15 de Março de 2007, na Coussul, em Santos. Era o primeiro concerto de Walter Benjamin
e eu era a banda do cantautor. Conheci a Vera, que aparentemente já conhecia toda a
gente; mas eu era novo nas andanças, era novo na Merzbau, era novo com o Walter e
nessa noite a Vera honrou-me com ser novo na objectiva. Guardei fotos, claro, e a verdade
é que depois disso guardei fotos de quase todos os concertos: primeiro os do Walter, depois
os meus. Ninguém assistiu a tantos concertos meus como a Vera; e sempre com aquela
atenção muito intensa que tem no dedo que dispara; sempre com uma vontade muito
grande de fotografar a música e às vezes, parece-me, até com algum desalento por ter que
se contentar só com o músico.
Mais de dois anos depois, mais de muitos concertos (uns bons, outros péssimos) com mais
ou menos fotos e mais ainda as sessões fotográficas independentes aqui ou ali com uma
ideia minha ou da Vera, somos amigos. Como toda a gente que a Vera fotografa, às vezes
pergunto-me se ela fotografou o que eu estava a tocar ou se eu é que toquei o que ela
estava a fotografar (só pela foto nunca dá para distinguir), mas acima de tudo há uma
ligação da Fotógrafa com todos nós e entre todos nós através dela; se, de facto, alguma
coisa se tem passado na área da música em Lisboa, a Vera tem-no todo registado e toma
parte em tudo isso com um comprometimento que vai para além das imagens, mas que se
constrói no fotografar.
E isso enche-me de orgulho.
b fachada, Agosto de 2009
Ao contrário do b fachada, não tenho uma data precisa. Tudo isto e todos estes que a Vera
fotografou, que ela, de certa forma, nos oferece (a todos e ao tempo), foram brotando
discretamente, saídos do laboratório de descobertas da ZDB, saindo do outro lado do Tejo,
e o Barreiro aqui tão perto, e do outro lado de Lisboa, do subúrbio que não esquece. Todos
eles, criando uma rede que nem eles nem nós sabíamos organizado: lampejos de algo que
se construía sem plano definido. Mais que de estéticas, que isso soa a coisa escolar, um
encontro de intenções. Um fazer acontecer: ocupar espaços e inventar linguagens, baralhar
sons e lançar palavras ao ar. O rock que enrola na língua e que balança no corpo, o
cosmos que, visto daqui, nunca é igual a nenhum outro, a folque que é erudita porque tem
visão e, coisa rara por estes lados, memória, e a canção que sendo pertença única, íntima,
de cada um deles, nos diz o que é isso de viver aqui, agora.
Eles, aqueles que a Vera fotografou, não quererão saber isto, mas é isto que lhes digo:
estão todos comprometidos. Porque o que eles constroem já deixou de ser pequenas ilhas
perdidas num oceano de homogénea indiferença. Mas não caiamos na óbvia armadilha
com que o cliché da cultura popular nos presenteia. Nada disto é um “movimento”, nada
disto é uma “cena”. Chamar-lhe-ia um sobressalto, um sismo sem vítimas que repõe a
arquitectura no seu devido lugar. Sim, está a acontecer algo na música portuguesa e
continuo sem uma data precisa. Isto aconteceu-nos e continuará a acontecer - apenas isso
e isso é muito. Porque, por todos eles, vale a pena estar aqui, agora.
Mário Lopes, Setembro de 2009
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Ao contrário do b fachada, não tenho uma data precisa