do bem não está impedido
de usar e de aliená-lo, somente sofrerá limitação para cumprimento da função social.
Não se pode negar que as tensões se escancaram quando se está diante de uma
coisa sobre a qual recaem dois direitos de propriedade distintos, um limitando
necessariamente o exercício do outro: a propriedade privada sobre a coisa móvel ou
imóvel, dotada de valor econômico e inserida no mercado tradicional, e a
dominialidade difusa [...] relativa ao bem cultural, compreendido pelo feixe de valores
174
culturais nela identificados [...].
O patrimônio cultural deverá, de acordo com a Carta Magna, assim como nos
princípios e valores que a norteiam, ser preservado a fim de concretizar o direito
fundamental do acesso à cultura. Todavia, cabe ao Poder Público e à comunidade preservar
aquilo que realmente consiga refletir a identificação cultural, adequando à evolução humana
e à evolução da cidade, interagindo com o ambiente cultural e com a propriedade privada
através da função social da propriedade.
Resta, ao nosso ver, o espaço da cidade como um reduto de civilidade racional
passível de gestão operativa e mais eficaz, com a possibilidade maximizadas de
transparência e de controle imediato, bem como de participação societal, afinal, é na
cidade que as pessoas, mal ou bem, constroem seus vínculos de afetividade e de
identidade mais imediatos, travando com seus pares relações de integração ou de
afastamento cotidianos. Aqui, a sensação de pertencimento do núcleo orgânico de
175
sujeitos políticos (mesmo a dos excluídos) se faz sentir de maneira mais explícita.
Mais que preservar por simplesmente preservar, em função de uma limitação
imposta pela lei, há um espírito de solidariedade e de responsabilidade com o outro no
presente e no futuro.
O enfraquecimento de uma percepção global leva ao enfraquecimento de senso de
responsabilidade – cada um tende a ser responsável apenas por sua tarefa
especializada - , bem como ao enfraquecimento da solidariedade – ninguém mais
176
preserva seu elo orgânico com a cidade e seus concidadãos.
Difícil é ter essa consciência em um país ainda individualista de capitalista.
Durante larga sucessão de séculos, da antiguidade clássica aos nossos dias, o
sistema que governou a humanidade, apenas com alguns contrastes e variações de
forma, foi o da civilização individualista. [...] Ao longo de todas essas fases,
174
175
176
MARCHESAN, Ana Maria. A Tutela do Patrimônio Cultural Sob o Enfoque do Direito Ambiental. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 154.
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: Condições e Possibilidades da Constituição do Espaço Urbano.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 69 e 70.
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000. p. 18.
38
sustentando, às vezes, ela ilusão de uma falsa consciência coletiva, houve, na
realidade, um processo de sacralização da órbita privada. Seu reflexo natural, desde
o primeiro instante, foi a colonização da vida pública pelo microssomos frio e
atomizado dos interesses domésticos. A consciência coletiva foi utilizada, em suma,
como biombo para encobrir o verdadeiro foco sobre o qual sempre repousou esfera
pública: a subjetividade hipostasiada e anacrônica.177
A Constituição Federal foi uma conquista em relação à preservação patrimônio
cultural, uma vez que torna o acesso à cultura um direito fundamental, e define o que são
bens integrantes do patrimônio cultural através de um Estado interventor e de uma
cidadania que exige essa intervenção. O desafio na preservação do patrimônio cultural, por
mais que pareça estranho, é a dificuldade em intervir178 na propriedade privada, pois esta
ainda continua sendo o centro do direito. Importante é saber qual bem jurídico está sendo
protegido. Os bens não são individualizados materialmente - estão para a alma, para o
espírito e não para o corpo. Não se deseja proteger a casa, mas o que encerra a expressão
de uma cultura. Dentro da casa vive uma alma cultural que deve ser protegida. A beleza da
natureza é a da natureza em si. Cabe ao proprietário proteger. Não é difícil reconhecer essa
teoria. Se não houver o elemento material, não se poderá proteger a cultura.179
A partir destes sentidos e significados constitucionais polissêmicos, e partindo-se do
pressuposto de que o espaço físico em que mais de perto se pode perceber e sentir
a aplicabilidade ou não das normas constitucionais – tanto seus princípios como
suas regras – é a cidade, impõe-se termos como certo que o ambiente urbano não é
uma criação meramente material, de cimento, ferro e asfalto, mas uma expressão da
civilização que abarca desde os aspectos do êxodo rural aos da mais requintada
sofisticação cultural que os centros adensados e de recursos concentrados podem
propiciar. Assim, o problema da racionalização e organização dos espaços físicos e
demográficos das cidades, bem como a própria concepção de propriedade urbana,
merecem maior relevo e atenção dos poderes estatais, até porque, ser tivermos
alcance visual para perceber os problemas advindos do crescimento desmesurado
das cidades, veremos que a urbanização acelerada causa impactos polivalentes, tais
como: aumento da demanda de serviços públicos urbanos, elevação das aspirações,
aumento dos custos dos serviços urbanos, proliferação de áreas de favelização,
redução da renda per capita urbana, deterioração ecológica, aumento da taxa de
desemprego, aumento da marginalidade social e agravamento da criminalidade.180
177
178
179
180
PASQUALINI, Alexandre. O Público e o Privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet (Org.) O Direito Público
em Tempos de Crise: Estudos em Homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1999. p. 33 e 34.
