Obéde Pereira de Lima
TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS: localização e
demarcação destes bens da União pelo método científico
versus
critérios praticados pela SPU
Brasília/DF
Maio/2009
SUMÁRIO
CONTEÚDO
INTRODUÇÃO
1. QUANDO E COMO SURGIRAM OS TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS?
2. O QUE SÃO TERRENOS DE MARINHA
2.1 Definição legal
2.2. Geomorfologia litorânea e ambiente praial
2.2.1 Praias e terrenos de marinha
2.2.2 Praias: conceituação geomorfológica
2.2.3 Adoção de limites para gerenciamento na orla e os terrenos de marinha
3. COMO DEVERÃO SER LOCALIZADOS E DEMARCADOS CIENTÍFICAMENTE OS
TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS
3.1 Algumas características gerais e terminologia das marés.
3.1.1 Variação global do nível do mar
3.1.2 Variações do nível do mar no litoral brasileiro.
3.2 Aplicação da metodologia desenvolvida em estudo de caso na Praia da Enseada,
SC
3.2.1 Obtenção dos dados amostrados de maré
3.2.2 Processamento dos dados amostrados de maré
3.2.3. Análise harmônica de maré
3.2.4 Cálculo da preamar média
3.2.5 Localização da LPM/1831 na Praia da Enseada, SC
3.2.6 Eficácia desta metodologia científica
4. COMO SÃO LOCALIZADOS E DEMARCADOS OS TERRENOS DE MARINHA E SEUS
ACRESCIDOS PELA SPU
4.1 As normas da SPU e a sua prática na demarcação dos terrenos de marinha
4.2 Equívocos contidos na Orientação Normativa ON-GEADE 002/2001
4.3 Alguns exemplos da prática da SPU na demarcação dos terrenos de marinha
4.3.1 Terrenos de marinha na Praia da Enseada, SC
4.3.2 Terrenos de marinha nas Praias da Piedade e Candeias, em Jaboatão dos
Guararapes, PE
4.3.3 Terrenos de marinha na Praia do Cassino, em Rio Grande, RS
FOLHA
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4.4 A veracidade da presunção
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5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
5.1 Conclusões
5.2 Recomendações
Apêndice A: Sumário Biográfico
Apêndice B: Requerimento 70/2009, Participação em Audiência Pública na CDU
Apêndice C: Aprovação de participação em Audiência Pública na CDU
Apêndice D: Requerimento 65/2009, criação de Subcomissão Permanente na CDU
Apêndice E: Aprovação da criação de Subcomissão Permanente na CDU
Apêndice F: Discurso do Dep. Federal José Chaves no Plenário da Câmara dos Dep.
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TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS: localização e demarcação destes
bens da União pelo método científico desenvolvido versus critérios praticados
pela SPU
Por: Prof. Dr. Obéde Pereira de Lima1
Engenheiro Cartógrafo
“... Na condição de Deputado Federal, cidadão e empresário, sinto-me no dever de
denunciar essa situação, porque não me conforta assistir impassível à injustiça
cometida contra empresas do setor da construção imobiliária e contra milhares de
famílias brasileiras, subjugadas a práticas tributárias absolutamente desconectadas do
cenário econômico positivo a tão duras penas, construídas pelo operante e competente
Governo do Presidente Lula.” Deputado Federal (PTB-PE) José Severiano Chaves, IN:
Discurso proferido no Plenário da Câmara dos Deputados, em 03/03/2009.
INTRODUÇÃO
A indignação evidenciada na transcrição do trecho do discurso do Deputado Federal
José Severiano Chaves que abre esta monografia, revela o que grande parte da sociedade
brasileira pensa a respeito da prática adotada pela União na gestão das parcelas imobiliárias
denominadas de terrenos de marinha e seus acrescidos, principalmente aquela que habita na
área urbana da costa marítima e nas zonas litorâneas, onde se encontram balneários à beiramar.
Tal indignação é procedente porque, além da usurpação dos direitos do domínio pleno
das suas propriedades, os atingidos por atos do governo federal, decorrentes das demarcações
dos terrenos de marinha passam à condição de foreiros ou ocupantes, desde que lhes sejam
dadas tais concessões, ficando com direito ao domínio útil daqueles bens, enquanto os direitos
do domínio pleno passam a ser da União, e são penalizados a pagar por tempo indeterminado,
ou melhor dizendo, de modo perpétuo, as taxas de aforamentos, ocupações e laudêmios, além
dos Impostos sobre a propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU e Impostos de
Transmissão de Bens Imobiliários – ITBI, devidas ao município.
As taxas de aforamento, ocupação e laudêmios são consequências das concessões de
uso dos terrenos de marinha, decorrentes das demarcações realizadas pelos critérios adotados
pela Secretaria do Patrimônio da União – SPU, principais causas de tanto descalabro. Por isto,
esta monografia apresenta o método técnico-científico desenvolvido por este autor no início do
ano de 2002, que possibilita as demarcações dos terrenos de marinha a partir da LPM/1831, em
fiel obediência ao Artigo 2o do Decreto-Lei No 9.760, de 15 de setembro de 1946, comprovando
1
Ver Resumo Biográfico do Autor no Apêndice A) desta exposição.
Terrenos de marinha
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plenamente a sua eficácia pela aplicação em um estudo de caso na Praia da Enseada, no
município de São Francisco do Sul, no Estado de Santa Catarina, contrapondo-se aos critérios da
presunção estabelecidos pela SPU, que os considera como verdadeiros porque se baseiam no
Artigo 10 deste mesmo dispositivo legal, embora constatando-se os equívocos tendenciosos na
sua interpretação, como será devidamente comprovado.
Ainda, de acordo com a legislação em vigor, quem deixar de pagar tais taxas a União por
três (3) anos, sucessivos ou intercalados, terá o direito do domínio útil cancelado
compulsoriamente pelo governo, envolvendo o terreno e as benfeitorias existentes sobre o
mesmo, o qual será leiloado. Da renda do leilão o governo toma a parte que era devida pelo
foreiro ou ocupante e entrega-lhe o que sobrar. Isto é cruel demais. É como se estivéssemos
vivendo nos tempos medievais.
Os protestos contra a prática da cobrança das taxas de aforamento, ocupação e
laudêmios têm sido feitos com alguma frequência, seja no âmbito da esfera administrativa ou
junto à Justiça Federal, por parte de pessoas que se julgam prejudicadas e tentam reaver seus
direitos do domínio pleno sobre suas propriedades. Muito raramente se questionam sobre as
técnicas empregadas nas demarcações dos terrenos de marinha. Por intuição os legítimos
proprietários acreditam que seus bens imóveis não se encontram nas faixas dos terrenos de
marinha e seus acrescidos, como alegados pela União. Contudo, faltam-lhes conhecimentos
para contestar sobre os critérios praticados pela SPU na demarcação destas parcelas. Até
mesmo na esfera Judiciária, chamadas as partes litigantes para justificarem seus argumentos, a
SPU sempre leva a vantagem, porque seus técnicos apresentam explicações mais convincentes
e os Magistrados não têm outra alternativa senão a de julgar improcedentes as razões dos
impetrantes.
Esta monografia foi elaborada para exposição na Câmara dos Deputados, em Audiência
Pública no dia 13/05/2009 perante a Subcomissão Permanente recentemente criada no âmbito
da Comissão de Desenvolvimento Urbano – CDU para tratar de assuntos de terrenos de
marinha. Serviu como referência principal na elaboração deste trabalho a Tese de Doutorado2
intitulada: “Localização geodésica da linha da preamar média de 1831 (LPM/1831), com vistas
à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos”, defendida por este autor, julgada e
2
LIMA, Obéde Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar média de 1831 - LPM/1831, com vistas à
demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos. (Tese de Doutorado), Florianópolis: Universidade
Federal de Santa Catarina - UFSC, 2002. 270 p. (Disponível em http://www.tede.ufsc.br/teses/PECV0194.pdf ).
2
Terrenos de marinha
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aprovada pela Banca Examinadora designada no dia 02 de maio de 2002, como um dos
requisitos para obtenção do título de Doutor em Engenharia, pelo Programa de Pós-Graduação
em Engenharia Civil, na Área de Concentração em Cadastro Técnico Multifinalitário e Gestão
Territorial, da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
A pesquisa da Tese aborda o problema da demarcação dos terrenos de marinha e seus
acrescidos, desenvolvendo uma metodologia e estabelecimento de um modelo científico que
possibilita a localização geodésica da "Linha da Preamar Média de 1831 - LPM/1831” a partir da
análise harmônica do registro dos dados horários de marés de longo período (um ano comum),
de modo que atenda a exatidão e a precisão das medidas compatíveis com as necessidades do
levantamento cadastral destas parcelas imobiliárias inseridas entre os bens da União. Na
localização geodésica da LPM/1831 é levada em consideração a taxa de elevação secular do
nível médio do mar ao longo da costa marítima brasileira, desde o ano de 1831 até a data atual,
no local onde é feita a sua determinação.
Neste trabalho são focalizados quatro tópicos principais, que procuram responder aos
seguintes questionamentos:
1) QUANDO E COMO SURGIRAM OS TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS;
2) O QUE SÃO TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS;
3) COMO DEVERÃO SER LOCALIZADOS E DEMARCADOS CIENTÍFICAMENTE OS
TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS; e
4) COMO SÃO LOCALIZADOS E DEMARCADOS OS TERRENOS DE MARINHA E SEUS
ACRESCIDOS PELA SPU.
1. QUANDO E COMO SURGIRAM OS TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS
Na época do Brasil no Primeiro Reinado, mais precisamente no ano de 1818, foi criado
o instituto jurídico dos terrenos de marinha e seus acrescidos, estabelecendo uma faixa
territorial de 15 braças craveiras (33 metros) para o lado de terra a partir das linhas
demarcadas nas praias até onde chegavam as águas do mar.
A justificativa para a criação desta norma jurídica, cuja prática já vinha desde o início
da colonização brasileira, foi a de “assegurar às populações e à defesa nacional o livre acesso ao
mar e às áreas litorâneas”, em face das preocupações da Administração da Coroa Portuguesa 3
decorrentes das edificações que estavam sendo construídas na orla marítima da cidade do Rio
3
Em 07 de maio de 1725: Ordem Régia de D. João mandava que o Governador e Capitão General do Rio de Janeiro
o informasse da conveniência, para que ele resolvesse, “se entre o mar e o edifício devia medear marinha e a
quantidade dela” Oliveira (1966).
3
Terrenos de marinha
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de Janeiro, então sede do Governo Geral.
A expansão urbana das cidades litorâneas brasileiras nos Séculos XVII e XVIII,
principalmente depois da chegada da Família Real Portuguesa no Rio de Janeiro, no início do
Século XIX, desenvolvia-se em decorrência das atividades exploratórias da ocasião,
principalmente na orla marítima onde edificações como armazéns e trapiches estavam sendo
feitos nas terras à beira-mar, contra as quais representara à Coroa o Provedor da Fazenda. Por
isto, a Ordem Régia de 21 de outubro de 1710, manda que o Governador do Rio de Janeiro
informe sobre tais edificações feitas na marinha ou praias da cidade, determinando que “as
sesmarias4 nunca compreenderiam a marinha, que sempre deveria estar desimpedida para
qualquer incidente do serviço do Rei, e defesa do País” (DPU, 1992).
Decorrente das atividades entre os anos de 1710 a 1725 junto à orla marítima, em 10 de
dezembro de 1726 a Coroa Portuguesa baixou a Ordem Régia “proibindo edificar ou avançar,
sequer um palmo para o mar, por assim exigir o bem público”. Na seqüência, em 10 de janeiro
de 1732, vem a Ordem Régia declarando que “as praias e mar são de uso público, e não
poderem os proprietários nas suas testadas impedir que se lancem redes para pescar”.
Mas, no final do ano de 1832 houve uma modificação na norma jurídica, a qual
permanece até os dias atuais, alterando a linha de referência da medida da faixa de 33 metros,
que passou a ser a partir da linha da preamar média do ano de 1831. Esta mudança na
referência está associada às primeiras observações de maré de forma sistemática e contínua,
realizada no porto do Rio de Janeiro no decorrer de todo o ano de 1831, para atender às
necessidades de construções das instalações portuárias e da navegação marítima naquela
cidade, que vivia momentos de grande expansão e desenvolvimento urbanístico e
socioeconômico.
Contudo, a finalidade básica que norteou a criação do instituto jurídico dos terrenos de
marinha e seus acrescidos para “assegurar às populações e à defesa nacional o livre acesso ao
mar e às áreas litorâneas”, passou a ser desvirtuada, porque o administrador lusitano de então
já tinha vislumbrado neste instituto jurídico uma boa fonte de arrecadação financeira para os
cofres da Coroa5 e passou a oferecer a quem tivesse interesse, sob a forma de aforamento,
4
Concessão de sesmaria foi a forma primitiva de doação condicionada de terras públicas para cultivo e trato
particular, feita pelos governadores gerais e provinciais (Meirelles, 2000, p.494).
5
Pelo Decreto de 25 de novembro de 1809, o governo da Coroa mandou aforar no Rio de Janeiro os terrenos das
praias da Gamboa e Saco do Alferes a quem interessasse (DPU, 1992).
4
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algumas faixas de terrenos de marinha ou dos terrenos acrescidos de marinha, servindo a linha
da preamar média de 1831 como a referência para as demarcações destas faixas territoriais. A
partir daquela época as receitas patrimoniais decorrentes dos aforamentos dos terrenos de
marinha passaram a integrar, anualmente, o orçamento da Fazenda Nacional.
Quadro 1 – Receitas patrimoniais recentes da União pela SPU (em R$)
ESTADOS
1995
1996
1997
1998
1999
S. Catarina
5.417.933
6.679.839
7.750.815
9.625.576
8.965.162
Demais Est.
68.738.795
175.607.648
97.584.475 116.119.684 122.227.912
TOTAIS
74.156.727
182.287.488 105.335.290 125.745.260, 131.193.074
ADAPTADO DA FONTE: SPU – BICAR – BOLETIM No 84 - POSIÇÃO EM DEZEMBRO/99
Neste Quadro 1 constata-se a evolução da arrecadação de 1995 a 1999. No ano de 1999
a arrecadação total das Receitas Patrimoniais da SPU foi de R$ 131.193.074,00 (cento e trinta e
um milhões, cento e noventa e três mil e setenta e quatro reais). Segundo informações da
GRPU-SC naquela época, a estimativa daquela receita correspondia apenas aos bens imóveis
até então cadastrados, cerca de 5% do total existente; mas a SPU já estava adotando as
providências para atualizar o seu cadastro. Portanto, era esperado um substancial acréscimo;
com 100% dos bens cadastrados a receita subiria cerca de 20 vezes mais (5% x 20 = 100%).
A projeção dos valores arrecadados entre os anos de 1999 a 2003, com base nos valores
anteriores e nos do ano de 2003, considerando a inclusão de novos bens da União resultantes
da ganância em arrecadar cada vez mais, confirmam os dados fornecidos pela SPU. Veja-se o
Quadro 2:
Quadro 2 – Evolução das Receitas Patrimoniais recentes da União pela SPU (em R$)
ESTADOS
VALORES ANUAIS (EM REAIS) (TAXAS: Aforamentos, Laudêmios, Ocupações)
2003
2004
2005
2006
2007
BA
66.633.304
70.549.522
83.624.532
111.564.258
98.405.721
ES
127.622.784
177.095.301
117.224.857
235.828.741
244.044.822
SC
158.991.280
150.377.067
196.094.650
195.769.100
250.237.691
PE
209.580.001
233.768.702
312.559.888
361.945.933
385.084.004
RJ
493.343.698
537.782.230
601.909.382
676.340.982
889.145.996
SP
DEMAIS
ESTADOS
BRASIL
458.179.969
472.274.528
608.257.746
656.343.763
922.630.350
381.546.274
391.660.389
495.669.563
536.941.053
541.558.001
1.895.897.310
2.033.507.739
2.415.340.618
2.774.733.830
3.331.106.585
ADAPTADO DA FONTE: SPU/MPOG/CHAVES, 2008
De fato a arrecadação tributária das Receitas Patrimoniais da União em taxas de
aforamentos, laudêmios e ocupações, referentes aos terrenos de marinha e seus acrescidos,
podem-se afirmar que é bem significativa, como se verifica nos Quadros acima.
5
Terrenos de marinha
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Comparando-se as evoluções das receitas patrimoniais nos Quadros 1 e 2 apresentados
e tomando-se por base as receitas de SC e Brasil, constatam-se as seguintes relações de
crescimento:
a) No período de 1995 a 1999, a relação de crescimento foi de: SC 1,6547 e Brasil 1,7691;
b) No período de 1999 a 2003, a relação de crescimento foi de: SC 17,7343 e Brasil 14,4520;
c) No período de 2003 a 2007, a relação de crescimento foi de: SC 1,5739 e Brasil 1,7570.
O exagerado crescimento da receita patrimonial em SC de quase 18 vezes, e de mais de
14 vezes o total no Brasil, em relação aos seus respectivos valores de 1999, no quinquênio de
1999 a 2003, pode ser atribuído a inclusão no cadastro da SPU de novos terrenos de marinha,
resultante dos novos levantamentos efetuados com esta finalidade e para reserva destinada ao
“Projeto Orla”. É o caso de ser feita uma investigação!
Esta é a causa fundamental apresentada pelos políticos da base do governo federal em
resistir às tentativas de mudanças nos critérios conceituais sobre os terrenos de marinha, sob a
alegação de que as perdas das receitas patrimoniais serão prejudiciais para a União, mesmo
sendo comprovados cientificamente os erros cometidos nas suas demarcações, assim como a
invasão ao direito de propriedade, contrariando a Constituição do Brasil/1988.
Ora, se as demarcações dos terrenos de marinha e seus acrescidos estão sendo
executadas de modo contrário ao que a Lei determina, então, se conclui que as caracterizações
destas faixas territoriais são ilegais. Sendo ilegais, as cobranças das taxas das enfiteuses, das
ocupações e dos laudêmios também são ilegais. Sendo tais práticas consideradas ilegais há que
se corrigir tudo isto, seja pela via administrativa, pelo Poder Judiciário ou pelo Poder
Legislativo, sendo este último o gerador das normas legais reguladoras das aspirações da
população brasileira.
O Administrador Público destes bens patrimoniais da União precisa dar explicações por
que não tem empenhado esforços no sentido de corrigir os critérios contrários à Lei, que veem
sendo praticados atualmente, apesar de ter conhecimento da existência de métodos modernos
e atuais quanto a demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos.
2. O QUE SÃO TERRENOS DE MARINHA
2.1 Terrenos de marinha: Definição legal
O Decreto-Lei nº 9.760, de 15 de setembro de 1946, que dispõe sobre os Bens Imóveis
6
Terrenos de marinha
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da União e dá outras Providências define pelo seu artigo 2 o que:
Art. 2º - São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três)
metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha
da preamar média de 1831 - grifei:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e
lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a
influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é
caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pela menos do
nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
No caput deste Artigo 2o transcrito verifica-se que há duas referências fundamentais a
serem consideradas na demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos, ambas
colocadas de formas inequívocas e sem permitir ou possibilitar qualquer ambiguidade ou
interpretação diferente do que ali se estabelece.
