Análise conceitual das dificuldades na determinação de modelos
de formação de preços através de análise de regressão
Marco Aurélio Stumpf González 1 †
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas, Av.
Unisinos, 950 - 93022-000 - São Leopoldo, Brasil.
Carlos Torres Formoso 2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Núcleo Orientado para a Inovação da
Edificação (NORIE), Av. Osvaldo Aranha, 88 - 90000-000 - Porto Alegre, Brasil.
RESUMO
A determinação de modelos de formação de preços imobiliários através das técnicas
convencionais apresenta problemas que dificultam a análise, prejudicando a qualidade das
estimativas do valor de mercado. Em parte estas deficiências estão ligadas às limitações da
análise de regressão múltipla em lidar com a complexidade do mercado imobiliário,
especialmente correlação espacial e desconhecimento da forma funcional, como se expõe
neste artigo.
ABSTRACT
The hedonic price models are commonly obtained by regression analysis, but there are
some statistical problems, which difficult the modeling and reduces the general quality of
process. In part, this problems are connected to real estate market complexity, but, like
explained in this paper, the major problems are spatial correlation and unknowing of actual
form of hedonic equations.
1. INTRODUÇÃO
O mercado imobiliário representa um importante segmento da economia nacional, por
causa do volume de recursos nas transações e de sua significação social. Este mercado,
contudo, tem um comportamento distinto dos mercados de outros bens economicamente
significativos. As características singulares dos imóveis fazem com que a análise dos valores
1
†
Professor Mestre.
Autor que receberá a correspondência ([email protected]).
2 Professor Doutor.
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dos bens seja uma tarefa complexa. A falta de informação dos agentes e o conhecimento
deficiente dos mecanismos de funcionamento do mercado colaboram para dificultar a análise
do mercado imobiliário.
A análise de regressão múltipla (ARM) é amplamente utilizada na montagem de
modelos de formação de preços, utilizados para a avaliação de imóveis, sendo bastante
desenvolvida no Brasil, como atestam recentes publicações nacionais na área (Dantas, 1999;
González, 1997; IBAPE, 1995, 1997 e 1999; Zancan, 1996).
Entretanto, o uso da ARM é dificultado por vários problemas estatísticos que afetam a
validade dos modelos gerados. Estas dificuldades são parcialmente decorrentes das
características peculiares do mercado, implicando em restrições quanto à precisão das
estimativas de valor.
Este trabalho trata de dois dos principais problemas: a correlação espacial e a
determinação da forma funcional. O artigo inicia com uma exposição das principais
características do mercado imobiliário, com uma descrição básica da análise de regressão,
segue abordando em detalhe os problemas citados e conclui com a indicação de métodos
alternativos.
2. CARACTERÍSTICAS DO MERCADO IMOBILIÁRIO
Os imóveis possuem um comportamento diferenciado economicamente de outros
bens, por causa dos efeitos de seus atributos especiais, especialmente o custo elevado, a
heterogeneidade, a imobilidade e a durabilidade. Por outro lado, o mercado é atomizado,
contando com a participação simultânea de muitos agentes, não coordenados. A combinação
destes elementos permite explicar grande parcela das variações de preços.
São bens heterogêneos por natureza, pois cada imóvel possui quantidades diferentes de
cada um dos atributos valorizados pelo mercado. Por isso, são chamados de “bens
compostos”, e a comparação entre eles exige a ponderação dos vários atributos de interesse
(Balchin e Kieve, 1986; Robinson, 1979).
De todos os atributos, o mais importante é a localização, relacionada com a fixação
espacial do produto (imobilidade). O valor de localização está relacionado com a
acessibilidade (oferta e qualidade de vias e meios de transporte) e com as características da
vizinhança, ou seja, do uso do solo no entorno próximo do imóvel. A medição destes efeitos é
difícil, pois não são quantificáveis diretamente, sendo medidos através de variáveis proxy, tais
como a renda média da população ou a distância ao centro comercial-histórico da área urbana.
