Evangelho segundo S. Mateus 13,1-23. – cf.par. Mc 4,1-20; Lc 8,4-15
Naquele dia, Jesus saiu de casa e sentou-se à beira-mar. Reuniu-se a Ele uma tão grande
multidão, que teve de subir para um barco, onde se sentou, enquanto toda a multidão se
conservava na praia. Jesus falou-lhes de muitas coisas em parábolas: «O semeador saiu para
semear. Enquanto semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho: e vieram as aves e
comeram-nas. Outras caíram em sítios pedregosos, onde não havia muita terra: e logo
brotaram, porque a terra era pouco profunda; mas, logo que o sol se ergueu, foram queimadas
e, como não tinham raízes, secaram. Outras caíram entre espinhos: e os espinhos cresceram e
sufocaram-nas. Outras caíram em terra boa e deram fruto: umas, cem; outras, sessenta; e
outras, trinta. Aquele que tiver ouvidos, oiça!» Aproximando-se de Jesus, os discípulos
disseram-lhe: «Porque lhes falas em parábolas?» Respondendo, disse-lhes: «A vós é dado
conhecer os mistérios do Reino do Céu, mas a eles não lhes é dado. Pois, àquele que tem, serlhe-á dado e terá em abundância; mas àquele que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado. É
por isso que lhes falo em parábolas: pois vêem, sem ver, e ouvem, sem ouvir nem
compreender. Cumpre-se neles a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não
compreendereis; e, vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o coração deste povo tornou
se-duro, e duros também os seus ouvidos; fecharam os olhos, não fossem ver com os olhos,
ouvir com os ouvidos, compreender com o coração, e converter-se, para Eu os curar. Quanto a
vós, ditosos os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque ouvem. Em verdade
vos digo: Muitos profetas e justos desejaram ver o que estais a ver, e não viram, e ouvir o que
estais a ouvir, e não ouviram.» «Escutai, pois, a parábola do semeador. Quando um homem
ouve a palavra do Reino e não compreende, chega o maligno e apodera-se do que foi semeado
no seu coração. Este é o que recebeu a semente à beira do caminho. Aquele que recebeu a
semente em sítios pedregosos é o que ouve a palavra e a acolhe, de momento, com alegria;
mas não tem raiz em si mesmo, é inconstante: se vier a tribulação ou a perseguição, por causa
da palavra, sucumbe logo. Aquele que recebeu a semente entre espinhos é o que ouve a
palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução da riqueza sufocam a palavra que, por isso,
não produz fruto. E aquele que recebeu a semente em boa terra é o que ouve a palavra e a
compreende: esse dá fruto e produz ora cem, ora sessenta, ora trinta.»
Catecismo da Igreja Católica
§ 101-105,108
"Aquele que recebeu a semente em terra boa é o homem que escuta a Palavra e a
compreende" (Mt 13,23)
Na sua bondade condescendente, para Se revelar aos homens. Deus fala-lhes em palavras
humanas: «As palavras de Deus, com efeito, expressas por línguas humanas, tornaram-se
semelhantes à linguagem humana, tal como outrora o Verbo do eterno Pai se assemelhou aos
homens assumindo a carne da debilidade humana» (Vaticano II, Dei Verbum 13).
Através de todas as palavras da Sagrada Escritura, Deus não diz mais que uma só Palavra, o
seu Verbo único, em quem totalmente Se diz (He 1,1-3): «Lembrai-vos de que o discurso de
Deus que se desenvolve em todas as Escrituras é um só e um só é o Verbo que Se faz ouvir na
boca de todos os escritores sagrados, o qual, sendo no princípio Deus junto de Deus, não tem
necessidade de sílabas, pois não está sujeito ao tempo» (Santo Agostinho).
Por esta razão, a Igreja sempre venerou as divinas Escrituras tal como venera o Corpo do
Senhor. Nunca cessa de distribuir aos fiéis o Pão da vida, tornado à mesa quer da Palavra de
Deus, quer do Corpo de Cristo (DV,21).
Na Sagrada Escritura, a Igreja encontra continuamente o seu alimento e a sua força, porque
nela não recebe apenas uma palavra humana, mas o que ela é na realidade: a Palavra de Deus
(1Tes 2,13). «Nos livros sagrados, com efeito, o Pai que está nos Céus vem amorosamente ao
encontro dos seus filhos, a conversar com eles» (DV, 21).
Deus é o autor da Sagrada Escritura. «A verdade divinamente revelada, que os livros da
Sagrada Escritura contêm e apresentam, foi registada neles sob a inspiração do Espírito
Santo» (DV, 11).
«Com efeito, a santa Mãe Igreja, segundo a fé apostólica, considera como sagrados e
canónicos os livros completos do Antigo e do Novo Testamento com todas as suas partes,
porque, escritos por inspiração do Espírito Santo, têm Deus por autor, e como tais foram
confiados à própria Igreja».
No entanto, a fé cristã não é uma «religião do Livro». O Cristianismo é a religião da
«Palavra» de Deus, «não duma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo» (S.
Bernardo). Para que não sejam letra morta, é preciso que Cristo, Palavra eterna do Deus vivo,
pelo Espírito Santo, nos abra o espírito à inteligência das Escrituras (Lc 24,45).
S. João Crisóstomo (cerca de 345 - 407), bispo de Antioquia, depois de Constantinopla,
doutor da Igreja
Homilias sobre Mateus, 44
"Cairam em terra boa e deram fruto"
"Saíu o semeador para semear". Donde é que ele saíu, aquele que está presente em toda a
parte, que enche todo o universo? Como saíu ele? Não materialmente, mas por uma
disposição da sua providência a nosso respeito: aproximou-se de nós revestindo-se da nossa
carne. Uma vez que não podíamos ir até ele, porque os nossos pecados impediam o acesso, foi
ele que veio até nós. E porque é que saíu? Para destruir a terra onde abundavam os espinhos?
Para castigar os cultivadores? De modo nenhum. Veio cultivar essa terra, ocupar-se dela e
nela semear a palavra da santidade. Porque a semente de que fala é, na verdade, a sua
doutrina; o campo é a alma do homem; o semeador é ele próprio...
Teríamos razão em censurar um cultivador que semeasse com tanta abundância... Mas,
quando se trata de coisas da alma, a pedra pode ser transformada em terra fértil, o caminho
pode não ser pisado por todos os transeuntes e tornar-se um campo fecundo, os espinhos
podem ser arrancados e permitir aos grãos que cresçam com toda a tranquilidade. Se isso não
fosse possível, ele não teria lançado a semente. E, se a transformação não se realizou, não é
por culpa do semeador, mas daqueles que não quiseram deixar-se transformar. O semeador
fez o seu trabalho. Se a semente se perdeu, o autor de tão grande benefício disso não é
responsável.
Nota bem que há várias maneiras de perder a semente... Uma coisa é deixar a semente da
palavra de Deus secar sem tribulações e sem cuidado, outra é vê-la sucumbir sob o choque das
tentações... Para que não nos aconteça nada de semelhante, gravemos a palavra na nossa
memória, com ardor e seriedade. Por muito que o diabo arranque à nossa volta, teremos força
suficiente para que ele não arranque nada dentro de nós.
São Pedro Crisólogo (c. 406-450), bispo de Ravena, doutor da Igreja
Sermão 147
“Muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes”
Quando viu o mundo transtornado pelo medo, Deus pôs em acção o seu amor para o chamar a
Si, a sua graça para o convidar, o seu afecto para o abraçar. Aquando do dilúvio, […] chama
Moisés a gerar um mundo novo, encoraja-o por meio de doces palavras, dá-lhe uma confiança
de predilecto, instrui-o com bondade sobre o presente e consola-o com a sua graça
relativamente ao futuro. […] Participa no seu labor e encerra na arca o germe do mundo
inteiro, a fim de que o amor pela sua aliança banisse o medo. […]
Em seguida, Deus chama Abraão do meio das nações, eleva o seu nome e faz dele pai dos
crentes. Acompanha-o pelo caminho, protege-o no estrangeiro, cumula-o de riquezas, honra-o
com vitórias, confirma-o com as suas promessas, arranca-o às injustiças, consola-o na sua
hospitalidade e maravilha-o com um nascimento inesperado, a fim de que, atraído pela doçura
do amor divino, ele aprenda a […] adorar a Deus amando-O e já não temendo-O.
Mais tarde, Deus consola Jacob em fuga por meio de sonhos. No regresso, provoca-o para um
combate e, durante a luta, estreita-o nos braços, a fim de que ele ame o pai dos combates e
deixe de O temer. Depois, chama Moisés e fala-lhe com o amor de um pai, para o convidar a
libertar o seu povo.
Em todos estes acontecimentos, a chama da caridade divina abrasou o coração dos homens
[…] e estes, de alma ferida, começaram a desejar ver a Deus com os olhos da carne. […] O
amor não admite não ver aquilo que ama. Não é verdade que todos os santos consideraram
pouca coisa tudo quanto obtinham quando não viam a Deus? […] Que ninguém pense, pois,
que Deus fez mal em vir ter com os homens por meio de um homem. Ele tomou carne entre
nós para ser visto por nós.
Santa Teresa de Ávila (1515-1582), carmelita, Doutora da Igreja
Exclamações, nº 8
«Os cuidados deste mundo e a sedução da riqueza sufocam a palavra»
Senhor, meu Deus, as Tuas palavras são palavras de vida, onde todos os mortais encontram
aquilo que desejam, desde que aceitem procurá-lo. Mas será de espantar, meu Deus, que
esqueçamos as Tuas palavras, tomados como somos pela loucura e a languidez que são
consequência das nossas más acções? Oh meu Deus [...], autor de toda a criação, o que seria
esta criação se Tu quisesse, Senhor, criar ainda mais? Tu és omnipotente, as Tuas obras são
incompreensíveis. Faz, Senhor, com que as Tuas palavras nunca se afastem do meu
pensamento.
Tu disseste: «Vinde a Mim todos os que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei» (Mt
11, 28). Que mais queremos nós, Senhor? Que mais pedimos? Que mais procuramos? Por que
será que as gentes do mundo se perdem, a não ser porque andam em busca da felicidade? Oh
meu Deus [...], que cegueira tão profunda! Procuramos a felicidade onde é impossível
encontrá-la.
Oh Criador, tem piedade das Tuas criaturas! Repara que, sozinhos, não compreendemos, não
sabemos aquilo que desejamos, escapa-nos aquilo que pedimos. Dá-nos luz, Senhor! Vê que
temos mais necessidade dela do que o cego de nascença. Ele desejava ver a luz e não era
capaz, e agora, Senhor, as pessoas recusam-se a ver. Haverá mal mais incurável do que esse?
Será aqui, meu Deus, que ressoará o Teu poder, aqui que brilhará a Tua misericórdia. [...]
Peço-Te que me concedas amar aqueles que não Te amam, abrir a porta àqueles que não
batem, dar a saúde àqueles que gostam de estar doentes. [...] Tu disseste, Mestre meu, que
tinhas vindo para os pecadores (Mt 9, 13); ei-los, Senhor! E tu, meu Deus, esquece a nossa
cegueira, considera apenas o sangue que o Teu Filho derramou por nós. Que a Tua
misericórdia resplandeça no seio de semelhante infelicidade; lembra-Te, Senhor, de que
somos obra Tua e salva-nos pela Tua bondade, pela Tua misericórdia.
Catecismo da Igreja Católica
§ 101-105, 108
"O que recebeu a semente na boa terra é o homem que ouve a Palavra e a compreende"
(Mt 13,23)
Cristo, palavra única da Sagrada Escritura
Na condescendência da sua bondade, Deus, para se revelar aos homens, fala-lhes com
palavras humanas: "Na verdade, as palavras de Deus, expressas em línguas humanas,
assemelharam-se à linguagem humana, tal como o Verbo do Pai eterno, tendo assumido a
fragilidade da nossa carne, se tornou semelhante aos homens" (Vaticano II, DV 13). Através
de todas as palavras da Sagrada Escritura, Deus diz uma única palavra, o seu Verbo único em
que Ele se revela totalmente (He 1,1-3): "Recordai-vos que é uma mesma Palavra de Deus
que atravessa todas as Escrituras, que é um mesmo Verbo que ressoa na boca de todos os
escritores sagrados, o mesmo que, sendo no princípio Deus junto de Deus, não precisa de
sílabas porque não se submeteu ao tempo" (Santo Agostinho).
Por esta razão, a Igreja sempre venerou as divinas escrituras tal como venera o Corpo de
Senhor. Não cessa de apresentar aos fiéis o Pão da Vida tomado na mesa da Palavra de Deus e
do Corpo de Cristo (DV 21). Na Sagrada Escritura, a Igreja encontra constantemente o seu
alimento e a sua força porque, nela, não acolhe apenas uma palavra humana mas o que ela é
realmente: a Palavra de Deus (1 Tes 2,13). "Com efeito, nos Livros Santos, o Pai que está nos
Céus vem com ternura ao encontro dos seus filhos e começa a conversar com eles" (DV 21).
Deus é o autor da Sagrada Escritura. "A verdade revelada por Deus, que os livros da Sagrada
Escritura contêm e apresentam, foi neles consignada sob a inspiração do Espírito Santo" (DV
11)...
