ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO BANTU – ACBANTU COMUNIDADES ORGANIZADAS DA DIASPORA AFRICANA ­ Rede KÔDYA Par ceir a Fome Zer o Nº 067 AMANHECEU “ Todo dia quando amanhece a zebra sabe que é hora de correr da leoa. Todo dia quando amanhece a leoa sabe que é hora de correr atrás da zebra. Ao raiar do dia, zebra e leoa sabem que é hora de começar a correr.” As primeiras horas Ainda é cedo em Salvador, mas Artemísia Eronildes Sousa já passou pelo Terreiro de Oyá, no Engenho Velho de Brotas, para deixar sua menininha, Eduarda das Dores Sousa, a famosa Duda Sousa, na Creche. Tão pequena e tão famosa. Quase todas as mães da Creche já ouviram alguma história envolvendo a Duda Sousa: come de boca aberta, mordeu o braço do Ivanzinho, fez chichi fora do piniquinho e por aí vai. “Só mesmo a Creche de uma tão bondosa mãe de santo para agüentar a Duda Sousa”, dizem as outras mães. Durante o dia todo a Artemísia vai ficar de sobressalto não pela Duda, tesouro mimoso, um amor de pretinha. Seu susto virá todas as vezes em que se lembrar que outros dos seus ficaram em casa sem ter nada para comer: Gisele Bintia, Ronaldinho e o Velho Fagundes. Ela sabe que não tem condições de mantê­los, mas tem para com os pais deles uma dívida de amizade antiga e amor fraternal. Parece que foi ontem que ambos morreram atropelados em frente a sua casa. O pai deles conseguiu se arrastar até o portão e gemer como se estivesse tentando se despedir. A mãe, pobrezinha, morreu na hora. Motorista bêbado, desalmado e rico. Nunca mais o viu, não apareceu nem para saber do enterro ou dos filhos que ficaram pequenos e sozinhos no mundo que Deus fez. A lágrima correu. Uma lágrima. Cachorros como aqueles, nunca mais teve. Mesmo os três filhos não são iguais. Pérola e Pintado eram muito especiais. Pareciam gente! Já a Gisele Bintia, o Ronaldinho e o Velho Fagundes só faziam latir e abanar o rabo. Malmente tomavam conta da casa. Malmente. Dentro do ônibus lotado, com um motorista filho da puta dirigindo parecendo que vai buscar a mãe no puteiro, a Artemísia se prepara para mais um dia de trabalho na casa dos brancos da Vitória. Lá vai Artemísia, 17 anos de idade, 1º grau incompleto, garantir o pão de cada dia. Do outro lado da cidade, no Cabrito, Dorotéia Salustina da Paixão, a Doró do Mingau, está encerrando a venda exitosa de seus petiscos de café da manhã: bolo de milho, de aipim, mingau de tapioca, mungunzá e café com leite pouco açucarado. Toda feliz, o conselho que o vizinho lhe deu valeu a pena.
Rua J oão de Deus, 17, 003, Pelour inho CEP. 40026­250 ­ Salvador Bahia Site: www.acbantu.or g.br / E­mail: [email protected] g.br , tele fax. 3215135 1 ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO BANTU – ACBANTU COMUNIDADES ORGANIZADAS DA DIASPORA AFRICANA ­ Rede KÔDYA Par ceir a Fome Zer o Nº 067 ­ Doró ­ disse ele ­ ô Doró vai começar uma construção de casas lá no Lobato. Vai vender teu mingau lá mulher! Vai ta cheim de peão. Ela foi e deu certo. Vendeu tudo e ainda eram só seis horas da manhã. Pense numa mulher feliz. Era só guardar as coisas em casa e ir para a Feira de São Joaquim comprar os pertences para fazer o mingau do dia seguinte. Um sorrisão largo no rosto. Largo igual as cadeiras dela. Que rabão a Doró do Mingau tem. Imagino o sucesso que ela fez no tempo de antigamente. Aliás, ela faz sucesso até hoje. No Bloco Afro Bankoma, só deu ela na ala das baianas. Ali sabe sambar, ali tem na unha. Uma ruma de filhos. Uns deram pra bom outros deram pra ruim. O que é traficante, por exemplo, aparece às vezes, quando não está preso para pedir dinheiro a pobre velha. Ainda bem que o Deco e a Marlinês moram com ela. O Deco faz bico no bairro e a Marlinês dá aula de manhã e banca à tarde. Todos os dois esforçados. A Marlinês não puxou os atributos da mãe mas gosta da coisa. Cinco filhos e dizem que está com o bucho cheio de novo. Já o Deco tem duas mulheres no bairro e uma no Engenho Velho de Brotas. Como ele dá conta de tanto filho ninguém sabe. Para Doró, ele na verdade não dá conta de nenhum. Ela olha o filho de