Efetivamente, os modelos mais comuns de análise das áreas urbanas consideram
apenas um pólo de atração (chamado de Central Business District) visando simplificar a
análise. Porém, raramente as cidades têm uma estrutura monocêntrica simples e os centros de
atração localizados longe do CBD configuram complexos gradientes de preços. Por isso,
muitos dos estudos empíricos que usam a distância ao CBD como medida de acessibilidade
encontram pouca significância estatística para a variável (Ball, 1973; Bartik e Smith, 1987;
Dubin e Sung, 1987; Smith et al., 1988). Como lembra Straszheim (1987, p.740), o modelo
monocêntrico convencional, relacionado basicamente com demanda por solo e gradientes
unidimensionais de distância, ignora a influência na decisão de localização de características
de vizinhança, tais como composição socioeconômica, densidade populacional, qualidade do
ar e oferta de serviços públicos.
Os efeitos de vizinhança e acessibilidade relativa fazem com que imóveis próximos,
de mesmas características construtivas, tenham valores semelhantes. Esta semelhança tende a
diminuir com o aumento da distância que os separa. Aparentemente, as variações são
contínuas, isto é, os valores não surgem de forma aleatória. Portanto, é razoável supor que o
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nível dos preços seja influenciado pelos imóveis circundantes (Dubin, 1992; Li e Brown,
1980; Schroeder e Sjoquist, 1976).
Segundo Can (1998), espera-se que os preços dos imóveis variem sistematicamente ao
longo da área urbana, como resultado de variações especiais nas quantidades físicas do
estoque e de externalidades espaciais associadas com a vizinhança. No mesmo sentido,
Anselin (1998) afirma que é inquestionável a importância dos aspectos espaciais no mercado
imobiliário.
Além disto, a dinâmica imobiliária, associada com o processo de estruturação intraurbana, modifica continuamente a forma da cidade, alterando os usos do solo em tipo e
densidade. A realização de obras como escolas, parques, avenidas, shopping centers ou
indústrias, introduz modificações não só no entorno próximo, mas em uma área de
abrangência (Balchin e Kieve, 1986; Campos,1988; Maraschin, 1993).
Finalmente, não pode ser esquecido que o poder público tem influência decisiva nestas
alterações de uso e ocupação do solo, através de intervenções diretas (tais como abertura ou
alargamento de vias urbanas) ou pelo controle e incentivo à atuação da iniciativa privada
(através de planos diretores de desenvolvimento), alterando o comportamento do mercado
imobiliário e os preços dos imóveis (Rovatti,1990).
3. MÉTODOS E OBJETIVOS DA ANÁLISE DE VALORES DE IMÓVEIS
Simplificadamente, “avaliar” é buscar o valor, e o valor de um bem é essencialmente
determinado pelo segmento de mercado onde ele pode ser transacionado. Embora existam
muitas interpretações, o valor de mercado de um imóvel pode ser definido como o valor mais
provável que um dado imóvel pode atingir, numa transação normal, em determinadas
condições econômicas. Em última análise, o valor de mercado trata de um equilíbrio
microeconômico momentâneo, decorrente das condições de oferta e demanda específicas e
gerais para um dado imóvel e mercado. O valor de mercado representa este “equilíbrio
potencial” (González, 1997).
Não havendo informações sobre transações (de razoável semelhança e em quantidade
mínima para a análise), o analista pode utilizar alguns métodos que permitem a obtenção do
valor indiretamente. São exemplos destes os chamados métodos da renda e do custo de
reprodução (Moreira, 1994). No primeiro, o valor de venda é entendido como a capitalização
presente dos fluxos de renda futuros, a serem obtidos até o fim da vida útil econômica do
imóvel. No outro, o valor é estimado através do custo de construção de uma unidade
semelhante, descontando-se a depreciação e acrescentando-se uma parcela pela possibilidade
de utilização imediata (denominada “vantagem da coisa feita”) além do valor do ponto
(“fundo de comércio”), quando for o caso. Entretanto, estes métodos permitem apenas obter
estimativas rudimentares do valor de mercado e dependem excessivamente da intervenção
subjetiva do analista.
Mesmo com a presença de eventuais transações não representativas,3 a melhor forma
de conhecer o valor é através de informações sobre imóveis semelhantes, transacionados na
mesma época e local. Neste caso, o método mais apropriado é o método da comparação de
dados de mercado (antigamente conhecido como “método das vendas”) que, dentre as
técnicas conhecidas é a mais empregada.