Contudo, a fé cristã não é uma "religião do Livro". O cristianismo é a religião da "Palavra" de
Deus, "não de um verbo escrito e mudo, mas do Verbo incarnado e vivo" (S. Bernardo). Para
que as Letras Sagradas não se tornem letra morta, é preciso que Cristo, Palavra eterna do
Deus vivo, nos "abra o espírito à inteligência das Escrituras" (Lc 24,45) por acção do Espírito
Sant o.
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja
Comentário sobre o Salmo 118 (sermão 20)
"Muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes"
O Povo de Deus, antes de a Virgem ter concebido, contou com santos que desejavam a vinda
de Cristo na carne. Nos tempos que vivemos, a partir da Ascensão, esse mesmo Povo de Deus
conta com outros santos, que desejam a manifestação de Cristo para julgar os vivos e os
mortos. Nunca, desde o princípio até ao fim dos tempos, esta espera da Igreja conheceu a
mínima paragem, excepto durante o tempo em que o Senhor viveu sobre a terra na companhia
dos seus discípulos. Desta forma, é o Corpo de Cristo, todo ele, gemendo durante esta vida,
que ouvimos cantar no salmo 118: "A minha alma anseia pela tua salvação, eu espero na tua
palavra" (v.81). A sua palavra é a promessa, e a esperança permite aguardar na paciência
aquilo que os crentes ainda não vêem.
S. João Crisóstomo (cerca de 345-407), bispo de Antioquia e depois de Constantinopla,
doutor da Igreja
Homilia sobre Lázaro
"Quem tiver ouvidos ouça!"
Um semeador foi semear o seu grão e uma parte caíu ao longo do caminho, outra na terra boa.
Três partes perderam-se, só uma deu fruto. Mas o semeador não deixou de semear o seu
campo; bastou-lhe que uma parte fosse conservada para não suspender o seu trabalho. Neste
momento, é impossível que o grão que eu lanço no meio de tão vasto auditório não venha a
germinar. Se nem todos escutam, um terço escutará; se não for um terço, será um décimo; se
mesmo um décimo não escutasse, desde que um único membro desta numerosa assembleia
escute, eu não deixarei de falar.
Não é assim tão pouco a salvação de uma só ovelha. O Bom Pastor deixou as outras noventa e
nove para ir a correr atrás da ovelha que se teria perdido (Lc 15,4). Eu não poderia desprezar
quem quer que fosse. Mesmo se for só um, é sempre um homem, esse ser tão querido por
Deus. Mesmo se for um escravo, não desdenharei dele; porque não procuro a condição social
mas o valor pessoal, não o poder ou a servidão, mas um homem. Mesmo que só haja um, será
sempre um homem, aquele para quem o sol, o ar, as fontes e o mar foram criados, os profetas
enviados, a Lei dada. Será sempre aquele ser por quem o Filho único de Deus se fez homem.
O meu Mestre foi imolado, o seu sangue foi derramado, e eu ousaria desprezar quem quer que
fosse?...
Não, não deixarei de semear a palavra, mesmo que ninguém me escutasse. Sou médico,
proponho o remédio. Devo ensinar, foi-me dada ordem de instruir, porque está escrito:
"Estabeleci-te como sentinela sobre a casa de Isreal" (Ez 3,17).
Evangelho segundo S. Mateus 13,10-17.
Aproximando-se de Jesus, os discípulos disseram-lhe: «Porque lhes falas em parábolas?»
Respondendo, disse-lhes: «A vós é dado conhecer os mistérios do Reino do Céu, mas a eles
não lhes é dado. Pois, àquele que tem, ser-lhe-á dado e terá em abundância; mas àquele que
não tem, mesmo o que tem lhe será tirado. É por isso que lhes falo em parábolas: pois vêem,
sem ver, e ouvem, sem ouvir nem compreender. Cumpre-se neles a profecia de Isaías, que diz:
Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis; e, vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o
coração deste povo tornou se-duro, e duros também os seus ouvidos; fecharam os olhos, não
fossem ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, compreender com o coração, e converter-se,
para Eu os curar. Quanto a vós, ditosos os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos,
porque ouvem. Em verdade vos digo: Muitos profetas e justos desejaram ver o que estais a
ver, e não viram, e ouvir o que estais a ouvir, e não ouviram.»
S. Justino (cerca 100-160), filósofo, mártir
Primeira apologia, 1.30-31
«Muitos profetas e justos desejaram ver o que vocês vêem»
Ao imperador Adriano, César Augusto e a Veríssimo, seu filho filósofo, e a Lício, filósofo, e
ao Senado e a todo o povo romano, em favor dos homens de todas as raças que sã
injustamente odiados e perseguidos, sendo eu um deles, Justino, de Néapolis [Nablus] na Síria
da Palestina, dirijo este discurso...
Argumenta-se que aquele que nós chamamos o Cristo é apenas um homem, nascido de um
homem, que os prodígios que lhe atribuímos são devidos a artes mágicas e que ele conseguiu
fazer-se passar por Filho de Deus. A nossa demonstração não se apoiará sobre dizeres, mas
sobre as profecias feitas antes dos acontecimentos, nas quais devemos necessariamente
acreditar: porque vimos e vemos ainda realizar-se aquilo que foi profetizado...
Houve nos judeus profetas de Deus pelos quais o Espírito profético anunciou antecipadamente
acontecimentos futuros. As suas profecias foram cuidadosamente guardadas tal como haviam
sido proferidas, pelos sucessivos reis da Judeia nos livros escritos em hebreu pela mão dos
profetas...
Ora, nós lemos nos livros dos profetas que Jesus, nosso Cristo, devia vir, que ele nasceria de
uma virgem, que ele apareceria com o aspecto de homem, que curaria toda a doença e toda a
enfermidade, que ressuscitaria os mortos, que ignorado e perseguido, seria crucificado, que
morreria, que ressuscitaria e subiria ao céu, que é e será reconhecido Filho de Deus, que
enviaria alguns a anunciar estas coisas ao mundo e que seriam sobretudo os pagãos que
acreditariam nele. Estas profecias foram feitas cinco mil, dois mil, mil, oitocentos anos antes
da sua vinda porque os profetas sucederam-se uns aos outros de geração em geração.
Jean Tauler (cerca 1300-1361), dominicano em Estrasburgo
Sermão 53
"Felizes os vossos olhos porque vêem"
Nosso Senhor disse: "Muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes e não o viram". Por
profetas, há que entender os grandes espíritos subtis e bem pensantes, que se agarram à
subtileza da sua razão natural e dela se orgulham. Esses olhos não são felizes. Por reis, há que
entender os homens com veia de mestres, com energia forte e potente, que são senhores de si
mesmos, das suas palavras, das suas obras, da sua língua e que podem fazer tudo o que
querem em matéria de jejuns, de vigílias, de orações. E dão-lhe grande importância, como se
isso fosse algo de extraordinário, desprezando os outros. Os seus olhos também não vêem o
que os possa fazer felizes.
Todos esses queriam ver e não viram. Queriam ver e ficaram presos à sua própria vontade... A
vontade própria tapa os olhos interiores tal como uma membrana ou uma película tapa os
olhos exteriores, impedindo-os de ver... Todo o tempo que permaneças na tua vontade
própria, ficarás privado da alegria de ver com os olhos interiores. Porque toda a verdadeira
felicidade vem do verdadeiro abandono, do desprendimento da vontade própria. No fundo,
tudo isso nasce da humildade... Quanto mais se é pequeno e humilde, menos vontade própria
se tem.
Quando tudo está pacificado, a alma vê a sua própria essência e todas as suas faculdade; ela
reconhece-se como a imagem real d'Aquele de quem saíu. Os olhos que mergulham até esse
nível podem verdadeiramente ser chamados bem-aventurados, por causa do que vêem.
Descobre-se então a maravilha das maravilhas, o que há de mais puro, de mais seguro - aquilo
que menos nos pode ser tirado... Possamos nós seguir este caminho e ver de tal forma que os
nossos olhos sejam bem-aventurados. Que Deus assim nos ajude!
Pregador do Papa convida a descobrir a verdadeira ecologia
Padre Raniero Cantalamessa comenta as leituras do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 8 de julho de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre
Raniero Cantalamessa OFM Cap --pregador da Casa Pontifícia-- às leituras do próximo
domingo (Is 55,10-11; Sal 64,10-14; Rm 8,18-23; Mt 13, 1-23).
***
Mateus (13, 1-23)
Naquele dia, saiu Jesus de casa e sentou às margens do mar. E se reuniu tanta gente junto a ele
que teve de subir para sentar-se em uma barca, e todo o povo ficava na margem. E lhes falou
muitas coisas em parábolas. Dizia: «Uma vez saiu um semeador para semear. E, ao semear,
umas sementes caíram ao longo do caminho; vieram as aves e as comeram [...]. Outras caíram
em terra boa e deram fruto, uma cem, outra sessenta, outra trinta. Quem tiver ouvidos, ouça».
A Criação à espera
Na segunda leitura, do Apóstolo Paulo, lemos: «A criação... foi submetida à caducidade --não
espontaneamente, mas por aquele que a submeteu-- na esperança de ser libertada da
escravidão da corrupção para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. A criação
inteira geme até o presente e sofre dores de parto».
Este texto famoso fala-nos de uma solidariedade, no bem e no mal, entre o homem e a
criação. Juntos gemem, juntos esperam; o gemido do homem é fruto da corrupção de sua
liberdade, o da criação é participação no destino do homem. Estamos ante o texto da Escritura
mais próximo ao que hoje se entende por ecologia e proteção da criação, e é este tema ao qual
queremos dedicar nossa reflexão, para tentar tirar à luz o fundamento bíblico.
Há duas formas de falar de ecologia e de respeito à criação, uma a partir do homem e outra a
partir de Deus. A primeira tem no centro o homem. Neste caso, não há tanta preocupação das
coisas por si mesmas, como em função do homem: pelo dano irreparável que o esgotamento,
ou a contaminação, do ar, da água e o desaparecimento de certas espécies animais ocasionarão
à vida humana no planeta. É uma ecologia que se pode resumir no lema: «Salvemos a
natureza e a natureza nos salvará».
Esta ecologia é boa, mas muito precária. Os interesses humanos variam, de fato, de nação em
nação, de um hemisfério a outro, e é difícil que se ponham todos de acordo. Viu-se a
propósito do famoso buraco na camada de ozônio. Agora nos percebemos de que certos gases
prejudicam o ozônio e queríamos por um limite a refrigeradores, aerossóis e coisas pelo estilo
nas quais tais gases se empregam. Mas nos países em vias de desenvolvimento, que só agora
chegam a dotar-se destas comodidades, respondem-nos justamente que é demasiado cômodo
exigir deles estas renúncias, quando nós desde há tempo nos pusemos a salvo.
Por isso, é necessário encontrar na ecologia um fundamento mais sólido. E este só pode ser de
natureza religiosa. A fé ensina-nos que devemos respeitar a criação não só por interesses
egoístas, para não danificar a nós mesmos, mas porque a criação é nossa. É verdade que ao
princípio Deus disse ao homem que «dominasse» a Terra, mas em dependência dele, de sua
vontade, como administrador, não como amo absoluto. Ele ordena «lavrar e cuidar» do jardim
(Gen 2,15); o homem é, portanto, guardião, não dono da Terra. Entre ele e as coisas há mais
uma relação de solidariedade e de fraternidade que de domínio. Havia compreendido bem
tudo isto São Francisco de Assis, que chamava irmão ou irmã todas as criaturas: o sol, a lua,
as flores, a terra, a água.
Estamos em pleno verão europeu, tempo de férias. O que estamos dizendo pode-nos ajudar a
passar as férias mais belas e mais sadias. O melhor modo de descansar o corpo e o espírito
não é passar os dias amontoados uns aos outros nas praias e logo à noite apertados em locais e
discotecas, continuando assim, em outro meio, a mesma vida artificial e caótica que se leva no
restante do ano. Devemos sim buscar o contato com a natureza, momentos em que nos
sintamos em sintonia profunda com ela e com as coisas. É incrível o poder que tem o contato
com a natureza para ajudar-nos a reencontrar-nos a nós mesmos e nosso equilíbrio interior. A
ecologia espiritual ensina-nos ir mais além da pura «proteção» e do «respeito» à criação,
ensina-nos a unir-nos à criação na proclamação da glória de Deus.
[Original italiano publicado por «Famiglia Cristiana». Traduzido por Zenit]
ZP05070801
Evangelho segundo S. Mateus 13,16-17.
Quanto a vós, ditosos os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque ouvem. Em
verdade vos digo: Muitos profetas e justos desejaram ver o que estais a ver, e não viram, e
ouvir o que estais a ouvir, e não ouviram.»
Santo Hilário (c. 315-367), bispo de Poitiers, doutor da Igreja
Tratado dos Mistérios, Prefácio
"A vós, é-vos dado que conheçais os mistérios do Reino de Deus"
Toda a obra contida nos santos livros anuncia por palavras, revela por factos, estabelece
com exemplos, a vinda de Jesus Cristo nosso Senhor que, enviado por Seu Pai, se fez homem,
nascendo de uma virgem por acção do Espírito Santo. Com efeito, durante todo o processo da
criação, é Ele que, através de prefigurações verdadeiras e manifestas, gera, lava, santifica,
escolhe, separa ou resgata a Igreja nos patriarcas: pelo sono de Adão, pelo diúvio de Noé, pela
justificação de Abraão, pelo nascimento de Isac, pela servidão de Jacob. Ao longo da
passagem dos tempos, numa palavra, o conjunto das profecias, essa realização do plano
secreto de Deus, foi-nos dada por benevolência para o conhecimento da Sua incarnação
futura...