A primeira referência é a espacial, definindo a faixa territorial com a profundidade de
33 metros, medidos horizontalmente para o lado de terra a partir da cota altimétrica
correspondente à linha da preamar média - LPM projetada pelo seu plano horizontal
correspondente na zona costeira. Esta faixa pode ser visualizada pela Figura 1.
Figura 1 - Localização da Linha da Preamar Média – LPM e a demarcação dos terrenos de
marinha
Nesta representação esquemática tem-se um corte vertical de um trecho de praia em
perfil transversal com algumas feições da geomorfologia costeira, associado a um diagrama
representativo da maré de águas vivas (fases de Luas nova e cheia) e da maré de quadratura
(fases de Lua em quarto crescente ou quarto minguante) com algumas denominações de suas
características básicas.
7
Terrenos de marinha
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Como se vê pela Figura 1, a determinação da linha que corresponda à altura da preamar
média em uma área dentro de um mesmo sistema oceânico e climático é feita a partir dos
dados amostrados da maré em um local com coordenadas definidas e referidas ao sistema
geodésico brasileiro (SGB).
Esta representação esquemática da Figura 1 está em fiel obediência ao contido na
legislação em vigor, ou seja, a LPM/1831 fica determinada na zona costeira pela interseção do
plano horizontal correspondente à cota altimétrica da preamar média do ano de 1831 com o
respectivo relevo terrestre da zona costeira. A faixa territorial correspondente ao terreno de
marinha (33 metros para o lado de terra), também se encontra nesta representação, de forma
inequívoca, a partir da interseção da LPM com o relevo.
A segunda referência é a temporal, fixando a LPM no ano de 1831, o que gerou a
grande dificuldade para a sua definição quantitativa de modo científico durante os últimos 171
anos – até o ano de 2002, assim como a sua localização na zona costeira, o que foi superado
pela metodologia constante na Tese em referência.
2.2. Geomorfologia litorânea e ambiente praial
Na representação esquemática da Figura 2 é distinguida a compartimentação
geomorfológica do ambiente praial. Estudos recentes de morfodinâmica da praia identificam os
seguintes componentes morfológicos:
Figura 2 – Compartimentação geomorfológica do ambiente praial
a) antepraia inferior: tem início numa profundidade do leito marinho no qual a
ação das ondas passa a ter algum efeito notável no transporte sedimentar,
8
Terrenos de marinha
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terminando no limite com a antepraia média (estirâncio), também
denominada de profundidade de fechamento do perfil, em que as variações
verticais do fundo marinho, por efeito de ondas, começam a ter importância;
b) antepraia média: vai da profundidade de fechamento do perfil até às
proximidades da zona de arrebentação;
c) antepraia superior (estirâncio): engloba a zona de arrebentação das ondas e
também a zona de surfe;
d) praia emersa: formada pela face da praia, que é a zona de espraiamentorefluxo da onda, e a pós-praia que engloba uma ou mais bermas;
e) bermas (pós-praias): feições horizontais a sub-horizontais, que formam o
corpo propriamente dito da praia, e se limitam freqüentemente no flanco
oceânico de um campo de dunas frontais, ou numa escarpa de rocha dura ou
sedimentar, esculpida pela ação das ondas de tempestade ou, ainda, fazem
parte de um cordão litorâneo, ilha barreira, pontal, esporão ou planície de
cristas de praia. Considerar as dunas frontais como parte do prisma praial,
também é correto, observando que a origem desse estoque geomorfológico é
a antepraia. Além disso, parte do estoque sedimentar dessas dunas é
freqüentemente reincorporado aos sedimentos submarinos por ocasião de
tempestades, desempenhando importante papel de reequilíbrio do perfil
praial e submarino.
2.2.1 Praias e terrenos de marinha
Na demarcação dos terrenos de marinha é preciso considerar um aspecto básico da
localização da linha da preamar média do ano de 1831 e da respectiva faixa territorial de 33
metros: esta faixa não pode ser situada sobre as praias, por conflitar com o Artigo 10 da Lei Nº
7.661, de 16 de maio de 1988, que Institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá
outras providências. Eis a transcrição deste Artigo:
........................................................................................................................
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo
assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer
direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de
segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação
específica.
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Terrenos de marinha
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§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de
utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso
assegurado no caput deste artigo.
§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e
as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.
§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta
periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material
detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite
onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um
outro ecossistema.
........................................................................................................................
2.2.2 Praias: conceituação geomorfológica
Sob o ponto de vista geomorfológico, a conceituação sobre praia adotada neste
trabalho é a utilizada por Muehe, 2004, contida no artigo intitulado: “Definição de limites e
tipologias da orla sob os aspectos morfodinâmico e evolutivo” 6, como transcrito a seguir:
“Praias são feições deposicionais no contato entre terra emersa e água,
comumente constituídas por sedimentos arenosos, podendo também ser
formadas por seixos e por sedimentos lamosos. Nesse último caso, a praia
freqüentemente se encontra associada a uma planície de maré. Sua
declividade da terra ao mar varia segundo a natureza dos materiais
dominantes: maior nas praias de seixos rolados e menor em sedimentos
arenosos finos.”
As praias arenosas oceânicas e as contidas nas baías, enseadas e estuários sofrem
influências das marés e das ondas. Nestas praias podem ser distinguidas as zonas abaixo
descritas:
I. Zona de Arrebentação - é a parte da praia onde as ondas "arrebentam" ou se
"quebram". Se houver bancos de areia afastados da praia podem ocorrer outras
zonas de arrebentação sobre estes.
II. Zona de Varrido - é a parte da praia "varrida" pelas ondas periodicamente. Está entre
os limites máximo e a mínimo da excursão das ondas sobre a praia. Logo após esta
zona pode ocorrer uma parte onde se acumulam sedimentos - a berma. Devido às
marés e às tempestades e ressacas esta parte da praia pode avançar e regredir.
2.2.3 Adoção de limites para gerenciamento na orla e os terrenos de marinha
Ainda, segundo Muehe (2004 p.14), analisando os aspectos para o estabelecimento de
6
Subsídios para um projeto de gestão / Brasília: MMA e MPO, 2004. (Projeto Orla), 104 p.
10
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limites da orla adotados para fins de gerenciamento, aquele pesquisador afirma que:
A adoção de limites legalmente aceitos representa um passo fundamental
para orientar as ações de controle e restrição de atividades que possam
alterar de forma negativa as características ambientais, estéticas e de
acessibilidade à orla, em especial às praias. Entretanto, o limite de 33m dos
terrenos de marinha, medidos, em direção à retroterra, a partir da preamar
de sizígia de 1831, além de ser de difícil determinação, freqüentemente não
ultrapassa a largura da berma de praias mais largas. Além disso, os limites
oceânicos sequer são considerados. – grifos meus.
As expressões grifadas nesta transcrição carecem de algumas reflexões:
Entendemos que limites legalmente aceitos são aqueles praticados em estrita
obediência ao que estabelece a lei. Assim, é lícito questionar se a SPU ao demarcar os terrenos
de marinha está obedecendo ao que prescreve o Artigo 2 o do Decreto-Lei nº 9.760/46? A
resposta a esta questão é obvia: NÃO, conforme se comprova pelas informações e análises
expostas nos subitens 4.3 e 4.4.
Verifica-se pela transcrição acima que Muehe, (2004) cometeu um equívoco ao
mencionar que a LPM/1831 é a partir da preamar de sizígia de 1831. Também, é possível que
ele desconheça que atualmente existem métodos desenvolvidos na Tese de doutorado em
referência, que possibilitam a localização da LPM/1831 sem qualquer dificuldade, desde que
sejam seguidos os procedimentos ali recomendados.
3. COMO DEVERÃO SER LOCALIZADOS E DEMARCADOS CIENTÍFICAMENTE OS TERRENOS DE
MARINHA E SEUS ACRESCIDOS
Os terrenos de marinha e seus acrescidos, pelas suas conceituais e definições legais,
estão
intimamente
relacionados
com
estudos
e
atividades
hidroceanográficas
e,
o
particularmente, com as marés, haja vista ao contido no Artigo 2 do Decreto-Lei nº 9.760/46,
onde se vê o termo preamar. Por isto, é necessária a compreensão e o entendimento, mesmo
que superficiais, de alguns termos associados às práticas e atividades com as marés.
3.1 Algumas características gerais e terminologia das marés.
As oscilações do nível do mar em torno de determinado plano horizontal (nível médio)
são fenômenos observados desde os primórdios da humanidade na face da Terra. Segundo
Neves (2005)7:
“A idéia de um nível médio do mar estático ou imutável esteve presente na
consciência das pessoas, técnicas ou não, até as três últimas décadas do
século XX. Os mitos cósmicos de várias sociedades e culturas colocam o mar
7
Neves, C. F. O NÍVEL MÉDIO DO MAR: uma realidade física ou um critério de engenharia? Vetor, Rio Grande,
15(2): 19-33, 2005.
11
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ou a terra em posições fixas, exceto em eventos importantes associados a
alguma transgressão moral de grandes proporções, quando o mar invade a
terra para expurgar o mal e reiniciar uma nova vida”.
É importante notar que essas oscilações ocorriam em torno de um nível médio estático,
razão pela qual a preamar média do ano de 1831 foi estabelecida naquela ocasião como cota
altimétrica de referência para a demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos.
Os pré-cursores nos estudos sobre os fenômenos da maré têm início com Galileu (15641642) e prossegue com Descartes (1596-1650), Kepler (1571-1630), Newton (1642-1727) e
Laplace (1749-1827).
Mas, é a partir do século XX que têm início as previsões das alturas horárias das marés,
com finalidades voltadas, prioritariamente, para a navegação marítima.
Segundo Pugh (1987)8, a primeira distinção importante para fazer ao se conceituar maré
está entre o uso popular da palavra significar qualquer mudança do nível do mar, e o seu uso
mais específico para significar só as variações periódicas regulares. Embora qualquer definição
de marés seja um pouco arbitrária, ela tem que enfatizar esta natureza periódica e regular do
movimento, se ele é do nível da superfície do mar, das correntes, da pressão atmosférica ou de
movimentos tectônicos. Assim define Pugh:
“Marés são movimentos periódicos que estão diretamente relacionados em
amplitude e fase com uma mesma força geofísica periódica. A força geofísica
dominante é uma função da variação do campo gravitacional na superfície da
terra, causada pelos movimentos regulares dos sistemas Lua-Terra e Terra-Sol.”
Para Bigarella (2000)9, as marés são subidas e descidas periódicas da superfície do mar
em função da atração gravitacional da Lua e, em menor grau, do Sol. Referindo-se, portanto, a
este fenômeno, completa Bigarella (op. cit.) que as marés são essencialmente oscilações de
água nas bacias oceânicas, com características determinadas parcialmente pelo tamanho e
forma das bacias, e que seus efeitos são mais fortemente verificados em áreas oceânicas rasas
e relativamente fechadas.
Franco (1997)10 conceituando o fenômeno da maré a partir das observações da variação
do nível do mar em relação a uma régua graduada instalada em um local de águas tranqüilas, e
associadas com as observações das posições da Lua no seu movimento diurno em torno da
Terra, refere-se à maré como sendo a variação periódica do nível do mar sob a influência de
forças astronômicas, de modo que apresenta um máximo aproximadamente a cada 12 horas e
8
PUGH, D. T., 1987. Tides, surges, and mean sea level. Bath Press, Avon, Great Britain, ISBN 0 471 91505 X.
9
BIGARELLA, João José. Temas de Geologia Marinha. In: Cadernos Geográficos. Publicação do Departamento de
Geociências – CFH/UFSC, Florianópolis: Imprensa Universitária, Número 3, dez, 2000.
10
FRANCO, Alberto dos Santos. Marés: fundamentos, análise e previsão. Ed. Diretoria de Hidrografia e
Navegação, Niterói, 1997. viii, 268p: il.
12
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25 minutos – tempo este que corresponde à metade de um dia lunar, e que os mínimos, por
sua vez se sucedem a intervalos semelhantes de cerca de 6 horas e 12 minutos após cada
preamar. Neste caso diz-se que a maré é semidiurna. Os máximos são chamados de preamares
(PM) e os mínimos de baixamares (BM).
Por maré astronômica, ou simplesmente maré designa-se normalmente a oscilação
periódica do nível das águas devidas às ações atrativas da Lua e do Sol. À maré sobrepõem-se
outras alterações do nível do mar provocadas por influência dos ventos ou pelas variações de
pressão.
As Figuras 3A e 3B que se seguem, ilustram estes conceitos de maré, preamar e
baixamar:
Figura 3 – O fenômeno da maré e sua medida.
A Figura 3A, à esquerda,
mostra a interação das
forças gravitacionais
entre o Sol, a Terra e a
Lua, resultando no
fenômeno da maré.
Figura 3A – O fenômeno da maré.
A Figura 3B, á direita,
apresenta um dos
modos de se medir a
altura da maré, em
qualquer instante.
Figura 3B – Régua.
Observando-se atentamente a Figura 3A e considerando as posições em que a Lua pode
se encontrar em relação à Terra e ao Sol, a altura da maré varia com as fases da Lua e com a
distância da Lua e do Sol à Terra.
O nível da maré em um determinado ponto sobe durante o fluxo ou enchente até atingir
a altura máxima – preamar – e desce durante o refluxo ou vazante até atingir a altura mínima –
baixamar. Nas proximidades das preamares ou das baixamares o nível não varia, praticamente,
durante um período mais ou menos longo, denominado estofa da maré.
A média dos níveis atingidos pela superfície líquida durante o fenômeno da maré
denomina-se nível médio.
Os valores numéricos referentes a batimetria (profundidades) constantes em uma carta
náutica são referidos a um plano fixo denominado de nível de redução – (NR) de sondagens ou
plano do zero hidrográfico. O nível de redução corresponde à média das baixamares de sizígias
13
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em uma estação maregráfica.
Na maioria dos locais da Terra há duas preamares e duas baixamares por dia lunar, com
elevações idênticas em valor absoluto. À maré com estas características designa-se por tipo
semi-diurno e tem uma curva semelhante a da Figura 4.
Nas marés semidiurnas a amplitude varia de dia para dia, desde um máximo, que se dá
nas proximidades da fase de Lua nova ou Lua cheia – marés de águas vivas – a um valor
mínimo, nas proximidades da fase da Lua crescente ou minguante – marés de águas mortas ou
de quadraturas. Nas marés de águas vivas, o intervalo de tempo entre duas preamares (ou
baixamares) consecutivas é menor do que o intervalo médio, e nas marés de águas mortas é
maior do que esse intervalo médio; diz-se então que as marés sofrem um avanço ou
retardamento, respectivamente.
Figura 4 – Curva característica de maré semidiurna.
Fonte: Franco (1997).
Em algumas localidades do globo, como por exemplo, em Copenhague (Dinamarca) e
em Doson (Vietnam) existe uma única preamar e uma única baixamar por um dia lunar. À maré
com estas características denomina-se do tipo diurno (Franco, 1997).
Existe um tipo de maré intermediário, denominado de tipo misto, em que, em alguns
dias há duas preamares e duas baixamares por um dia lunar, e, em outros, apenas uma
preamar e uma baixamar. Mesmo nas marés semidiurnas pode haver grandes desigualdades
14
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entre as alturas das preamares, ou nas baixamares do mesmo dia. Distingui-se então entre a
preamar superior e a preamar inferior, e também entre a baixamar superior e a baixamar
inferior, conforme a altura da maré é maior ou menor. À diferença de alturas entre as
preamares, ou baixamares, do mesmo dia lunar chama-se desigualdade diurna. As Figuras 5, e
6 mostram as curvas características deste tipo de maré (Fernandes, 1967) e (Franco (1997).
Figura 5 – Curva característica de maré de desigualdade diurna.
Adaptação da FONTE: Franco et al (1997).
Figura 6 – Outro aspecto da curva característica de maré de desigualdade diurna.
Adaptação da FONTE: Franco et al (1997).
15
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Segundo Franco (1997), em relação à observação da maré, deve ser mencionado que,
em estuários, braços de mar e baías extensas, a duração da enchente ou fluxo, é geralmente
menor que a duração da vazante ou refluxo. Trata-se de uma modificação causada pela pouca
profundidade, e é bastante notável no porto de Macapá, na barra Norte do delta do rio
Amazonas, como se vê na Figura 7.
Figura 7 – Curva característica de maré de águas rasas.
Fonte: Franco, 1997.
A identificação e o reconhecimento dos tipos de marés acima descritos têm suas
importâncias específicas nas várias áreas de suas utilizações e aplicações. Assim sendo,
particularmente no caso da localização geodésica da LPM/1831, quanto ao tipo de maré de
desigualdades diurnas, dependendo dos valores das semidiurnas correspondentes às
preamares inferiores - PMIs, alguns valores poderão ser aproveitados enquanto outros deverão
ser rejeitados, conforme prejudiquem, ou não, o resultado final, que deverá ser analisado.
Valores de PMIs muito próximos ao nível médio, puxam para baixo o valor esperado das
preamares normais e, por isto, devem ser eliminados pela utilização de uma filtragem
adequado de dados.
A altura da preamar média anual é uma medida correspondente à média aritmética de
todas as alturas das preamares ocorridas no período de um ano, sendo tomado como
referência o nível médio do mar – NMM no mesmo local e o período da coleta dos dados
amostrados observados. Deste modo foi estabelecida a referência altimétrica e fixada ao ano
de 1831 para demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos. Uma possível justificativa
para a fixação destas referências altimétrica e temporal, deve residir no desconhecimento pelos
técnicos e administradores públicos na época de que o nível médio do mar é variável tanto no
16
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tempo quanto no espaço geográfico.
3.1.1 Variação global do nível do mar
Apenas para contextualizar a afirmação deste último parágrafo, vejamos algumas
informações científicas sobre o comportamento do nível do mar.
As variações sazonais do nível do mar são explicadas pelas influências exercidas por
quatro fatores principais:
a) diminuição da pressão atmosférica local;
b) aumento da quantidade de calor contida nos oceanos;
c) diminuição da salinidade; e
d) aumento na componente dos ventos dirigidos para as terras e na das correntes
litorâneas.
Para Guerra (1998)11, as variações de curta duração temporal (de meses a centenas de
anos) com amplitudes da ordem de decímetros resultam de:
a) modificações climáticas;
b) ajustamentos isostáticos;
c) efeitos tectônicos locais;
d) variações da pressão atmosférica;
e) modificação na circulação oceânica; e
f) deformações do geóide por efeitos gravitacionais.
Segundo Guerra (op.cit.), a fusão observada nos glaciares causa tendência para o
levantamento do nível do mar na velocidade média de 1,2 mm por ano, que é taxa elevada
embora muito inferior às velocidades máximas da transgressão Flandriana (5 a 6 mm/ano).
Localmente, as influências complexas oriundas dos movimentos das terras e dos mares
fornecem variações nos dados registrados. Em Formosa, a velocidade é de 2,2 mm/ano, e no
Japão a cifra é de 1,0 mm/ano. Para o período de 1940-66, a maior cifra registrada foi de 9,15
mm/ano, em Eugene, na Louisiana (EUA); por seu turno, Juneau, no Alasca, apresentou
tendência negativa mais acentuada: -13,7 mm/ano.
11
GUERRA, Antonio José Teixeira; CUNHA, Sandra Batista da. (Org.). Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 3.
ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1998.