bermuda vermelha parado na porta da cozinha e pensa: homem que tem muita mulher é porque na verdade é frouxo.Vai na casa de uma hoje e diz: Filha, estou com uma dor de cabeça, me faz um chá. No outro dia vai na casa da outra mulher e fala: Meu bem, dei um jeito na coluna que está uma dor que é um horror, e no outro dia vai na casa da terceira mulher e diz que está com a cabeça cheia, preocupado, sem tesão para nada. E assim ele vai mantendo a fama sem comer ninguém de verdade ou direito. ­ Diabo de motorista maluco, para que correr tanto assim na Suburbana? Diz a Doró do Mingau. Ainda bem que ela arrumou lugar para ir sentada no ônibus. Lá vai Doró do Mingau, 62 anos de idade, sem estudo, garantir o pão de cada dia. Na metade da manhã Sem qualquer explicação para quem estava dentro do ônibus, o trânsito não andava. Nada. Tudo congestionado. Gente andando a pé, um horror. O povo falando alto no buzu e na rua. O motorista para evitar as travas nas ruas decidiu ir pelo Comércio, descer o Viaduto Henrique Simas. Para lá o trânsito estava mais livre. Parecia que pela Cidade Baixa estava mais tranqüilo.
Mísia, como era conhecida a Artemísia, não sabia explicar mas dentro do peito estava que era angústia só. Não era pressa de chegar. Com certeza, com aquele trânsito, alguma miséria tinha acontecido e ia aparecer no jornal do meio dia e aí a patroa alemoa ia ver e pronto! Era uma angústia diferente. Ai meu Nzaambi, será que a Duda Sousa ta aprontando alguma na Creche? O garoto ao lado com fone no ouvido arregala os olhos. Mísia se aproxima e segura o rapaz. ­ E aí, é o que que tem na cidade? É paralisação dos ônibus? O jovem, com penteado black tipo “foda­se” parecia tentar falar, mas não conseguia. Uma mulher com roupa bordada, vestido bem feito, diz:
Rua J oão de Deus, 17, 003, Pelour inho CEP. 40026­250 ­ Salvador Bahia Site: www.acbantu.or g.br / E­mail: [email protected] g.br , tele fax. 3215135 2 ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO BANTU – ACBANTU COMUNIDADES ORGANIZADAS DA DIASPORA AFRICANA ­ Rede KÔDYA Par ceir a Fome Zer o Nº 067 ­ Ta passando mal, garoto? Ele aponta para fora da janela e não consegue dizer o que ouviu no rádio. Do outro lado, era inacreditável, após quase duas horas o ônibus ainda estava na Baixa do Fiscal. A Doró do Mingau já tinha xingado todo mundo e todos os nomes do peludo e da pelada que ela conhecia. ­ Porra, que diabo. É o que motô? O trânsito não andava. O motorista olhava de um lado para o outro preocupado. Havia pessoas correndo com malas e sacolas na cabeça. ­ Olorum, meu Pai, o que é isso? Pensou e rezou Doró. O cobrador pegou o dinheiro do caixa e os vales transporte e veio para frente. Ao lado do motorista os dois olhavam assustados. ­ Mas, que água é essa? Perguntou um homem que estava na frente do ônibus, quase sentado no colo do motorista. Saca esse pessoal que gosta de ir bem na frente, tipo co­piloto de buzu? ­ Que água é essa, Janaína? Gritou Doró. Na esquina seguinte todos viram que água era aquela. Meio dia: Água e Hora inteiras ­ É as mudanças climáticas – balbuciou o rapaz com fone de ouvido – mudanças climáticas. Diga rapaz. Suplicaram Mísia e a tal dona do vestido bonito. Bom, com todo mundo olhando para ele, aquela platéia toda, ele disse alto e em bom tom. Na verdade, alto demais. Nem sei por que cargas d’água ele gritou. Mas, esses meninos do Engenho Velho de Brotas são assim. O que tem que dizer, dizem sem meia volta. Gritou mesmo e foi assim: ­ O mar tá entrando e não recuou! ­ Como assim? Disse Doró ao motorista. ­ Gente, recebi uma ligação da central. A gente tem que descer e subir o mais rápido possível que o mar está invadindo a Cidade Baixa e não tá recuando. Pense numa gritaria dentro do ônibus. Pense num povo chamando por Deus e pensando nos seus. Doró achou que ia morrer sem nem descer do ônibus. Pensou: mas minha Mãe Yemanjá, o que é isso? ­ O que é isso Mameto Kayala? Dandaluunda, minha Mãe, eu não posso morrer assim, gritou Mísia. Enquanto isso, três homens estavam dando uma sova no motorista e o cobrador já havia sido roubado.