Em cada personagem, em cada época, em cada acontecimento, o conjunto das profecias
projecta como que num espelho a imagem da Sua vinda, da Sua pregação, da Sua Paixão, da
Sua ressurreição e da nossa reunião na Igreja... A começar por Adão, ponto de partida do
nosso conhecimento do género humano, nós encontramos anunciado desde a origem do
mundo, em grande número de prefigurações, tudo aquilo que recebeu no Senhor o seu
cumprimento total.
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja
Comentário sobre o Salmo 118
«Muitos profetas e justos desejaram ver o que vós estais vendo»
Logo nos primeiros tempos da Igreja, antes do parto da Virgem, houve santos que desejaram a
vinda de Cristo na sua incarnação. E no tempo em que estamos, a partir da Ascensão, a
mesma Igreja conta com outros santos que anelam a manifestação de Cristo para julgar os
vivos e os mortos. Este desejo da Igreja não há cessado nem por um momento, desde o
princípio até ao fim dos tempos, excepto durante o tempo em que o Senhor permaneceu neste
mundo em companhia dos seus discípulos. De maneira que adequadamente se compreende
que é todo o Corpo de Cristo, gemendo nesta vida, o que canta no salmo: «A minha alma
suspira pela vossa salvação: espero na vossa palavra» (Sl 118, 81). A sua palavra é a
promessa, e a esperança permite esperar com paciência o que os crentes ainda não vêem.
Papa Bento XVI
Sacramentum caritatis, 79 (trad. DC 2377, p. 335 © copyright Libreria Editrice Vaticana)
"O campo é o mundo" (Mt 13,38)
Em Cristo, cabeça da Igreja seu corpo, todos os cristãos formam uma « raça eleita, sacerdócio
real, nação santa, povo adquirido por Deus para anunciar os louvores d'Aquele que os chamou
das trevas à sua luz admirável » (1 Pd 2, 9). A Eucaristia, enquanto mistério a ser vivido,
oferece-se a cada um de nós na condição concreta em que nos encontramos, fazendo com que
esta mesma situação vital se torne um lugar onde viver diariamente a novidade cristã. Se o
sacrifício eucarístico alimenta e faz crescer em nós tudo o que já nos foi dado no Baptismo,
pelo qual todos somos chamados à santidade, então isso deve transparecer e manifestar-se
precisamente nas situações ou estados de vida em que cada cristão se encontra; tornamo-nos
dia após dia culto agradável a Deus, vivendo a própria vida como vocação. O próprio
sacramento da Eucaristia, a partir da convocação litúrgica, compromete-nos na realidade
quotidiana a fim de que tudo seja feito para glória de Deus.
E, dado que o mundo é «o campo» (Mt 13, 38) onde Deus coloca os seus filhos como boa
semente, os cristãos leigos, em virtude do Baptismo e da Confirmação e corroborados pela
Eucaristia, são chamados a viver a novidade radical trazida por Cristo precisamente no meio
das condições normais da vida; devem cultivar o desejo de ver a Eucaristia influir cada vez
mais profundamente na sua existência quotidiana, levando-os a serem testemunhas
reconhecidas como tais no próprio ambiente de trabalho e na sociedade inteira. Dirijo um
particular encorajamento às famílias a haurirem inspiração e força deste sacramento: o amor
entre o homem e a mulher, o acolhimento da vida, a missão educadora aparecem como
âmbitos privilegiados onde a Eucaristia pode mostrar a sua capacidade de transformar e
encher de significado a existência. Os pastores nunca deixem de apoiar, educar e encorajar os
fiéis leigos a viverem plenamente a própria vocação à santidade no meio deste mundo que
Deus amou até ao ponto de dar o Filho para sua salvação (Jo 3, 16).
Evangelho segundo S. Mateus 13,18-23.
«Escutai, pois, a parábola do semeador. Quando um homem ouve a palavra do Reino e não
compreende, chega o maligno e apodera-se do que foi semeado no seu coração. Este é o que
recebeu a semente à beira do caminho. Aquele que recebeu a semente em sítios pedregosos é
o que ouve a palavra e a acolhe, de momento, com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, é
inconstante: se vier a tribulação ou a perseguição, por causa da palavra, sucumbe logo. Aquele
que recebeu a semente entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e
a sedução da riqueza sufocam a palavra que, por isso, não produz fruto. E aquele que recebeu
a semente em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende: esse dá fruto e produz ora
cem, ora sessenta, ora trinta.»
S. [Padre] Pio de Pietrelcina (1887-1968), capuchinho
Ep 3, 579 ; CE 54
Dar fruto, liberto dos cuidados do mundo
Avança com simplicidade pelos caminhos do Senhor e não te preocupes. Detesta os teus
defeitos, sim, mas com tranquilidade, sem agitação nem inquietude. É preciso usar de
paciência em relação a eles e deles tirar proveito, graças a uma santa humildade. Se faltar a
paciência, as tuas imperfeições, em vez de desaparecerem, apenas crescerão. Porque não há
nada que reforce tanto os nossos defeitos como a inquetação e a obsessão para deles nos
desembaraçarmos.
Cultiva a tua vinha em comum acordo com Jesus. A ti cabe a tarefa de retirar as pedras e
arrancar os espinhos. A Jesus, a de semear, plantar, cultivar e regar. Mas, mesmo no teu
trabalho, é também Ele quem age. Porque, sem Cristo, não poderias fazer nada.
São Cesário de Arles (470-543), monge e bispo
Sermões ao povo
Receber a Palavra na boa terra
Que Cristo vos ajude, caríssimos irmãos, a acolher sempre a Palavra de Deus de coração
ávido e sedento; assim, a vossa obediência fidelíssima encher-vos-á de alegria espiritual. Mas,
se quereis que as Sagradas Escrituras vos sejam doces e que os preceitos divinos vos
aproveitem como devem, subtraí-vos durante umas horas às vossas preocupações materiais.
Relede na vossa casa as palavras de Deus, consagrai-vos inteiramente à Sua misericórdia.
Assim, conseguireis realizar em vós aquilo que está escrito acerca do homem feliz: “Meditará
dia e noite na lei do Senhor” (Ps 1, 2), e também: “Felizes aqueles que perscrutam os Seus
mandamentos, aqueles que O buscam de todo o coração” (Ps 118, 2).
Os comerciantes não procuram retirar lucros de uma só mercadoria, mas de muitas. Os
lavradores procuram melhorar o seu rendimento semeando diferentes tipos de sementes. Vós,
que procurais benefícios espirituais, não vos contenteis com ouvir os textos sagrados na
igreja. Lede os textos sagrados e m casa; quando os dias são curtos, aproveitai os longos
serões. E assim, podereis ajuntar o trigo espiritual no celeiro do vosso coração, e guardar no
tesouro da vossa alma as pérolas preciosas das Escrituras.
Evangelho segundo S. Mateus 13,24-43.
Jesus propôs-lhes outra parábola: «O Reino do Céu é comparável a um homem que semeou
boa semente no seu campo. Ora, enquanto os seus homens dormiam, veio o inimigo, semeou
joio no meio do trigo e afastou-se. Quando a haste cresceu e deu fruto, apareceu também o
joio. Os servos do dono da casa foram ter com ele e disseram-lhe: 'Senhor, não semeaste boa
semente no teu campo? Donde vem, pois, o joio?’ 'Foi algum inimigo meu que fez isto’
respondeu ele. Disseram-lhe os servos: 'Queres que vamos arrancá-lo?’ Ele respondeu: 'Não,
para que não suceda que, ao apanhardes o joio, arranqueis o trigo ao mesmo tempo. Deixai
um e outro crescer juntos, até à ceifa; e, na altura da ceifa, direi aos ceifeiros: Apanhai
primeiro o joio e atai-o em feixes para ser queimado; e recolhei o trigo no meu celeiro.’»
Jesus propôs-lhes outra parábola: «O Reino do Céu é semelhante a um grão de mostarda que
um homem tomou e semeou no seu campo. É a mais pequena de todas as sementes; mas,
depois de crescer, torna-se a maior planta do horto e transforma-se numa árvore, a ponto de
virem as aves do céu abrigar-se nos seus ramos.» Jesus disse-lhes outra parábola: «O Reino
do Céu é semelhante ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha,
até que tudo fique fermentado.» Tudo isto disse Jesus, em parábolas, à multidão, e nada lhes
dizia sem ser em parábolas. Deste modo cumpria-se o que fora anunciado pelo profeta:
Abrirei a minha boca em parábolas e proclamarei coisas ocultas desde a criação do mundo.
Afastando-se, então, das multidões, Jesus foi para casa. E os seus discípulos, aproximando-se
dele, disseram-lhe: «Explica-nos a parábola do joio no campo.» Ele, respondendo, disse-lhes:
«Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem; o campo é o mundo; a boa semente
são os filhos do Reino; o joio são os filhos do maligno; o inimigo que a semeou é o diabo; a
ceifa é o fim do mundo e os ceifeiros são os anjos. Assim, pois, como o joio é colhido e
queimado no fogo, assim será no fim do mundo: o Filho do Homem enviará os seus anjos,
que hão-de tirar do seu Reino todos os escandalosos e todos quantos praticam a iniquidade, e
lançá-los na fornalha ardente; ali haverá choro e ranger de dentes. Então os justos
resplandecerão como o Sol, no Reino de seu Pai. Aquele que tem ouvidos, oiça!»
S. Macário (? - 405), monge no Egipto
Homilias espirituais, nº 51
"Foi um inimigo que fez isto"
Escrevo-vos, irmãos bem amados, para que saibais que, desde o dia em que Adão foi criado
até ao fim do mundo, o Maligno fará guerra constante aos santos (Ap 13,7)... Contudo, são
poucos os que se dão conta de que o saqueador das almas coabita com eles nos seus corpos,
muito perto das suas almas. Vivem na tribulação e não há ninguém sobre a terra que os possa
reconfortar. Por isso, olham para o céu e aí colocam a sua esperança, contando receber
alguma coisa dentro de si próprios. Desta forma, e graças à armadura do Espírito (Ef 6,13),
vencerão. Com efeito, é do céu que recebem uma força, que permanece escondida aos olhos
da carne. Enquanto procurarem Deus com todo o seu coração, a força de Deus vem
secretamente em seu auxílio a todo o momento... É precisamente porque tocam com o dedo na
sua fraqueza, porque são incapazes de vencer, que eles solicitam ardentemente a armadura de
Deus e, assim revestidos com o equipamento do Espírito para o combate (Ef 6,13), tornam-se
vitoriosos...
Sabei, pois, irmão bem amados, que em todos os que prepararam a alma para se tornarem
numa terra boa para a semente celeste, o inimigo apressa-se a semear o seu joio... Sabei
também que aqueles que não procuram o Senhor com todo o seu coração não são tentados por
Satanás de forma tão evidente; é mais às escondidas do que por manhas que ele tenta... afastálos para longe de Deus.
Mas agora, irmãos, tende coragem e não receeis. Não vos deixeis assustar com imaginações
suscitadas pelo inimigo. Na oração, não vos entregueis a uma agitação confusa, multiplicando
gritos sem nexo, mas acolhei a graça do Senhor na contrição e no arrependimento... Tende
coragem, reconfortai-vos, resisti, preocupai-vos com as vossas almas, perseverai zelosamente
na oração... Porque todos os que procuram Deus com verdade receberão uma força divina na
sua alma e, recebendo essa unção celeste, todos sentirão em si o gosto e a doçura do mundo
que há-de vir. Que a paz do Senhor, aquela que esteve com todos os santos padres e os
guardou de todas as tentações, permaneça também convosco.
S. Pedro Crisólogo (c. 406-450), bispo de Ravena, doutor da Igreja
Sermão 99
"Até que tudo tenha levedado"
Busquemos o sentido profundo desta parábola. A mulher que tomou o fermento é a Igreja;
o fermento que ela tomou é a revelação da doutrina celeste; as três medidas em que misturou
o fermento são a Lei, os Profetas e os Evangelhos, onde o sentido divino mergulha e se
esconde sob termos simbólicos, a fim de ser agarrado pelo fiel e escapar ao infiel. Quanto às
palavras "até que tudo tenha levedado", dizem respeito ao que diz o apóstolo Paulo:
"Imperfeita é a nossa ciência, imperfeita também a nossa profecia. Quando vier o que é
perfeito, desaparecerá o que é imperfeito" (1 Co 13,9). O conhecimento de Deus está agora na
massa: espalha-se nos sentidos, enche os corações, aumenta as inteligências e, tal como todo o
ensinamento, alarga-os, eleva-os e desenvolve-os até às dimensões da sabedoria celeste. Tudo
será levedado em breve. Quando? Na segunda vinda de Cristo.
Pio XII, papa de 1939 a 1958
Encíclica «Mystici corporis Christi», 1943
"Deixem-nos crescer juntos até à ceifa"
Não se deve, porém, julgar que já durante o tempo da peregrinação terrestre, o corpo da
Igreja, por isso que leva o nome de Cristo, consta só de membros com perfeita saúde, ou só
dos que de fato são por Deus predestinados à sempiterna felicidade. Por sua infinita
misericórdia o Salvador não recusa lugar no seu corpo místico àqueles a quem o não recusou
outrora no banquete (Mt 9,11; Mc 2,16; Lc 15,2). Nem todos os pecados, embora graves, são
de sua natureza tais que separem o homem do corpo da Igreja como fazem os cismas, a
heresia e a apostasia. Nem perdem de todo a vida sobrenatural os que pelo pecado perderam a
caridade e a graça santificante e por isso se tornaram incapazes de mérito sobrenatural, mas
conservam a fé e a esperança cristã, e alumiados pela luz celeste, são divinamente estimulados
com íntimas inspirações e moções do Espírito Santo ao temor salutar, à oração e ao
arrependimento das suas culpas.