17
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Figura 8 – Variação global da temperatura na superfície da Terra nos últimos 140 anos
Adaptação da Fonte: IPCC (2007)12
As Figuras 8 e 9, elaboradas pelos pesquisadores do IPCC (Intergovernmental Panel on
Climate Change) e publicadas em fevereiro de 2007, revelam uma preocupação da influência do
aquecimento global com a elevação do NM.
Observa-se na Figura 8 que a elevação da temperatura global nos últimos 140 anos teve
uma subida contínua de aproximadamente 0,8 ºC. Por coincidência, ou não, o início desta
elevação de temperatura começa logo após o início da Revolução Industrial.
Paralelamente às pesquisas a respeito do aquecimento global nos últimos 140 anos, os
cientistas também pesquisaram sobre a elevação contínua do NM nos últimos 300 anos,
resultando no gráfico da Figura 9. Este gráfico mostra que em Amsterdam o NM permaneceu
estável entre os anos de 1700 a 1820 e, a partir deste último ano até 1925 nota-se uma linha de
tendência contínua, atingindo uma elevação de 150mm em um espaço de tempo de 105 anos.
Figura 9 – Variação relativa do NM nos últimos 300 anos em Amsterdam, Brest e Swinoujscie
Adaptação da Fonte: IPCC (2007)
12
IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change, 2007. Climate change 2007 .The science of climate change. Changes in
sea level. Chapter 7, 359 – 406. In: J. T. Houghton et al., (eds.). Contribution of WG1 to the Second Assessment Report of the
Intergovernmental Panel on Climate Change, Great Britain, Cambridge University Press, 672p.
18
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Já em Brest e Swinoujscie observam-se, também, que até 1820 o NM manteve-se
estável e que de 1820 até 1998 o NM teve uma elevação contínua de 170mm em 178 anos.
Destas considerações, e de outras pesquisas semelhantes praticadas no mundo inteiro,
é inegável a constatação de que o nível médio do mar está se elevando na maior parte do globo
terrestre.
Em muitas costas marítimas e oceânicas do mundo, o nível do mar tem mudado por
causa de movimentos tectônicos, para cima ou para baixo, nas zonas litorâneas.
A Figura 10 assinala setores do litoral do mundo inteiro que têm sido submersos em
recentes décadas, por evidência de movimentos tectônicos epirogenéticos negativos,
ocasionando
inundações
marinhas
crescentes,
verificadas
através
de
indicações
geomorfológicas e ecológicas, levantamentos geodésicos, e de grupos de medidas de maré que
registram uma subida do nível médio do mar maior que 2 mm por ano durante as últimas três
décadas (Bird, 1993, p. 5)13.
Figura 10 - Submersão do litoral em décadas recentes.
Fonte: Bird (1993, p.4).
Legenda do mapa: 1, área de Long Beach, ao sul da Califórnia; 2, delta do Rio Columbia, na
cabeceira do Golfo da Califórnia; 3, Golfo do Prata, Argentina; 4, delta do Rio Amazonas, Brasil;
5, delta do Orinoco; 6, golfo e costa Atlântica do México e Estados Unidos; 7, Inglaterra
13
BIRD, Eric C. F. Submerging coasts: the effects of a rising sea level on coastal environments. New York: John Wiley & Sons,
1993. NY 10158-0012, USA, ISBN 0-471-93807-6.
19
Terrenos de marinha
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meridional e oriental; 8, o meridional Báltico da Estônia para a Polônia; 9, norte da Alemanha,
Países Baixos, Bélgica e norte da França; 10, estuário do Loire, França ocidental; 11, Vendée,
França ocidental; 12, região de Lisboa, Portugal; 13, delta do Guadalquavir, Espanha; 14, delta
de Ebro, Espanha; 15, delta de Rhône, França; 16, do norte Adriático, de Rimini para Veneza e
Grado; 17, delta do Danúbio, Romênia; 18, Mar oriental de Azov; 19, Poti Swamp, costa
Georgiana do Mar Negro; 20, sudeste da Turquia; 21, delta do Nilo para a Líbia; 22, nordeste da
Tunísia; 23, costa da Nigéria, especialmente o delta do Níger; 24, delta do Zambezi; 25, delta do
Tigres-Eufrates; 26, Rann de Kutch; 27, sudeste da Índia; 28, delta do Ganges-Brahamputra; 29,
delta do Irrawaddy; 30, região litoral de Bangkok; 31, delta do Mekong; 32, Sumatra oriental;
33, costa deltaica do norte de Java; 34, delta do Sepik; 35, região de Porto Adelaide; 36, região
de Comer Inlet; 37, delta do Hwang-ho; 38, entrada da Baía de Tóquio; 39, Niigata, Japão; 40,
Maizuru, Japão; 41, Manila; 42, delta do Rio Vermelho, Vietnã do Norte; 43, norte de Taiwan.
(Bird, 1993, p.5).
Acrescenta Bird (1993, p. 5) que a costa do Cáspio também é indicada porque o Mar
Cáspio, embora tendo descido em nível entre 1930 e 1977 por aproximadamente 3 m, tem
subido desde 1976 acima de 1,5 m. As flutuações desse nível são consideradas devido a
variações climáticas que influenciam a descarga do rio no Mar Cáspio, mas a conclusão de uma
represa na foz do Kara Bogaz Gol, criando uma área de alta evaporação, também pode ter
contribuído. A submersão presente das costas do Cáspio está provendo um “laboratório de
campo” para estudos de como as características litorais são modificadas por um nível de mar
ascendente.
No entendimento de Mesquita (1997) 14, entre as várias medidas que são efetuadas nas
grandes massas de águas salgadas do mundo, a medida do nível do mar é aquela que sintetiza
as influências de vários processos oceânicos, incluindo efeitos devidos às correntes marinhas,
efeitos devidos ao campo de massa (densidade), efeitos meteorológicos, efeitos devidos ao
geopotencial terrestre (geóide - superfície de mesmo valor da aceleração da gravidade), efeitos
dos contornos oceânicos, bem como das forçantes das marés de natureza astronômica, sendo
que estes dois últimos efeitos são os que correspondem basicamente à resposta do Oceano ao
“Potencial Gerador de Marés” (função matemática escrita a partir da lei de gravitação Universal
de Newton, em termos de parâmetros da órbita da Terra e da Lua, que permite o cálculo das
forças que produzem a maré oceânica, bem como a maré terrestre, em todos os pontos do
planeta Terra).
14
MESQUITA, Afrânio Rubens de. Marés, Circulação e Nível do Mar na Costa Sudeste do Brasil. Documento
preparado para a Fundação de Estudos e Pesquisas Aquáticas – FUNDESPA, pelo Laboratório de Marés –
MAPTOLAB, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo – IOUSP, dezembro/1997. Disponível na
INTERNET em: <http://www.io.usp.br/dof/labs.html>. Acessado em 03/08/2000, às 11:18.
20
Terrenos de marinha
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Figura 11 – Flutuações do nível do mar nas quatro épocas pleistocênicas glaciais.
FONTE: Leinz e Amaral, 197015
Para Fairbridge (1961)16, durante o Período Quaternário foram discernidas quatro
principais fases glaciárias, separadas por fases interglaciais: Günz, Mindel, Riss e Würm,
conforme se verifica na Figura 5, e pelos dados sobre as oscilações do nível do mar, se pode
verificar que os valores negativos aumentam das glaciações antigas para as mais recentes, e
que os valores relacionados com as transgressões interglaciais diminuem na mesma direção.
As oscilações paleoclimáticas causaram mudanças no nível dos mares. Com as
glaciações houve abaixamento do nível marinho, enquanto as fases interglaciares favoreceram
a ascensão. Segundo Guerra (1998), a eustasia compreende as oscilações que afetaram o
volume de água e o tamanho da bacia oceânica. Tais movimentos do nível do mar são
designados de eustáticos, podendo ser negativos ou positivos. Quanto ao período, as variações
do nível do mar podem ser de curta duração, como as sazonais, ou de longa duração.
Patullo (1963)17, fez o mapeamento do nível do mar para os meses de março, setembro,
junho e dezembro. Em março, o nível do mar é inferior ao médio no hemisfério Norte e mais
elevado no hemisfério Sul. No hemisfério Norte as exceções são fornecidas pelo Mar Arábico,
Golfo de Sião e pela faixa entre 40o e 60o de latitude. No hemisfério Sul, os únicos valores
negativos ocorrem nas costas meridionais da Austrália. Os desvios mais acentuados em relação
ao nível médio foram registrados na Baía de Bengala, com cifras de –40 cm. Os valores de –19
cm foram observados no México, América Central e nordeste da Sibéria. Um valor positivo de
15
LEINZ, Viktor; AMARAL, Sérgio Estanislau do. Geologia Geral. 5. ed. São Paulo, 1970.
FAIRBRIDGE, Rodhes W. Eustatic changes in sea level. In: `Physics and Chemistry of the Earth (1961), vol. 4,
p.99-185. Pergamon Press, Londres, Inglaterra.
17
PATULLO, J. G. Seasonal changes in sea level. In: The Sea (1963). Hill, M. N. (Ed.). Vol.II, p. 485-496. John Wiley &
Sons, New York.
16
21
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16 cm ocorre no nordeste da Austrália. O Oceano Ártico apresenta valores negativos em março
e positivos durante setembro. Em setembro os valores são semelhantes aos verificados em
março, mas em sentido contrário. A Baía de Bengala apresenta valor positivo de 54 cm,
enquanto as cifras positivas de 13 e 27 cm são observadas no México e no nordeste da Sibéria.
O sudeste dos estados Unidos e a Islândia oferecem valores positivos, enquanto o sul da
Austrália possui desvios negativos em ambas as estações. O referido autor não distinguiu
padrões para os meses de junho e dezembro. Em junho, as partes centrais dos oceanos tendem
a apresentar desvios negativos, enquanto cifras positivas ocorrem no Oceano Índico
setentrional, na porção ocidental do Pacífico. Os maiores desvios assinalados em junho são: -18
cm no Golfo de Sião, -13 cm da Noruega, e valores positivos de 30 cm na Baía de Bengala e de
14 cm no sul da Austrália. O Oceano Ártico, em dezembro, com exceção da costa do Alasca e
nordeste da Sibéria, apresenta valores positivos, enquanto em junho os valores negativos são
observados ao longo da costa setentrional da Groelândia, Europa e Ásia.
A Nova Zelândia, arquipélago do Pacífico Sul, que constitui um Estado membro do
Commonwealth, situado 2.000 km a SE da Austrália, tem registros contínuos de medições de
marés, com períodos de tempo de setenta e cinco (75) anos ou mais, em quatro localidades:
Auckland, Wellington, Lyttelton e Dunedin. Hannah (1990) 18, apud NIWA (2001), usou estes
dados para calcular a elevação da tendência do nível do mar, obtendo os valores de 1,3 mm,
1,7 mm, 2,3 mm e 1,4 mm, por ano respectivamente, dando um valor médio de 1,7 mm por
ano no entorno daquelas duas ilhas.
Bell and Goring (1998)19, apud NIWA (2001), observou também que a Oscilação Sudeste
do fenômeno El Niño (ENSO) é uma fonte significativa de variabilidade sazonal e de ano para
ano no nível do mar. Por exemplo, em Moturiki (Mt Maunganui), a variabilidade sazonal e
interanual totalizam aproximadamente 30% e 25% respectivamente da variação do nível do
mar relativo à maré.
Ainda segundo Bell and Goring (1997) 20, apud NIWA, na mesma costa de NE, durante
18
HANNAH, J., 1990: Analyses of mean sea level data from New Zeland for the period 1899 – 1988. Journal of
Geophysical
Research
95
b8,
12399
–
12405,
1990.
Disponível
em:
<
http://katipo.niwa.cri.nz/ClimateFuture/Past_Climate.htm > Acesso em: 27 nov 2001.
19
BELL, R. G. AND GORING, D. G., 1998: Seasonal variability of sea level and sea-surface temperature on the
northeast coast of New Zealand. Estuarine, Coastal and Shelf Science 46(2), 307 – 318. Disponível em: <
http://katipo.niwa.cri.nz/-/ClimateFuture/Past_Climate.htm > Acesso em: 27 nov 2001.
20
BELL, R. G. AND GORING, D. G., 1997: Low frequency sea level variations on the northeast coast New Zealand.
In: Pacific Coasts and Ports `97, Proceedings of the 13th Australasian Coastal and Engineering Conference,
Christchurch, New Zealand, Vol 2, 1031 – 1035. Center for Advanced Engineering, University of Canterbury,
22
Terrenos de marinha
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ocorrências do El Niño, níveis sazonais do mar podem descer até dez (10) centímetros
(acompanhado por queda nas temperaturas da superfície do mar), enquanto durante as fases
de La Niña o nível do mar pode ser elevado por até oito (8) centímetros.
Mitchell et al (1998)21, utilizando dados de observações horárias de marés, com mais de
vinte e três (23) anos, existentes nos arquivos do NTF - National Tidal Facility of Flinders
University of South Austrália, realizaram um estudo e calcularam as tendências do nível do mar
para as localidades em torno da Austrália, conforme apresentado na Tabela 1.
Tabela 1 - Tendências relativas do NM em torno da Austrália.
LOCALIDADE
PERÍODO DOS DADOS
(anos)
TENDÊNCIA AVALIADA
(mm por ano)
Darwin
Wyndham
Port Hedland
Carnarvon
Geraldton
Fremantle
Bunbury
Albany
Esperance
Thevenard
Port Lincoln
Port Pirie
Port Adelaide – Inner
Port Adelaide – Outer
Victor Harbor
Hobart
Georgetown
Williamstown
Geelong
Point Lonsdale
Fort Denison
Newcastle
Brisbane
Bundaberg
Mackay
Townsville
Caims
34,9
26,4
27,7
23,9
31,5
90,6
30,2
31,2
31,2
31,0
32,3
63,2
41,0
55,1
30,8
29,3
28,8
31,8
25,0
34,4
81,8
31,6
23,7
30,2
24,3
39,3
23,6
-0,02
-0,59
-1,32
+0,24
-0,95
+1,38
+0,04
-0,86
-0,45
+0,02
+0,63
-0,19
+2,06
+2,08
+0,47
+0,58
+0,30
+0,26
+0,97
-0,63
+0,86
+1,18
-0,22
-0,03
+1,24
+1,12
-0,02
FONTE: Mitchell et al (1998).
Ainda segundo Mitchell et al (op. cit.), a tendência relativa global média do nível do mar
no entorno da Austrália, em função dos dados constantes na Tabela 1 é de +0,3 mm por ano
(30 mm por século), um pouco menor do que a calculada pelo IPCC (Intergovernmental Panel
on Climate Change) (1995) que foi de 1 – 2 milímetros por ano (10 cm a 20 cm por século). As
21
MITCHELL, Bill; DAVILL, Paull; RONAI, Belinda; and NIELSON, Anna, 1998: Australian mean sea level survey.
National Tidal facility the University of South Australia, Adelaide, SA, 5001. Disponível em: <
http://www.ntf.flinders.edu.au/-/TEXT/PRJS/BASE/meansea.html > Acesso em: 13 mar 2002.
23
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elevadas taxas de tendências do nível do mar verificadas em Port Adelaide (+2,06 e +2,08),
tanto no interior quanto no exterior, explica-se pelo fato da execução de um intenso programa
de remoção de terras, utilizando-se de dragagens, causados por assoreamentos, para atender
as necessidades portuárias, conforme explanado por Belperio (1997) 22.
3.1.2 Variações do nível do mar no litoral brasileiro.
De acordo com Muehe (1991)23, pelas curvas de variações relativas do nível do mar
estabelecidas para o litoral do Brasil entre Salvador (BA) e Santa Catarina, sumarizadas por
Suguio et al (1985), verifica-se que o mesmo ultrapassou por duas vezes e em vários metros o
nível atual e apresenta tendência de decréscimo deste nível a partir dos últimos 2.600 anos. Em
contraposição, a interpretação de registros maregráficos de curta duração (20 anos)
comparados com os dados de séries de muito longa duração (centenas e milhares de anos),
para várias localidades do litoral brasileiro (Pirazzoli, 1986) aponta elevação, principalmente
para as cidades de Canavieiras, Salvador e Recife.
Acrescenta Muehe (op. cit.) que, por falta de dados maregráficos confiáveis de longa
duração, não há consenso sobre a ocorrência ou não de elevação do nível do mar no litoral
brasileiro. Mas aumenta o número de pesquisadores que, baseados em observações isoladas,
se inclinam em favor dessa possibilidade, como por exemplo Mesquita & Harari (1983),
Mesquita & Leite (1985), Silva & Neves (1991) e Silva (1992), analisando registros maregráficos
das décadas de 60 a 80, verificaram elevação do nível relativo do mar em Cananéia e Baía de
Guanabara, da ordem de 1 cm/ano; taxa quase 70% maior do que a tendência secular mundial.
A mesma tendência foi registrada para Recife por Harari & Camargo (1993), que analisaram o
período de 1946 a 1988. Tomazelli & Wilwock (1989), partindo de evidências geomorfológicas,
chegaram a estabelecer o esboço de uma curva de nível do mar para o litoral do Rio Grande do
Sul, mostrando uma tendência de elevação, iniciando o processo de retrogradação.
Segundo Muehe e Neves (1995) 24, dados sobre o nível do mar são normalmente obtidos
com propósitos de navegação marítima, tanto pela Marinha do Brasil quanto pelos
22
BELPERIO, A. P., 1997. Land subsidence and sea-level rise in the Port Adelaide estuary: implications for
monitoring the greenhouse effect. Australian Journal of Earth Sciences, 40, 359 – 368.
23
MUEHE, Dieter. Geomorfologia Costeira. In: Antonio Christofoletti. Geomorfología 6. 2.ed., 4 reimp. São Paulo:
Edgard Blücher, 1991. p. 253-308.
24
MUEHE, D. and NEVES, C. F., 1995. The implications of sea-level rise on the Brazilian coast: A preliminary
assessment. Ournal of Coastal Research, Special Issue No. 14, 54 – 78. Fort Lauderdale (Florida). ISSN 07490208.
24
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Administradores dos Portos brasileiros. A maioria dos dados disponíveis é de pequena série de
tempo e apresenta enormes lacunas. Para basear um estudo de tendência do nível do mar em
análise global, os registros de longa duração que excedem 50 anos são poucos. Tais registros
estão começando a ficar disponíveis no Brasil.
Assim, pelos estudos realizados por Muehe e Neves, (1995), apresentam-se abaixo os
resultados de algumas pesquisas realizadas por estudiosos do assunto:
Pirazolli (1986)25 apresentou a tendência do nível do mar para seis (6) localidades da
costa brasileira, baseada em um período de vinte (20) anos, constante na Tabela 2.
Tabela 2 – Tendências do nível do mar no litoral brasileiro
LOCAL
TENDÊNCIA CALCULADA
(por século)
IMBITUBA (SC)
CANAVIEIRAS (BA)
SALVADOR (BA)
RECIFE (PE)
+55 mm
+310 mm
+160 mm
+370 mm
OBSERVAÇÕES
(1)
FONTE: Pirazolli, 1986.
OBSERVAÇÃO: (1) Harari e Camargo (1993)26 utilizando dados de um período de 36
anos calcularam uma tendência de +560 mm por século.
