A Perspectiva da Teologia Protestante
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A PERSPECTIVA DA TEOLOGIA PROTESTANTE
PROF. FILIPE DUNAWAY
“Olha, ponho-te neste dia sobre as nações, e sobre os reinos, para arrancares e derribares,
para destruíres e arruinares; e também para edificares e plantares” (Jeremias 1:10).
É bom mencionar aqui no início que a palestra que segue expressa as idéias de um
batista arminiano que não aceita todos os aspectos da teologia dos principais
Reformadores Protestantes do século XVI, isto é, dos chamados reformadores magistrais
como Lutero, Calvino e Zuínglio. Pelo contrário, me sinto mais próximo aos anabatistas
daquele século que deu início ao Protestantismo.
Nesta palestra, não estamos interessados em defender o nome “protestante”, que, na
realidade, foi usado primeiro pelos católicos romanos para descrever os seguidores de
Martinho Lutero, os quais criticavam o catolicismo medieval degenerado. De fato,
mesmo que nós “protestantes” eventualmente aceitamos este nome e o usamos para nós
mesmos, no início, os seguidores de Lutero, Calvino e os outros reformadores do século
XVI preferiram outros termos para descrever quem eram: tais como evangélicos,
huguenots (na França) ou reformados. Quem tem interesse na história do nome
“protestante” pode fazer leituras sobre a Dieta de Speyer realizada na Alemanha em 1529.
O que nos interessa aqui é a perspectiva teológica dos herdeiros da Reforma Protestante
do século XVI. Quais são os princípios teológicos dos evangélicos que nos distingem das
outras duas tradições do Cristianismo, isto é, do Catolicismo Romano e da Ortodoxia
Oriental?
A postura, princípio, ou perspectiva protestante é bipolar (cf. o texto de Jeremias
acima). Ela tem dois pólos: (1) O polo crítico-iconoclástico, e (2) O polo afirmativoconstrutivo, os quais podem ser vistos em toda a discussão que segue.
OS PRINCÍPIOS PROTESTANTES
1. A Justificação pela Graça mediante a Fé (Soli Gratia). Antes de mais nada, nós
protestantes afirmamos com Paulo e Lutero que a justificação vem exclusivamente
mediante a graça de Deus em Cristo, a qual pode ser recebida unicamente pela fé. A cruz
de Cristo simboliza o alto preço desta graça e sua exigência de um compromisso radical
por parte do crente. Portanto, este princípio exclui toda religião que prega a “graça
barata” que pode ser facilmente comprada, isto é, qualquer religião que entende a relação
Deus e o homem como uma troca ou transação comercial: (1) qualquer religião em que,
se alega, as boas obras, penitência, ofertas ou indulgências conseguem persuadir Deus a
ser mais gracioso ou (2) qualquer religião comercializada em que a cura ou a benção de
Deus é procurada mediante o mero pagamento de ofertas à igreja ou pela oração de um
chamado “pastor” que faz seu serviço sacerdotal por dinheiro.
2. A Autoridade Singular das Escrituras (Sola Scriptura). Ao rejeitarem a
autoridade da hierarquia católica que, pensava-se, controlava o acesso à graça divina
mediante seu sistema sacramental, os Reformadores tiveram que estabelecer um novo
fundamento para a fé. Este novo fundamento ou autoridade foi a Palavra de Deus, que
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cada vez mais foi identificada com a Bíblia. No Protestantismo do século XVI, a Bíblia
foi libertada do cativeiro eclesiástico, no qual ela foi mantida presa pelo magisterium da
Igreja Católica Romana. Desde o início do movimento no século XVI, nós protestantes
temos liderado o mundo cristão na tradução da Bíblia para o vernáculo, na sua
interpretação histórico-gramatical e na pregação expositiva da Palavra. Para os
Reformadores e seus herdeiros, as Escrituras são a fonte e norma de toda doutrina cristã;
a tradição pós-apostólica, que está em pé de igualdade com a Bíblia na teologia católica,
deve ser colocada em segundo plano e criticada na base das Escrituras. Contudo, o preço
pago para esta democratização do uso da Bíblia tem sido a divisão do Protestantismo em
muitas igrejas, denominações e mesmo seitas.