Rua J oão de Deus, 17, 003, Pelour inho CEP. 40026­250 ­ Salvador Bahia Site: www.acbantu.or g.br / E­mail: [email protected] g.br , tele fax. 3215135 3 ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO BANTU – ACBANTU COMUNIDADES ORGANIZADAS DA DIASPORA AFRICANA ­ Rede KÔDYA Par ceir a Fome Zer o Nº 067 ­ Por que diabos você tinha que enfiar a gente aqui no Comércio? Se eu morrer quem vai sustentar a minha família? Sangrando, o motorista abriu as portas e o cobrador gritou: corre gente que aí vem água. O povo gritou, se pisoteou e saiu correndo do ônibus. Um homem do jogo do bicho passou gritando que o Forte de S. Marcelo já estava debaixo da água, o Uruguai e toda a Suburbana também. Adeus S. Tomé do Paripe, adeus. Mísia chorou e pensou na mãe, na Duda, no pai da Duda. As pernas bambearam mas ela pensou, tenho que sair daqui. A água do mar já vinha pela cintura. Doró do Mingau e um homem que ela nunca tinha visto mais gordo pegaram uma garrafa de cachaça que estava nas águas, abriram e tomaram todos os goles que puderam. Se é para morrer, saio dessa vida em água. Vida, um arrepio pela espinha. Pensou naqueles que ela trouxe para esta vida. Que será da Marlinês e os meninos? Minha Mãe Yemanjá, protegei meus netos, meus filhos. Olha que ela tinha filhos mas só vinha a bendita da Marlinês na cabeça dela. E a obra. Tão cheia de peões, com fome logo de manhã. Todos dispostos a bater um bom mingau pra dentro. O homem, parceiro de cachaça do momento, agarrou Doró e disse: Nega veia, vamos correr até a Feira de S. Joaquim. De lá está subindo transporte pra levar a gente para a Cidade Alta. Ela deu um safanão no homem e gritou: Não que eu tenho que voltar pra casa. Os meus netos. O homem disse: Preta, escute. A desgraça ta feita. Se salve e depois você volta e cata a merda que sobrar. Vamos correr, eu te ajudo. Eu também tenho mulher e filhos. Não adianta a gente se fuder aqui no meio dessas águas. Vamos embora minha velha. ­ Na Feira de S. Joaquim? Disse Mísia. ­ É. Vamos voltar para perto da Feira de S. Joaquim. Dizem que lá tem transporte que o exercito e a marinha colocaram. ­ Meu Deus, se aqui a água ta na nossa cintura, imagine lá. ­ Mísia, não discute, mulher. Vamos que eu não quero morrer aqui. Artemísia também não queria. Engraçado. Ela pegava ônibus todo dia e a filha da Dona Vanju também. O máximo que diziam uma para a outra era: bom dia. Agora, a moça estava ali chamando­a de Mísia e segurando na mão dela. As duas iam pelo meio da pista, ou do que foi um dia a pista. O mar avançando mais devagar do que todos pensavam mas, sem parar. Quando ela desceu do ônibus achou que dali a pouco ia ter que nadar. Em alguns lugares a água descia e dava para caminhar melhor. Em outros estava pouco acima da cintura. É o quebra mar, é o porto. Enfim, no caminho ia ouvindo um monte de explicação. O que importava é que ela estava de mãos dadas com uma mulher com quem ela tinha brincado quando menina e que a vida as distanciou. Agora, ela e a mulher, mãos dadas, caminhavam em pleno mar, com medo de boca de lobo e tudo mais. Com medo de alguma onda tipo tsunami. Mudanças climáticas. Justo hoje meu Deus! Por que não aconteceu em um dia de domingo?