Aubrey et al (1988)27, analisaram dados de 28 estações na América do Sul e Caribe. Eles
concluíram que as tendências do nível médio do mar estão correlacionadas com a evidência
geológica de movimentos verticais da costa Atlântica do continente. Na Tabela 3 são mostradas
algumas das estações analisadas.
Tabela 3 - Tendências do nível do mar no litoral brasileiro (1968 – 1988).
LOCAL
TENDÊNCIA CALCULADA
(por século)
IMBITUBA (SC)
RIO DE JANEIRO (RJ)
CANAVIEIRAS (BA)
SALVADOR (BA)
RECIFE (PE)
FORTALEZA (CE)
BELÉM (PA)
+70 mm
+350 mm
+410 mm
+270 mm
-0,20 mm
-340 mm
+0,30 mm
OBSERVAÇÕES
(1)
FONTE: Aubrey et al, 1988.
25
PIRAZOLLI, P. A., 1986. Secular trends of relative sea-level (RSL) changes indicated by tide-gauge records.
Journal of Coastal Research, Special Issue No. 1, p. 1-26. Fort Lauderdale (Florida). ISSN 0749-0208.
26
HARARI, J. & CAMARGO, R. Tides and mean sea level in Recife (PE) – 8o 3.3´ S 34o 51.9´ W – 1946 to 1988.
Boletim do Instituto Oceanográfico, Universidade de São Paulo, 1993.
27
AUBREY, D. G.; EMERY, K. O.; AND UCHUPI, E., 1988. Changing coastal levels of South America and the Caribean
region from tide gauge records. Tectonophysics, 154, 269 – 284.
25
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OBSERVAÇÃO: (1)Harari e Camargo (1993) utilizando dados de um período de 36 anos
calcularam uma tendência de +560 mm por século.
Segundo Muehe e Neves (1995), a discrepância de resultados entre Aubrey et al (1988) e
Pirazolli (1986), particularmente no Recife onde as tendências mostram sinais opostos está
intrigando, desde que eles usaram o mesmo banco de dados. Entretanto, Harari e Camargo
(1994) utilizaram um período de 36 anos (1946 a 1988) e encontraram uma tendência de +5,6
mm por ano.
Franco et al (2001)28, desenvolveram uma pesquisa que trata da análise de séries
extremamente longas e que contém um estudo sobre o comportamento do nível médio do mar
em três (3) estações maregráficas: Charleston, nos Estados Unidos, Santos (SP) e Cananéia (SP)
no Brasil. As observações de alturas horárias cobriram 78 anos em Charleston, 19 anos em
Santos e 38 anos em Cananéia, como se veem nas Figuras 12, 13 e 14. Esclarecem, ainda,
Franco et al (op. cit.) que por estes gráficos apresentados não há dúvidas que o nível médio do
mar tem subido nesses locais e, além disso ele descreve, nos três casos, um acentuado zig-zag
aleatório em torno da reta de regressão, acrescentando que, muitas vezes o nível médio afastase mais de dez (10) centímetros da referida reta.
Figura 12 – Gráfico da tendência do NMM em Charleston (EUA).
Charleston - Yearly Mean Sea Level - 1922-1999
105
Heights (cm)
100
95
90
85
80
75
70
1920
1930
1940
1950
1960
1970
1980
1990
2000
Years
Figura 13 – Gráfico da tendência do NMM em Santos (SP).
Santos - Yearly Men Sea Level - 1971-1989
160
Heights (cm)
155
150
145
140
135
1971
1973
1975
1977
1979
1981
1983
1985
1987
1989
Years
28
FRANCO, A. S.; KJERFVE, Björn; e NEVES, C. F. The analyse of extremely long tidal series. IV Seminário sobre
Ondas, Marés e Engenharia Oceânica – IV OMAR, Arraial do Cabo, 23-26 out/2001. Marinha do Brasil, Instituto
de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira – IEAPM, Brasil.
26
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Figura 14 – Gráfico da tendência do NMM em Cananéia (SP).
Cananeia - Yearly Mean Sea Level - 1955-1992
180
Heights (cm)
175
170
165
160
155
1955
1960
1965
1970
1975
1980
1985
1990
Years
As taxas de variação secular nos três (3) casos são:
 Charleston (EUA): trinta e dois (32) centímetros por século;
 Santos (SP): trinta e sete (37) centímetros por século; e
 Cananéia (SP): trinta e oito (38) centímetros por século.
Nesta oportunidade é conveniente observar que, o “acentuado zig-zag aleatório” em
torno da reta de regressão representativa da tendência do nível médio do mar, demonstrado
por Franco et al (2001), conforme os gráficos vistos na página anterior, constitui-se em fator de
elevada importância na avaliação da exatidão e precisão da localização geodésica da LPM/1831.
É também conveniente lembrar que há um período de quase dois séculos entre a
referência temporal da LPM/1831 e o momento atual e, na impossibilidade de se determinar
um valor real do nível médio do mar naquele ano, por absoluta falta de dados contínuos
durante todo esse período, deve-se calcular a preamar média atual, através das observações e
análises realizadas, e adotar um valor que corresponda à tendência do nível médio do mar na
área em questão, em conjunto com a média dos desvios máximos ocorridos no período em
torno dessa linha de tendência, como tolerância da medida altimétrica, para possibilitar a
retrovisão da preamar média atual para o ano de 1831.
Na impossibilidade de se calcular a tendência do nível do mar e os desvios em torno da
reta de regressão para a área onde se realiza a localização geodésica da LPM/1831, deve ser
adotado um valor conhecido da estação maregráfica mais próxima e que disponha de tal
informação. No presente trabalho, onde a Praia da Enseada em São Francisco do Sul (SC) foi
escolhida como área de estudo, a estação maregráfica de Cananéia (SP), mantida e operada
pelo IOUSP – Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, é a estação maregráfica
mais próxima (distante 85,003 milhas marítimas = 157,4 km) e que possui dados de uma série
27
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longa de 38 anos.
De acordo com o estudo feito pelo Potsdam Institute for Climate Impact Research, da
Alemanha, publicado no site “Sciencexpress” < www.sciencexpress.org/14December2006 >, as
cidades litorâneas brasileiras, onde vivem na zona costeira cerca de 42 milhões de pessoas
(25% da população), serão possíveis vítimas dos impactos da elevação do nível do mar. Nas
cinco principais metrópoles à beira-mar – Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Belém –
residem mais de 22 milhões de indivíduos.
Ainda, segundo os referidos estudos, nos últimos 50 anos foi observada uma tendência
na costa brasileira de um aumento do nível relativo do mar de valor na ordem de 40 cm/século,
ou 4mm/ano. O nível médio do mar pode aumentar entre 30 cm e 80 cm nos próximos 50 a 80
anos.
Adotando-se o valor da taxa de elevação do nível médio do mar de 38 cm por século, em
Cananeia, SP, calculado por Franco et. al. (2001), e estendendo esta taxa para toda a costa
brasileira, o que é um índice bem razoável, tem-se o gráfico da Figura 15:
Figura 15 – Esquema da elevação do nível médio do mar na costa marítima brasileira
Por isto, propostas para a mudança da LPM/1831 para uma LPM/2000, LPM/2009, ou
qualquer outra época presente ou futura, não solucionará a questão da “grande dificuldade
para localizar a LPM/1831”, pois esta não mais existe. Mais, ainda, como a preamar está
referida ao nível médio do mar, fixando-se a LPM ao momento atual, pergunta-se: ONDE
ESTARIAM OS TERRENOS DE MARINHA NOS ANOS 2080?
28
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3.2 Aplicação da metodologia desenvolvida em estudo de caso na Praia da Enseada, SC
A metodologia desenvolvida nesta pesquisa participa de atividades em cinco áreas
distintas:
a) na Hidrologia: com a instalação e operação de uma estação maregráfica para a
obtenção de dados amostrados da maré durante um período mínimo de um ano;
b) na Informática: com o processamento dos dados amostrados de marés, efetuando-se
a análise harmônica e a retrovisão da preamar média para o período desejado (ano
de 1831), utilizando um software para microcomputadores PC; prossegue na
determinação da “cota básica”, o que é feito pela comparação entre o datum
altimétrico oficial e a altura da preamar média/1831 processada para o local;
c) na Geodésia: com a determinação das coordenadas geodésicas de pontos de apoio
na área do levantamento, utilizando o GPS (Global Positioning System) em
posicionamento com precisão planimétrica de 1 cm +1 ppm, para amarração e
controle planialtimétrico da linha de costa e dos perfis de praia;
d) na Topografia: quando se executa a localização da LPM/1831 e da LLM; e
e) na Cartografia: com a representação gráfica, em mapas ou cartas cadastrais, da
localização da LPM/1831, da LLM.
A determinação da linha que corresponda à altura da preamar média em uma área
dentro de um mesmo sistema oceânico e climático faz-se a partir dos dados amostrados da
maré, em um local com coordenadas definidas e referidas ao sistema geodésico brasileiro
(SGB).
Portanto, a primeira atividade para a localização planialtimétrica da linha da preamar
média na costa marítima é a obtenção dos dados amostrados da maré durante um período
mínimo de um ano comum.
A segunda ação é a realização das atividades de gabinete, utilizando-se das ferramentas
da Informática no processamento dos dados amostrados de marés, efetuando-se a análise
harmônica e a retrovisão da preamar média para o período desejado (ano de 1831).
A terceira tarefa consiste na execução das atividades geodésicas para a localização
planimétrica e altimétrica de pontos da linha de costa e dos respectivos perfis transversais da
praia na área de estudo, sobre os quais será localizada a linha da preamar média calculada.
29
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A quarta atividade é a realizada em trabalho topográfico no campo, quando se executa
a localização geodésica da LPM/1831 e da correspondente "Linha Limite dos Terrenos de
Marinha - LLM".
Por fim é realizada a quinta e última atividade correspondente à elaboração dos mapas
e cartas cadastrais, representando os elementos caracterizadores dos terrenos de marinha e de
seus acrescidos, com todas as parcelas imobiliárias envolvidas, com seus respectivos atributos.
3.2.1 Obtenção dos dados amostrados de maré
A obtenção dos dados amostrados da maré faz-se de duas maneiras:
i) Através de consultas a bancos de dados oceanográficos e instituições que
utilizam dados de marés em suas atividades rotineiras; ou
ii) Pela instalação e operação de uma estação maregráfica na área de interesse,
vinculada à rede altimétrica nacional de alta precisão do IBGE.
As observações e registros dos dados amostrados de maré, com a finalidade de localizar a
LPM/1831, exigem a operação contínua de uma estação maregráfica durante um período
mínimo de pelo menos um ano comum. Por este motivo a sua localização deve ser, além das
exigências de ordem técnica quanto à sua operação, funcionamento e manutenção, instalada
em um local de fácil acesso aos operadores e que garanta a sua segurança física.
Além disto, o equipamento a ser utilizado nestas observações maregráficas, deve ser de
precisão centimétrica e com uma taxa entre os registros, pelo menos, de hora em hora. É
recomendável o uso de uma régua de marés eletrônica, acoplada a um sistema
computadorizado, de forma a reduzir os custos operacionais e aumentar a precisão e exatidão
das medidas.
Os dados maregráficos do porto de São Francisco do Sul foram cedidos pelo Banco
Nacional de Dados Oceanográficos do Centro de Hidrografia da Marinha - BNDO/CHM e lá
estão disponíveis, estes e os de outras estações maregráficas da costa brasileira e América do
Sul, num total de 348 estações cadastradas, para quem desejá-los para alguma atividade. Esta
cedência dos dados possibilitou a agilização destes trabalhos, além da economia de recursos
financeiros, materiais e humanos que seriam necessários para a realização das observações no
período.
As alturas da maré são referidas a um plano denominado de “nível de redução” (NR).
30
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Portanto, as alturas da maré, resultantes da previsão ou retrovisão harmônicas, estão referidos
a este plano que é característico de cada localidade.
No caso do Porto de São Francisco do Sul, o NR se encontra a 84,2 cm abaixo do NM
local e 97,7 cm abaixo do NMM (IBGE), como se vê no esquema da Figura 16.
Figura 16 - Diagrama de cotas da estação maregráfica do porto de São Francisco do Sul
3.2.2 Processamento dos dados amostrados de maré
Na posse de todos os elementos coletados nas atividades preliminares e de campo, os
dados passam a ser trabalhados em gabinete, onde as operações envolvendo estudos, cálculos,
análises, desenhos, etc. são realizadas.
Conforme já foi mencionado, o estirâncio é a faixa da praia onde o mar exerce a sua
atividade cotidiana, e a zona frontal é a ante-praia, onde se faz sentir, de algum modo, a ação
morfológica do mar.
É ao longo da extensão do estirâncio e da zona frontal, portanto, que se pode projetar a
localização geodésica da LPM/1831, já que o nível médio do mar na área de estudo,
comprovadamente, vem subindo a uma taxa de variação secular da ordem de 380 mm por
31
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século. Assim sendo, perfis transversais de praia com a finalidade de identificar e caracterizar os
elementos da geomorfologia litorânea, para a localização geodésica da LPM/1831, devem ficar
compreendidos entre a zona frontal e a linha limite de ação das vagas, que é a linha de costa.
A exatidão e a precisão na medida da localização geodésica da LPM/1831 e das demais
linhas que servem de limites na definição dos elementos da terminologia de praias estão
intimamente associadas com o ângulo de declividade da costa, do estirâncio e da zona frontal.
Deste modo, a altura da preamar média e o ângulo de inclinação do plano, onde esta altura
toca no continente, são os elementos fundamentais para a localização planimétrica da isoípsa
resultante.
3.2.3. Análise harmônica de maré
De acordo com os princípios gerais da análise harmônica de marés e segundo Pugh
(1987), as oscilações periódicas são descritas matematicamente em termos de amplitudes e
períodos ou freqüências:
X(t) = cos Hx (ωx t - gx)
(1)
onde X é o valor da altura em um momento t; Hx é a amplitude da oscilação; ωx é a
velocidade angular pela qual é relacionada ao período Tx: Tx = 2π/ωx (ωx é medido em
radianos por unidade de tempo); e gx é um ângulo de atraso da fase relativa ao instante
zero de tempo definido.
A análise harmônica das observações maregráficas consiste, essencialmente, em um
método matemático para o processamento de dados amostrados de um maregrama, para a
determinação das constantes harmônicas H (alturas) e G (ângulos de fases), das várias
componentes.
No presente estudo foi utilizado um programa para microcomputador PC desenvolvido
por Franco (1992), tanto na análise quanto na retrovisão harmônica da maré em São Francisco
do Sul, SC, para o ano de 1831. Este mesmo programa vem sendo utilizado há mais de trinta
anos pela Diretoria de Hidrografia e Navegação, órgão da Marinha do Brasil que tem entre seus
diversos encargos a organização e gestão do Banco Nacional de Dados Oceanográficos –BNDO,
responsável pela elaboração e publicação das Tábuas de Marés, desde 1969, da área do oceano
Atlântico que banha a costa leste brasileira.
Para se calcular a LPM/1831 de qualquer localidade, implica em se fazer o registro
32
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horário das alturas da maré durante um ano comum recente (8.760 dados horários); calcular
através das séries de Fourier as componentes harmônicas deste movimento maregráfico
registrado; e, a partir destes componentes harmônicos, calcular a retrovisão para o ano de
1831 das alturas de todas as preamares e obter o seu valor médio. O cálculo de uma
componente harmônica para estes 8.760 dados horários exige o conhecimento de 8.760
cossenos. Para uma centena de componentes harmônicos serão necessários 876.000 cossenos!
Praticar uma atividade desta natureza em épocas anteriores à década de 1990, antes do
advento dos computadores eletrônicos, era uma tarefa considerada de muito difícil execução.
Nos dias atuais, utilizando-se softwares apropriados e microcomputadores PC, em poucos
segundos tais cálculos podem ser realizados. A Figura 17 mostra a tela de inicialização do
software PACMAR 2000, desenvolvido pelo Almirante Alberto dos Santos Franco, o qual é
utilizado pela DHN há mais de quarenta anos no processamento de dados maregráficos.
Figura 17 - Tela de inicialização do Programa PACMAR 2000.
A análise harmônica dos dados de marés é efetuada no domínio da freqüência. Os
resultados, expressos em amplitudes H (cm) e atrasos de fase G, K e GW (graus/h) são, de fato,
muito precisos como tem mostrado uma longa experiência há quase três décadas (Franco,
1988).
33
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O programa de análise harmônica de marés, muito flexível, permite analisar qualquer
número de dados (até 13.200).
Franco (2000), depois de um cuidadoso estudo da aplicação do FFT (Fast Fourier's
Transformers) a dados interpolados com diferenças segundas, baseado em Chauvenet (1891)29,
a partir da curva observada concluiu que o algoritmo de Cooley-Tukey poderia ser empregado,
sem prejuízo da precisão nas análises de Fourier. Com isso, a análise harmônica de uma série de
16.384 alturas horárias, separando 176 componentes, até 12 ciclos por dia, pode ser efetuada
rapidamente.
Os dados amostrados no presente estudo estão dispostos em 342 linhas e, cada linha
contém 24 grupos numéricos correspondentes às alturas horárias de cada dia, iniciando à zero
(0) hora e finalizando cada linha às 23 horas. Ao final da última linha têm-se, no presente caso,
8208 dados amostrados da maré observada no período de 02/12/1959 a 07/11/1960.
Acessado o programa de análise, os dados amostrados da maré em estudo são, então,
inseridos com os comandos necessários, de acordo com as instruções contidas no manual que
acompanha o mencionado programa. Desta maneira foi determinado que a análise dos dados
amostrados deveria ser feita até 12 ciclos por dia e com uma probabilidade para rejeição de
pequenas componentes de 95% (0,95). Em pouquíssimos segundos os resultados da análise são
colocados em um disquete ou diretório escolhido, juntamente com a lista das componentes
harmônicas calculadas.
Na amostragem dos dados maregráficos do porto de São Francisco do Sul foram listados
170 componentes harmônicos, dos quais somente 87 foram selecionados. Portanto, 83
componentes harmônicos foram excluídos, em decorrência do estabelecimento do índice de
95% (0,95) de probabilidade para rejeição de pequenas componentes.
Examinando-se os valores correspondentes às amplitudes (H cm) destes componentes
rejeitados, verifica-se que oito (8) deles têm amplitudes entre 1,00 cm e maiores do que três (3)
desvios padrão (0,39 cm); os demais, totalizando 75, têm amplitudes menores do que três (3)
desvios padrão. Desta forma, somente os componentes com amplitudes maiores do que um
centímetro (1,00 cm) são utilizados na previsão ou retrovisão das alturas da maré, naquela
localidade e suas proximidades.
29
CHAUVENET, W., 1891. Spherical and Pratical Astronomy. J.B. Lippincort Company, Philadelphia.
34
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A fase seguinte, no presente estudo, é a retrovisão das alturas de preamares e
baixamares para o ano de 1831, a partir dos 87 componentes harmônicos calculados pela
análise harmônica dos dados amostrados da maré no porto de São Francisco do Sul. Há outras
opções de dados de saída, como previsão das alturas horárias para um dia, um mês, ou meses
de um determinado ano.
Do mesmo modo que na análise, acessa-se o programa de “previsão de maré” e,
seguindo-se as instruções do manual do programa, são fornecidas as instruções para o
processamento da lista dos componentes harmônicos.