Tenha-se, pois, sumo horror ao pecado que mancha os membros místicos do Redentor;
mas o pobre pecador que não se tornou por sua contumácia indigno da comunhão dos fiéis,
seja acolhido com maior amor, vendo-se nele com caridade operosa um membro enfermo de
Jesus Cristo: Pois que é muito melhor, como nota o bispo de Hipona, "curá-los no corpo da
Igreja, do que amputá-los como membros incuráveis". "Enquanto o membro está ainda unido
ao corpo não há por que desesperar da sua saúde; uma vez amputado, nem se pode curar, nem
se pode sarar".
Carta a Diogneto (cerca de 200)
Cap.8
A paciência de Deus
O Mestre e Criador do universo, Deus, que fez todas as coisas e as dispôs ordenadamente,
mostrou-se não só cheio de amor para com os homens, como cheio de paciência. Ele foi, é e
será o mesmo: auxiliador, bom, suave, verídico - só Ele é bom. Contudo, quando concebeu o
seu desígnio de tão inefável grandeza apenas o comunicou a seu Filho único. Enquanto
mantinha no mistério e escondia o plano da sua sabedoria, parecia esquecer-nos e não se
preocupar connosco. Mas quando revelou e manifestou, através do seu Filho bem-amado, o
que tinha preparado desde o princípio, ofereceu-nos tudo ao mesmo tempo: participar dos
seus benefícios e compreender a amplitude dos seus dons. Qual de nós poderia alguma vez
esperar isso?
Deus tinha, pois, disposto já tudo com o seu Filho; mas, até estes últimos tempos, permitiu
que nos deixássemos levar ao sabor das nossas inclinações desordenadas, arrastados pelos
prazeres e pelas paixões. Não que ele tenha o mínimo gosto nos nossos pecados; tolerava
apenas esse tempo em que o mal campeava sem nisso consentir. Preaparava o actual reinado
de justiça. Durante aquele período, as nossas próprias obras mostravam-nos indignos da vida;
tornámos-nos agora dignos como resultado da bondade de Deus. Mostrámo-nos incapazes de
aceder por nós próprios ao Reino de Deus; é o seu poder que nos torna agora capazes... Deus
não nos odeou nem repudiou, não nos guardou rancor mas teve paciência durante muito,
muito tempo.
S. Pedro Crisólogo (c. 406-450), bispo de Ravena, doutor da Igreja
Sermão 99
O fermento que faz levedar toda a humanidade
Cristo comparava há pouco o Seu reino a um grão de mostarda; agora, identifica-o
com fermento. Ele contava que um homem semeara uma sementinha e nascera uma grande
árvore; agora a mulher incorpora uma pitada de fermento para fazer crescer a sua massa. Na
verdade, como diz o apóstolo Paulo: «Diante do Senhor, a mulher é inseparável do homem, e
o homem da mulher» (1Cor 11,11)... Nestas parábolas, Adão, o primeiro homem, e Eva, a
primeira mulher, são conduzidos da árvore do conhecimento do bem e do mal ao sabor
ardente dessa árvore da mostarda do evangelho...
Eva recebera do demónio o fermento da má fé; e essa mulher recebe de Deus o fermento da
fé... Eva, pelo fermento da morte, corrompera, na pessoa de Adão toda a massa do género
humano; uma outra mulher renovará na pessoa de Cristo, pelo fermento da ressurreição, toda
a massa humana. Depois de Eva, que amassou o pão dos gemidos e do suor (Gn, 3,19),
esta cozerá o pão da vida e da salvação. Depois daquela que foi, em Adão, a mãe de todos os
mortos, esta será em Cristo a «verdadeira mãe de todos os vivos» (Gn, 3,20). Pois se Cristo
quis nascer, foi para que nessa humanidade em que Eva semeou a morte, Maria restaurasse a
vida. Maria oferece-nos a perfeita imagem desse fermento, ela propõe-nos a parábola, quando
em seu seio recebe do céu o fermento do Verbo e o derrama em seu seio virginal sobre a carne
humana, que digo eu? Sobre uma carne que, no seu seio virginal, é toda celeste e que ela faz,
assim, levedar.
São João Crisóstomo (c. 345-407), bispo de Antioquia e logo de Constantinopla, doutor da
Igreja
Homilias sobre São Mateus
A parábola do joio
É táctica do demónio misturar sempre à verdade o erro revestido da aparência e da cor da
verdade, de maneira a poder seduzir facilmente os que se deixam enganar. É por isso que
Nosso Senhor só nos fala do joio, porque é uma planta semelhante ao trigo. Depois, indica
como o inimigo se arranja para enganar: «enquanto os homens dormiam». Por aqui se vê o
grave perigo que correm os chefes, sobretudo aqueles a quem foi confiada a guarda do campo;
esse perigo, por outro lado, não ameaça unicamente os chefes, mas também os seus
subordinados. Isto mostra-nos também que o erro vem depois da verdade. Cristo diz-nos isto
para ensinar-nos a não dormir… Daí a necessidade duma guarda vigilante. Diz-nos ainda:
Aquele que se mantiver firme até ao fim será salvo» (Mt 10, 22) …
Considera agora o zelo dos servos. Querem arrancar imediatamente o joio; embora lhes falte
reflexão, isso prova a sua solicitude pela sementeira. Não procuram senão uma coisa: não
querem vingar-se de quem semeou o joio , mas de salvar a colheita; é esta a razão pela qual
procuram maneira de erradicar totalmente o mal… Que responde, então, o Mestre? …
Impede-lho por duas razões: a primeira, o temor de prejudicarem o trigo; a segunda, a certeza
de que um castigo inevitável cairá sobre os que são atingidos por essa doença mortal. Se
quisermos o seu castigo sem que a seara sofra, esperemos o momento conveniente… Talvez,
por outro lado, uma parte desse joio se converta em trigo? Se o arrancais agora, prejudicareis
a próxima colheita, arrancando os que poderiam mudar e tornar-se melhores.
S. Serafim de Sarov (1759-1833), monge russo
Instruções espirituais
«Deixai um e outro crescer juntos, até à ceifa»
Aquele que deseja a salvação deve ter o coração disposto para a contrição e para o
arrependimento: «O sacrifício agradável a Deus é o espírito contrito; ó Deus, não desprezes
um coração contrito e arrependido» (Sl 50, 19). Aquele que conserva o espírito contrito, pode
impedir tranquilamente as emboscadas do maligno cuja única ambição é lançar a perturbação
no seu espírito e semear, nele, o joio (mal), conforme estas palavras do Evangelho: «Senhor,
não semeaste boa semente no teu campo? Donde vem, pois, o joio?» (Mt 13, 27) Mas se
conserva um coração humilde e pensamentos pacíficos, todos os ataques do demónio ficam
sem efeito.
A contrição começa pelo temor de Deus, diz o mártir Bonifácio. Deste temor nasce a atenção,
mãe da paz interior e da consciência, que permite à alma ver, como em água pura e cristalina,
quão desfigurada está…
Pode voltar a levantar-se de novo alguém que tenha caído, depois de ter estado em graça?
Sim… Quando nos arrependemos sinceramente das nossas faltas voltando-nos para Nosso
Senhor Jesus Cristo de todo o nosso coração, ele alegra-se e convida para a festa todos os
amigos, mostrando-lhes a moeda de prata encontrada (Lc 15, 10). Não hesitemos, portanto,
em voltar-nos para o nosso misericordioso Senhor, sem nos darmos, nem ao desmazelo, nem
ao desespero. O desprezo constitui a maior alegria ao demónio. É o pecado mortal de que fala
a Escritura (1 Jo 5, 16).
«O joio e o trigo»; por dom Amaury Castanho
Bispo emérito de Jundiaí (Brasil)
BRASÍLIA, segunda-feira, 26 de julho de 2004 (ZENIT.org).- Publicamos a seguir artigo de
dom Amaury Castanho, bispo emérito de Jundiaí, intitulado «O joio e o trigo». O texto foi
divulgado esta segunda-feira pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
***
«O joio e o trigo»
Uma das parábolas contadas por Cristo fala sobre o Reino de Deus. É a do joio e do trigo.
Certo trabalhador saiu pelos campos semeando trigo. Como a terra era fértil, o trigo cresceu.
Mas ao lado do trigo cresceu, também, o joio, erva daninha plantada pelo inimigo. Sendo as
espigas de um e outro semelhantes, contrariando a vontade dos que desejavam cortá-lo, o
senhor da seara optou por deixar crescerem, lado a lado, preferindo a sua separação no
momento da colheita.
Não tendo entendido bem a estória, os Apóstolos disseram ao Mestre: “Explica-nos a parábola
do joio no campo”. Pacientemente, o Senhor lhes disse: “O que semeia a boa semente é o
Filho do Homem. O campo é o mundo. A boa semente são os filhos do Reino. O joio são os
filhos do Maligno. O inimigo que semeia é o demônio. A colheita é o fim do mundo. Os
ceifadores são os anjos. Como se recolhe o joio para jogá-lo ao fogo, assim será no fim do
mundo. O Filho do Homem enviará os seus anjos que retirarão de seu Reino todos os
escândalos, todos os que fazem o mal, lançando-os na fornalha ardente em que haverá choro e
ranger de dentes. Então, no Reino do Pai os justos resplandecerão como o Sol. Quem tem
ouvidos para ouvir que ouça” (Mt 13, 36-46).
Poucas parábolas são tão expressivas e, ao mesmo tempo, tão atuais como essa. Na realidade,
onde chegou o Reino de Deus, embora predomine o trigo há, também, o joio. Convivem, lado
a lado, os bons e os maus. Artigos atrás, escrevi que o primeiro espaço do Reino de Deus é a
Igreja. Há pessoas, famílias e instituições, além da Igreja, que também podem ser tidas como
espaços do Reino de Deus. Não é tão difícil percebê-lo. Onde predominam o amor e a justiça,
a misericórdia e o perdão, a verdade e a graça, aí chegou o Reino de Deus. Porém, sempre é
possível e quase necessária a coexistência dos bons e dos maus.
A grande mídia leiga e, particularmente, a anticlerical, vem sistematicamente destacando
lamentáveis fatos no seio da nossa Igreja. Embora sejam proporcionalmente poucos, há
sacerdotes e multiplicam-se os fiéis cuja conduta, além de ser desabonadora dos mesmos, é
escandalosa, prejudicando a imagem da própria Igreja. Ultimamente os casos mais freqüentes
são os de pedofilia de clérigos e infidelidades conjugais. Há, não raro, os contra-testemunhos
e pecados do orgulho, certo mercantilismo, resultantes de fraqueza ou malícia. São sempre
lamentáveis, e os que os causam certamente responderão não somente a Deus mas, também, à
justiça dos homens.
O Papa João Paulo II, caminhando para os seus 26 anos de fecundo pontificado, em diversas
oportunidades, publicamente reconheceu os erros e pecados de filhos e filhas da Igreja nos
vinte séculos de sua longa história. Constituída de homens e mulheres, pastoreada por seres
humanos e não anjos, ao lado de tantas páginas de luz há, inegavelmente, algumas páginas de
sombra nos dois milênios dos caminhos percorridos pela Igreja. Ainda que devendo, por
justiça, ser situados em seu devido contexto histórico, é certo que houve alguns excessos
cometidos nas Cruzadas dos séculos XI e XII, por certos tribunais da Inquisição entre os
séculos XIV e XVIII. E, também, nos dias de hoje, nos Estados Unidos, no Brasil e, mais
recentemente, em certo Seminário da Áustria. É o joio convivendo com o trigo até o dia da
ceifa e separação final.
A grande mídia sempre esteve mais interessada no sensacionalismo dos escândalos de
clérigos e leigos da Igreja, que em seus santos e santas, nos seus cerca de 40 milhões de
mártires, na exemplar dedicação e zelo dos seus 4.600 bispos, 405 mil sacerdotes e
aproximadamente 900 mil religiosas e religiosos, a absoluta maioria exemplarmente
empenhada na proclamação do Evangelho, dos valores do Reino de Deus, à frente de uma
infinidade de obras de alto sentido pastoral e social, caritativo, promocional e cultural. Os
contra-testemunhos e pecados de tantos, ou de alguns, não podem ser justificados, embora
tenham a sua explicação em seu devido contexto histórico, na prevalência do “homem velho”,
carnal e pecador, sobre o “homem novo”, renovado e santificado pela força da graça divina.
ZP04072616
Qual é a verdadeira paciência? Responde o pregador do Papa
Padre Raniero Cantalamessa comenta as leituras do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 15 de julho de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre
Raniero Cantalamessa OFM Cap. --Pregador da Casa Pontifícia-- às leituras do próximo
domingo (Sb 12,13.16-19; Sal 85,5-16; Rm 8,26-27; Mt 13,24-43).
