PARECER Nº
, DE 2011
Da COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E
LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA, sobre o
Projeto de Lei do Senado nº 217, de 2010, do
Senador Augusto Botelho, que dispõe sobre a
demarcação de terras indígenas e revoga o § 2º
do art. 19 da Lei nº 6.001, de 19 de setembro de
1973 (Estatuto do Índio), e o Decreto nº 1.775, de
8 de janeiro de 1996.
RELATOR: Senador VICENTINHO ALVES
I – RELATÓRIO
A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa
(CDH) examina o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 217, de 2010, de
autoria do Senador Augusto Botelho, que tem por objetivo instituir novas
regras para demarcação de terras indígenas. Consequentemente, revoga o
Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996, que trata do mesmo assunto.
A proposição é justificada com fundamento na necessidade de
limitar as controvérsias judiciais e os conflitos oriundos dos atuais
procedimentos demarcatórios. Nesse sentido, julga necessário o
estabelecimento de um novo equilíbrio entre os direitos dos índios e o
direito de propriedade não indígena, a segurança nacional, a prevenção do
crime, o devido processo legal, a segurança jurídica e o usufruto coletivo
das riquezas nacionais.
O PLS nº 217, de 2010, foi distribuído também à Comissão de
Assuntos Sociais, que apreciará a matéria em caráter terminativo. Não
foram recebidas emendas à proposição.
II – ANÁLISE
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Nos termos do art. 102-E, inciso III, do Regimento Interno do
Senado Federal, compete à CDH apreciar aspectos de proposições
legislativas pertinentes à garantia e à promoção de direitos humanos, como
é o caso do direito dos índios às terras que tradicionalmente ocupam. Os
processos de identificação, demarcação e homologação das terras indígenas
estão diretamente associados a esse direito fundamental.
Ao analisar a proposição sob essa perspectiva, temos ressalvas
consideráveis, de mérito e de constitucionalidade, à sua aprovação.
Primeiramente, identificamos vícios de iniciativa e de
inconstitucionalidade formal relativos à regulamentação de hipóteses de
emprego e dos procedimentos operacionais das Forças Armadas e da
Polícia Federal, bem como de outros órgãos públicos mencionados
genericamente, em terras indígenas. Essa regulamentação não pode ser feita
mediante projeto de lei, posto que o art. 84, VI, a, da Constituição Federal
reserva ao Presidente da República a competência privativa para dispor,
mediante decreto, sobre o funcionamento da administração federal, quando
a medida não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de
órgão. O art. 142, § 1º, da Constituição determina, ainda, que a
organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas devem ser objeto
de regulamentação por lei complementar, como se dá, atualmente, nos
termos da Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, recentemente
alterada pela Lei Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010. O PLS
ora apreciado não corresponde, portanto, à espécie normativa
constitucionalmente prevista para esse fim. Nesse mesmo sentido, o projeto
não pode revogar o Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996, pois um ato
normativo só pode ser revogado por outro da mesma espécie, emanado de
órgão ou autoridade dotados da necessária competência legal ou, como no
caso que ora analisamos, regulamentar.
Igualmente grave é a inclusão, no art. 3º da proposição, de
novos requisitos para a caracterização das terras indígenas: que os
requisitos já consagrados na Constituição sejam verificados tendo como
referência a data de promulgação da própria Constituição, e que a ocupação
das terras pelas comunidades indígenas seja atual. Essas inovações criam
uma incongruência relativa à data de verificação dos requisitos para a
identificação de terras indígenas. Ademais, o requisito de que a ocupação
seja atual descaracteriza os direitos dos índios sobre terras tradicionalmente
suas, mas das quais tenham sido expulsos, e pode estimular a expulsão
violenta dos índios das terras que estejam em processo de demarcação, para
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que a posse atual não possa ser caracterizada. Essas alterações limitam a
abrangência temporal de dispositivos constitucionais, o que somente seria
possível fazer, em tese, por emenda à Constituição. Ressalvamos, ainda,
que uma proposição com esse teor incorreria na vedação de emenda
tendente a abolir direitos e garantias fundamentais, como é o caso do
direito originário dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
Equívoco semelhante transparece na vedação, no art. 28 do
projeto, da ampliação de terras indígenas já demarcadas. Com isso,
procura-se estagnar
perpetuamente a extensão desses territórios,
condenando os índios aos limites do passado, o que obviamente não
contempla o eventual crescimento da população dessas áreas, como ocorre
em diversos casos. Essa vedação impediria até mesmo a aquisição, pela
União, de terras privadas contíguas às terras indígenas para ampliação
destas últimas, ainda que haja relevante interesse público nessa alteração de
limites.
A introdução, pelo art. 11, do requisito de que a demarcação
de terra indígena superposta a imóveis titulados e ocupados em boa-fé seja
feita pela via judicial carece de fundamentação, pois os procedimentos
administrativos já existentes não excluem a tutela jurisdicional, quando
necessária, a critério de qualquer parte interessada.
A vedação, no art. 6º, de agrupamento de diferentes etnias
numa mesma terra indígena pode não ser a solução mais adequada para
algumas situações específicas, nas quais as relações entre esses grupos,
inclusive culturais, econômicas e familiares, possam recomendar a sua
reunião numa mesma terra.
A imposição das regras de suspeição e impedimento previstas
no Código de Processo Civil aos antropólogos, peritos e outros
profissionais especializados cujos trabalhos fundamentem a demarcação de
terras indígenas não é recomendável, seja pelo fato de que essas regras têm
características peculiarmente aplicáveis aos processos judiciais, seja pela
ausência de necessidade de nova previsão legal nesse sentido, se
considerarmos que a violação de princípios da administração pública é
passível de sanção nos termos da Lei de Improbidade Administrativa (Lei
nº 8.429, de 2 de junho de 1992). Há, ainda, os códigos de ética aplicáveis
aos servidores públicos e, conforme o caso, aos profissionais especializados
que participem dos processos de identificação, demarcação e homologação
das terras indígenas.
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Existem, no projeto em análise, outros dispositivos relativos ao
usufruto de recursos naturais, ao uso de riquezas estratégicas, à afetação
múltipla de terras indígenas para fins ambientais e de defesa, ao ingresso de
não índios nas terras indígenas e aos procedimentos demarcatórios.
Entendemos que os dispositivos regulamentam esses assuntos de forma
excessivamente singela, o que os torna inadequados, ou apenas reproduzem
normas já vigentes – exemplificada pela reprodução do § 4º do art. 231 da
Constituição no art. 29 da proposição –, o que demonstra serem
desnecessários.
III – VOTO
Em razão do que foi exposto, o voto é pela rejeição do Projeto
de Lei do Senado nº 217, de 2010.
Sala da Comissão,
, Presidente
, Relator
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