Rua J oão de Deus, 17, 003, Pelour inho CEP. 40026­250 ­ Salvador Bahia Site: www.acbantu.or g.br / E­mail: [email protected] g.br , tele fax. 3215135 4 ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO BANTU – ACBANTU COMUNIDADES ORGANIZADAS DA DIASPORA AFRICANA ­ Rede KÔDYA Par ceir a Fome Zer o Nº 067 Tarde demais? Ah, se vocês vissem o que era aquilo. Gente como que tentando subir nos barcos e nos transportes da marinha e do exercito. Uma loucura. Tiros pra cima para organizar mas não dava certo. Dizem que em um dos pontos o pessoal afogou os marinheiros e estava cobrando a passagem para levar as pessoas para cima. O povo nem lembrava da fome. Aliás, ninguém tinha fome de comida, só fome de se salvar. Mais de quatro horas da tarde e aquela luta para sair de dentro da água. Um desespero. As geleiras derreteram mais rápido. O efeito estufa. A porra toda. Merda, nós vamos é morrer aqui, gritavam as pessoas. Mísia se perdeu da filha de Dona Vanju na hora que chegaram perto dos barcos. Era uma confusão só. Ela pisou em um buraco, caiu e só viu água por todo o lado. É agora, Mameto Kayala, assim me despeço do mundo, cuida da minha filhinha. Mas, não foi naquela hora ainda que Mísia se despediu. Uma mão forte de bater massa de acarajé puxou a Mísia. Era Doró do Mingau. ­ Levanta, burra. Disse Doró. Em seguida as duas estavam lado a lado esperando o próximo barco. Não trocaram uma palavra entre si. Mísia se mijou toda e daí? O que importa? Tava todo mundo molhado e muito molhado. Doró sentia o coração bater diferente. Sem compasso, sem ritmo. Parecendo o ritmo desafinado daquelas meninas da Banda Didá nos ensaios de terça feira. Ela sabia bem como era. Afinal, toda terça feira ela levava a neta, Bárbara, para participar dos ensaios. E aproveitava para ir à bênção na Igreja do Rosário dos Pretos. Que missa linda. Bem tocada, bem dançada. Aquilo que era missa. ­ Meus Deus, como será que está a Nossa Senhora do Rosário? Pobre bichinha, nem sabe nadar. Mas a água não chegou lá. Com fé em Deus não. Senão acaba o Pelourinho, acabou Salvador. Mísia se lembrou de um programa que viu na televisão da casa da patroa. Canal fechado. Salvador apareceu lá como cidade abaixo do nível do mar. Santo Deus, até onde essa água vai? Chegou o barco. Os cavalos dos homens são os primeiros a dar pezada e ir para dentro. Rebanho de covardes. Nessa hora não tem educação, criança, velha, nada. Não tem mulher certo. Eles estavam sendo os primeiros e quase os únicos a ir para dentro dos barcos. As mulheres estavam ficando para trás. O marinheiro gritou: só mais uma pessoa. Doró e Mísia ergueram os braços: ­ Eu que tenho filha para criar, disse Mísia. ­ Eu que tenho filhos e netos para criar, suplicou Doró. ­ A senhora já viveu muito, deixa eu ir, vovó. ­ Vovó a porra. Sai puta que quem vai sou eu. ­ Valei­me Iansã: Eparrei, Oyá! Gritaram as duas ao mesmo tempo.
Rua J oão de Deus, 17, 003, Pelour inho CEP. 40026­250 ­ Salvador Bahia Site: www.acbantu.or g.br / E­mail: [email protected] g.br , tele fax. 3215135 5 ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO BANTU – ACBANTU COMUNIDADES ORGANIZADAS DA DIASPORA AFRICANA ­ Rede KÔDYA Par ceir a Fome Zer o Nº 067 Noite e Esperança chegam juntas Um frio retado. Gente servindo café quente e roupas secas. De onde apareceram tantas pessoas para ajudar assim? Que importa? As imagens eram impressionantes. Parte da Cidade Baixa era só mar. Os estudiosos afirmavam que era somente o trecho que tinha sido aterrado há muito tempo atrás e que o restante da cidade estava salva. O que sabem esses pesquisadores? Se soubessem tinha avisado antes da tragédia acontecer. E não foi só aqui. No mundo todo, uma parte de todo lugar abaixo do nível do mar tinha sambado. Sentadas na porta da Igreja do Rosário estavam elas: Doró e Mísia. Tinham parado de chorar. Estavam quietas e abraçadas. Mísia havia recebido um vestido que dava nela mas, estava esperando alguém achar uma saia que servisse em Doró. Ainda estavam chegando barcos. O companheiro de cachaça da hora que a água começou a subir encontrou Doró e deu um grito. Estava em água e com