***
Mateus (13, 24-43)
Jesus lhes propôs outra parábola: «O Reino dos Céus é semelhante ao homem que semeou boa
semente em seu campo. Mas, enquanto sua gente dormia, veio o inimigo, semeou em cima
joio entre o trigo, e se foi. Quando brotou a erva e produziu fruto, apareceu então também o
joio. Os servos do amo se aproximaram para dizer-lhe: “Senhor, não semeaste semente boa
em teu campo? Como é que tem joio?”. Ele lhes contestou: “Algum inimigo fez isto”. Dizemlhe os servos: “Queres, pois, que vamos recolhê-la?”».
O grão e o joio
O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente em seu campo; o
Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda; o Reino dos Céus é semelhante à
levedura. Bastam estas frases iniciais das três parábolas para dar-nos a entender que Jesus está
nos falando de um Reino «dos Céus» que, contudo, encontra-se «na terra». Só na terra, de
fato, há espaço para o joio e para o crescimento; só na terra há uma massa que pesar. No
Reino final nada de tudo isto, mas apenas Deus, que será tudo em todos. A parábola do grão
de mostarda que se transforma em uma árvore indica o crescimento do Reino de Deus na
história.
A parábola da levedura indica também o crescimento do Reino, mas um crescimento não
tanto em extensão quanto em intensidade, indica a força transformadora que ele possui até
renovar tudo. Estas duas últimas parábolas foram facilmente compreendidas pelos discípulos.
Não assim a primeira, a do joio. Deixada a multidão, uma vez sós em casa, pediram-lhe por
isso a Jesus: «Explica-nos a parábola do joio no campo». Jesus explicou a parábola; disse que
o semeador era ele mesmo; a semente boa, os filhos do Reino; as sementes más, os filhos do
maligno; o campo, o mundo e a seca o fim do mundo.
O campo é o mundo. Na antiguidade cristã, havia espíritos sectários (os donatistas) que
resolviam o assunto de modo simplista: por um lado, a Igreja feita toda ela de bons, por outro,
o mundo cheio de filhos do maligno, sem esperança de salvação. Mas venceu o pensamento
de Santo Agostinho, que era o da Igreja universal.
A Igreja mesma é um campo dentro do qual crescem juntos grão e joio, bons e maus, lugar
onde há espaço para crescer, converter-se e sobretudo para imitar a paciência de Deus. «Os
maus existem neste mundo ou para que se convertam ou para que por eles os bons exercitem a
paciência» (Santo Agostinho). Da paciência de Deus fala também a primeira leitura, do Livro
da Sabedoria, com o hino à força de Deus: «Tu, dono de tua força, julgas com moderação e
nos governas com muita indulgência. Obrando assim ensinaste a teu povo que o justo deve ser
amigo do homem, e deste a teus filhos a boa esperança de que, no pecado, dás lugar ao
arrependimento».
A de Deus não é, por demais, uma simples paciência, isto é, esperar o dia do juízo para depois
castigar com maior satisfação. É longanimidade, é misericórdia, é vontade de salvar. No
Reino de um Deus assim não há lugar, por isso, para servos impacientes, para gente que não
sabe fazer outra coisa que invocar os castigos de Deus e indicar-lhe, de vez em vez, a quem
deve golpear. Jesus reprovou um dia dois de seus discípulos que lhe pediam fazer chover fogo
do céu sobre os que lhes haviam rejeitado (Lc 9, 55), e a mesma rejeição, talvez, poderia fazer
alguns demasiado diligentes exigir justiça, castigos e vinganças contra aqueles que guardam o
joio do mundo.
Também a nós está indicada a paciência do dono do campo como modelo. Devemos esperar a
colheita, mas não como aqueles servos a duras penas refreados, empunhando a foice, como se
estivéssemos ansiosos de ver a cara dos malvados em dia do juízo; mas devemos esperar
como homens que fazem próprio o desejo de Deus de «que todos os homens se salvem e
cheguem ao conhecimento pleno da verdade» (1 Tm 2,4).
Um chamado à humildade e à misericórdia se desprende, portanto, da parábola do grão e do
joio. Há um só campo do qual é lícito e necessário arrancar imediatamente o joio, e é do
próprio coração!
[Original italiano publicado por «Famiglia Cristiana». Traduzido por Zenit]
ZP05071503
Evangelho segundo S. Mateus 13,31-33: O grão de mostarda. O lêvedo. – cf.par. Mc
4,30-34; Lc 13,18-21
Evangelho segundo S. Mateus 13,31-35.
Jesus propôs-lhes outra parábola: «O Reino do Céu é semelhante a um grão de mostarda que
um homem tomou e semeou no seu campo. É a mais pequena de todas as sementes; mas,
depois de crescer, torna-se a maior planta do horto e transforma-se numa árvore, a ponto de
virem as aves do céu abrigar-se nos seus ramos.» Jesus disse-lhes outra parábola: «O Reino
do Céu é semelhante ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha,
até que tudo fique fermentado.» Tudo isto disse Jesus, em parábolas, à multidão, e nada lhes
dizia sem ser em parábolas. Deste modo cumpria-se o que fora anunciado pelo profeta:
Abrirei a minha boca em parábolas e proclamarei coisas ocultas desde a criação do mundo.
Cardeal John Henry Newman (1801-1890), sacerdote, fundador de comunidade
religiosa, teólogo
PPS vol. 5, n° 20
Cristo, grão de mostarda e fermento semeado pelo mundo
Cristo veio a este mundo para o submeter a Si próprio, para o reivindicar como Seu, para
afirmar os Seus direitos sobre ele como senhor, para o libertar do domínio usurpado pelo
inimigo, para Se manifestar a todos os homens, para Se estabelecer nele. Cristo é o grão de
mostarda que se desenvolverá silenciosamente, acabando por cobrir a terra inteira. Cristo é o
fermento que abre secretamente caminho na massa dos homens, dos sistemas de pensamento e
das instituições, até que tudo fique levedado. Até então, o céu e a terra estavam separados; o
projecto de graça de Cristo consiste em fazer de ambos um só mundo, tornando a terra
paralela ao céu.
Ele estava neste mundo desde o começo, mas os homens adoraram outros deuses. Ele veio a
este mundo na carne, «mas o mundo não O conheceu. Veio ao que era Seu e os Seus não O
receberam» (Jo 1, 10-11). Mas Ele veio para os levar a recebê-Lo, a conhecê-Lo, a adorá-Lo.
Veio para integrar este mundo em Si, a fim de que, tal como Ele próprio é luz, também este
mundo seja luz. Quando veio, não tinha «onde reclinar a cabeça» (Lc 9, 58), mas veio para
constituir aqui um lugar para Si mesmo, para aqui constituir habitação, para aqui encontrar
morada. Veio transformar o mundo inteiro na Sua morada de glória, este mundo que estava
cativo das potências do mal.
Ele veio na noite, nasceu na noite escura, numa gruta. [...] Foi aí que primeiro repousou a
cabeça, mas não o fez para aí permanecer para sempre. Não era Sua intenção deixar-Se ficar
escondido nessa obscuridade. [...] O Seu objectivo era mudar o mundo. [...] O universo inteiro
tinha de ser renovado por Ele, mas Ele a nada recorreu que já existisse, tudo criou a partir do
nada. [...] Ele era uma luz que brilhava nas trevas, até que, pelo Seu próprio poder, criou um
Templo digno do Seu nome.
Evangelho segundo S. Mateus 13,35-43.
Deste modo cumpria-se o que fora anunciado pelo profeta: Abrirei a minha boca em parábolas
e proclamarei coisas ocultas desde a criação do mundo. Afastando-se, então, das multidões,
Jesus foi para casa. E os seus discípulos, aproximando-se dele, disseram-lhe: «Explica-nos a
parábola do joio no campo.» Ele, respondendo, disse-lhes: «Aquele que semeia a boa semente
é o Filho do Homem; o campo é o mundo; a boa semente são os filhos do Reino; o joio são os
filhos do maligno; o inimigo que a semeou é o diabo; a ceifa é o fim do mundo e os ceifeiros
são os anjos. Assim, pois, como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será no fim do
mundo: o Filho do Homem enviará os seus anjos, que hão-de tirar do seu Reino todos os
escandalosos e todos quantos praticam a iniquidade, e lançá-los na fornalha ardente; ali
haverá choro e ranger de dentes. Então os justos resplandecerão como o Sol, no Reino de seu
Pai. Aquele que tem ouvidos, oiça!»
Gragório Palamas (1296-1359), monge, bispo e teólogo ortodoxo
Homilia 26
"Então os justos resplandecerão no Reino de seu Pai"
Há uma ceifa para as espigas de trigo materiais e uma outra para as espigas dotadas de razão,
quer dizer, para o género humano.. Esta efectua-se entre os infiéis e reune na fé os que
acolhem o anúncio do Evangelho. Os trabalhadores desta ceifa são os apóstolos de Cristo,
depois os seus sucessores, depois, ao longo do tempo, os doutores da Igreja. Cristo diz a seu
respeito estas palavras: "O ceifeiro recebe o seu salário; recolhe o fruto para a vida eterna" (Jo
4,36)...
Mas há ainda outra ceifa: é a passagem desta vida para a vida futura que, para cada um de nós,
se faz pela morte. Os trabalhadores dessa ceifa não são os apóstolos mas os anjos. Têm maior
responsabilidade do que os apóstolos, porque fazem a triagem que se segue à ceifa e separam
os bons dos maus, tal como se faz com o joio e a boa semente. Nós somos desde já "o povo
escolhido de Deus, a geração santa" (1Pe 2,9), a Igreja do Deus vivo, escolhidos entre os
ímpios e os infiéis. Possamos nós ser separados do joio deste mundo tal como no mundo que
há-de vir e congregados à multidão dos que estão salvos em Cristo, nosso Senhor, que é
bendito pelos séculos.
Bem-aventurada Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da
Caridade
A Simple Path
«O trigo bom são os filhos do Reino»
Não existem dois mundos: o mundo físico e o mundo espiritual; não há senão um: o Reino de
Deus, «assim ma terra como no Céu» (Mt 6, 10).
Muitos de entre nós dizem ao rezar: «Pai-nosso que estais nos céus». Pensam que Deus está lá
em cima, o que leva a fixar a ideia de separação entre dois mundos. Muitos dos Ocidentais
gostam de distinguir a matéria do espírito. Mas toda a verdade é uma só e a realidade também.
A partir do momento em que admitirmos a incarnação de Deus, que para os cristãos se realiza
na pessoa de Jesus, começaremos a tomar as coisas a sério.
Evangelho segundo S. Mateus 13,44-52.
«O Reino do Céu é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem encontra.
Volta a escondê-lo e, cheio de alegria, vai, vende tudo o que possui e compra o campo. O
Reino do Céu é também semelhante a um negociante que busca boas pérolas. Tendo
encontrado uma pérola de grande valor, vende tudo quanto possui e compra a pérola.» «O
Reino do Céu é ainda semelhante a uma rede que, lançada ao mar, apanha toda a espécie de
peixes. Logo que ela se enche, os pescadores puxam-na para a praia, sentam-se e escolhem os
bons para as canastras, e os ruins, deitam-nos fora. Assim será no fim do mundo: sairão os
anjos e separarão os maus do meio dos justos, para os lançarem na fornalha ardente: ali haverá
choro e ranger de dentes.» «Compreendestes tudo isto?» «Sim» responderam eles. Jesus
disse-lhes, então: «Por isso, todo o doutor da Lei instruído acerca do Reino do Céu é
semelhante a um pai de família, que tira coisas novas e velhas do seu tesouro.»
Orígenes (cerca 185-253), padre e teólogo
Comentário ao evangelho de Mateus, 10, 9-10
A pérola de grande valor
Ao homem «que procura belas pérolas», é preciso aplicar a parábola seguinte: «Procurai e
achareis» e «Aquele que procura, encontra» (Mt 7, 7-8). Com efeito, a que se pode referir
«procurai» e «quem procura, encontra»? Digamo-lo sem hesitar: às pérolas, e particularmente
à pérola adquirida pelo homem que tudo deu e tudo perdeu. Por causa desta pérola, Paulo
disse: «Aceitei perder tudo para ganhar Cristo» (Fil 3,8). Pela palavra «tudo» ele entende as
belas pérolas, e por «ganhar Cristo» a única pérola grandemente valiosa.
Preciosa, seguramente, é a lâmpada para aqueles que estão nas trevas e da qual têm
necessidade até ao nascer do sol. Preciosa também a glória resplandecente no rosto de Moisés
(2Cor 3,7) e também, creio eu, no rosto dos outros profetas. Ela é bonita de se ver porque ela
nos ajuda a prosseguir até que possamos contemplar a glória de Cristo, da qual o Pai dá
testemunho dizendo: «Este é o meu Filho muito amado em quem pus toda a minha
complacência» (Mt 3,17). «Comparada com esta glória eminentemente superior, desvaneceuse a glória do primeiro ministério» (2 Cor 3,10). Tínhamos necessidade num primeiro tempo
de uma glória susceptível de desaparecer frente à «glória que ultrapassa tudo», como
tínhamos necessidade «de um conhecimento parcial» que «desaparecerá quando vier o que é
perfeito» (1 Cor 13,9s).