As informações sobre os valores das preamares e baixamares, com seus respectivos
horários, armazenadas em um arquivo digital foram inseridas em uma planilha de cálculos onde
receberam um processamento adequado, com a finalidade de calcular o valor da preamar
média do ano de 1831.
A comprovação deste resultado pode ser vista através de um gráfico representativo de
qualquer período dos dados amostrados ou da previsão harmônica calculada. Veja-se o gráfico
contido na Figura 18, observando os dados correspondentes às alturas das preamares (PM) e
baixamares (BM) no porto de São Francisco do Sul, no período de 01/ a 31/01/1831, obtidos da
retrovisão harmônica.
Figura 18 –Maregrama do mês de janeiro/1831 no Porto de São Francisco do Sul, SC.
NM
n
X /n
i 1 i
Neste maregrama verifica-se a variação sucessiva do nível do mar durante uma lunação,
onde se constata as 142 alturas das preamares e baixamares e a linha correspondente ao valor
do Nível Médio (NM=84,2 cm acima do NR) no ano de 1831, definida pela fórmula vista em
sobreposição ao gráfico.
35
Terrenos de marinha
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3.2.4 Cálculo da preamar média
Analisando o maregrama da Figura 18 e, se na avaliação das preamares principais
forem computadas as alturas das preamares secundárias, sem dúvida alguma o valor médio da
preamar principal será afetado, resultando em um valor inferior ao esperado.
Se forem incluídos todos os valores acima da cota do NR (84,2 cm), as preamares
secundárias com alturas bem próximas do valor da cota do NR puxarão a média principal para
baixo.
De forma contrária, se forem escolhidos os valores correspondentes às máximas
preamares o valor médio será alterado para cima, deixando de representar o valor médio de
todas a preamares. Portanto, é preciso definir a cota de um plano acima das alturas das
preamares inferiores, mas que não exclua as alturas das preamares de quadratura.
No caso de São Francisco do Sul foi escolhida a cota do plano de altura correspondente
a 100 cm, porque pareceu ser a mais adequada. Assim todas as alturas iguais ou maiores que
100 cm foram filtradas, quando, então, foi calculado o respectivo valor médio adotado como a
altura da preamar média de 1831, igual a 130,91 cm acima do NR. Na Figura 19 é apresentado o
maregrama de São Francisco do Sul com as 1716 preamares a baixamares ocorridas no ano de
1831, enquanto na Figura 20 é apresentado o gráfico contendo as 748 preamares filtradas,
cujas alturas eram iguais ou maiores do que 100 cm.
A cota básica da LPM/1831 para a área de São Francisco do Sul, SC, será agora calculada
em relação ao NMM (IBGE):
- Nível médio local NM: 84,2 cm acima do NR;
- Nível médio do mar NMM (IBGE): 13,5 cm acima do NM;
- Altura da preamar média ( PM ): 130,8 cm acima do NR;
- Nível médio do mar NMM (IBGE): 97,7 cm acima do NR;
- “COTA BÁSICA”: 33,1 cm acima do NMM (IBGE).
Este último valor correspondente à cota básica da PM , localizado segundo o conceito
legal a partir da localização da linha do NMM (cota de valor zero para determinação das
altitudes) definiria a localização da LPM/1831, se o nível médio do mar permanecesse o
mesmo no decorrer deste período de 171 anos, até o presente momento (2002). Contudo,
tem-se conhecimento de que o nível médio do mar oscila diariamente, semanalmente,
mensalmente, anualmente, etc.
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Figura 19 – Maregrama completo de São Francisco do Sul, SC – 1831
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Terrenos de marinha
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Não há dados amostrados de séries longas de maré no porto de São Francisco do Sul. Há
dados esparsos no tempo e no espaço, o que dificulta estabelecer uma correlação entre eles.
Entretanto, em face da proximidade espacial deste local com a estação maregráfica de
Cananéia, SP (distante 157,4 km ao norte) é lícita a adoção da taxa de variação secular do nível
médio do mar de +38 cm por século, na localização geodésica da LPM/1831 em São Francisco
do Sul, SC, cuja variação total de 1831 até 2002 resulta no valor de +64,98 cm. Isto equivale a
dizer que o nível médio do mar no ano de 1831, nestas localidades, encontrava-se 65 cm abaixo
do nível médio atual.
Figura 20 – São Francisco do Sul, SC - Preamares/1831 e LPM/1831
Comparando este valor de –65 cm do NMM para o ano de 1831, com a altura da “COTA
BÁSICA” equivalente a 33,1 cm (acima do NMM / IBGE) resulta um valor de -39,9 cm - abaixo do
NMM (IBGE). Inserindo-se este valor na planilha de cálculos dos desníveis medidos nos perfis
transversais de praia, em função dos declives dos estirâncios ao longo de cada perfil, obtém-se
a localização exata e precisa do ponto de interseção do plano da cota básica com o relevo do
terreno; isto feito em cada perfil resulta em uma isoípsa que define a LPM/1831.
As planilhas de cálculos dos perfis transversais de praia que se seguem, mostram o
procedimento estabelecido na localização geodésica da LPM/1831, utilizando-se a altitude
sobre o estirâncio. Na seqüência do procedimento, as Figura 21, 22 e 23 apresentam os gráficos
correspondentes às respectivas planilhas, possibilitando uma visualização dos perfis
transversais de praia nos pontos geodésicos “Portal Turístico”, “Casa do Pescador” e “Recanto
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dos Sombreiros”.
Figura 21- Perfil transversal de praia no ponto “Portal Turístico”.
Figura 22 - Perfil transversal de praia no ponto “Casa do Pescador”.
Figura 23 - Perfil transversal de praia no ponto “Recanto dos Sombreiros.”
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3.2.5 Localização da LPM/1831 na Praia da Enseada, SC
Definida a cota básica da isoípsa correspondente à LPM/1831, quer seja por
procedimentos clássicos da geodésia e da topografia, auxiliadas pelas modernas técnicas de
posicionamento por GPS, quer seja por fotogrametria apoiada com recursos de equipamentos
de ponta na área da geodésia e da informática, a determinação da “linha limite de marinha”,
designada abreviadamente por LLM é uma questão de desenho geométrico, pois trata-se de
uma linha paralela à LPM/1831 para o lado de terra, com uma distância de 33 metros desta. As
áreas resultantes desta geometria no terreno são levantadas e representadas na cartografia
cadastral, com todos os atributos de cada parcela, sob a trilogia métrica, jurídica e econômica.
Existindo uma base cartográfica cadastral de boa qualidade as localizações da LPM/1831
e sua correspondente LLM tornam-se bastante simplificadas, bastando a plotagem dos seus
respectivos pontos por meio das suas direções e distâncias (coordenadas polares), definidas nas
planilhas de cálculos dos perfis transversais de praias. Plotados os pontos, faz-se o traçado das
isolinhas correspondentes às LPM/1831 e LLM. O mapa cadastral elaborado dentro destes
princípios, constante na página seguinte, ilustra este procedimento, quando foram utilizadas,
como base cartográfica cadastral, as cartas topográficas SC748096 e SC749096 da SPU,
levantadas e produzidas pela Empresa de Levantamentos AEROIMAGEM, entre os meses de
novembro/1995 e julho/1996. Neste mapa vê-se a localização da LPM/1831 bem próxima da
atual linha do NMM (SGB), Datum altimétrico de cota zero (0).
Os estirâncios correspondentes aos perfis de praia nos pontos “Portal Turístico”, “Casa
do Pescador” e “Recanto dos Sombreiros” têm declives de 6,6o, 7,6o e 5,1o respectivamente.
Considerada a incerteza de
10 cm em torno da reta de regressão, como o maior afastamento
na definição do nível médio do mar local, e adotada como tolerância na localização
planimétrica dos pontos correspondentes ao posicionamento da LPM/1831, esta diferença de
altura resultou na localização dos pontos com precisões:
Turístico”;
0,87 m no perfil da praia em “Portal
0,75 m no perfil da praia na “Casa do Pescador”; e
1,11 m no perfil da praia no
“Recanto dos Sombreiros”. Tais precisões são aceitáveis, sob o ponto de vista topográfico, na
localização de pontos destinados aos levantamentos cadastrais de parcelas urbanas.
A Figura 24 representa o trecho da área de estudo compilada da documentação
cartográfica existente na GRPU/SC, onde foi aplicada a metodologia científica na demarcação
dos terrenos de marinha e seus acrescidos, vendo-se os três pontos geodésicos da linha de
40
Terrenos de marinha
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costa: “A” (Portal Turístico), “B” (Casa do Pescador) e “C” (Recanto dos Sobreiros) os quais
são, também, “Referências de Níveis - RNs”, com seus respectivos perfis transversais de praia.
Figura 24 - Perfis transversais de praia, localização geodésica da LPM/1831 e demarcação dos
terrenos de marinha e seus acrescidos, na Praia da Enseada, São Francisco Sul, SC.
Demarcação dos terrenos
de marinha pelo método
científico.
100
metros
Demarcação dos
terrenos de marinha
pelo critério presumido
da SPU
É pelos perfis transversais nas praias, a partir dos pontos geodésicos que determinam a
linha de costa, que são localizadas a LPM/1831, a LLM e o NMM, na demarcação dos terrenos
de marinha. Apenas como um exemplo do que são esses perfis transversais veja-se a linha reta
perpendicular à praia, contendo os pontos alinhados “Bal. 1A", “P. Tur.”, “Bal. 1”, “Bal. 2”, “Bal.
3” e “Bal. 4”, localizados na quadrícula superior à esquerda da Figura 24.
Neste mapa a faixa dos terrenos de marinha demarcados segundo esta metodologia
desenvolvida, é destacada com as hachuras de linhas em cor azul. Note-se que esta faixa foi
disposta geograficamente sobre o ambiente praial, ficando com uma parte de cerca de três a
quatro metros abaixo do nível médio do mar e os restantes, de vinte e nove (29) a trinta (30)
metros sobre a praia.
Também neste mapa, nota-se a faixa de terrenos de marinha situada pelos critérios da
SPU, exatamente após a praia, assinalada com as hachuras de linhas em cor vermelha, distante
em cerca de cem (100) metros para o lado de terra em relação à LPM/1831 localizada pelo
método científico, precisamente onde começa a pista de rolamento da Avenida Beira-Mar. Esta
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Terrenos de marinha
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faixa avança sobre os imóveis situados na primeira linha predial de desta Avenida, sendo,
assim, cadastrados na SPU como bens da União e, consequentemente, tomando para si o
direito do domínio pleno daquelas propriedades. Os critérios praticados pela SPU para localizar
a LPM/1831 serão apreciados e analisados no tópico seguinte.
3.2.6 Eficácia desta metodologia científica
Em face ao exposto na pesquisa realizada sobre a localização geodésica da LPM/1831,
em atendimento aos objetivos da Tese, chegou-se a uma metodologia científica capaz de por
fim a prática da localização da LPM/1831 pelos critérios da presunção, já que estes não
obedecem ao conceito universal do “valor médio” das preamares e são baseados em
informações e interpretações duvidosas sobre imagens em geral e depoimentos que carecem
de comprovação, embora a legislação ampare tal procedimento até provas em contrário, o que
tem prejudicado muitos brasileiros nos seus legítimos direitos à propriedade, conforme
estabelecido na Carta Magna do Brasil.
Portanto, está comprovada a localização geodésica da LPM/1831 pelo método
científico desenvolvido a partir do ano de 2002, tornando nula qualquer explicação ou tentativa
de justificação de que esta linha de referência é de difícil determinação nos dias atuais.
Em verdade, se a faixa dos terrenos de marinha recai sobre o ambiente praial, ela é
anulada pela legislação em vigor, conforme citado a seguir.
4. COMO SÃO LOCALIZADOS E DEMARCADOS OS TERRENOS DE MARINHA E SEUS
ACRESCIDOS PELA SPU
4.1 As normas da SPU e a sua prática na demarcação dos terrenos de marinha
O Decreto–Lei no 9.760, de 05 de setembro de 1946, ao definir no seu Artigo 2o o que
são os terrenos de marinha, repetiu a definição dada há mais de um século (114 anos), contida
no artigo 4o das Instruções do Ministério da Fazenda, datada de 14 de novembro de 1832,
quando ficou estabelecido que: “são terrenos de marinha todos os que, banhados pelas águas
do mar, vão até a distância de quinze braças para a parte da terra, contadas desde o ponto a
que chega o preamar médio de 1831” (Oliveira, 1966).
Por este Decreto–Lei no 9.760/1946, o então Serviço do Patrimônio da União ficou
incumbido com a competência para caracterizar a LPM/1831 do seguinte modo: “Art. 9º - É da
competência do Serviço do Patrimônio da União (SPU) a determinação da posição das linhas da
preamar média do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias.”
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Todavia, os legisladores e os técnicos naquele ano de 1946 já eram conhecedores das
dificuldades para calcular a altura da cota da LPM/1831 em relação ao nível médio do mar
local, como se comprova com documentos históricos sobre o assunto e, por isto, eles inseriram
no Artigo 10 daquele diploma legal uma ressalva, complementando o Artigo 9o, com os critérios
a serem adotados para a caracterização da LPM/1831 nos seguintes termos: “Art. 10 - A
determinação será feita à vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável,
relativos àquele ano, ou quando não obtidos, à época que do mesmo se aproxime.”
Praticar a demarcação dos terrenos de marinha em obediência ao que consta no Art. 10
do referido Decreto–Lei no 9.760/1946, em complementação ao teor do Artigo 9o, deixa ao livre
arbítrio das autoridades incumbidas de realizar esta tarefa, outros critérios que possam ser
considerados válidos para caracterizar a localização de uma “LPM/1831” presumida, já que
não é feita em obediência ao Artigo 2o do mesmo diploma legal, a qual passa a ser adotada
como verdadeira.
Assim, dentro da orientação dos artigos 10 o ao 14 do Decreto–Lei no 9.760/46, a SPU
finaliza o processo de demarcação dos terrenos de marinha com a homologação da
“LPM/1831” e a publicação deste ato administrativo em Diário Oficial da União. O
entendimento daquele órgão do governo federal é que, tendo seguido os procedimentos dos
artigos acima citados, a sua “LPM/1831” deixa de ser “presumida” e passa a ser “verdadeira”,
resultando que as propriedades envolvidas por esta faixa territorial, antes alodias, são
cadastradas como bens da União! Este é o ponto problemático que gera insatisfação e
inconformismo por parte dos que perderam suas propriedades para o governo federal.
Desta forma, com o respaldo dos Artigos 9o ao 14 inclusive, a SPU consagrou a sua
prática através de Instruções Normativas.
O DECRETO Nº 3.725, de 10 de janeiro de 2001, Regulamenta a Lei no 9.636, de 15 de
maio de 1998, que dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de
bens imóveis de domínio da União e atribui, pelo seu Artigo 19, competência a Secretaria do
Patrimônio da União - SPU nos seguintes termos:
“Art. 19. O Secretário do Patrimônio da União disciplinará, em instrução
normativa, a utilização ordenada de imóveis da União e a demarcação dos
terrenos de marinha, dos terrenos marginais e das terras interiores.”
A SPU consagrando a prática realizada nas demarcações dos terrenos de marinha e seus
acrescidos até o ano de 2000, constantes nos Relatórios referentes aos levantamentos
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Terrenos de marinha
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topográficos e aerofotogramétricos para o atendimento daquela finalidade, baixou a Instrução
Normativa IN-No 2, de 12 de março de 2001, a qual revogou as disposições da IN-No 1, de 30 de
março de 1981. Posteriormente, transformou esta IN-2/01 em Orientação Normativa “ONGEADE- 002/01”, (GEADE: Gerência de Área de Cadastramento e Demarcação) aprovada pela
Portaria nº 162, de 21.09.2001, publicada no Boletim de Pessoal e Serviço, do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, nº 9.15, de 21.09.2001. Atualmente esta é a norma que
disciplina a demarcação de terrenos de marinha e seus acrescidos e revoga a IN-2/01 e
disposições em contrário.
Os procedimentos praticados atualmente para a determinação da LPM/1831, na
demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos, continuam os mesmos do início do
século próximo passado.
4.2 Equívocos contidos Orientação Normativa ON-GEADE 002/2001
Os critérios praticados pela SPU na localização da LPM/1831 e na demarcação dos
terrenos de marinha estão definidos em sua Orientação Normativa ON-GEADE 002/2001,
especificamente nos itens “4.6 Determinação da Posição da Linha de Preamar Média de 1831
e da Linha Limite de Terrenos de Marinha; 4.7. Pesquisas em Documentos Antigos; e 4.8
Determinação da Cota Básica”, (páginas 11-14). Várias incoerências estão contidas nesta
Norma.
Um grave equívoco nos critérios da SPU verifica-se logo no início do item 4.6, em
4.6.1.1, ao afirmar como premissa básica que: “terrenos de marinha são terrenos enxutos”. Tal
proposição não pode ser aceita como verdadeira, porque sendo a linha de referência a da
preamar média do ano de 1831 – LPM/1831, mesmo que ela tivesse acompanhado a subida do
nível médio do mar daquela época até os dias atuais, nas marés de águas vivas tais terrenos de
marinha teriam uma parte coberta pelas águas do mar durante as preamares.
Destas instruções contidas na ON-GEADE-002/01 são transcritas a seguir aquelas mais
comprometedoras da legalidade destas atividades:
“4.6.1.1 Terrenos de marinha são terrenos enxutos”
“4.8
Determinação da Cota Básica”
“4.8.1 A cota da preamar média deve ser calculada utilizando-se os dados da estação
maregráfica mais próxima constante das Tábuas de Marés, publicadas pela Diretoria de
44
Terrenos de marinha
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Hidrografia e Navegação do Comando da Marinha (DHN).”
“4.8.2 A cota da preamar média é a média aritmética das máximas marés mensais, ocorrida no
ano de 1831 ou no ano que mais se aproxime de 1831.”
Esta orientação do subitem 4.8.2 pode ser considerada como a mais equivocada entre
as demais, porque fere frontalmente o Artigo 2o do Decreto-Lei No 9.760/46, que não dá
margem a qualquer interpretação diferente do que ali se encontra estabelecido. Preamar
média não pode ser confundida com média aritmética das máximas marés mensais, porque
ambas se referem a valores exclusivamente diferentes de um mesmo fenômeno: preamares
são fenômenos que ocorrem normalmente todos os dias, enquanto preamares máximas
ocorrem somente duas vezes ou, muito eventualmente, três vezes em um único e mesmo dia
do mês.
Consequentemente, os respectivos valores médios são diferentes. Os Quadros 3 e 4 nas
páginas 47 e 50 mostram a prática da SPU no cálculo do VALOR MÉDIO DAS PREAMARES
MÁXIMAS anuais, em São Francisco do Sul e Joinvile, cujo valor é 47 centímetros mais elevado
do que o valor médio científico, admitido como o correto e, também, em Recife, com o valor
médio das preamares máximas é de 2,264m, sendo a diferença para mais em 0,597m, quando
valor correto da preamar média deveria ser em torno de 1,667m.