outro litro na mão. Desta vez, Mísia e Doró beberam. Ele se sentou ao lado delas e também começou a chorar. Notícias de casa? Só dali a alguns dias. A Defesa Civil levou os moradores que conseguiu para colégios, terreiros, praças e casas em Pirajá, Cajazeiras, Brotas. Estava uma loucura. ­ Como é o nome do senhor? Perguntou Mísia ao companheiro que trouxe a cachaça. É Aleudson de Jesus. Seu criado. Respondeu ele. Silêncio novamente. E o Sr. Aleudson disse: Preta Veia, que milagre que você está aqui. Só estava subindo nos barcos os homens. Morreu mulher e criança como que. Eu tô que não me agüento de pensar na minha nega e nos meus barrigudinhos. E começou a chorar novamente. Misia disse: eu também tô que não me agüento. O pai de minha filha mora na Cidade Baixa, no Cabrito. ­ Como é o nome dele? Perguntou Doró do Mingau. ­ É Derivaldo. Mas o apelido é Deco. Ele é pintor de mão cheia. Conheci assim o danado, pintando o apartamento da madame na Vitória. Doró fechou os olhos e sentiu de novo o coração bater sem ritmo. O peito ardeu forte. Parecia que junto com a desafinação do coração tinham colocado uma fogueira no peito da velha. O coração sem ritmo igual as meninas da Banda Didá cantando e tocando o Hino Nacional. Meu Pai, quase que eu matei uma das minhas noras. Que porra é essa? Também quem manda o filho se meter com tudo quanto é mulher e já ir fazendo filho? Quem manda meu filho se meter com qualquer uma? Olhou para Mísia que estava tomando mais um gole de cachaça e tentando usar o celular molhado. Não, ali não estava uma mulher qualquer. Ali estava sua irmã de cabeça. Filha de Oyá. Ali estava uma menina que havia saído de casa para mais uma vez, matar o seu leão por dia, para sustentar a filha.
Rua J oão de Deus, 17, 003, Pelour inho CEP. 40026­250 ­ Salvador Bahia Site: www.acbantu.or g.br / E­mail: [email protected] g.br , tele fax. 3215135 6 ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO BANTU – ACBANTU COMUNIDADES ORGANIZADAS DA DIASPORA AFRICANA ­ Rede KÔDYA Par ceir a Fome Zer o Nº 067 Ali estava uma menina, que junto com ela havia derrubado um homem do barco, seguraram com os pés a cabeça do cabra embaixo da água e subiram juntas no barco. Ali estava sua cúmplice. Ali estavam elas, entre as pessoas que mataram alguém para subir no barco. Todos sentados juntos no átrio da Igreja do Rosário. Todos, que só poderiam sair após a ação na justiça. O policial veio e tirou o Aleudson de junto delas. O senhor só pode ficar do lado de fora das grades da Igreja. Ele não entendeu, sorriu e acenou. Bêbado foi para a frente e se deitou no passeio. Uma mulher e uma menina deram sopa quente a ele e um cobertor, daqueles, bicicleta, o famoso “dorme bem”. Tarde da noite, Mísia foi com um policial para o fim da ladeira do Pelô e deu o rabo a ele, lá mesmo em troca de duas ligações no celular. Voltou feliz. Minha avó, disse ela a Doró, minha filhinha querida está bem, graças aos nossos Nkisi. E a família do pai dela também. Todos foram retirados em tempo e foram levados ao Terreiro do Bate Folhinha. Eles só estão sem notícias da mãe deles. Coitado do Deco, ele e a irmã estão desesperados sem notícias da mãe. Minha avó, a senhora ouviu? Minha avó? Minha avó??? Zebras e Leoas Churrasco do dia das mães. Que festa! Só dava música do Psrico. Com fé em Deus seria a última festa dos Dias das Mães que as detentas que mataram alguém para subir no barco iriam passar na penitenciária Lemos de Brito. Duda Sousa estava uma menina linda! Quanta graça e alegria juntas. Deco, estava mais amoroso do que nunca. Não via a hora de fazer outro filho em Mísia. Ela que não queria: Deus é mais. Pensava. Mísia pegou dois pratos com carne e feijão tropeiro e foi levar para o Sr. Aleudson. Lá estava ele chupando a língua de sua nova namorada. Minha nossa, quanto fogo! Ela deixou os pratos no banco ao lado dele e foi saindo de fininho quando ouviu: ­ Minha filha, aqui essa argola de presente para sua menina, a Duda Sousa. Não precisava não, minha mãe Doró. Obrigadão. Ana Placidino 06/04/08.Brasília. [email protected]
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