Existem diferenças entre os procedimentos para avaliação singular ou coletiva de
imóveis, devido aos objetivos e nível de precisão desejado em cada caso, mas o procedimento
básico é similar. Para realizar esta tarefa, é preciso empregar alguma forma de ponderação dos
3
Decorrentes da imperfeição das relações entre comprador e vendedor, por exemplo.
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atributos formadores dos valores imobiliários, tal como a inferência estatística.4 Neste caso, as
variáveis julgadas importantes são reunidas em um modelo de regressão múltipla, e os testes
estatísticos permitem verificar se devem ou não participar do modelo, e em que formato.
4. MODELOS CONVENCIONAIS PARA AVALIAÇÃO DE IMÓVEIS
Em economia urbana, a sustentação teórica para os modelos de avaliação de imóveis
vem dos chamados “modelos hedônicos”. A representação do funcionamento do mercado
imobiliário pode ser feita com modelos econométricos, que incluem medidas representando os
atributos considerados importantes, seguindo a teoria descrita por Griliches (1971) e Rosen
(1974) e amplamente difundida na economia urbana, que refere-se a um “vetor de atributos”
(Robinson, 1979) ou a um conjunto de “serviços de habitação” (Lucena, 1985).
Nesta linha, a formação do preço de venda pode ser entendida como a soma de
parcelas devidas aos diversos elementos importantes, que não podem ser individualizados
diretamente, visto que não são transacionados separadamente, mas apenas em conjunto e em
quantidades fixas (em “pacotes”). Em certo sentido, os valores dos imóveis podem ser
compreendidos como médias ponderadas dos atributos que os compõem, sendo que os pesos
(os coeficientes das equações) podem ser interpretados como preços implícitos destes
atributos. Assim, é necessário inicialmente encontrar estes pesos para que se possa realizar a
ponderação dos atributos dos imóveis em estudo e finalmente obter estimativas para o valor
de mercado destes imóveis, chamados no meio técnico de “avaliandos” (Griliches, 1971;
Lucena, 1985; Muth,1975; Rosen, 1974; Straszheim, 1987).
O analista deve estipular modelos com as hipóteses de relacionamento entre as
variáveis, que devem ser testadas pelos critérios estatísticos, verificando-se a validade destas
hipóteses, ou seja, se os modelos são capazes de representar o segmento de mercado em
questão. Para tanto, devem ser coletados dados de transações (evidências do mercado),
analisando-se o ajuste dos modelos considerados a estes dados, dentro de um determinado
grau de precisão. Os testes estatísticos permitem avaliar o próprio modelo e a importância
individual das variáveis incluídas, indicando a qualidade geral do modelo formulado. Um
modelo convencional assume um formato tal, como (equação 1):
Y= α0 +α1X1 +α2X2+...+αkXk + εα = Yh + εα
(1)
Este formato é chamado de “modelo linear clássico”, no qual Y é a variável
dependente (geralmente o preço), X1,...,Xk são as variáveis independentes (as características
dos imóveis e da região), α0 é o intercepto (ou constante da equação), α1,...,αk são os
coeficientes parciais da regressão (preços hedônicos implícitos), o termo de erro (desvio da
estimativa) é εα e Yh é a estimativa para a variável dependente, calculada em função das
variáveis explicativas incluídas (Judge et al., 1985; Neter et al., 1990, Ramanathan, 1998).
O processo de análise de regressão exige o respeito aos chamados “pressupostos
básicos”, e ainda a outras condições relacionadas, que precisam ser atendidos para que a
análise seja válida, e possam ser realizadas inferências (previsões) com a equação
determinada (González, 1997; Maddala, 1988, Ramanathan, 1998). Para que os modelos
sejam considerados aptos, deve-se garantir que:
1) Há homocedasticidade dos resíduos (a variância é constante);
2) Existe independência serial dos resíduos (não há autocorrelação);
4
A norma brasileira de avaliação de imóveis urbanos, NBR 5676, exige o emprego de inferência estatística, para determinar
os coeficientes do modelo (pesos dos atributos considerados), nos trabalhos classificados como “rigorosos”, segundo o nível
de rigor da avaliação (ABNT, 1989).