Outro grave equívoco cometido pelos técnicos da SPU é o de utilizar dados das Tábuas
de Marés da Diretoria de Hidrografia e Navegação – DHN publicadas em anos recentes,
informando que tais dados são das “Tábuas de Marés dos anos de 1831 e 1832” (fls. 83-90 do
Relatório do Processo No 10480.008795/89-80-Demarcação dos terrenos de marinha nas praias
de Jaboatão dos Prazeres - PE) sem mencionar qualquer ressalva sobre este fato. Para o leigo
em assuntos de marés isto pode ser verdadeiro. Entretanto, tal informação é tão falsa quanto
uma “moeda de duas caras”! Em verdade, somente a partir de outubro de 1969 são publicadas
pela DHN as Tábuas das Marés, calculadas pelo computador IBM/360 da Diretoria de
Intendência da Marinha. < http://www.bodeverde.org/BV_HP07D.htm#Top >.
“4.8.9 Em locais onde, por ação da dinâmica das ondas, as águas atingirem nível superior ao
da cota básica, adotar-se-á esse nível como quantificador da cota básica efetiva.
4.8.10 A ação da dinâmica das ondas deve ser determinada por observações de preamares
cuja amplitude mais se aproxime do valor da máxima maré mensal, excluindo-se a
influência de outros fatores que não sejam os gravitacionais.
45
Terrenos de marinha
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4.8.11 Na constatação da existência de acrescidos naturais ou artificiais (aterros) ocorridos
após 1831, toma-se como linha básica para a demarcação da LPM a linha que coincidir
com o alcance das ondas na maior maré mensal atual, feita a abstração dos referidos
acrescidos.
4.8.12 Na constatação da existência de avanço dos mares ocorrido após 1831, tomar-se-á
como linha básica para a demarcação da LPM a linha que coincidir com o batente das
ondas, abstraindo-se os referidos avanços.”
Estes quatro subitens de 4.8.9 a 4.8.12 são, como o subitem 4.8.2, também ilegais,
porque a linha de referência é a da “preamar média”, conforme claramente expresso no
preceito legal. Esta alteração da referência da preamar média para limites superiores
decorrentes da ação da dinâmica das ondas não tem qualquer cabimento e veem sendo
praticados ao arrepio da Lei, na tentativa de justificar uma “LPM/1831” inexistente, jogando-a o
mais que puder para o lado de terra e invadindo, consequentemente os imóveis limítrofes.
Estes critérios contidos nos subitens 4.8.2, e de 4.8.9 a 4.8.12 da ON-GEADE-002/01 são
os mais comprometedores de todos. Os demais até podem ser relevados, mas estes não podem
ser admitidos como legais em hipótese alguma, pois conflitam com os ditames legais em vigor.
Seguindo a orientação contida nessa ON-GEADE 002/2001 a SPU, através de suas
Gerências Regionais do Patrimônio da União – GRPU nos Estados brasileiros, determina que a
empresa contratada para efetuar os levantamentos topográficos e cartográficos dos terrenos
de marinha em certa localidade, que localize a “LPM/1831”, por exemplo com uma cota básica
de 1,6m, sobre a curva de nível com altitude oficial (NMM IBGE) de dois (2) metros - por
arredondamento para mais do valor da sua cota básica calculada – já que entende que os
terrenos de marinha são terrenos enxutos - e, a partir dela faça a localização da linha limite de
marinha – LLM, ficando assim, demarcada a faixa dos terrenos de marinha. Isto se constata nos
Relatórios das GRPU sobre as demarcações realizadas.
4.3 Alguns exemplos da prática da SPU na demarcação dos terrenos de marinha
Muitas seriam as citações de exemplos sobre a prática da SPU na demarcação dos
terrenos de marinha ao longo de toda a costa marítima brasileira. Entretanto, como tal prática
segue um padrão estabelecido a partir de 1981, pelos critérios contidos na IN 1/81 e demais
instruções normativas que a sucederam. Serão mencionados, apenas, alguns casos. De
demarcações pelas GRPUs nos estados com municípios litorâneos.
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4.3.1 Terrenos de marinha na Praia da Enseada, SC
O primeiro exemplo mencionado é o que resultou na comparação entre o método
científico desenvolvido e o praticado pela SPU na Praia da Enseada, SC, por se tratar do estudo
de caso citado no item 3 2.5.
Os métodos da SPU aplicados na Praia da Enseada são os mesmos que foram estendidos
para toda a área dos municípios de São Francisco do Sul e Joinvile, no Estado de Santa Catarina,
conforme se vê no Processo SPU No 10983-009.305/89-29.
O cálculo da “LPM/1831” (SPU) foi efetuado com dados de valores máximos das
preamares de águas vivas retirados das “Tábuas de Marés” publicadas pela DHN para o Porto
de São Francisco do Sul, dos anos de 1988 e 1989 correspondentes aos valores máximos das
preamares exibidos e listados no Quadro 3:
A prática da SPU no cálculo da “LPM/1831” utilizando as alturas das preamares de águas
vivas máximas mensais significa que para cada mês são selecionadas as duas maiores alturas
ocorridas, conforme se vê no Quadro 3, já que em um período lunar as alturas máximas só
ocorrem nos dias de Lua Cheia e de Lua Nova. Portanto, no cálculo para o período de um ano
foram tomadas as vinte e cinco (25) alturas máximas tabuladas para cada ano. A média delas é
a média das máximas alturas, o que é diferente de preamar média.
Quadro 3 – Dados das preamares de águas vivas em São Francisco do Sul e Joinvile, SC
Dados obtidos das Tábuas de Marés do Porto de SFS, nos anos de 1988 e 1989
ANOS
ALTURAS MÁXIMAS DAS PREAMARES DE ÁGUAS VIVAS (em cm) ACIMA DO NR
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
1988
170
160
160
160
180
190
180
170
160
160
170
180
180
170
160
180
200
190
180
170
180
180
170
170
160
170
160
170
160
180
170
190
200
200
180
200
190
190
190
1989
180 180 180 190 190
180 170 160 170 170
170
VALOR MÉDIO DAS ALTURAS DAS MÁXIMAS PREAMARES: 177,65 cm
FONTE: RELATÓRIO FINAL do Processo No 10983.009305/89-20, folhas170-181, datado de
28/08/1990, da DPU/SC, contendo 346 folhas numeradas e rubricadas.
Como sabemos, o valor médio de um conjunto de dados corresponde à soma de todos
os elementos do conjunto e dividida pela quantidade deles. Se em um dia ocorrem duas
preamares, dentro do período de um ano comum com 365,25 dias, acontecem em torno de 730
preamares; o valor médio destas alturas corresponde ao valor da preamar média.
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Na verdade, o critério da SPU estabelece a média das máximas preamares,
desobedecendo frontalmente o que determina o Art. 2o do Decreto-Lei nº 9.760/1946, que se
repete mais uma vez: “Art. 2º - São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três)
metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha da preamar média de
1831.
O valor da preamar média calculado pelo método científico é de 130,8cm acima do NR,
como visto na fl. 34. Comparando-se este valor com o valor médio das alturas das máximas
preamares calculado pela SPU, 177,7cm, constante no Quadro 3, resulta em uma diferença de
46,9cm para mais, em relação ao método científico. Como o NM (IBGE) encontra-se na altura
de 97,7cm em relação ao NR a COTA BÁSICA para este valor é de 177,7cm–97,7cm=80cm.
Tal valor de cota básica, sendo presumido, torna-se inválido diante do valor real
calculado com base nos dados horários amostrados da maré durante o período de um ano
comum.
Como a SPU não aplica a redução da elevação secular do NM, este valor da cota básica
de 80cm é o que deveria servir para localizar a “LPM/1831” pelos seus critérios. Entretanto, não
é isto o que se verifica nas cartas cadastrais encomendadas pela SPU, como é constatado na
Figura 21:
Figura 21 - Linha do valor médio das máximas preamares em SFS/SC
Veja-se nesta representação gráfica elaborada pelos critérios da SPU, que o valor de
80,0cm desta preamar média das máximas deveria ficar bem próxima da linha que representa
o NM (IBGE) – início da seta larga. Em vez disto a “LPM/1831 (SPU)” foi localizada sobre o
48
Terrenos de marinha
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cordão do meio-fio da calçada na Av. Beira-Mar, onde se notam os pontos cotados cujos
valores são em torno de 2,9m, distante, em cerca de 90m para o lado de terra. Portanto, a
própria orientação contida no subitem 4.8.3 da ON-GEADE-002/01 que estabelece: ”A cota
básica é obtida da cota de preamar média, reduzindo-a a mesma origem altimétrica do
levantamento cartográfico (Datum Vertical)”, não foi obedecida. Afinal, qual foi o critério
adotado para que tal “LPM/1831 (SPU)” fosse ali localizada? Pelo visto, a resposta só pode ser
uma: os terrenos de marinha recairiam sobre a praia, e isto não convém à SPU, pois como já
visto, praias são bens de uso comum do povo! Por isto deve ter sido utilizado um dos critérios
estabelecido em “4.8.9 ou 4.8.10” da ON_GEADE_02/01.
Figura 21 - Linha do valor médio das máximas preamares em SFS/SC
Adaptação da Fonte: “Google Erth”, 2009.
4.3.2 Terrenos de marinha nas Praias da Piedade e Candeias, em Jaboatão dos Guararapes, PE
Nas cópias xerográficas das folhas de números 78 à 106, (numeradas pela Justiça
Federal – Região PE) do PROCESSO No 10480.008795/89-80 da antiga Diretoria do Patrimônio
da União no Estado de Pernambuco – DPU/PE e atual Gerência Regional do Patrimônio da
União – GRPU-PE, encontram-se partes do Relatório da demarcação da linha da preamar média
de 1831 nas Praias da Piedade e de Candeias, no município de Jaboatão, PE, datado de
28/11/1991.
Consta na folha 77 daquele relatório que a área onde foi realizada aquela demarcação
49
Terrenos de marinha
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pertence à Região Metropolitana do Recife, com a presença de grandes condomínios verticais
junto à praia e só possuía no trecho “LPM provisória”. Consta também, que no município de
Jaboatão a LPM até então demarcada e aprovada, estava interrompida no cruzamento da Rua
Saturnino Pessoa com a Av. Bernardo Vieira de Melo, na Praia da Piedade.
Assim, no sentido de equacionar a demarcação dos terrenos de marinha naquele trecho
ao longo da Av. Bernardo Vieira de Melo, a partir da Rua Saturnino Pessoa na Praia da Piedade,
passando pela Praia de Candeias e até a foz do Rio Jaboatão, no lugar denominado Barra de
Jangada (fl.80), a Direção do então Departamento do Patrimônio da União - DPU desenvolveu e
aprovou junto com a Delegacia Regional de Pernambuco, um projeto de demarcação dos
terrenos de marinha naquelas localidades, com a finalidade de proporcionar um
recadastramento da região.
Os procedimentos utilizados nessa demarcação foram os contidos na Instrução
Normativa No 01, de 30 de março de 1981, que dispõe sobre a “METODOLOGIA PRECONIZADA
PELA DPU”.
O método para o cálculo da COTA BÁSICA empregado nesta demarcação dos terrenos
de marinha foi semelhante ao da Praia da Enseada, SC, contido no Quadro 3 (fl. 47) efetuado
com dados de valores máximos das preamares de águas vivas retirados das “Tábuas de Marés
publicadas pela DHN para o Porto de Recife, dos anos de 1831 e 1832” (ver comentário sobre
este fato na fl. 45.
Quadro 4 – Dados das preamares de águas vivas em Recife e Região Metropolitana
Dados obtidos das Tábuas de Marés do Porto Recife, nos anos de 1831? e 1832?
ALTURAS MÁXIMAS DAS PREAMARES DE ÁGUAS VIVAS (em cm) ACIMA DO NR
ANOS
1831?
1832?
JAN
FEV
MAR
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
2,2
2,3
2,3
2,5
2,5
2,4
2,4
2,3
2,2
2,2
2,1
2,0
2,3
2,3
2,4
2,3
2,2
2,1
2,2
2,3
2,3
2,3
2,3
2,3
2,0
2,2
2,2
2,3
2,3
2,3
2,4
2,2
2,1
2,2
2,2
2,2
2,3
2,4
2,4
2,2
2,3
2,4
2,4
2,4
2,3
2,2
2,1
2,0
VALOR MÉDIO DAS ALTURAS DAS MÁXIMAS PREAMARES: 2,264m
FONTE: Parte de RELATÓRIO FINAL do Processo No 10480.008795/898020, folhas 86-90, datado
de 31/01/1992, da DPU/PE, contendo 106 folhas numeradas e rubricadas pela Justiça
Federal- Região-PE.
Neste cálculo foi cometido um engano pelos técnicos da SPU, chegando ao valor final de
2,52m (fl. 83), quando o correto seria o do Quadro 4: 2,264m.
50
Terrenos de marinha
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O valor correto da preamar média deveria ser em torno de 1,667m, correspondente a
cerca de 73,628% do “valor médio das preamares máximas” calculado. Como o Nível de
Redução (NR) das alturas maregráficas encontra-se a 1,1413m abaixo do NM, este valor dever
ser abatido do valor da preamar média calculada, ou seja: 1,667m-1,1413= 0,5257m. Este seria
o valor mais provável da cota básica para localizar a LPM/1831. Considerando a elevação do
nível médio do mar em 0,6764m nos últimos 178 anos, a localização da LPM/1831 deve ser
localizada em -0,1407m, portanto, abaixo do NM (IBGE) de referência altimétrica; e os 33
metros da Linha Limite de Marinha – LLM contados a partir desta LPM/1831 para o lado de
terra deve recair sobre o ambiente praial.
A Figura 25 apresenta um trecho da Praia de Piedade, onde começa a demarcação dos
terrenos de marinha constantes no Processo/SPU retromencionado. O ponto em cor vermelha
mostra a localização da LPM/1831 feita pela SPU. A largura da praia neste trecho é da ordem de
quatorze (14) metros, enquanto a LPM/1831 demarcada pela SPU encontra-se a setenta e
quatro (74) metros além do final da praia e perpendicular a ela.
Figura 25 – “LPM/1831” (SPU) na Praia de Piedade
Adaptação da Fonte: “Google Erth”, 2009.
Os técnicos da SPU utilizaram o valor de 2,52m-1,1423m=1,3787m
1,4m, como
51
Terrenos de marinha
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definidor da sua cota básica. Todavia observando atentamente a localização da LPM/1831 por
aquele Gestor dos bens da União, conforme se vê nesta Figura 25 e de acordo com o seu
Memorial Descritivo de fls. 101-103, o ponto de partida 0=PP encontra-se a uma distância de
74m da linha de costa “localizado a 68m alinhamento norte da Rua Saturnino Pessoa, a partir
do cruzamento da Av. Bernardo Vieira de Melo, com coordenadas UTM N=9.093.944,1m e
E=288.614,00m, e continuando como se segue:”, e vai narrando os demais pontos da
“LPM/1831” até chegar na Foz do Rio Jaboatão.
Figura 26 – LPM/1831 nas Praias de Piedade e Candeias
Adaptação da Fonte: “Google Erth”, 2009.
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Terrenos de marinha
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Em relação à localização desta “LPM/1831” cabem os seguintes questionamentos:
i) Qual a altitude do Ponto de Partida 0=PP, já que no Memorial Descritivo não se
encontra explicitado? Com certeza se encontra bem acima do valor 1,4m da cota
básica calculada por eles. É bem possível que se encontre em torno dos quatro (4)
metros de altitude, com é fácil depreender pelo que se vê na Figura 25.
ii) Os demais pontos da poligonal que localiza a “LPM/1831” estão percorrendo uma
curva de nível fixa, ou ela é variável em toda a sua extensão? Sendo variável, quais os
valores de altitudes de cada ponto?
iii) Quantos são os imóveis cadastrados e que foram envolvidos por estas demarcações?
A faixa dos terrenos de marinha ao longo das praias em Jaboatão dos Guararapes, PE,
abrange a Av. Bernardo Vieira de Melo, desde o seu cruzamento com a Rua Saturnino Pessoa,
na Praia da Piedade e segue no sentido geral de norte para sul, passando pela Praia de
Candeias, até chegar nas proximidades da foz do Rio Jaboatão, na localidade denominada de
Barra das Jangadas (fl.80), numa extensão total de 3.177,13m. A extensão da “LPM/1831”
localizada pela SPU está representada na Figura 26 pela linha fina em cor branca com pontos na
cor vermelha.
Estas Figuras 25 e 26 demonstram as ilegalidades flagrantes cometidas pelos critérios
praticados pela SPU na demarcação dos terrenos de marinha, avançando sobre as propriedades
particulares e apropriando-se dos direitos plenos sobre as mesmas, obrigando a que os
legítimos ex-proprietários destas parcelas imobiliárias, no caso de desejarem permanecer nelas,
estarão “obrigados a requerer as concessões dos respectivos aforamentos pela União e
sujeitando-se aos pagamentos das taxas de aforamentos e laudêmios, em caráter
permanente”.
São milhares de proprietários de imóveis, antes alodiais, prejudicados em seus direitos
plenos sobre as mesmas, somente neste pequeno trecho! Se forem utilizados os materiais e
métodos hoje disponíveis para a localização da LPM/1831, ela se encontrará, invariavelmente
em 95% dos casos, mergulhada abaixo do nível médio do mar e, consequentemente, a Linha
Limite de Marinha – LLM deverá ser localizada sobre a faixa de praia, sendo extintos os
terrenos de marinha.
As pessoas prejudicadas que desejarem recuperar os direitos plenos sobre suas
propriedades deverão procurar advogados para ingressarem com representações judiciais na
53
Terrenos de marinha
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esfera da Justiça Federal.
4.3.3 Terrenos de marinha na Praia do Cassino, em Rio Grande, RS
Outro exemplo da prática ilegal na demarcação dos terrenos de marinha pela SPU é
apresentado na Figura 28 seguinte, mostrando um trecho da zona balneária com urbanização
consolidada, no bairro do Cassino, município de Rio Grande, RS, onde se veem os absurdos
cometidos pelos critérios empregados pela SPU.
As parcelas imobiliárias existentes e localizadas na zona costeira, cadastrados pela SPU
como terrenos de marinha foram apropriadas indevidamente pelo governo federal, em virtude
dos critérios arbitrários da presunção adotados e praticados por aquele órgão gestor dos bens
da União. A imagem de satélite (Figura 28) do Balneário do Cassino, no município de Rio
Grande, RS, obtida no sítio do “Google Earth”, comprova esta afirmação.
Veja-se a linha vertical na cor vermelha, correspondente a “LPM/1831” arbitrada pela
SPU; ela se encontra a uma distância de 765m da linha do NMM, nos dias atuais, para o lado de
terra!
Se considerarmos que a cota da LPM/1831 verdadeira encontra-se atualmente com
valor igual a zero, isto é, coincidente com o NMM, na melhor das hipóteses favoráveis para a
SPU a faixa dos terrenos de marinha ficaria localizada sobre o estirâncio, ou faixa praial. Notemse as outras medidas:
i)
a largura média da faixa praial é de 85m;
ii)
a largura média da faixa pós-praia (campo de dunas frontais) é de 220m;
iii) a distância da berma (inclinação onde se inicia o pós-praia) até onde a SPU
arbitrou a LPM/1831 é de 680m;
iv) a largura média da faixa urbanizada abrangida pela demarcação da SPU, entre a
sua “LPM/1831” e a Avenida Beira Mar, é de 445m; e
v)
a extensão atual dessa “LPM/1831” (SPU) no Balneário do Cassino, na área
urbanizada, é de 6.106 metros, com previsão de ser aumentada com o
crescimento da extensão em urbanização ao longo da margem marítima.
