Imprimir ()
05/09/2014 - 05:00
Receita não pode cobrar IPI sobre desconto de
mercadoria
Por Maíra Magro e Beatriz Olivon
Marco Aurélio: o valor do desconto não será pago e não será recebido pelo
produtor, muito embora o Fisco queira sua parte como um verdadeiro sócio privilegiado
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por unanimidade, que não incide Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) sobre descontos incondicionais - ou seja, abatimentos de preço oferecidos na venda de
mercadorias sem exigir condições do consumidor em troca. Com a conclusão de que o valor do desconto não
integra a base de cálculo do tributo, os ministros colocaram um ponto final em uma discussão com mais de duas
décadas e que afeta diversas empresas.
Prevaleceu o voto do relator, o ministro Marco Aurélio Mello, para quem a base de cálculo do imposto é o valor da
compra e venda, segundo o Código Tributário Nacional. "Os descontos incondicionais são parcelas redutoras dos
preços de compra e venda, conhecidos também como descontos comerciais, normalmente usados para atrair
clientela, e repercutem no valor da operação", disse o ministro. "Uma vez concedido o desconto, o valor
correspondente não será pago e não será recebido pelo produtor, muito embora o Fisco queira sua parte como um
verdadeiro sócio privilegiado."
A decisão declarou a inconstitucionalidade do artigo 14, parágrafo 2º, da Lei nº 4.502, de 1964, com redação
alterada em 1989. Segundo o dispositivo, "não podem ser deduzidos do valor da operação os descontos, diferenças
ou abatimentos, concedidos a qualquer título, ainda que incondicionalmente". Os ministros ressalvaram que a
declaração de inconstitucionalidade se restringe aos descontos incondicionais.
A conclusão foi que uma lei ordinária (Lei nº 4.502) não pode alterar previsão de lei complementar (o Código
Tributário Nacional). "Se extirpa do mundo jurídico a incidência sobre os descontos inconstitucionais", proclamou
o presidente do STF, o ministro Ricardo Lewandowski.
Durante o julgamento, o procurador da Fazenda Nacional Luiz Carlos Alves defendeu que a previsão de cobrança
do IPI sobre o valor cheio da mercadoria, sem o desconto, surgiu da necessidade de defender a moralidade fiscal.
Argumentou que, se o STF concluísse pela inconstitucionalidade da lei, "todo o sistema tributário nacional estaria
eivado de inconstitucionalidade".
Já a defesa dos contribuintes afirmou que, há mais de dez anos, os tribunais regionais federais e o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) vêm dando ganho de causa às empresas, apesar da insistência da Receita em cobrar o IPI
sobre o valor cheio. A União chegou a entrar com ações recisórias para tentar reverter processos já ganhos pelas
empresas.
O caso julgado ontem foi um recurso da União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região favorável
à Adlin Plásticos. O STF manteve a conclusão que beneficiou a empresa. Como a Corte declarou a repercussão geral
do caso, a conclusão deverá ser seguida pelos demais tribunais do país, afetando pelo menos cem processos
paralisados aguardando a decisão do Supremo.
Para o advogado Mário da Costa, do escritório Dias de Souza Advogados Associados, que defendeu a Adlin
Plásticos no STF, a decisão favorece vários setores, entre eles o automotivo, que vinha sofrendo autuações da
Receita para cobrança do IPI sobre valores de tabela dos automóveis, apesar dos descontos oferecidos
recentemente pelas concessionárias.
"Parece meio óbvio que o desconto incondicional não integra o valor da operação, mas a Receita Federal vinha
exigindo o IPI sobre o desconto incondicional", afirmou. "A decisão resulta na prática em uma desoneração fiscal
importante, especialmente neste momento em que é preciso estimular as vendas."
Para a advogada Ariane Guimarães, do Mattos Filho Advogados, a questão mais importante foi a reafirmação do
artigo 146 da Constituição. O dispositivo prevê o que cabe às leis complementares no sistema tributário. "O que o
Supremo disse nesse julgamento foi que a definição da base de cálculo deve estar em lei complementar, por isso
declararam a inconstitucionalidade dessa nova base estabelecida", afirmou. Para ela, a tese jurídica que prevaleceu
pode ser desenvolvida também em relação a discussões pendentes de outros tributos, como PIS e Cofins.
Download

Receita não pode cobrar IPI sobre desconto de mercadoria