“No Brasil, a modernidade é tardia. O intervencionismo estatal, condição de possibilidade para a realização
da função social do Estado e caminho para aquilo que se convencionou chamar de Estado Social ou Estado
de Bem-Estar Social, serviu apenas para acumulação de capital e renda para as elites brasileiras”. STRECK,
Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2001. p. 73.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Conquistas e Desafios na Tutela do Patrimônio Cultural
Brasileiro. Palestra apresentada no Encontro do Ministério Público/RS – “A Tutela do Patrimônio Cultural
Brasileiro”, 2007, Porto Alegre/RS.
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil: aspectos jurídicos e
políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 114 e 115.
39
Embora se entenda a função social da propriedade uma vez que está garantida na
Constituição, no Código Civil de 2002181 e nas demais leis que regem o assunto, deve-se
ater que antes de qualquer regulação legal, de qualquer entendimento jurisprudencial,
existem relações entre pessoas, quer estejam separadas pela riqueza, pelo território, pela
cultura, pelos interesses, têm elas, em comum, a sua dignidade.
O sistema codificado original é um sistema aprioristicamente estável, ainda que
sensível às condições inicial; aos elementos axiológicos que constroem a respectiva
lide a ser solvida e o discurso que a revela. Mesmo nestes casos, podem-se
observar desvios, derivados da riqueza tópica. Da estabilidade também pode surgir o
caos.
[...]
As normas são ricas em caos. [...] Na busca da realização de uma sociedade
positivamente desenhada por parâmetros axiológicos democráticos e plurais
constitucionalmente estruturados, assenta-se o núcleo da legitimação. Na leitura e
182
no diálogo com a jurisprudência encarregada deste fazer.
A Constituição Federal de 1988, ao elevar a cultura em nível de direitos
fundamentais (art. 215), torna a proteção do patrimônio cultural mais eficaz e conflituosa,
uma vez que mais do que limitar o direito de propriedade através de sua função social é
alterar o conteúdo material daquele. Nessa esteira, o direito de propriedade é totalmente
relativizado para atender à coletividade. A Constituição novamente foi inovadora uma vez
que, através do desenvolvimento capitalista, atribuída a uma sociedade de consumo, a
globalização e o desenvolvimento tecnológico, tentou, através da cultura, tutelar o
patrimônio cultural reforçando sua importância para o desenvolvimento humano coletivo. O
Estado cada vez mais enfraquecido pelo capital possui resguardo suficiente na Constituição
para a preservação do patrimônio cultural.
O princípio da função social da propriedade bilateriza os deveres em face da
propriedade alheia, pubilicizando-a ao incorporar interesses de ordem social junto ao
interesse privado do proprietário (ou àquele que ostente outra titularidade). Na
depende de legislação complementar, como possa parecer do §1º, juntamente com
o art. 170, todos da CF/88, aplicação direta e imediata, tratando-se de direito
fundamental e princípio da ordem econômica.183
Outro desafio na preservação do patrimônio cultural é a especulação imobiliária –
processo típico e indissociável da vida nas cidades sob o império do capitalismo, [...]
pressiona negativamente a paisagem urbana, desconsiderando que o conjunto das
181
182
183
“Como percebido e criticado, restou mantida a arquitetura clássica na codificação recente, não obstante sua
tentativa de absorver os avanços que o fim do século trouxe para os direitos reais”. ARONNE, Ricardo.
Direito Civil – Constitucional e Teoria do Caos: Estudos Preliminares. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2006. p. 113.
ARONNE, Ricardo. Direito Civil – Constitucional e Teoria do Caos: Estudos Preliminares. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 30 e 31.
ARONNE, Ricardo. Código Civil Anotado – Direito das Coisas – Disposições Finais e Legislação Especial
Selecionada. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 124.