Isto que se verifica nesta Paria do Cassino, no município de Rio Grande, RS, se repete
ao longo de toda a orla costeira brasileira, o que ocasiona sérios prejuízos ao direito da
propriedade previsto no Artigo 5o da Constituição Brasileira.
54
Terrenos de marinha
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Figura 28 – Balneário na Praia do Cassino –
Adaptada da fonte: “Google Earth”, (2009)
55
Terrenos de marinha
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Quais as justificativas apresentadas por aquele gestor dos bens da União, para
praticar tal procedimento demarcatório? Ao que tudo indica, trata-se da utilização dos
critérios equivocados contidos nos subitens de 4.8.9 a 4.8.12 da ON-GEADE-002/01, pois,
cientificamente se comprova que não foi obedecido ao que consta no Artigo 2o do DecretoLei nº 9.760/46. Note-se a quantidade de imóveis alodiais que foram apropriados pelo
governo federal e se recusa a restituí-los aos seus legítimos proprietários, alegando perde de
arrecadação tributária!
Pesquisa recente realizada por este autor nesta localidade indica que a elevação do
nível médio do mar é de 6,4mm por ano, o que resulta em uma elevação de 640mm por
século. Portanto, nestes últimos 178 anos, de 1831 até 2009, o nível médio do mar deve ter
subido 1,139m. Tendo a cota básica da LPM/1831 o valor de 135mm, calculada segundo a
norma da SPU, isto implica na submersão desta linha de referência abaixo do nível médio
oficial (IBGE), em 1,004m. Mesmo admitindo-se na melhor das hipóteses favoráveis para a
SPU e considerando o valor da elevação do nível médio do mar em 380mm por século,
adotado para a costa atlântica do Brasil, esta LPM/1831 encontra-se situada abaixo do nível
médio do mar (IBGE) em -514mm. Consequentemente a linha limite dos terrenos de
marinha – LLM dos 33 metros para o lado de terra não atingiria sequer a berma que marca o
início do campo de dunas frontais.
Demarcar os terrenos de marinha utilizando-se de critérios da presunção para a
localização de uma “LPM/1831 (SPU)” diferente de como se encontra definido pelo Artigo 2o
do Decreto–Lei no 9.760/1946, não pode mais ser admitido atualmente, em face da
existência de metodologia científica moderna que soluciona o problema que permaneceu
até início do ano de 2002.
A metodologia científica moderna que soluciona o problema da localização da
LPM/1831, existente a partir do início do ano de 2002, comprova que a definição dos
terrenos de marinha contida no Artigo 2o do Decreto–Lei no 9.760/1946 já se encontra
caduca e carece ser extinta, pois não faz mais qualquer sentido a sua manutenção.
Contudo, depois de decorridos mais de seis anos da existência da metodologia
desenvolvida para a demarcação dos terrenos de marinha, até a presente data nem a SPU
nem os órgãos do governo brasileiro, nos seus três níveis federal, estadual ou municipal,
adotaram qualquer postura que beneficie as pessoas que tiveram seus bens imóveis
56
Terrenos de marinha
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confiscados, após serem cadastrados como bens da União, demarcados que foram pelos
critérios antigos e que continuam vigentes. Esta postura da SPU conduz a dois
questionamentos fundamentais à respeito do assunto.
Primeira questão: Dispondo da metodologia científica capaz de localizar a
LPM/1831 real com a precisão e exatidão requeridas, em relação ao nível médio do mar de
cada localidade da orla marítima brasileira, tem a SPU interesse em aplicá-la? Pelas
aparências pode-se afirmar que a SPU não tem tal interesse.
Segunda questão: Quais são as razões pelas quais a SPU não utiliza a metodologia
científica ora disponível para o cálculo da LPM/1831 verdadeira? A resposta para esta
pergunta tem sido dada pela SPU e por políticos da área governamental, sempre que são
questionados e/ou pressionados para mudar os critérios na demarcação dos terrenos de
marinha e seus acrescidos. Respondem que o Governo Federal precisa manter a arrecadação
tributária sobre estes bens e não pode abrir mão dela. Ou seja: o governo apropria-se da
propriedade particular e concede o uso do domínio útil a quem detém a posse do bem
imobiliário, mediante o pagamento das taxas de aforamento, ocupação e laudêmio.
Um exemplo bem recente deste comportamento pode ser verificado ao se
examinar um Projeto de Lei iniciado no Senado no ano de 1999 e arquivado em 15/10/2008
na Câmara dos Deputados.
Tramitou no Congresso Nacional um Projeto de Lei do Senado sob No PLS-617/1999,
de autoria do ex-Senador Paulo César Hartung Gomes, atual Governador do Estado do
Espírito Santo – ES (E-mail:< [email protected] > ). Na Câmara dos Deputados este PLS617/1999 tramitou como Proposição de Projeto de Lei N o PL-4316/2001. Os dados básicos
sobre esta Proposição estão a seguir transcritos:
Ementa: Altera o caput do art. 2º do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de
1946, atualizando o conceito de terrenos de marinha.
Explicação da Ementa: Define como terreno da marinha os situados em uma
extensão de 33 (trinta e três) metros medidos horizontalmente, para a parte da
terra, da posição da linha da preamar média observada no ano de 2000,
estabelecendo critérios para distribuição das propriedades que deixam de
constituir terreno de marinha.
(Disponível em:
http://www2.camara.gov.br/comissoes/ctasp/noticia/trabalho-aprovanova-medicao-para-terreno-de-marinha < Acessado em: 01/07/2008 14:10
hs).
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Terrenos de marinha
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Ao encerrar a discussão sobre este PL 4316/01, motivada pela determinação do seu
arquivamento no dia 15/10/08 a Comissão de Finanças e Tributação, através do seu Relator,
Deputado Federal Ricardo Berzoíni (PT-SP) considerou a “proposta inadequada
financeiramente” e que com sua aprovação “isso provocaria perda considerável de receitas
federais relativas a taxas de ocupação de imóveis, foros e laudêmios”, além de “transferir
significativa parcela do patrimônio imobiliário da União para os municípios".
Nota-se claramente neste procedimento político a preocupação maior com as
coisas do Estado e o total desprezo para com os cidadãos e a sociedade brasileira, pois é
sabido pela SPU e pela alta administração do Ministério da Fazenda, que todos os que foram
atingidos pelas medidas decorrentes da aplicação do instituto jurídico dos terrenos de
marinha, ou a sua grande maioria, tiveram as suas propriedades confiscadas de forma
prepotente, além de serem condenados a pagar, de modo perpétuo, as taxas
correspondentes aos foros, ocupações e laudêmios.
Portanto, para que a SPU continue se beneficiando com a “legalidade” das
demarcações das “LPM/1831 (SPU)” presumidas, ela não somente deixa de aplicar a
metodologia já desenvolvida e disponível, como prefere mantê-la no esquecimento.
4.4 A veracidade da presunção
A aceitação da presunção de atos e fatos praticados pelos Agentes da Administração
Pública como verdadeiros e legítimos, até provas em contrário, é um comportamento
normal de toda a sociedade e que não deve suscitar qualquer dúvida sobre a honestidade de
seus propósitos. Segundo Meirelles30, (2000, p.148):
“os atos administrativos, qualquer que seja sua categoria ou espécie,
nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma
legal que a estabeleça. Essa presunção decorre do princípio da
legalidade da Administração, que, nos Estados de Direito, informa toda
a atuação governamental. Além disso, a presunção de legitimidade dos
atos administrativos responde as exigências de celeridade e segurança
das atividades do Poder Público, que não podem ficar na dependência da
solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade de
seus atos, para só após dar-lhes execução”.
Por isto o Agente da Administração Pública deve estar sempre atento às normas
legais em vigor, para evitar conflitos. Assim, sempre que um Agente da Administração
30
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25a Ed., São Paulo: Malheiros, 2000.
58
Terrenos de marinha
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Pública tomar conhecimento de que algum ato ou fato no âmbito da sua esfera de ação foi
praticado de modo inconveniente, inoportuno ou ilegítimo, deve, imediatamente,
providenciar a sua revogação ou anulação, conforme couber, sob pena de cometer
improbidade administrativa, prevista no Código Civil Brasileiro.
Pesquisa realizada por Mattos (2003)31, conclui que:
“Como prerrogativa inerente ao Poder Público, presente em todos os
atos do Estado, a presunção de veracidade subsistirá no processo civil
como meio de prova hábil a comprovar as alegações do ente público,
cabendo a parte adversa demonstrar, em concreto, o não cumprimento,
por se tratar de uma presunção relativa. Assim, havendo um documento
público com presunção de veracidade, não impugnado eficazmente pela
parte contrária, o desfecho há de ser em favor desta presunção.”
Em face ao exposto, foi enfaticamente demonstrado que houve interpretações
equivocadas pelos técnicos da SPU, sobre os Artigos 10 ao 14 do Decreto–Lei no 9.760/1946,
gerando critérios inaceitáveis e ilegais nas demarcações dos terrenos de marinha, por
conflitar frontalmente com o Artigo 2o deste mesmo diploma legal, com sérios prejuízos aos
proprietários de bens imóveis situados nas margens marítimas brasileiras, por terem suas
propriedades classificadas e cadastradas como bens da União.
5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
5.1 Conclusões
Das pesquisas realizadas sobre as demarcações dos terrenos de marinha chegam-se a
duas conclusões básicas: a primeira, que os critérios praticados pela SPU podem ser
considerados ilegais, por contrariar a legislação em vigor; e a segunda, que em face da
elevação do nível médio dos oceanos, em caráter global e em particular da parte do Oceano
Atlântico Sul que banha a costa marítima brasileira, a LPM/1831 “caducou” nestes últimos
178 anos e perdeu a sua eficácia como isolinha de referência na demarcação destes bens da
União.
De acordo com o que foi demonstrado, se a linha correspondente a da preamar
média do ano de 1831 se encontra mergulhada em qualquer ambiente praial ou de zona
costeira nos dias atuais, isto é, abaixo do nível médio do mar, a linha limite dos terrenos de
31
MATTOS, Viviann Rodriguez. A presunção de veracidade do conteúdo dos documentos públicos como prova
no processo. IN: Revista Jus Vigilantibus, Segunda-feira, 27 de outubro de 2003.
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Terrenos de marinha
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marinha (LLM/1831) será localizada, certamente nos ambientes praiais ou, no máximo, nas
bermas. Sendo as praias bens públicos de uso comum do povo, assim definidos pela Lei Nº
7.661, DE 16 DE MAIO DE 1988 (Brasil, 1988), que Institui o Plano Nacional de
Gerenciamento Costeiro, é óbvio que os terrenos de marinha não podem ser localizados
sobre as mesmas, pois ambos os sistemas são exclusíveis simultaneamente.
Também, tendo em vista tudo o que foi exposto e diante dos conhecimentos
científicos atuais sobre a elevação contínua do nível médio do mar em todo o globo
terrestre, a referência da linha da preamar média ao ano de 1831 já perdeu a sua eficácia
para localizar os terrenos de marinha além da linha de costa, aqui entendida como a linha
onde termina a praia e começa a zona costeira com a sua vegetação nativa característica que
lhe é peculiar. Como os terrenos de marinha não podem ser superpostos sobre os ambientes
praiais, por força da Lei do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC, em tais
circunstâncias eles não existem.
5.2 Recomendações
Em virtude da elevação global do nível médio dos oceanos, como está comprovado
cientificamente e de modo indubitável, resultando na localização dos terrenos de marinha
sobre os ambientes praiais, tais parcelas imobiliárias ficam descaracterizadas por força da Lei
do PNGC, sendo recomendável que o Artigo 2o e seus parágrafos sejam extintos. Também é
de fundamental importância que o Congresso Nacional acolha, discuta e aprove um
substitutivo para o caput do Art. 3o do Decreto-Lei No 9.760/1946, dando-lhe nova redação
como a seguir proposto:
....................................................................................................................
“Art. 3o – São terrenos de marinha, os que se tiverem formado, natural
ou artificialmente, para o lado do mar, a partir da margem marítima
limitada pela linha de costa; e para o lado das águas das baías,
enseadas, lagunas e rios situados em zonas até onde se façam sentir a
influência das marés, a partir das suas respectivas margens. Também,
seguindo o mesmo critério, os que se formarem no entorno das ilhas
costeiras e oceânicas, e nas situadas em baías, enseadas, lagunas e rios,
até onde se façam sentir a influência das marés.
....................................................................................................................
Deste modo, ficam preservados estes bens da União, como definidos na Constituição
Brasileira e em legislação ordinária complementar.
60
Localização geodésica da LPM/1831
Prof. Dr. Obéde Pereira de Lima
Apêndice A
SUMÁRIO BIOGRÁFICO
OBÉDE PEREIRA DE LIMA:
 Oficial Superior da Marinha do Brasil - Capitão-de-Fragata (A-HN) Refo.
 Engenheiro Cartógrafo graduado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
(dez/1977). Registro Nacional CONFEA No 220052314-9; CREA/RS 61.628.
 Doutor em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, na Área de
Concentração em Cadastro Técnico Multifinalitário e Gestão Territorial (mai/2002). Autor da
Tese: Localização geodésica da linha da preamar média de 1831, com vistas à demarcação dos
terrenos de marinha e de seus acrescidos. Florianópolis, SC, 2002. xx, 251p. Tese (Doutorado
em Engenharia) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, UFSC, 2002
 Mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, na Área de
Concentração em Cadastro Técnico Multifinalitário (dez/1999). Autor da Dissertação: Proposta
metodológica para o uso do Cadastro Técnico Multifinalitário na Avaliação de Impactos
Ambientais. Florianópolis, SC, 1999, 147p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Curso
de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, 1999.
 Professor Adjunto Nível 3 do Quadro Permanente do Magistério Superior do MEC (desde
dez/1989); aposentado compulsoriamente por ter atingido o limite de idade no serviço público
federal, de acordo com o Art. 40 da Constituição Brasileira/1988, vinculado a Universidade
Federal do Rio Grande – FURG.
 Curso de extensão: "Ciclo de Estudos sobre Segurança e Desenvolvimento" realizado pela
associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), julho/novembro de 1985,
tendo atuado como Coordenador do Grupo de Trabalho que apresentou o tema: "DEMOGRAFIA
E PLANEJAMENTO FAMILIAR".
 Publicou dois (2) artigos completos em periódicos especializados e vinte e oito (28) trabalhos em
anais de eventos.
 Participou em quinze (15) eventos - Congressos, Seminários e Simpósios no Brasil. Orientou seis
(6) trabalhos de conclusão de curso nas áreas de Geociências e Geografia e Engenharia de
Agrimensura.
 Recebeu cinco (5) prêmios e/ou homenagens.
 Entre 1998 e 2007 coordenou três (3) projetos de pesquisa.
 Atua na área de Geociências.
 Em suas atividades profissionais interagiu com oito (8) colaboradores em co-autorias de
trabalhos científicos.
Outras informações relevantes:
1) Em 22/08/2008 participou em um concurso realizado no Centro de Exposições do Anhembi,
em São Paulo, SP, durante o 9o Show Internacional de Geotecnologias - III Mostra do Talento
Científico: “DA PESQUISA PARA A PRÁTICA”, no 3o Congresso Internacional GIS BRASIL 2003,
promovido e organizado pela empresa FATORGIS. Entre os cinqüenta e sete (57) trabalhos
inscritos, na categoria de pós-graduação, conquistou o prêmio em primeiro lugar, pela
exposição e apresentação da metodologia desenvolvida na tese de doutoramento:
“Localização geodésica da linha da preamar média de 1831, com vistas à demarcação dos
terrenos de marinha e de seus acrescidos.”
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Localização geodésica da LPM/1831
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2) Consultor na área de Geociências, nas especialidades: Cartografia Cadastral e Gestão
Territorial e Ambiental; Hidrografia e Navegação; Localização geodésica da linha da preamar
de 1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos.
3) Selecionado e Cadastrado no Banco de Avaliadores do Sistema Nacional da Educação
Superior - BASis, de acordo com a Portaria MEC n° 1.751, de 27 de outubro de 2006, como
Avaliador de Cursos Selecionados (Anexo I, página 27) , publicada no Diário Oficial da União Seção 1, N° 208, segunda-feira, 30 de outubro de 2006.(09/12/2006).
4) Participou da Comissão de Avaliação do Curso de Engenharia Ambiental da Faculdade de
Roseira, SP – FARO-SP, em DEZ/2007.
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Localização geodésica da LPM/1831
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Apêndice B
COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO URBANO
SUBCOMISSÃO TERRENOS DE MARINHA
REQUERIMENTO N° 70 , de 2009
(Do Sr. José Chaves)
Requer a realização de
audiência pública, com a presença
do engenheiro-cartógrafo Obéde
Pereira de Lima.
Senhor Presidente.
Nos termos regimentais, requeiro a Vossa Excelência adotar as
medidas necessárias para a realização de audiência pública, com a
presença do engenheiro-cartógrafo Obéde Pereira de Lima, para
exposição e debates sobre a “localização geodésica da linha da
preamar média de 1831 – LPM/1831, com vistas à demarcação dos
terrenos de marinha e seus acrescidos”.
JUSTIFICAÇÃO
Como é sabido por todos, os chamados ―terrenos de marinha e seus
acrescidos‖ são imóveis da União, conforme estabelece a
Constituição Federal, art. 20, VII.
Por outro lado, cabe à Secretaria de Patrimônio da União
(SPU) efetuar a cobrança de foro, taxa de ocupação e laudêmio
sobre aqueles terrenos, tendo por base a linha da preamar média de
1831- LPM/1831. Ocorre que a SPU, embora autorizada legalmente,
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Localização geodésica da LPM/1831
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tem alterado os critérios originais, criados em Decreto Imperial, sem
que os contribuintes — principais interessados — tenham, em
nenhum momento, sejam consultados.
O Dr. Obéde Pereira de Lima é um profundo conhecedor da
matéria, tendo larga história de convivência dos problemas que, ao
longo dos anos, afetaram aquela LPM, seja como oficial da Marinha
do Brasil, seja como engenheiro-cartógrafo, com tese defendida na
Universidade Federal de Santa Catarina, em 2002.
Mencionado profissional reune condições para transmitir
valiosos e inéditos conhecimentos sobre os métodos e critérios
aplicados pela SPU para continuar a arrecadar, infinitamente,
aquelas taxas sobre os ―terrenos de marinha e seus acrescidos‖, tal
como faziam os servidores do Brasil-Colônia e do Império. Só que,
hoje, a burocracia domina a cena, em cada vez mais complicadas
teias de dificuldades.
Entender o que faz a SPU, em sua faina e voracidade
arrecadatória, é fundamental para que esta Subcomissão acumule
argumentos para lutar pela extinção dos encargos, previstos,
basicamente, no Decreto-Lei n° 9.760, de 1946, e no Decreto-Lei n°
2.398, de 1987.
Para ilustrar este Requerimento, o Autor anexa volume
contendo Tese de Doutorado do engenheiro-cartógrafo Obéde
Pereira de Lima — ―Localização geodésica da linha da preamar
média de 1831 – LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos
de marinha e seus acrescidos, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis-SC, 2002, 248 p.‖.
Sala da Subcomissão,
25
de março de 2009.
JOSÉ CHAVES
Deputado Federal (PTB/PE)
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Apêndice C
- Acompanhamento de Proposições
Prezado(a) Obéde Pereira de Lima,
Segundo solicitação, informamos que as proposições abaixo sofreram
movimentação.
o
REQ 70/2009 CDU - Requer a realização de audiência pública, com a
presença do engenheiro-cartógrafo Obéde Pereira de Lima.