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3) Os resíduos seguem a distribuição Normal;
4) A relação entre as variáveis independentes e a variável dependente é linear;
5) Não há colinearidade perfeita entre quaisquer variáveis independentes;
Além destes, o modelo deve ainda atender a outros requisitos, em parte decorrentes
dos próprios pressupostos básicos:
6) As variáveis importantes foram incluídas (o modelo especificado é similar ao real);
7) Não existem observações espúrias (elementos claramente não adaptados ao
modelo, chamados de outliers);
8) As variáveis independentes não são aleatórias (somente a variável dependente
pode ser estocástica);
9) Os resíduos têm média nula;
10) O número de observações (tamanho da amostra) é maior que o de coeficientes a
ser estimado;
No mercado imobiliário, diante de suas características peculiares e da dificuldade de
obtenção de dados, há risco de ruptura de várias destas condições. É comum a ocorrência de
multicolinearidade, outliers e não-linearidade dos dados, entre outros (De Cesare, 1998;
Dubin, 1988; Worzala et al., 1995).
Quase todas estas condições podem ser garantidas, ou mesmo bem controladas,
existindo técnicas estatísticas para corrigir eventuais problemas. Por exemplo, para o caso de
surgimento de outliers, há tratamentos bem documentados e a solução é razoavelmente fácil
(Belsley et al., 1980; Daniel e Wood, 1980). A multicolinearidade, causada por interrelações
das variáveis explicativas, pode ser eliminada pelo emprego de técnicas que transformam os
dados, como a análise fatorial, e não é um empecilho sério (González, 1993; Harmann, 1976;
Maddala, 1988). Também a heterocedasticidade pode ser contornada, com o emprego de
mínimos quadrados generalizados, desde que sejam obtidas boas estimativas para a matriz de
ponderação (Judge et al., 1985; Neter et al., 1990) e assim por diante. Entretanto, para a
autocorrelação e para a definição da forma funcional permanecem as dificuldades, como
descrito a seguir.
5. AUTOCORRELAÇÃO ESPACIAL
Devido às características espaciais do mercado, os modelos de regressão podem sofrer
importantes restrições, surgindo um tipo de autocorrelação denominado geralmente de
“autocorrelação espacial”, principalmente em amostragens do tipo cross sections (Cliff e Ord,
1973; Cuthbertson et al., 1992; Judge et al., 1985; Wyatt, 1996).
Nos modelos econômicos, que lidam principalmente com a análise de séries de tempo,
é muito comum o aparecimento de relações seriais entre as medidas dos desvios das
estimativas para os valores reais (erros), provocando dificuldades de análise. Se ocorre
autocorrelação, os estimadores obtidos por Mínimos Quadrados são não-viesados, mas são
ineficientes, e os modelos não são plenamente válidos, havendo restrições para serem
empregados na inferência de valores (Cuthbertson et al., 1992). A correlação serial (ou
autocorrelação) implica na existência de uma relação do tipo (equação 2):
εt = φ0 +φ1εt–1 +φ2εt–2 +φ3εt–3 +...+φpεt–p + υt
(2)
Ou seja, o erro εt pode ser determinado em função dos erros anteriores, quando deveria
ser aleatório (geralmente espera-se que siga a curva Normal), com média nula e desvio-padrão
constante, para atender aos pressupostos básicos da ARM (Dubin, 1988; Maddala, 1988). Se
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for detectada correlação serial, uma solução possível seria corrigir o modelo teórico e
recomeçar a estimação. Neste caso, a autocorrelação não poderia ser encarada como um
problema dos dados, a ser removido por transformação das séries ou dos resíduos, mas por
especificação correta do modelo (há omissão de uma variável importante ou foram incluídas
variáveis em formato inadequado, por exemplo).
É importante verificar que, nas séries temporais, as variáveis consistem em medidas
repetidas sobre o mesmo objeto, ocorrendo variação em apenas uma direção e sentido de
análise (variação cronológica). A análise de time series é fundamental no âmbito da Economia
e, por isso, há intensa pesquisa sobre este tipo de situação. No caso de correlação serial, os
testes e métodos de estimação estão bastante desenvolvidos e a análise pode ser realizada por
diversos processos, com boa probabilidade de sucesso. Por exemplo, existindo cointegração
(relação de longo prazo) entre as variáveis, podem ser aplicados métodos complexos, mas
eficientes, como o Procedimento de Johansen ou o Mecanismo de Correção de Erros. Outras
alternativas para o caso de autocorrelação são a estimação por processos baseados em máxima
verossimilhança, mínimos quadrados generalizados, modelos ARIMA ou o emprego de
técnicas iterativas, como o Filtro de Kahlman (Cuthbertson et al., 1992; Engle e Granger,
1987; Hendry e Mizon, 1978; Pereira, 1991).