3. Jesus Cristo Como o Único Intermediário entre Deus e o Homem. Ao
voltarem aos ensinos do Novo Testamento, os Reformadores sentiram constrangidos a
negar a mediação de Maria1 e dos santos2 como ensinada na Igreja de Roma. Como
Protestantes, afirmamos que, com Cristo ao nosso lado, não precisamos de mais ninguém
para nos levar a Deus. Ele é nosso único Intermediário e Redentor. Sua obra salvadora
foi realizada de uma vez por todas e não precisa ser auxiliada, completada ou
aperfeiçoada por nenhum sacerdote ou santo humano, nem pela mitológica “Mãe de
Deus” da igreja católica.
4. O Sacerdócio de Todos os Crentes. A Reforma Protestante libertou o povo
cristão do domínio pelo sacerdócio romano, que controlava e dispensava, como quisesse,
a graça salvadora aos homens por meio de seu sistema sacramental. Para os protestantes,
o Novo Testamento afirma que todos os crentes são sacerdotes reais, (1) livres para
comparecer diante do Deus da graça, sem mediação humana, e (2) livres para exercer o
serviço sacerdotal para outras pessoas que precisam de contato com Deus. Desta forma,
todo crente se torna uma testemunha da graça de Deus, chamada para pregar aos outros.
Contudo, este princípio protestante fica constantemente ameaçado por tendências
católicas que surgem nas igrejas protestantes. Há sempre presente o perigo de criar-se
uma classe sacerdotal, como a ordem dos pastores no meio batista, que às vezes procura
manter controle sobre toda a vida eclesiástica: a escolha de seus líderes, o caráter de sua
Apesar de alguns avanços notáveis na teologia do Concílio Vaticano II em meados do século
passado, nesta ocasião, a Igreja Católica Romana não renunciou os dogmas sobre Maria que ela
havia promulgado anteriormente. De fato, o Vaticano II aceita o culto à Maria, as doutrinas da
sua imaculada conceição e da sua assunção corpórea ao céu “como Rainha do Universo” e
continua concebendo-a como a “Advogada” e “Medianeira,” a saber, como a “mediadora” entre
Deus e o homem na obra salvífica. Do ponto de vista protestante, nada disto tem base nas
Escrituras e abertamente contradiz o ensino claro do NT que afirma que Jesus Cristo é o único
Mediador e Salvador. Para os textos do Vaticano II sobre a Mariologia, veja Frei Boaventura
Kloppenburg e Frei Frederico Vier, coordenadores, Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos,
Declarações (Petrópolis: Vozes, sem data), pág. 103-113.
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Ainda que os padres do Vaticano II tenham exortado os responsáveis a corrigirem os abusos e
excessos na veneração dos santos, eles não repudiaram esta prática pagã, mas pelo contrário,
defenderam abertamente “o autêntico culto dos Santos.” O Vaticano II afirma que os católicos
devem invocar os santos com súplicas, recorrendo “às suas orações, à sua intercessão e ao seu
auxílio para impetrarmos de Deus as graças necessárias.” Com esta doutrina, os católicos
novamente desprezam o ensino neotestamentário sobre a singularidade da mediação de Cristo,
preservando práticas oriundas de outras religiões. Para os textos do Concílio sobre o culto dos
santos, veja Kloppenburg, Compêndio do Vaticano II, pág. 100-103.
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teologia, a celebração de suas ordenanças, a aceitação de novas igrejas na sua
denominação, etc.
5. Uma Igreja Reformada mas Sempre Se Reformando (Ecclesia reformata sed
semper reformanda). Esta convicção de que a igreja cristã deve sempre ser aberta a
novas reformas de si própria é uma conseqüência do princípio sola scriptura. Nenhuma
teologia, instituição ou tradição eclesiástica pode ser considerada infalível, mas, pelo
contrário, deve ser constantemente examinada, julgada e reformada à luz da revelação de
Deus preservada nas Escrituras canônicas. Portanto, o Protestantismo é sempre um
projeto inacabado, que precisa ser repensado e reformulado. Todavia, ainda que este
princípio profético-crítico faça parte integral de nossa tradição teológica, ele não é
aplicado como deveria ser aos nossos próprios pensamentos e instituições. A auto-defesa
predomina sobre a auto-crítica.