Assim, toda a alma que está ainda na infância e caminha «para a perfeição dos adultos» (Hb
6,1) precisa de ser ensinada, envolvida, acompanhada até que se instaure nela «a plenitude dos
tempos» (Gal 4,4) ... No fim, ela alcançará a sua maioridade e receberá o seu património: a
pérola grandemente valiosa, «o que é perfeito e que faz desaparecer o que é parcial» (1Cor
13,10). Ela alcançará esse bem que ultrapassa tudo: o conhecimento de Cristo (Fil 3,8). Mas
muitos não compreendem a beleza das numerosas pérolas da Lei e do «conhecimento parcial»
divulgado por todos os profetas; imaginam erradamente que sem a Lei e os profetas
perfeitamente compreendidos poderão encontrar a única pérola de grande valor ...: a
compreensão plena do Evangelho e todo o sentido dos actos e das parábolas de Jesus Cristo.
Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897), carmelita, Doutora da Igreja
Ms C, 25, vº
Um tesouro escondido
Diz a esposa do Cântico [...] que se ergueu do leito para ir à procura do seu bem-amado na
cidade, mas em vão o procurou; depois de ter saído da cidade, então encontrou aquele que o
seu coração amava (Cant 3, 1-4). Jesus esconde-Se, não quer que encontremos a Sua presença
adorável no repouso. [...] Oh!, que melodia para o meu coração é este silêncio de Jesus, que
Se faz pobre a fim de que possamos exercer a caridade com Ele, que nos estende a mão como
um mendigo a fim de que, no dia radioso do juízo, quando vier em toda a Sua glória, Ele
possa dizer-nos estas doces palavras: «Vinde, benditos de Meu Pai [...], porque tive fome e
destes-Me de comer, tive sede e destes-Me de beber; era peregrino e recolhestes-Me; estava
nu e destes-Me de vestir; adoeci e visitastes-Me; estive na prisão e fostes ter Comigo» (Mt 25,
34-36) Foi o próprio Jesus que proferiu estas palavras, é Ele que quer o nosso amor, que o
mendiga. Ele coloca-Se, por assim dizer, à nossa mercê, nada quer tomar que não Lhe demos.
[...]
Jesus é um tesouro escondido, um bem inestimável que poucas almas sabem encontrar,
porque Se esconde e o mundo ama aquilo que brilha. Ah!, se Jesus tivesse querido mostrar-Se
a todas as almas com os Seus dons inefáveis, certamente que não haveria uma só que O
desdenhasse; mas Ele não quer que O amemos por causa dos Seus dons, Ele próprio há-de ser
a nossa recompensa.
Para encontrar uma coisa que está escondida, a pessoa tem também de se esconder; a nossa
vida há-de ser um mistério, havemos de nos parecer com Jesus, com Jesus cujo rosto
permanecia oculto (Is 53, 3) [...]. Jesus ama-te com um amor tão grande que, se O visses,
cairias num êxtase de amor [...], mas não O vês e sofres com isso. Porém Jesus não tardará a
«levantar-se para o julgamento, para salvar os humildes da nação» (Sl 75, 10)
Catequese precisa ser itinerário de educação da fé que acompanha a vida inteira
Diz o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer
SÃO PAULO, terça-feira, 28 de agosto de 2007 (ZENIT.org).- No contexto do mês em que a
Igreja no Brasil recorda as vocações, o arcebispo de São Paulo destaca que os catequistas
desempenham um papel de importância fundamental na transmissão e na educação para a fé.
Segundo Dom Odilo Scherer, a catequese «não pode ser apenas ocasional ou voltada à
iniciação cristã ou à preparação aos sacramentos, embora esses sejam momentos fortes e
ocasiões propícias para realizá-la».
«Mas ela precisa ser progressiva, orgânica e permanente, um verdadeiro itinerário de
educação da fé que acompanha a vida inteira; a catequese, de fato, é um caminho progressivo
de amadurecimento na vida cristã, que leva ao conhecimento e ao amor sempre mais profundo
a Jesus Cristo e à imitação dele.»
O arcebispo enfatiza – em artigo difundido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil) esta terça-feira – que é preciso superar a idéia de que a catequese seja apenas destinada
às crianças e adolescentes.
«A catequese também não pode limitar-se à mera “instrução” doutrinal, embora essa não deva
faltar. A verdadeira catequese precisa levar ao encontro pessoal com o Deus vivo e pessoal,
por meio de Jesus Cristo e na comunidade eclesial.»
Segundo Dom Odilo, a catequese boa ajudará a introduzir os catequisandos nos “lugares”
conhecidos do encontro com Deus, «como a leitura orante da Palavra de Deus, o exercício da
oração pessoal e comunitária, a experiência da participação na vida eclesial, a participação na
Eucaristia e nos demais sacramentos, a prática da caridade fraterna e a vida moral coerente
com o Reino de Deus anunciado por Jesus».
Tudo isso, de acordo com o arcebispo, requer «um verdadeiro “aprendizado” teórico e prático,
onde o testemunho pessoal do catequista tem um papel fundamental».
Dom Odilo cita então o Evangelho para recordar algumas passagens ilustrativas do papel do
catequista.
Segundo o arcebispo, a missão do catequista aparece, por exemplo, bem ilustrada nas
parábolas do tesouro escondido no campo e da pérola preciosa (cf. Mt 13,44-46).
«Todos, de um jeito ou de outro, estão à procura do verdadeiro bem da vida, que satisfaça
plenamente o coração e pelo qual vale a pena investir tudo.»
«O “campo” com o tesouro escondido é o reino de Deus e a vida no seguimento de Jesus. O
catequista já encontrou esse tesouro e se alegrou por tê-lo achado; por isso sabe como ajudar
outras pessoas a encontrá-lo também; sabe acompanhar os irmãos e irmãs na busca de Deus e
no itinerário da fé e da vivência cristã», afirma.
«Da mesma forma, tendo encontrado a pérola preciosa, sabe falar bem dela a todos e despertar
o desejo de buscá-la também.»
Dom Odilo cita ainda um texto da liturgia na festa dos Apóstolos, que diz assim: “vossos
amigos, Senhor, anunciam a glória do vosso nome!”.
«Os discípulos são verdadeiros amigos de Jesus Cristo, que os introduz na intimidade com
Deus. É muito bonito e estimulante pensar a vida cristã como amizade com Jesus e com
Deus», destaca.
«A catequese é ação para os verdadeiros amigos de Deus. Os amigos gostam do amigo e
falam bem dele aos outros, introduzindo-os nessa amizade também. A catequese eficaz leva à
amizade com Deus.»
Santo Ireneu de Lyon (130-208), bispo, teólogo e mártir
Contra as heresias, IV, 26
O tesouro escondido no campo das Escrituras
Era Cristo que era apresentado a todos a quem, desde o início, Deus comunicou a sua Palavra,
o seu Verbo. E quem ler as Escrituras nesta perspectiva, encontrará aí uma expressão dizendo
respeito a Cristo, e uma prefiguração do novo chamamento. Porque é ele, “o tesouro
escondido no campo”, quer dizer no mundo (Mt 13,38). Tesouro escondido nas Escrituras,
porque era ele que era declarado pelas figuras e parábolas, que, humanamente falando, não
podiam ser compreendidas antes do cumprimento das profecias, quer dizer antes da vinda do
Senhor. Foi por isso que foi dito ao profeta Daniel: “Esconde estas palavras e sela este livro
até ao tempo final” (12,4)... Jeremias também disse: “Nos último dias, eles compreenderão
estas coisas” (23,20)...
Lida pelos cristãos, a Lei é um tesouro escondido outrora num campo, mas que a cruz de
Cristo revela e explica; ...ela manifesta a sabedoria de Deus, faz conhecer os seus desejos com
respeito à salvação do homem, prefigura o Reino de Cristo, anuncia por antecipação a Boa
Nova, prediz que o homem que ama Deus progredirá até o ver e entender a sua palavra, e que
será glorificado por essa palavra...
Foi desta forma que o Senhor explicou as Escrituras aos seus discípulos depois da sua
Ressurreição, provando-lhes assim "que era preciso que Cristo sofresse e entrasse na sua
glória" (Lc 24,26). Portanto, se alguém ler as Escrituras desta maneira, será um discípulo
perfeito, "semelhante ao dono da casa que tira do seu tesouro coisas novas e velhas" (Mt
13,52).
São Máximo o Confessor (c. 580-662), monge e teólogo
Centúrias sobre o amor, 4, 69 ss.
“O Reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo”
Há quem pense que de modo algum participa nos dons do Espírito Santo. Devido à sua
negligência em levar à prática os mandamentos, essas pessoas não sabem que quem mantém
inalterada a fé em Cristo reúne em si mesmo todos os dons divinos. É natural que quando, por
inércia, nos encontramos longe do amor activo que devíamos ter por Ele – esse amor que nos
mostra os tesouros de Deus escondidos em nós –, pensemos que não estamos a participar nos
dons divinos.
Se “Cristo habita pela fé nos nossos corações”, segundo o apóstolo Paulo (Ef 3, 17), e se nele
“estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Col 2, 3), todos esses tesouros
da sabedoria e da ciência estão escondidos nos nossos corações. Mas revelam-se ao coração
na medida da purificação de cada um, dessa purificação que os mandamentos suscitam. Tal é
o tesouro escondido no campo do teu coração, que ainda não encontraste, devido à tua
preguiça. Porque, se o tivesses encontrado, terias vendido tudo, para adquirir esse campo. Mas
agora abandonaste o campo e procuras em seu redor, onde apenas existem espinhos e silvas. É
por isso que o Salvador afirma: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”
(Mt 5, 8). Vê-Lo-ão e verão os tesouros que estão nele, quando se tiverem purificado, pelo
amor e pela temperança. E vê-Lo-ão tanto mais, quanto mais se tiverem purificado.
S. Boaventura (1221-1274), franciscano, doutor da Igreja
Vida de S. Francisco, Legenda Maior, cap. 3
A pérola de grande valor
Entre os dons espirituais recebidos da generosidade de Deus, Francisco obteve em particular o
de sempre enriquecer o seu tesouro de simplicidade graças ao amor de uma enorme pobreza.
Ao ver que aquela que tinha sido a companheira habitual do Filho de Deus se tinha tornado
então o objecto de uma aversão universal, ele tomou a peito desposá-la e dedicar-lhe um amor
eterno. Não contente com "deixar por causa dela o seu pai e a sua mãe" (Gn 2,24), distribuiu
aos pobres tudo o que podia possuir (Mt 19,21). Ninguém guardou o seu dinheiro de forma
mais ciosa do que Francisco guardou a sua pobreza; ninguém vigiou o seu tesouro com mais
cuidado do que ele dispendeu para guardar essa pérola de que fala o Evangelho
Nada o feria tanto como encontrar entre os irmãos alguma coisa que não fosse absolutamente
conforme à pobreza dos religiosos. Desde o início da sua vida religiosa até à morte, ele
próprio só teve como riquezas uma túnica, uma corda como cinto e uma espécie de calções;
nada mais lh e fazia falta. Às vezes, acontecia-lhe chorar ao pensar na pobreza de Cristo e de
sua Mãe: "Eis porque é que a pobreza é a rainha das virtudes, dizia ele; é por causa do brilho
com que irradiou no Rei dos reis (1Tm 6,15) e na Rainha sua Mãe".
Quando os irmãos lhe perguntavam um dia qual era a virtude que nos torna mais amigos de
Cristo, respondeu, abrindo por assim dizer o segredo do seu coração: "Sabei, irmãos, que a
pobreza espiritual é o caminho privilegiado da salvação, porque é a seiva da humildade e a
raiz da perfeição; os seus frutos são incontáveis se bem que ocultos. Ela é esse 'tesouro
escondido num campo' para cuja compra, diz o Evangelho, é preciso tudo vender e cujo valor
deve impelir-nos a desprezar todas as outras coisas".
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte de África) e doutor da Igreja
Sobre a fé e as obras, cap. 3-5
Imitar a paciência do Senhor
Nosso Senhor foi um modelo incomparável de paciência; suportou um “demónio” entre os
seus discípulos (Jo 6, 70), até à sua paixão; e disse: “Deixai um e outro crescer juntamente,
até à ceifa; não suceda que, ao apanhardes o joio, arranqueis o trigo” (Mt 13, 29-30); para
figurar a Igreja, previu que a rede trouxesse sempre – isto é, até ao fim do mundo – para a
margem todo o tipo de peixes, bons e maus. E fez conhecer de muitas maneiras, fosse
abertamente, fosse em parábolas, que haveria mistura de bons e de maus. E, contudo, declara
que é necessário velar pela disciplina na Igreja quando afirma: “Se o teu irmão pecar, vai ter
com ele repreeende-o a sós. Se te der ouvidos, terás ganho o teu irmão” (Mt 18, 15).
Hoje em dia, porém, encontramos homens que apenas consideram os preceitos rigorosos, que
mandam reprimir os perturbadores, não dar “as coisas santas aos cães” (Mt 7, 6), tratar como
os publicanos aqueles que desprezam a Igreja (Mt 18, 17), cortar do corpo o membro escanda
loso (Mt 5, 30). O zelo intempestivo destas pessoas perturba de tal maneira a Igreja, que
gostariam de arrancar a cizânia antes do tempo, e a sua cegueira faz deles inimigos da unidade
de Jesus Cristo. […]
Evitemos deixar entrar no nosso coração estes pensamentos presunçosos, procurar separar-nos
dos pecadores, a fim de não nos mancharmos pelo contacto com eles, querer formar como que
um rebanho de discípulos puros e santos; mais não faríamos do que romper a unidade, sob
pretexto de não prestar atenção aos maus. Pelo contrário, recordemos as parábolas da
Escritura, as suas palavras inspiradas, os seus exemplos admiráveis, por meio dos quais se nos
mostra que, na Igreja, os maus estarão sempre misturados com os bons, até ao fim do mundo e
ao dia do juízo, sem que a sua participação nos sacramentos seja prejudicial aos bons, desde
que estes não tenham participação nos seus pecados.