Entretanto, no mercado imobiliário os objetos de análise são distintos entre si, não
existindo propriamente uma “série”. Enquanto a correlação serial lida com a relação dos
termos de erros entre si, a autocorrelação espacial é mais geral e está ligada a características
peculiares dos dados, de terem maior relação com a vizinhança próxima do que com a
distância. Por exemplo, os imóveis de um mesmo bairro tendem a apresentar condições
semelhantes de localização e acessibilidade. A correlação espacial surge por falta de
explicação correta, no modelo de regressão, das variações de preços no espaço.
Conforme Camargo et al. (1999), “alguns processos espaciais, principalmente aqueles
observados em aplicações ambientais, apresentam indexação no espaço e trazem como
característica comum a continuidade, observando que seus valores variam de forma gradual
numa determinada vizinhança”. É o caso também do mercado imobiliário. Se a variável tem
distribuição espacial, as variações nos dados ocorrem em todas as direções, o que dificulta a
análise.
Anselin (1988, apud Macedo, 1998) afirma que, com dados distribuídos no espaço,
podem ocorrer “efeitos espaciais”, basicamente de dois tipos: “dependência espacial” e
“heterogeneidade espacial”. Assim, deve-se adaptar os tradicionais modelos econométricos,
considerando estes efeitos e empregando modelos econométricos “espaciais”, que levam em
conta explicitamente estes efeitos.
Por outro lado, Kelejian e Robinson (1992) relatam que muitos testes tem sido
desenvolvidos para investigar a correlação espacial. São testes sofisticados, mas todos com
restrições teóricas. Na verdade, os testes de avaliação da dependência espacial dos resíduos
não são poderosos (no sentido da confiabilidade da conclusão) e não estão implementados em
muitos dos softwares disponíveis.
Segundo Bennett e Hordijk (1986), em econometria espacial as técnicas de mínimos
quadrados ordinários geralmente não funcionam bem, porque há violações nas condições
básicas necessárias para validade da técnica, surgindo problemas como multicolinearidade,
heterocedasticidade e autocorrelação espacial, simultaneamente, em função da consideração
deficiente da distribuição espacial dos dados.
A heterocedasticidade poderá aparecer justamente por causa de variações espaciais
não explicadas corretamente no modelo, surgindo simultaneamente com a correlação espacial.
Neste caso, o controle da correlação espacial é suficiente (Cuthbertson et al., 1992; Judge et
al., 1985).
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As análises que empregam os modelos hedônicos apresentam dificuldades na
consideração das características espaciais. Por serem de difícil determinação empírica, a
qualidade de vizinhança e a localização são elementos quase intangíveis, na prática.
Geralmente, busca-se identificar regiões “homogêneas”, atribuindo-se valores para as
características de interesse através da participação de especialistas. Além dos problemas de
julgamentos viesados, e do custo e tempo dispendidos, ainda deve-se considerar que é muito
difícil definir regiões realmente homogêneas, por causa de heterogeneidades internas (o
espaço é multivariado, heterogêneo) e da definição arbitrária das próprias fronteiras (Dubin,
1992; Gallimore et al., 1995; Moscovitsch, 1997; Wyatt, 1996).
Para Anselin (1998), até há pouco, o tratamento espacial explícito não era comum, por
questões metodológicas e operacionais. A questão metodológica envolve a dificuldade de
reconhecer a natureza bi-dimensional da interação espacial (correlação espacial) e suas
implicações na análise estatística. Já foi demonstrado que ignorar este aspecto pode levar a
estimativas tendenciosas ou ineficientes dos coeficientes ou inferências incorretas. Por outro
lado, do ponto de vista operacional, a deficiência era devida à falta de softwares adequados, o
que já não é mais problema, segundo o autor, devido à oferta de vários pacotes estatísticos
com ferramentas espaciais e, principalmente, ao desenvolvimento dos sistemas de
informações geográficas (SIG).
Desta forma, pode-se concluir que a correlação espacial é um dos principais problemas
estatísticos nas análises econométricas realizadas sobre o mercado imobiliário, que ainda não
foi solucionado, e a busca de soluções a serem aplicadas em modelos hedônicos ou de outros
métodos que permitam diminuir a dificuldade de estimação é importante para o
aperfeiçoamento da avaliação de imóveis.