CONTRIBUIÇÕES DURADOURAS DOS ANABATISTAS
À TEOLOGIA “PROTESTANTE” E À SOCIEDADE MODERNA
Os anabatistas 3 estavam muito adiantados para sua época e, por isso, foram perseguidos
muito, tanto pelos reformadores magistrais quanto pelos católicos romanos. Mas
algumas de suas idéias foram posteriormente adotadas pelos batistas e outras
denominações e, no mundo moderno, estas doutrinas anabatistas têm sido incluído
mesmo nas constituições nacionais de países como o Brasil e os EUA. 4 Alguns acham
que o Protestantismo vai se tornar cada vez mais anabatista na sua teologia nos próximos
séculos.
1. A Liberdade Religiosa. Cada indivíduo é responsável para sua própria vida perante
Deus; portanto, é o indivíduo, e não o estado nem as autoridades da igreja dominante no
seu território, que deve fazer sua própria decisão religiosa. O governo deve permitir que
cada um escolhe a igreja em que vai congregar e proteger o indivíduo de perseguição
religiosa por parte de outros grupos religiosos.
2. A Igreja Voluntária. Os anabatistas ensinaram que a verdadeira igreja é composta
de pessoas que fazem suas próprias decisões de fé, portanto, ela é uma “igreja de crentes”
ou “igreja voluntária.” Consequentemente, os anabatistas rejeitaram: (a) tanto o batismo
de criancinhas, que não podiam se decidir, e (b) a noção de que a igreja deve ser uma
entidade territorial, isto é, que todas as pessoas num dado território devem
automaticamente ser membros de uma única igreja estabelecida e reconhecida pelo
governo secular. Nesta concepção não territorial da igreja, que hoje prevalece
especialmente nas Américas, destaca-se bastante a vontade do crente, que
voluntariamente: decide seguir a Cristo, escolhe onde vai congregar, quer participar nas
decisões de sua igreja e se sente responsável pela missão da igreja no mundo (se entende
O termo “anabatista” foi aplicado a certos reformadores do século XVI porque eles rebatizaram
adultos que haviam sido “batizados” como infantes. Para os anabatistas, o único batismo
verdadeiro é o batismo de crentes, isto é, de pessoas capazes de se decidir; consequentemente, o
batismo de criancinhas não foi aceito por eles.
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A lista que segue foi sugerida no artigo “Protestantism,” em The New Encylopaedia Britannica -Knowledge in Depth (1988), vol. 26, pág. 210.
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como uma testemunha ou missionário). Além disso, tal “igreja de crentes,” que exige um
compromisso pessoal de cada um, possibilita uma disciplina eclesiástica bem mais séria
do que nas igrejas sacramentais nacionais.
3. A Separação entre a Igreja e o Estado. Querendo preservar a pureza e liberdade
da igreja de Cristo dentro de uma sociedade mundana, os anabatistas, unicamente no
século XVI, defenderam a separação da igreja do domínio secular. As autoridades civis
não deveriam se meter nas coisas eclesiásticas e a igreja não deveria tentar administrar o
estado. Isto obviamente implica em que não deve haver nenhuma igreja estabelecida ou
privilegiada pelo governo secular, que deve tratar todas as igrejas com igualdade,
protegendo liberdade de expressão de todas elas na sociedade.
BIBLIOGRAFIA
Alves, Rubem A. Protestantismo e Repressão. São Paulo: Editora Ática, 1979.
Marty, Martin E. “Protestantism,” na Internet: BELIEVE Web-page: http://mbsoft.com/believe/
“Protestantism,” The New Encyclopaedia Britannica. Macropaedia: Knowledge in Depth.
Volume 26, 1988.
Tillich, Paul. The Protestant Era. Chicago: The University of Chicago Press, (1948) 1973.
Wright, D. F. “Reforma Protestante,” e “Protestantismo,” na Enciclopédia HistóricoTeológica da Igreja Cristã, editada por Walter A. Elwell.
http://www.teologiaocidental.com
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