S. João Crisóstomo (cerca de 345-407), bispo de Antioquia, depois de Constantinopla, doutor
da Igreja
Homilias sobre S. Mateus
As parábolas do tesouro e da pérola
A semelhança que se pode ver entre a parábola do grão de mostarda e a do fermento é paralela
à que existe entre a do tesouro e a da pérola: ambas significam que é preciso preferir a
mensagem evangélica a qualquer outra coisa... Com efeito, o Evangelho desenvolve-se como
o grão de mostarda e impõe a sua força como o fermento; tal como a pérola, é de elevado
preço; por fim, tal como um tesouro, providencia as mais preciosas vantagens.
A este respeito, convém saber não só que é preciso despojarmo-nos de tudo para acolher o
Evangelho, mas também que há que fazê-lo com alegria... Vê de que forma a pregação do
Evangelho passa desapercebida no mundo e que, do mesmo modo, o mundo não percebe os
muitos bens que dela são recompensa... Duas condições são, pois, necessárias: a renúncia aos
bens do mundo e uma sólida coragem. Na verdade, trata-se de "um negociante em busca de
pérolas finas", o qual, "tendo encontrado uma de grande valor, vai vender tudo o que possui"
para a adquirir. A verdade é una, não se divide. Tal como o que possui a pérola conhece a sua
riqueza, enquanto muitas vezes, quando ele a segura nas mãos, os outros nem desconfiem por
causa da pequenez da pérola, de igual modo aqueles que são instruidos no Evangelho
conhecem a sua felicidade, enquanto os infiéis, ignorando esse tesouro, não fazem qualquer
ideia da nossa riqueza.
São Tomás de Aquino (1225-1274), teólogo dominicano, doutor da Igreja
Homilia sobre o Credo
“O reino de Deus é semelhante a um tesouro”
É lógico que o fim de todos os nossos desejos, isto é, a vida eterna, venha indicada, no Credo,
no termo de tudo o que nos é dado acreditar, com estas palavras: “Na vida eterna. Amen”. Na
vida eterna, dá-se a união do homem com Deus, o louvor perfeito e a saciedade perfeita de
todos os nossos desejos, porque cada bem-aventurado possuirá, então, ainda mais do que
desejava e esperava. Nesta vida, ninguém pode saciar totalmente o seu desejo; jamais coisa
alguma criada poderá saciar o desejo do homem. Só Deus sacia, e fá-lo infinitamente. É por
isso que nós não temos descanso senão em Deus, como diz santo Agostinho: “Fizeste-nos
para Ti, e o nosso coração anda inquieto até que não descanse em Ti”.
Visto que, na pátria, os santos possuirão a Deus perfeitamente, é evidente que não só o seu
desejo será saciado, como também transbordará de glória. É por isso que o Senhor diz: “Entra
na alegria do teu Senhor” (Mt 25, 21). E santo Agostinho diz a este propósito: “Não é toda a
alegria a que entrará naqueles que se alegram, mas todos os que se alegram entrarão
inteiramente na alegria”. Diz-se no salmo: “Quero contemplar-Te no santuário, para ver o teu
poder e a tua glória” (62, 3), e noutro: “Ele satisfará os anseios do teu coração” (36, 4).
Porque, se desejarmos as delícias, é lá que encontraremos o deleite supremo e perfeito, porque
este consistirá no soberano bem que é o próprio Deus “Delícias eternas à vossa direita” (Sl 15,
11).
Evangelho segundo S. Mateus 13,47-53.
«O Reino do Céu é ainda semelhante a uma rede que, lançada ao mar, apanha toda a espécie
de peixes. Logo que ela se enche, os pescadores puxam-na para a praia, sentam-se e escolhem
os bons para as canastras, e os ruins, deitam-nos fora. Assim será no fim do mundo: sairão os
anjos e separarão os maus do meio dos justos, para os lançarem na fornalha ardente: ali haverá
choro e ranger de dentes.» «Compreendestes tudo isto?» «Sim» responderam eles. Jesus
disse-lhes, então: «Por isso, todo o doutor da Lei instruído acerca do Reino do Céu é
semelhante a um pai de família, que tira coisas novas e velhas do seu tesouro.» Depois de
terminar estas parábolas, Jesus partiu dali.
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte de África) e doutor da Igreja
Discurso sobre os Salmos 95, 14-15
“Na margem, junta-se o que for bom”
“Ele governará a terra com justiça, e os povos na Sua fidelidade” (Sl 95, 13). Que justiça e
que fidelidade? Juntará em Seu redor os eleitos (Mc 13, 27) e separará os outros, colocando
aqueles à Sua direita e estes à Sua esquerda (Mt 25, 33). Haverá coisa mais justa, mais fiel do
que essa? Aqueles que não tiverem querido exercer misericórdia antes da chegada do juiz não
poderão esperar dele misericórdia. Aqueles que tiverem querido exercer a misericórdia serão
julgados com misericórdia (Lc 6, 37). Porque Ele dirá àqueles que tiver colocado à Sua
direita: “Vinde, benditos de Meu Pai, recebei em herança o reino que vos está preparado
desde a criação do mundo”; e atribui-lhes obras de misericórdia: “Tive fome e destes-Me de
comer; tive sede e destes-Me de beber”, e por aí fora (Mt 25, 31ss.).
Porque tu és injusto, não há-de o juiz ser justo? Porque te acontece mentir, não há-de a
verdade ser verídica? Se queres encontrar um juiz misericordioso, sê misericordioso antes que
Ele chegue. Perdoa a quem te tiver ofendido; dá dos teus bens, se possuis em abundância. […]
Dá o que dele recebes: “Que tens tu, que não hajas recebido?” (1Cor 4, 7). Eis os sacrifícios
que são muito agradáveis a Deus: a misericórdia, a humildade, o reconhecimento, a paz, a
caridade. Se isso levarmos, esperaremos com segurança o advento do juiz, desse juiz que
“governará a terra com justiça, e os povos na Sua fidelidade”.
Santa Catarina de Sena (1347-1380), terceira dominicana, Doutora da Igreja, copadroeira da Europa
Diálogo
«Qem acredita no Filho tem a vida eterna; quem se recusa a acreditar nEle não verá a vida»
(Jo 3, 36)
[Santa Catarina ouviu Deus dizer:] No último dia do julgamento, quando o Verbo, meu Filho,
revestido da sua majestade, vier julgar o mundo com o seu poder divino, não virá como
aquele pobre miserável que era quando nasceu do seio da Virgem, num estábulo, entre os
animais; ou tal como morreu, entre dois ladrões. Então, o meu poder estava escondido nele;
eu deixava-o suportar, como homem, penas e tormentos. Não que a minha natureza divina
tivesse estado separada da natureza humana, mas eu deixava-o sofrer como um homem para
expiar as vossas faltas. Não, não será assim que Ele virá no momento supremo: ele virá em
todo o seu poder e em todo o esplendor da sua própria pessoa...
Aos justos, inspirará, ao mesmo tempo que um medo respeitoso, um grande júbilo. Não que o
seu rosto mude: o seu rosto, em virtude da natureza divina, é imutável, pois ele é um só,
comigo, e, em virtude da natureza humana, o seu rosto é igualmente imutável, pois assumiu a
glória da ressurreição. Aos olhos dos reprovados, ele surgirá terrível, porque é com esse olhar
de espanto e perturbação, que trazem dentro de si próprios, que o verão os pecadores.
Não é isso que se passa com um olho doente? No sol brilhante, nada vê além das trevas,
enquanto que o olho são vê nele a luz. Não é que a luz tenha qualquer defeito; não é o sol que
se modifica. O defeito está no olho cego. É assim que os reprovados verão o meu Filho nas
trevas, no ódio e na confusão. Será por culpa da sua própria enfermidade, e não por culpa da
minha majestade divina, com a qual o meu Filho surgirá para julgar o mundo.
O autêntico seguro de vida, segundo o pregador do Papa
Padre Raniero Cantalamessa comenta as leituras do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 22 de julho de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre
Raniero Cantalamessa OFM Cap --pregador da Casa Pontifícia-- às leituras do próximo
domingo (1 R 3,5.7-12; Sal 118,57-130; Rm 8,28-30; Mt 13, 44-52).
***
Mateus (13, 44-52)
Naquele tempo, Jesus disse à multidão: «O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro
escondido em um campo que um homem, ao encontrá-lo, volta para escondê-lo e, pela alegria
que lhe dá, vende tudo o que tem e compra aquele campo. O Reino dos Céus também é
semelhante a um mercador que anda buscando pérolas finas, e que, ao encontrar uma pérola
de grande valor, vai, vende tudo o que tem e a compra. Também é semelhante o Reino dos
Céus a uma rede que se enche no mar e recolhe peixes de todas classes: e, quando está cheia,
tiram-na à margem e recolhem em cestas os bons e tiram os maus».
Tesouros escondidos e pérolas
Que queria dizer Jesus com as duas parábolas do tesouro escondido e da pérola preciosa?
Mais ou menos isto. Soou a hora decisiva da história. Apareceu na terra o Reino de Deus!
Concretamente, trata-se dele, de sua vinda à terra. O tesouro escondido, a pérola preciosa, não
é outra coisa senão Jesus. É como se Jesus com essas parábolas quisesse dizer: a salvação
chegou a vós gratuitamente, por iniciativa de Deus, tomai a decisão, não a deixeis escapar.
Este é tempo de decisão.
Vem-me à mente o que ocorreu no dia em que terminou a Segunda Guerra Mundial. Na
cidade, os aliados abriram os armazéns de provisões deixados pelo exército alemão em
retirada. Em um instante, a notícia chegou aos campos e todos foram correndo para conseguir
esses bens, voltando carregados uns com mantas, outros com cestas de produtos alimentícios.
Penso que Jesus com essas duas parábolas queria criar um clima semelhante. Como para
dizer: «Correi enquanto estais a tempo! Há um tesouro que vos espera gratuitamente, uma
pérola preciosa. Não deixeis escapar a ocasião». Só que no caso de Jesus a aposta é
infinitamente mais séria. Joga-se o todo pelo todo. O Reino é o único que nos pode salvar do
risco supremo da vida, que é o de errar o motivo pelo qual estamos neste mundo.
Vivemos em uma sociedade que vive de seguranças. Assegura-se contra tudo. Em certas
nações, converteu-se em uma espécie de mania. Assegura-se inclusive contra o risco de mau
tempo durante as férias. Entre todos, o mais importante e freqüente é o seguro de vida. Mas
refletimos um momento: a quem é útil um seguro tal e contra que nos assegura? Contra a
morte? Certamente não! Assegura que, em caso de morte, alguém receba uma indenização. O
reino dos céus é também um seguro de vida e contra a morte, mas um seguro real, que serve
não só a quem fica, mas também a quem se vai, a quem morre. «Quem crê em mim, ainda que
morra, viverá», diz Jesus. Entende-se então também a exigência radical que um «assunto»
como este propõe: vender tudo, desprender-se de tudo. Em outras palavras, estar dispostos, se
necessário, a qualquer sacrifício. Não para pagar o preço do tesouro e da pérola, que por
definição são «sem preço», mas para ser dignos deles.
Em cada uma das duas parábolas há, na realidade, dois atores: um manifesto, que vai, vende,
compra, e outro escondido, subentendido. O ator subentendido é o antigo proprietário que não
se percebe que em seu campo há um tesouro e o liquida ao primeiro que o pede; é o homem
ou a mulher que possuía a pérola preciosa e não se dá conta de seu valor e a cede ao primeiro
comerciante que passa, talvez para uma coleção de pérolas falsas. Como não ver nisso uma
advertência dirigida a nós, gente do Velho Continente europeu, em ato de vender mostra fé e
herança cristã?
Não se diz ao contrário na parábola que «um homem vendeu tudo o que tinha e se pôs em
busca de um tesouro escondido». Sabemos como acabam estas histórias: perde-se o que se
tem e não se encontra nenhum tesouro. Histórias de ilusões, de visionários. Não: um homem
encontrou um tesouro e por isso vendeu tudo o que tinha para adquiri-lo. Há que ter
encontrado o tesouro para ter a força e a alegria e vender tudo.
Fora parábola: há que ter encontrado primeiro a Jesus, de maneira nova, pessoal, convencida.
Tê-lo descoberto como próprio amigo e salvador. Depois será questão de brincadeira vender
tudo. Far-se-á «cheios de alegria» como aquele homem do que fala o Evangelho.
[Original italiano publicado por «Famiglia Cristiana». Traduzido por Zenit]
ZP05072201
«Um Tesouro escondido»; segundo Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte (Brasil)
BELO HORIZONTE, domingo, 17 de julho de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos a seguir artigo
de Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG),
intitulado «Um Tesouro escondido». O texto foi difundido pelo site da arquidiocese de Belo
Horizonte essa semana.
***
Um Tesouro escondido
(Mt 13,44)
A vida tem muitos desafios. Não é brincadeira. Não é à toa que se diz que viver é uma arte.
