Procurador salienta que "Bibi" incrimou todos os outros arguidos à excepção de Manuel Abrantes
O procurador no julgamento de pedofilia da Casa Pia lamentou ontem que o principal arguido, Carlos Silvino
("Bibi"), não tenha falado sobre factos incriminatórios para o ex-provedor adjunto da instituição Manuel
Abrantes, outro dos sete réus no processo. "Lamento que o senhor Carlos Silvino não queira ir mais longe
naquilo que eu estou convencido que ele sabe", disse João Aibéo na tarde do segundo dia destinado às
alegações finais da acusação do Ministério Público. O magistrado salientou que Silvino "recusou
sistematicamente responder a questões sobre Manuel Abrantes [ex-provedor adjunto da Casa Pia onde aquele
arguido era motorista]". Admitiu que esta atitude torna-se num problema de ordem jurídica, já que Carlos
Silvino, ao não responder sobre eventuais factos, faz com que não sejam tidos em conta pelo tribunal. Em jeito
de conclusão sobre este comportamento, o procurador manifestou ter "muita curiosidade" em ouvir as alegações
da defesa de Manuel Abrantes para saber se entende que Carlos Silvino "está falar verdade ou a mentir". "Se
para os outros arguidos [Silvino] mente porque é que falaria verdade sobre Manuel Abrantes", ao não o
incriminar, interrogou-se. O advogado de Abrantes, Paulo Sá e Cunha, reconheceu, à saída do Tribunal de
Monsanto, que as palavras do procurador foram "um repto" a que disse ir responder quando fizer as suas
alegações finais depois de 10 de Dezembro. Durante a sessão, o procurador manifestou estranheza pela
contradição de todos os arguidos, à excepção de "Bibi", alegarem que não se conheciam antes do processo, mas
ser patente que reclamam recíproca inocência numa lógica de grupo. Sobre esta alegada solidariedade entre
arguidos, Paulo Sá e Cunha considerou tratar-se de "uma ilação" de João Aibéo, de quem disse esperar que faça
o mesmo em relação à solidariedade entre o arguido Carlos Silvino e a defesa das vítimas de pedofilia. Miguel
Matias, advogado dos jovens abusados sexualmente, confrontado com a enorme redução de crimes imputados
pelo Ministério Público a "Bibi" nas alegações finais, recusou que seja uma "diminuição brutal" a queda de 438
crimes dos mais de 600 de que vinha pronunciado. "Concordo em absoluto com o pedido do senhor procurador
no que concerne nestes crimes de Carlos Silvino. Face à forma como foram descritos pelos meus clientes, não
seria correcto nem honesto estar a fazer de outra maneira", afirmou. Entretanto, Ramiro Miguel, um dos
advogados de defesa de Silvino, disse que por o seu cliente ter confessado os factos e colaborado com o
tribunal, ajudando à descoberta da verdade, "é uma pessoa que terá um estatuto especial neste processo".
Procurador considera provados meia centena de crimes contra Carlos Silvino
O Ministério Público considerou para já provados mais de meia centena de crimes dos mais de 600 pelos quais
foi pronunciado Carlos Silvino, o principal arguido do processo Casa Pia, nas alegações finais que se
prolongarão para quarta-feira.
O procurador considerou Carlos Silvino culpado por 21 crimes de abuso sexual de pessoa internada e 32 de
abuso sexual, admitindo precisar os números em relação a uma das acusações.
João Aibéo, que ainda se referiu apenas à parte do despacho de pronúncia que diz respeito a Carlos Silvino,
considerou para já prescritos ou não provados 438 dos crimes imputados ao ex-motorista da Casa Pia de Lisboa.
O procurador vai ainda pronunciar-se quarta-feira sobre cerca de 200 acusações que pesam sobre Carlos Silvino
e que constam do despacho de pronúncia.
A juíza presidente do colectivo decidiu prolongar as alegações finais do Ministério Público para quarta-feira,
estimando que demorarão ainda entre seis a sete horas.
Até ao fim da tarde de ontem, João Aibéu referiu-se às acusações que pesam sobre Carlos Silvino em relação a
oito crianças casapianas, considerando que em apenas um dos casos prescreveu o crime de abuso sexual de
pessoa internada.
Antes de começar a pronunciar-se sobre os factos do despacho de pronúncia, o procurador defendeu "o
princípio do mínimo garantido", ou seja, quando houvessem acusações de múltiplos crimes relativos à mesma
pessoa não consideraria provados aqueles onde houvesse "dúvida razoável, não excluindo que possam ter
havido mais".