40
edificações compõe um quadro paisagístico, merecedor de avaliação numa
perspectiva de conjunto.
[...]
Residências unifamiliares representativas de um dado momento histórico, revestidas
de grande valor arquitetônico, soem ser demolidas para dar lugar a ‘espigões’ sem
qualquer preocupação estética.184
Entende-se, nesse contexto, que a problemática se encontra toda voltada ao
Estado, quando este deveria intervir, mas não intervém, a fim de que se faça cumprir o que
está previsto na Constituição. O Estado “oscila” entre os interesses imobiliários e os da
preservação. Ele não intervém no domínio econômico para regular direitos sociais, e sim
para proteger o mercado que se formou da modernidade tardia gerando acumulação de
renda das elites.
É mesmo possível afirmar que o colapso das funções e atividades do Estado
hodierno revela a verdadeira fisionomia do que a esfera pública nunca deixou de ser:
uma estrutura abstrata a serviço de alguns interesses individuais.185
Assim, surtem reflexos na tutela do patrimônio cultural em que direitos unicamente
sociais deverão ser garantidos. O Estado ainda existe para proteção de uma classe, pois “a
própria burguesia se beneficiou desta intervenção.”186 Na realidade, nunca se vislumbrou a
esfera pública propriamente dita a fim de proteger interesses coletivos. Preocupar-se com o
público é se preocupar com privado. “Neste instante, de novo, o público se torna
privado...”187
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante muito tempo a propriedade privada foi tratada como direito absoluto e
individual, mesmo que na realidade nunca tivesse sido. Não se vislumbrou o caráter
absoluto da propriedade privada em sua totalidade uma vez que a dicotomia público-privado
nunca existiu. Mesmo quando mínimo, o Estado teve que, em algumas situações, intervir
para a garantia de direitos coletivos. É somente através do Estado que se consegue a
eficácia dos princípios, direitos sociais e fundamentais previstos na Constituição Federal de
1988.
184
185
186
187
MARCHESAN, Ana Maria. Tutela Jurídica da Paisagem no Espaço Urbano. Revista Magister de Direito
Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, v. 8, out./nov.2006. p. 84.
PASQUALINI, Alexandre. O Público e o Privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet (Org.) O Direito Público
em Tempos de Crise: Estudos em Homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1999. p. 34.
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 73 e 75.
PASQUALINI, Alexandre. O Público e o Privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet (Org.) O Direito Público
em Tempos de Crise: Estudos em Homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1999. p. 37.
41
A cultura é um direito fundamental para a proteção do patrimônio cultural e
agregado ao direito de propriedade. Em tempos de pós-modernidade, em que tudo é
consumido rápido, e, tudo se modifica rápido, em função da globalização e da mídia, o
patrimônio cultural torna-se um dos poucos meios de identificação do homem dando uma
idéia de localidade no tempo e no espaço, reconfortando. A problemática é observar essa
consciência cultural num país como o Brasil onde grande parte da população sequer possui
patrimônio mínimo. A cultura, embora direito fundamental que viabiliza a preservação do
patrimônio cultural, encontra-se como prioridade última na lista dos governantes, seja qual
for a esfera. Assim como a especulação imobiliária, outro fator impeditivo para a
preservação do patrimônio cultural. O imóvel que possui interesse cultural, ao invés de ser
valorado por sua expressão cultural, torna-se um entrave para o mercado imobiliário.
O Estado se apresenta cada vez mais mínimo diante do capitalismo e da política
empresarial a fim de implementar os direitos sociais. Não só o acesso á cultura, mas a
outros direitos fundamentais que não são concretizados, uma vez que o Estado Social ainda
continua sendo o “Estado Liberal” que existe para atender a determinados interesses de
uma elite.
A população deve cobrar um Estado atuante, mas este não tem essa intenção e
ainda impede que a população chegue a essa conclusão ou tenha consciência para tal.
Investir na educação para que gere a necessidade cultural é investir contra o próprio Estado.
Percebe-se que, em toda a análise do tema, desde de Roma e Grécia, o Estado
surgiu para assegurar a riqueza das elites e que deixou de herança um pensamento
individualista. A igualdade continua sendo meramente formal. Entende-se, dessa forma, o
porque da sociedade brasileira ainda se apresentar individualista. Nega-se uma realidade a
tempos existente, onde o indivíduo ainda se comporta como um sujeito virtual e não real.
Nunca se preocupou com o social, a não ser para defender seus interesses, já que,
também, faz parte de uma sociedade. O outro é somente um objeto para concretização dos
interesses privados.
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PATRIMÔNIO CULTURAL E A FUNÇÃO SOCIAL DA