Uma arte que inclui a grande capacidade de bem colocar-se diante dos incontáveis desafios
nas diferentes circunstâncias. Há quem desista. Uma desistência de esmerar-se nesta
insubstituível e adequada colocação diante dos desafios. Há quem deixa de lado, até mesmo o
que é importante. Outros são indiferentes. De qualquer jeito está bom. Há até mesmo quem
desista fatalmente. Não é fácil viver. Lá no coração do conjunto dos desafios ganha
luminosidade o maior desafio posto ao coração humano. O desafio de viver à procura. Uma
procura daquilo que é mais importante. Uma importância que determina o segredo de viver e
sustenta o dia de cada dia. É uma ciência. A ciência da procura. Uma dinâmica que revela que
o mais importante é invisível e está para além de tudo o que já se possui. O coração não pode
cansar-se de procurar. Procurar é viver a vida como arte. E o coração foi feito para esta
procura. Por isso, um tesouro, um tesouro escondido. A vida é vivida na sua procura. Um
desafio.
Tesouro
Esta procura se revela e se configura de muitos modos para o coração humano. Não é raro
errar o alvo, perder a direção, substituir o essencial, satisfazer-se aparentemente. Mas, há um
tesouro, um tesouro escondido. Escondido para dizer de sua importância e da necessidade de
localizá-lo devidamente, garantindo-lhe, pela importância essencial, a sua segurança. Assim
procediam aqueles contemporâneos de Jesus, possuidores de fortunas, sem bancos para
guardá-los, enterrando-os para protegê-los. Podem ser achados. Difícil é encontrá-los. A
procura é a única possibilidade de encontrá-lo. E a vida fica definida como a arte da procura.
A procura do tesouro escondido que define sua razão essencial de ser. Seu encontro tudo
resume, porque nele está a riqueza maior. No desafio de procurar, o desafio enorme de romper
para tudo dar em troca do tesouro escondido. É uma verdadeira aposta. Não apostar é não
viver. Vive quem aposta na sua procura. Só este encontro dá ao coração a sua razão, sua força,
seu sustento.
Um lugar no coração
Uma vez, ensinando aos seus discípulos, Jesus os desafiou afirmando que “onde está o teu
tesouro, aí está também o teu coração” (Mt 6, 21). Arriscado é eleger erroneamente o próprio
tesouro. Lá estará o próprio coração. Acontece escolher errado. Enganar-se também é comum.
Procurar demanda tempo, esforço, ciência. Há quem prefira um percurso mais curto, uma
procura menos que empenha por demais. Erros assim afundam o coração e opaco se torna o
horizonte da vida. Advertia, pois, o mestre, acerca do risco de eleger o dinheiro como o
tesouro. Depositar o próprio coração no dinheiro é alimentar-se de apegos, ganâncias e
avarezas perversas. Por isso, se trabalha muito, fomenta as manipulações; é comum defender
só o seu, expulsando do coração todo sentido social mais profundo que conecta os
sentimentos e a coragem da ação no horizonte das necessidades e carências dos pobres e
sofredores, em nome da dignidade.
Acumular tesouros
O mundo só conhece uma ciência para acumular tesouros. Esta lógica é sedutora. Não é fácil
escapar dela. Gosta-se muito de dinheiro. Nele se encontra toda garantia. Até o futuro parece
seguro. Perde-se até o medo da morte, esquecendo que ela é certa, e chegará cedo ou tarde.
Adora-se a facilidade do dinheiro. Ele se torna o deus em quem se deposita toda confiança.
Quem o possui pode tudo. Quem não o tem vive sem liberdade. Ele entrelaça os grilhões da
escravidão dos que não têm porque não podem nada, e daqueles que têm, iludindo-se como
capazes de tudo. Tudo é medido pelo tanto que se ganha. O coração encontra um tesouro que
não sacia jamais. Não há argumento que convença ou debele o desejo de ganhar mais, e muito
mais ajuntar engordando os seus próprios tesouros. O coração está lá, aprisionado, indiferente,
tirano no desejo, e incapaz de perceber. Só o Mestre e Senhor Jesus sabe e pode ensinar uma
outra, uma nova lógica para acumular tesouros. Seus discípulos são desafiados.
Vida nova: o verdadeiro tesouro
Quando, não se consegue encontrar o tesouro escondido, grande é o desafio de viver a
escolha, e à mercê de outros tesouros. Há tesouros de todo tipo. Agarra-se a qualquer um,
elegendo-o no lugar daquele que ainda não foi encontrado. De modo geral, passageiro, o
encontro destes outros tesouros não traz a paz ao coração. Estes acirram, incomodando o
coração aprisionado a vida. Quando é dinheiro, acirrada fica a insociabilidade. Sempre se quer
mais. A ganância fica coçando lá no fundo. Se é poder, as aflições e a vaidade queimam. A
cegueira é certa. Não se vê mais o que está para além. Se é paixão, pior ainda. Ocorre o
ridículo de transferências inadequadas. Uma ilusão. Salva-se quem compreende, e faz
rupturas, que o verdadeiro tesouro é a glória da vida nova do cristão, como ensina o apóstolo
Paulo em II Cor 4, 7. Só as boas ações, não importando a quem, e em todos os lugares, é que
possibilitam acumular os tesouros que a traça não corrói e não roubam os ladrões.
Um discípulo do Reino
Poucos são aqueles que planejam a vida para ganhar. Calcula-se sempre e para tudo. Não se
pode perder. A lógica do dinheiro e do poder tem seus funcionamentos. Fácil não é
desvencilhar-se. Tudo se complica ainda mais pela força da sedução. Não é simples
compreender que o tesouro verdadeiro é a vida eterna. Grande é a ilusão de que tudo está
aqui. No tempo curto do tempo daqui, não há quem dê conta das ilusões, das seduções e do
que é tentado ajuntar. Sofrido e inquieto fica o coração humano. Perde-se no emaranhado das
contradições dos bens terrenos. Do outro lado está Jesus. Sua religiosidade, aquela ensinada
aos discípulos, é outra. Ele não se perde. Ensina aos discípulos como fazer para não se
perderem também. Fácil não é. O coração é mais habituado ao que é imediato, prazer rápido,
ganho fácil, comodidade garantida, sem exigências. As conseqüências são trágicas. A certo
ponto perde-se o gosto. A vida fica sem horizontes. Não vale a pena. De novo, como sempre,
tem razão o mestre. Vale sua lógica de acumular tesouro. Quem a acolhe e a vive percorre
caminho de discípulo. Não um discípulo qualquer. Na verdade, o discipulado que vale a pena,
não passa. Discípulo do Reino, discípulo de Jesus.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
ZP05071715
Evangelho segundo S. Mateus 13,54-58. – cf.par. Mc 6,1-6; cf. Lc 4,16-30
Tendo chegado à sua terra, ensinava os habitantes na sinagoga deles, de modo que todos se
enchiam de assombro e diziam: «De onde lhe vem esta sabedoria e o poder de fazer milagres?
Não é Ele o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José,
Simão e Judas? Suas irmãs não estão todas entre nós? De onde lhe vem, pois, tudo isto?» E
estavam escandalizados por causa dele. Mas Jesus disse-lhes: «Um profeta só é desprezado na
sua pátria e em sua casa.» E não fez ali muitos milagres, por causa da falta de fé daquela
gente.
Santo Hilário (c. 315-367), bispo de Poitiers, Doutor da Igreja
A Trindade, 12,52-53
«Não é o filho do carpinteiro?... Ele não fez muitos milagres neste lugar, em virtude da
falta e fé deles»
Por tanto tempo quanto eu goze do sopro de vida que me concedeste, Pai santo, Deus todo
poderoso, proclamar-te-ei Deus eterno, e também Pai eterno. Nunca eu me farei juiz do teu
poder supremo e dos teus mistérios; nunca eu farei passar o meu conhecimento limitado à
frente da noção verdadeira do teu infinito; nunca eu afirmarei que outrora exististe sem a tua
Sabedoria, sem o teu Poder e o teu Verbo, Deus, o Unigénito, meu Senhor JESUS Cristo. É
que mesmo sendo a linguagem humana fraca e imperfeita, ao falar de ti, ela não limitará o
meu espírito ao ponto de reduzir a minha fé ao silêncio, por falta de palavras capazes de
exprimir o mistério do teu ser...
Também nas realidades da natureza, há muitas coisas das quais não conhecemos a causa, sem
contudo lhes ignorarmos os efeitos. E, quando, pela nossa natureza, não sabemos o que dizer
dessas coisas, a nossa fé cora de adoração. Quando contemplo o movimento das estrelas..., o
fluxo e refluxo do mar..., o poder escondido na mais pequena semente..., a minha ignorância
ajuda-me a contemplar-te, pois, se não compreendo essa natureza que está ao meu serviço,
distingo nela a tua bondade, mesmo pelo facto de existir para me servir. Eu próprio, apercebome de que não me conheço, mas admiro-te tanto mais... Deste-me a razão e a vida e os meus
sentidos de homem que me causam tantas alegrias, mas não consigo compreender qual foi o
meu começo de homem.
É, pois, não conhecendo aquilo que me cerca, que capto aquilo que és; e, percebendo aquilo
que és, adoro-te. Por isso, quando se trata dos teus mistérios, o não os compreender, não
diminui a minha fé no teu poder supremo... O nascimento o teu Filho eterno ultrapassa a
própria noção de eternidade, é anterior aos tempos eternos. Nunca exististe sem ele... És o Pai
eterno do teu Unigénito, antes dos tempos eternos.
Beato João XXIII (1881-1963), papa
Diário da Alma, § 1901-1903
“Donde lhe vem tal sabedoria? Não é Ele o filho do carpinteiro?”
Sempre que penso no grande mistério da vida oculta e humilde de Jesus durante os seus
primeiros 30 anos, o meu espírito sente-se confundido, e faltam-me as palavras. Ah!, é
realmente evidente: perante lição tão luminosa, não são apenas os juízos do mundo, são
também os juízos e a maneira de pensar de muitos eclesiásticos que parecem completamente
falsos, e se encontram realmente no lado oposto.
Pela minha parte, confesso não ter ainda chegado a perceber. Na medida em que me conheço,
tenho a impressão de não possuir senão uma aparência de humildade, e que o seu verdadeiro
espírito, esse “amor pelo apagamento” de Jesus Cristo em Nazaré, o não conheço senão de
nome. E dizer que Jesus passou trinta anos de vida oculta e que era Deus, que era “o
esplendor da substância do Pai” (Hb 1, 3), que tinha vindo para salvar o mundo, e que fez
tudo isso com o único fito de nos ensinar quão necessária é a humildade e quão necessário é
praticá-la! E eu, que sou tão pecador e tão miserável, não penso senão em me comprazer
comigo mesmo, em me comprazer com êxitos que me valem um pouco de honra terrena; não
sou capaz, sequer, de conceber o mais santo dos pensamentos, sem que para ele deslize a
preocupação com a minha reputação perante os outros. […] Em suma, só com grande esforço
consigo habituar-me a esta ideia do verdadeiro apagamento, tal como Jesus Cristo o praticou e
me ensina a praticá-lo.
S. Máximo o Confessor (c.580-662), monge e teólogo
Capita theologica
«Não é Ele o filho do carpinteiro?»
O Verbo de Deus nasceu uma vez para todos segundo a carne. Mas, por causa do seu amor
pelos homens, Ele deseja nascer sem cessar pelo espírito para
todos os que o desejam; Ele faz-se criança e forma-se neles ao mesmo tempo
que as virtudes; manifesta-se na medida de que sabe ser capaz aquele que o
recebe. Agindo desta forma, já não é por ciúme que atenua o brilho da sua
própria grandeza, mas porque afere e mede a capacidade daqueles que desejam
vê-Lo. Assim, o Verbo de Deus revela-se-nos sempre da maneira que nos convém
e contudo permanece invisível para todos, por causa da imensidade do Seu
mistério. Por isso, o Apóstolo por excelência, considerando a força deste
mistério, diz com sabedoria: «Jesus Cristo é sempre o mesmo ontem e hoje e
por toda a Eternidade» (Heb 13,8); Ele comtemplava este mistério sempre novo
que a inteligência nunca acabará de sondar... Só a fé consegue apreender
este mistério, ela que está no fundo de tudo aquilo que ultrapassa a
inteligência e desafia a expressão.
Santo Hilário (c. 315-367), bispo de Poitiers e doutor da Igreja
Trindade, 12, oração final
“E não fez ali muitos milagres por causa da falta de fé deles”
Peço-te, Pai Santo, Deus Todo-Poderoso, conserva intacto o fervor da minha fé e, até ao
último suspiro, concede-me conformar a minha voz às minhas convicções profundas. Sim,
que eu conserve sempre aquilo que afirmei no credo proclamado aquando do meu novo
nascimento, quando fui baptizado no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Concede-me que Te
adore, a Ti, Pai nosso, e ao Teu Filho, que é um só Deus contigo; faz com que obtenha o Teu
Espírito Santo, que de Ti procede, pelo Teu Filho único.
A minha fé tem a seu favor uma excelente testemunha: Aquele que declara: “Pai, tudo o que é
Meu é Teu e tudo o que é Teu é Meu” (Jo 17, 10). Esta testemunha é o meu Senhor Jesus
Cristo, Deus eterno em Ti, de Ti e contigo, Ele que é bendito pelos séculos dos séculos.
Amén.
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Evangelho segundo S. Mateus 13,1-23.