Numa recomendação ao colectivo de juízes, sugeriu que o tribunal aplique o mesmo princípio: "Não
conseguindo concretizar o número de crimes, que [o tibunal] vá até onde a certeza se comece a diluir".
Sobre o perfil de Carlos Silvino ao longo do julgamento, apontou a dificuldade que o arguido, apesar de ter
confessado os crimes de que é acusado, teve em referir-se aos abusos praticados dentro de espaços da Casa Pia
de Lisboa, tal como a garagem do colégio Pina Manique ou a carrinha da instituição que conduzia.
João Aibéo aludiu a uma "ligação umbilical" de Silvino à instituição onde ele próprio cresceu: "Trair a Casa
Pia, que foi a sua 'mãe'", praticando abusos no seu espaço, tem um "desvalor" especial para Carlos Silvino,
frisou.
Relativamente ao seu papel na alegada rede pedófila que abusava de alunos da Casa Pia, desmentiu alguns
argumentos empregues por Carlos Silvino: "Quando nos pretende convencer que levava os jovens [para serem
abusados fora da instituição] não acredito", declarou João Aibéo.
As alegações finais do Ministério Público ainda se vão debruçar sobre os outros arguidos do processo: o
apresentador Carlos Cruz, o embaixador Jorge Ritto, o médico Ferreira Diniz, o advogado Hugo Marçal, o exprovedor-adjunto da Casa Pia Manuel Abrantes e sobre Gertrudes Nunes, proprietária da casa de Elvas onde
alegadamente os arguidos abusaram de jovens casapianos. As alegações do advogado que representa as vítimas
da Casa Pia começam no dia 09 de Dezembro.
Procurador acusa instituição de ignorar abusos sexuais durante décadas
O procurador do Ministério Público acusou ontem a Casa Pia de ter ignorado durante décadas situações de
abuso sexual e prostituição infantil apontadas por educadores e alunos da instituição, cujas saídas não eram
controladas.
No segundo dia das alegações finais do processo de pedofilia, o procurador João Aibéo leu dezenas de excertos
da prova testemunhal prestada em julgamento por alunos, educadores e dirigentes da instituição que atestam
uma "falta de controlo total" do paradeiro das crianças quando saíam da Casa Pia de Lisboa.
Relativamente a relatos de abusos feitos por alunos, João Aibéo referiu que eram desvalorizados pelos
responsáveis, ou pior: "Batiam-lhes, diziam-lhes para se calar e que eram mentirosos. Foi isso que aconteceu
durante décadas".
Por outro lado, afirmou, os livros de registo de ocorrências da Casa Pia eram "um painel extraordinário do que
era a instituição": "Contrariavam muitas vezes os testemunhos" de educadores e da direcção da instituição,
levando o procurador a interrogar-se "de que Casa Pia estariam a falar".
Referindo-se especificamente ao testemunho do provedor da instituição entre 1986 e 2002, Luís Rebelo, João
Aibéo considerou que foi muito defensivo: "Não admira, ele foi provedor da Casa Pia durante 16 anos e de
alguma forma há-de sentir a responsabilidade de tudo isto se ter passado".
Em contraponto, realçou a importância do depoimento da ex-provedora Catalina Pestana, que em julgamento
falou dos tempos mais conturbados da instituição, depois de o caso se ter tornado público.
Catalina Pestana terá dito que havia "uma Casa Pia até às seis da tarde e outra depois das seis da tarde, bem
como uma Casa Pia ao dia de semana e outra aos fins-de-semana".
O procurador destacou que Catalina Pestana, que assistiu ontem à sessão do julgamento no Tribunal de
Monsanto, "nunca subverteu, omitiu, alterou ou distorceu" a informação que recolheu quando assumiu a
provedoria a seguir à revelação do caso em 2002, mostrando "uma vontade clara, objectiva e séria" de descobrir
as situações de abuso de crianças na instituição.
O procurador seleccionou excertos de depoimentos de jovens casapianos que relataram, durante o julgamento,
ter sido abusados várias vezes por arguidos do processo em situações ocorridas em Colares, Cabo da Roca e
Miraflores, entre outros. Jorge Ritto, Carlos Cruz, Ferreira Diniz e Manuel Abrantes são alguns dos arguidos
mencionados nesses testemunhos dos jovens casapianos.
O procurador voltou ontem a referir-se ao desempenho da Polícia Judiciária, que criticara na segunda-feira,
esclarecendo que considera que o trabalho daquela instituição neste processo foi "amplamente favorável". "Não
vi no processo, nem nos depoimentos dos inspectores, qualquer sinal de má fé em apurar quem foram os
abusadores", disse no início da sessão.
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