- 01/04/2009 Aprovado por unanimidade.
Atenciosamente,
Câmara dos Deputados
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Apêndice D
CÂMARA DOS DEPUTADOS
COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO URBANO (CDU)
Requerimento nº 65, de 2009
(Do Sr. José Chaves)
Requer
a
criação
de
Subcomissão Permanente para
tratar de assuntos relacionados a
“terrenos de marinha e seus
acrescidos”.
A Sua Excelência o Senhor
Deputado Federal EDUARDO SCIARRA
Com fundamento no art. 29, I, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados,
requeiro a Vossa Excelência a criação de Subcomissão Permanente, visando a
tratar de assuntos relacionados a “terrenos de marinha e seus acrescidos”, entre
outras, com as seguintes competências:
1. Realizar audiências públicas com autoridades, empresários da indústria
nacional da construção civil imobiliária e do setor de turismo, representações da
sociedade e contribuintes em geral, especialmente convidados;
2. Propor mudanças na legislação que rege a cobrança de foro, taxa de
ocupação e laudêmio incidentes sobre ―terrenos de marinha e seus acrescidos‖.
3. Tentar medir o peso que a cobrança desses ônus exerce sobre o
orçamento das famílias e sua influência negativa no que respeita à criação de
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empregos e a geração de renda nas empresas da construção civil imobiliária do
País.
4. Discutir o papel da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e os critérios por ela adotados
para a cobrança e arrecadação do foro, taxa de ocupação e laudêmio dos “terrenos de marinha e
seus acrescidos”.
JUSTIFICAÇÃO
A criação de Subcomissão Permanente para tratar de assuntos relacionados a
“terrenos de marinha e seus acrescidos” é oportunidade única para uma
discussão abrangente e de resultados positivos para as centenas de milhares de
contribuintes de foro, taxa de ocupação e laudêmio incidentes sobre aqueles
imóveis.
Para fundamentar o pedido, vale observar os seguintes pontos:
a). ―Terrenos de marinha e seus acrescidos” são bens imóveis da União,
como determina o art. 19, VII, da Constituição Federal.
b) Os critérios para a cobrança de foro, taxa de ocupação e laudêmio
sobre esses imóveis foram baseados na definição, ainda do Primeiro Império,
segundo a qual ―são terrenos de marinha os banhados pelas águas do mar ou dos
rios navegáveis, em profundidade de 33 metros, medidos, horizontalmente, para
a parte de terra da posição da preamar média de 1831‖.
c) O Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, o Decreto-Lei nº 2.389, de 1987, e
outros diplomas legais regulam a cobrança de citados encargos.
d) Aqueles encargos têm onerado, substancialmente, o orçamento das
famílias da maior parte dos estados do Brasil e se apresentam como sérios
entraves à indústria da construção civil imobiliária nacional, obstaculizando a
geração de milhares de empregos e renda para vasta camada da população
trabalhadora do País.
e) A existência, ainda, de foro, laudêmio e taxa de ocupação é um acinte
à vida de milhões de brasileiros, obrigados a conviver com esse ―entulho
colonial‖, superado instrumento da voracidade arrecadatória da União, cujos
recursos não têm nenhuma utilidade para os locais onde são arrecadados pela
SPU.
f) A legislação que autoriza a cobrança de foro, taxa de ocupação e
laudêmio deve ser rapidamente modificada ou retirada, de uma vez por todas,
da legislação imobiliária da União.
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g) A arrecadação, a cargo da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), é
muito expressiva para o governo e excessiva para quem paga e, a propósito,
difícil é a obtenção de dados financeiros desse Órgão.
h) Salvo melhor juízo, o governo federal desembolsa cerca de dez reais
por cada cinco reais arrecadados com aqueles encargos, o que, se confirmado,
representa indiscutíveis prejuízos para as receitas da União como um todo.
Sala da Comissão, em 11 de março de 2009
Deputado JOSÉ CHAVES (PTB-PE)
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Apêndice E
CÂMARA DOS DEPUTADOS
Consulta Tramitação das Proposições
Cadastrar para Acompanhamento
NovaPesqu
Proposição: REQ-65/2009 CDU
Autor: José Chaves - PTB /PE
-> Íntegra disponível em formato doc
Data de Apresentação: 11/03/2009
Apreciação: Requerimento
Regime de tramitação: Ordinária
Situação: CDU: Aguardando Providências Internas.
Ementa: Requer a criação de Subcomissão Permanente para tratar de
assuntos relacionados a "terrenos de marinha e seus acrescidos".
Última Ação:
25/3/2009 - Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) Aprovado por unanimidade.
Obs.: o andamento da proposição fora desta Casa Legislativa não é tratado pelo sistema,
devendo ser consultado nos órgãos respectivos.
Andamento:
11/3/2009 Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU)
Apresentação do REQ 65/2009 CDU, pelo Dep. José
Chaves, que "requer a criação de Subcomissão
Permanente para tratar de assuntos relacionados a
"terrenos de marinha e seus acrescidos"."
25/3/2009 Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU)
Aprovado por unanimidade.
Cadastrar para Acompanhamento
NovaPesqu
Disponível em: http://www2.camara.gov.br/deputados/index.html/loadFrame2.html
Acessado em: 29/mar/2009, 08:45 hs.
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Apêndice F
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 023.3.53.O
Orador: JOSÉ CHAVES, PTB-PE
Hora: 15:16
Fase: PE
Data: 03/03/2009
O SR. JOSÉ CHAVES (Bloco/PTB-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr.
Presidente, Sras. e Srs. Deputados, vivemos, no Brasil contemporâneo, sob a mão
pesada de um Estado que nos sufoca. E, no entanto, ao contrário dos nossos
antepassados, que se rebelaram contra a Coroa portuguesa quando ela decidiu
sugar 20% do quanto aqui se produzia, hoje nos mantemos inertes, quase
indiferentes ante a expropriação de quase 40% da renda gerada pelo nosso
esforço coletivo.
Refiro-me, senhores, à esdrúxula e injusta cobrança de foro, taxa de ocupação e
laudêmio sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos.
Por sorte, algumas vozes já se fazem ecoar em contestação a esse estado de
coisas - e não é sem tempo.
Até que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal vêm, nos últimos anos,
tentando mudar o quadro vigente. As iniciativas, porém, têm sido destituídas de
efetividade. Em contraposição, empresas e famílias partiram para o confronto
judicial, contestando as cobranças feitas pela Secretaria de Patrimônio da União SPU, devido aos critérios por ela adotados. É que, na ânsia de arrecadar mais e
mais e não podendo majorar os percentuais praticados (0,6% para foro ou
enfiteuse, 5% para laudêmios e 2,5% ou 5% para taxas de ocupação), a SPU
reavalia os imóveis a preços de mercado, com o que aumenta suas receitas.
Na condição de Deputado Federal, cidadão e empresário, sinto-me no dever de
denunciar essa situação, porque não me conforta assistir impassível à injustiça
cometida contra empresas do setor da construção imobiliária e contra milhares de
famílias brasileiras, subjugadas a práticas tributárias absolutamente
desconectadas do cenário econômico positivo a tão duras penas, construídas pelo
operante e competente Governo do Presidente Lula.
Com fundamento nisso, na tradição e nos recursos arrecadados, o Governo
Federal repele qualquer movimento no Congresso Nacional que coloque em risco
o seu amplo domínio sobre as receitas obtidas com a cobrança do foro (enfiteuse),
taxas de ocupação e do laudêmio incidentes sobre os terrenos de marinha. Sem
respaldo parlamentar e sem apoio da sociedade, todas as propostas
apresentadas, até o momento, na tentativa de mudar esse quadro, sofreram
severo bloqueio e sistemática rejeição.
Mas, enfim, o que são terrenos de marinha? De acordo com as normas vigentes,
são os banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, em uma
profundidade de 33 metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra da
posição do preamar médio de 1831. Formados, naturalmente, pela ação dos
ventos e das águas, ou artificialmente, e localizados na costa marítima do litoral
brasileiro, no continente e nas margens dos rios e lagoas, até onde ocorre a
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Localização geodésica da LPM/1831
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influência das marés, são cedidos pela União a terceiros para uso e ocupação por
meio de contrato de aforamento (ou enfiteuse), que é o direito de o beneficiário
(foreiro) usufruir do imóvel, mediante o pagamento à União de pensão anual
(denominada foro).
A ocupação é o direito precário de posse sobre um imóvel, caracterizado pela
existência de benfeitorias em seu aproveitamento. A lei admite apenas a
transferência das benfeitorias, não o domínio útil. O Decreto-Lei nº 9.760, de 1946,
assim dispõe o art. 127: "Os atuais ocupantes de terrenos da União, sem título
outorgado por esta, ficam obrigados ao pagamento anual da taxa de ocupação". A
taxa de ocupação é uma obrigação anual do ocupante e corresponde a 5% ou
2,5%.
Enfim, laudêmio é a importância paga à União pela transferência onerosa do
domínio útil do imóvel, isto é, pela venda. Corresponde a 5% sobre o total da
operação, compreendendo o valor do terreno e o das benfeitorias. Sem o seu
recolhimento, em nenhuma hipótese a
transferência se efetuará,
responsabilizando-se o cartório por qualquer irregularidade quanto a essa
exigência. Isso está previsto no art. 3º do Decreto nº 2.398, de 1987.
A enfiteuse, a taxa de ocupação e o laudêmio são ônus que recaem sobre os
donos de imóveis situados em terrenos da União e constituem sérios empecilhos
ao desenvolvimento urbano e à indústria da construção imobiliária. Na verdade,
além da exagerada majoração do valor dos imóveis situados naqueles terrenos,
essa cobrança predatória, insensível e desprovida de lógica desconsidera o fato de
o proprietário de imóvel já ser penalizado pelo Imposto Predial e Territorial Urbano
- IPTU cobrado pelas Prefeituras Municipais.
Além de tais encargos financeiros, incidem, não menos pesadamente, os custos
burocráticos do controle e da arrecadação desses tributos. Considerem, por
exemplo, a quantidade de documentos a serem preenchidos, copiados, atestados
oficialmente, protocolados e arquivados por anos a fio, a montagem de estruturas
burocráticas nas empresas apenas para atender às exigências de fiscalização de
várias entidades governamentais, os percursos a serem feitos para a obtenção de
autorização de uso ou concessão de imóvel em terreno da União, as idas e vindas
sem conta por diversos gabinetes e terão idéia da dimensão do sacrifício imposto a
empreendedores
e
cidadãos
brasileiros.
Ora, quem sabe a resposta objetiva da SPU a tais e tantos ônus impostos à
sociedade? Aliás, é difícil obter-se da Secretaria a informação precisa acerca da
sua receita e despesa anual.
Com base na Constituição Federal e no Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, apresentei o Requerimento de Informações n° 2.421, de 2008,
encaminhado à SPU. Os dados recebidos pelo meu gabinete eram tão
incompletos, que não permitiam uma análise consistente e esclarecedora. Em face
disso, reiterei o pedido no Requerimento n° 3.305, também de 2008. As novas
informações, porém, surpreenderam-me pela colossal discrepância em relação aos
valores de foro, laudêmio e taxa de ocupação por Unidade da Federação e total
nacional constantes do primeiro informe da SPU. Afinal, quais deles retratariam
mais fielmente a realidade?
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Localização geodésica da LPM/1831
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Por absoluta falta de confiança nessa base de dados, decidi não os utilizar.
No ano de 2008, a SPU encaminhou a posseiros e ocupantes de terrenos de
marinha e seus acrescidos cerca de 500 mil Documentos de Arrecadação de
Receitas Federais (DARFs). Segundo o órgão, "90% dos DARFs comprometerão,
no máximo, 20% de um salário mínimo (R$ 83,00), ao ano, e somente 0,1% dos
foreiros receberão DARF no valor de R$100 mil, cobrados aos ocupantes de
grandes áreas. Os cálculos para tais cobranças baseiam-se em valores do metro
quadrado em diferentes regiões do País, semelhantemente ao critério adotado
pelas Prefeituras Municipais para o valor do Imposto Predial e Territorial Urbano.
Desse modo, a SPU tem aumentado exorbitantemente os valores tributários que
lhe caberiam, tomando por base reavaliações não autorizadas por lei. De fato, o
foro anual é fixado, segundo dispõe o art. 101 do Decreto-Lei n° 9.760, de 1946,
com a redação que lhe foi dada pelo art. 88 do Decreto-Lei n° 7.450, de 1985, nos
seguintes
termos:
"Art. 101. Os terrenos aforados pela União ficam sujeitos ao foro de 0,6% (seis
décimos por cento) do valor do respectivo domínio pleno, que será anualmente
atualizado".
Por sua vez, a taxa de ocupação está disciplinada pelo Decreto-Lei n° 2.398, de
1987, que dispõe, no seu art. 1°, que será "a taxa de ocupação de terrenos da
União calculada sobre o valor do domínio pleno do terreno, anualmente atualizado
pela Secretaria do Patrimônio da União ..."
Em ambos os casos - enfiteuse e ocupação -, a legislação autoriza que a
atualização anual seja feita apenas monetariamente, e não mediante a reavaliação
do imóvel, na medida em que, por força de lei, o foro anual é certo e invariável.
Ora, como ressaltam estudos da área jurídica da Associação das Empresas do
Mercado Imobiliário de Pernambuco - ADEMI/PE, "o novo Código Civil, em seu art.
2.038, proibiu novas enfiteuses e subenfiteuses, mas manteve as atualmente
existentes até sua completa extinção, determinando que elas continuam
submetidas às regras estabelecidas no antigo Código Civil. O princípio geral que
preside as enfiteuses" (aforamentos), "de imóveis particulares ou de marinha,
procede do art. 678 deste diploma legal e estatui que o foro deve ser anual, certo e
invariável. Dá-se a enfiteuse, aforamento ou emprazamento, quando, por ato entre
vivos ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel,
pagando, a pessoa que o adquire e, assim, se constitui enfiteuta, ao senhorio
direto uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável".
Se o foro é certo e invariável por definição legal, não comporta alteração de sua
base de cálculo, qualquer que seja o pretexto, sendo admissível apenas a
atualização anual da sua expressão monetária. É que a correção monetária reflete
a desvalorização da moeda, sem alterar a base de cálculo do foro ou taxa de
ocupação, diferentemente do que ocorre com a reavaliação procedida pela SPU,
que altera o valor do imóvel e, consequentemente, a base de cálculo, algo não
permitido
pela
legislação.
Outro ponto fundamental merece destaque: a lei enfatiza que somente o valor dos
terrenos fica sujeito à atualização anual. Isso significa dizer que nem o foro nem a
taxa de ocupação podem ser fixados ou atualizados anualmente, levando em
conta as benfeitorias realizadas pelo particular sobre terreno de marinha.
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Ocorre que, nas reavaliações que faz, a pretexto de atualizar esses encargos, a
SPU não se limita aos terrenos: também leva em conta as várias benfeitorias e os
melhoramentos neles feitos. Ora, é evidente que um terreno se valoriza pelas
benfeitorias nele realizadas pelo particular, pelas benfeitorias realizadas nos
imóveis da circunvizinhança, pelas benfeitorias na infraestrutura e nos
equipamentos urbanísticos, que não podem ser computados para efeito da
atualização do valor do foro e da taxa de ocupação. O que a SPU pratica
corresponde a um enriquecimento sem causa. E tal procedimento afronta um dos
mais caros princípios dos negócios jurídicos: a vedação do enriquecimento
imotivado, inscrita no art. 884 do Código Civil, segundo o qual aquele "que, sem
justa causa, enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o
indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários".
Essa, aliás, é a orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça em inúmeras
decisões, a exemplo do acórdão adotado no julgamento do Recurso Especial n°
642.604-RJ, sendo Relator o Ministro Cesar Asfor Rocha, em julgamento realizado
em 3 de agosto de 2006, do seguinte teor:
"A norma legal que permite a atualização anual do foro aplica-se a todos os
contratos de aforamento, inclusive àqueles firmados anteriormente à vigência do
Decreto-Lei n° 7.450, de 1985, afigurando-se descabida, todavia, a modificação
anual do valor do domínio pleno de imóvel aforado a particular pela União, sobre o
qual é calculado o valor do foro, posto que este último é invariável".
Tal justificativa nos leva a inferir que a SPU, em vez de inspirar-se na lei, na boa
doutrina jurídica e nos melhores exemplos da comunidade internacional, prefere
valer-se de procedimentos discutíveis e critérios contestados do âmbito municipal,
o que ressalta sua voracidade e incontrolada gana de engordar suas receitas.
Sr. Presidente, na condição de Deputado Federal, empresário e cidadão, tenho
histórico envolvimento pessoal com a indústria da construção imobiliária. Sei o
quanto lhe pesa a mão açambarcadora e impassível do Estado, impedindo-a de
praticar preços que tornem seus produtos acessíveis à grande massa da
população. Ademais, tenho recebido inestimável respaldo político dessa
importante área da economia de Pernambuco e do País, no seu todo.
Acompanho de perto a mobilização de muitos grupos sociais contrários à carga
tributária nacional e, mais especificamente, contra os ônus incidentes sobre os
imóveis situados nos terrenos de marinha e seus acrescidos. Confesso não
conseguir compreender e, menos ainda, aceitar a persistência desses encargos.
Integrante da base de apoio do atual Governo, cuja orientação e compromisso
social devem resultar em atitudes e comportamento progressistas e, portanto, de
rompimento com práticas ultrapassadas e abusivas, tudo farei para sensibilizá-lo a
atender aos reclamos, que partem de todos os segmentos desta Nação, contra a
preservação da excrescência histórica e social da tributação dos terrenos de
marinha.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, concluo esta intervenção, dirigindo apelo
ao Exmo. Sr. Presidente da República no sentido de que determine a retirada
deste entulho colonial da cena tributária brasileira: a cobrança de foro, taxa de
ocupação e laudêmio sobre terrenos de marinha e seus acrescidos.
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Excelência, não é mais possível aturar essa esdrúxula e inconcebível taxação que
recai sobre milhares de empresas da construção civil imobiliária do Brasil inteiro,
reduzindo sua capacidade de geração de emprego e renda, e sobre centenas de
milhares de famílias, cujos orçamentos são sacrificados, diante da rotina de
recolher tributos para os mais variados fins e esferas administrativas.
Presidente Lula, em que pesem tantas dificuldades, o Governo de V.Exa. está
plenamente inserido no coração do nosso povo, e será esse mesmo povo que
agradecerá a extinção de tais encargos sobre os terrenos de marinha e seus
acrescidos. Empresas e famílias desoneradas serão fortalecidas por essa
iniciativa. Um governo como o de V.Exa. não pode deixar de remover esse
entulho, cuja finalidade é apenas manter uma tradição, alimentar atrasadas
práticas burocráticas e prejudicar a economia nacional, sobretudo a do meu
Estado de Pernambuco.
A oportunidade é agora, Sr. Presidente. Encaminhe projeto de lei a esta Casa,
visando mudar a legislação e - quem sabe? -, de uma vez por todas, extinguir
aqueles encargos, muito altos para quem paga e inexpressivos para o caixa da
União.
A história registrará o gesto de V.Exa., Presidente Lula.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados.
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