6. DESCONHECIMENTO DA FORMA FUNCIONAL
Outro problema é o da formatação do modelo, que afeta os pressupostos de linearidade
da equação e de que as variáveis importantes tenham sido incluídas. Quais variáveis incluir e
em que formato é um problema estatístico não-trivial e as revisões da literatura indicam estas
dificuldades através da falta de uniformidade nos textos sobre economia urbana (Ball, 1973;
Smith et al., 1988). Para White (1992), freqüentemente a suposição de que o formato real do
modelo sob análise seja conhecido não é correta e, neste caso, as estimativas dos parâmetros
são inconsistentes, provocando suspeita sobre as inferências realizadas com a equação.
Os coeficientes da equação de regressão geralmente são estimados através do Método
dos Mínimos Quadrados, que minimiza a soma dos quadrados dos resíduos. Para tanto, uma
das condições é que a forma escolhida para a equação seja adequada. Se a forma da equação
não é conhecida, os modelos ajustados não podem ser utilizados para inferência. A
inadequada especificação do modelo pode provocar autocorrelação ou heterocedasticidade,
como indicado acima (Daniel e Wood, 1980; Neter et al., 1990; Weisberg, 1985).
Um dos problemas mais comuns é a possível não-linearidade dos dados. Os
relacionamentos entre as variáveis são complexos, nem sempre os dados ajustam-se
linearmente ao modelo e a escolha da transformação matemática a ser aplicada não é tarefa
fácil, exigindo forte intervenção do especialista no processo de modelagem (De Cesare, 1998;
Worzala et al., 1995).
Não havendo indicações teóricas da forma de relacionamento das variáveis, a análise
de uma função linear de regressão para verificar se ela é apropriada para os dados ou não
geralmente é realizada por tentativas, através de gráficos de resíduos contra as variáveis
dependentes ou independentes do modelo. Se houver uma forma definida nos erros, com
tendências de crescimento ou curvaturas, pode ser que o modelo testado não seja o mais
adequado, e deve-se tentar o ajuste de funções não lineares ou linearizar a função, por
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transformações nas variáveis, tais como logaritmos, inversas ou potências. Muitas vezes,
contudo, não há indicações claras do caminho a seguir, e as transformações a serem aplicadas,
se mal escolhidas, podem até prejudicar o modelo (Kmenta, 1978; Maddala, 1988).
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os processos de análise atuais não são satisfatórios, principalmente em função do
desconhecimento da forma funcional e da deficiente consideração dos efeitos espaciais
(localização e acessibilidade) que são fundamentais na formação dos valores imobiliários. A
análise de regressão múltipla (ARM) é uma técnica de uso geral e está embasada em sólida
teoria estatística, sendo empregada há vários anos na avaliação de imóveis. Mesmo assim, a
comunidade científica da área de economia urbana não tem oferecido soluções adequadas
para os problemas apontados, que persistem. Evans et al. (1995), por exemplo, afirmam que,
embora os cálculos envolvidos sejam complexos, a análise de regressão tem atingido
resultados com limitado grau de sucesso.
Algumas alternativas, para a correção dos problemas apontados, podem ser obtidas
através da utilização de outras técnicas, entre as quais podem ser apontadas as redes neurais
artificiais (RNA), o raciocínio baseado em casos (RBC) e os sistemas de informações
geográficas (SIG). Trabalhos recentes indicam possibilidades neste sentido, tais como os de
Evans et al. (1995), Kauko (1997), Rossini (1997), Tay e Ho (1994) e Worzala et al. (1995),
utilizando RNA; de González e Laureano-Ortiz (1992), McSherry (1998) e Ribeiro (1999),
empregando RBC; e os de Bible e Hsieh (1996), Galimore et al. (1996) e Wyatt (1996,
1996a), que apresentaram aplicações de SIG às avaliações de imóveis.
Como a determinação do valor é empregada em um grande número de situações,
inclusive para tributação, os eventuais erros cometidos podem afetar expressiva parcela da
população. Assim, justifica-se a necessidade de pesquisar técnicas alternativas, tais como as
citadas, de forma a aprimorar o processo de análise.
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Técnicas convencionais e alternativas para a determinação de