Testes genéticos de venda directa ao consumidor: uma abordagem ética e legal
Rui Marinho
Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica, Universidade do Minho, Braga, Portugal
Resumo
No âmbito da Unidade Curricular intitulada Ética Biomédica, inserida no plano de estudos do Mestrado Integrado em
Engenharia Biomédica do ano lectivo de 2009-2010, foi proposta a realização de um trabalho que abordasse um tema
actual, relacionado com actividades biomédicas, que pudesse originar problemas de dimensão bioética. Motivado por esta
iniciativa, o presente trabalho tem como objectivo definir e caracterizar os testes genéticos de venda directa ao
consumidor, bem como enquadrá-los do ponto de vista legal nos termos nacionais e internacionais, e também reflectir
sobre os princípios éticos que os envolvem.
Palavras-chave: testes, genéticos, venda, directamente, consumidor, D2C, DAC, ética, biomédica, legal,lei
1 Introdução
No âmbito da Unidade Curricular intitulada Ética
Biomédica, inserida no plano de estudos do
Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica do
ano lectivo de 2009-2010, foi proposta a realização
de um trabalho que abordasse um tema actual,
relacionado com actividades biomédicas, que
pudesse originar problemas de dimensão bioética.
Num dos Seminários leccionados pelo Professor
Doutor Manuel Curado foi discutido o estado da
legislação Portuguesa relacionada com a
manipulação genética. As aplicações médicas
tecnológicas em torno desta área são actualmente
tão
vastas
e
inovadoras
que,
muito
frequentemente, a principal atracção são os fins
atingidos, esquecendo-se as consequências que
estes podem representar do ponto de vista do valor
Humano. Está a surgir, assim, um problema social
em crescente expansão como resultado da
especialização das técnicas de manipulação
genética, nomeadamente no campo dos testes
preditivos, mediante a venda directa de “kits” ao
consumidor.
2 Objectivos
Este artigo é baseado num trabalho de investigação
em bases de dados científicas, juntamente com
uma reflexão pessoal final, e visa três objectivos
principais:
1 - Jornal de Ciências Cognitivas – Fevereiro de 2011
1. Definir e caracterizar os testes genéticos no
geral e os testes genéticos de venda directa
ao consumidor (“kits”), em particular.
2. Efectuar o enquadramento legal, na
conjuntura nacional e internacional, das
técnicas utilizadas nestes testes.
3. Reflectir sobre os valores e princípios
envolvidos, nomeadamente sobre as
questões éticas e sociais.
3 Enquadramento
A venda de testes genéticos Directamente Ao
Consumidor (DAC) é um fenómeno em franca
expansão nos EUA e, a uma escala mais reduzida, a
nível internacional. Tirando partido da Internet, da
promessa do Projecto do Genoma Humano,
alimentado pelo potencial comercial e pelo
aumento do interesse dos consumidores nos
cuidados de saúde auto-medicados, um enorme
número de novas empresas tem começado a
oferecer serviços de testes genéticos DAC [1, 2].
Assim, têm vindo a surgir nos últimos anos
novas metodologias e equipamentos avançados
que permitiram desenvolver pacotes comerciais
(“kits”) de venda de testes genéticos DAC.
Tipicamente estas vendas são concretizadas sem
existir um intermediário (como farmácias ou
supermercados), eliminando qualquer barreira
entre o consumidor e a empresa fornecedora dos
“kits” - daí a designação Directamente Ao
Consumidor [3, 4]
O advento dos testes genéticos DAC tem
causado alarmismo entre geneticistas, profissionais
de saúde pública, defensores dos consumidores e
instituições governamentais. Colocam-se dúvidas
sobre a qualidade e precisão dos testes, a
adequação da informação providenciada pelas
empresas, e o risco dos consumidores serem
guiados por afirmações falsas ou enganosas e
tomarem decisões prejudiciais à saúde com base
nos resultados destes testes. As consequências
podem ser tão catastróficas que até o estilo de vida
das pessoas pode ser incorrectamente alterado ou
serem realizados tratamentos desnecessários ou
infrutíferos [5, 6, 7, 8].
Este ecossistema comercial criou um problema
de racionalização junto de quem recorre a estes
“kits”. Não há qualquer apoio médico que possa
aconselhar a realização dos testes, nem tão
pouco o acompanhamento profissional que auxilie
o consumidor a interpretar os resultados. Assim, os
profissionais de saúde são frequentemente
esquecidos neste cenário. Os consumidores estão
muito mais sujeitos às práticas comerciais de
negócio pois os “kits” são anunciados nos media
(imprensa, televisão e jornais) e adquiridos
directamente ao fornecedor [9]. Depois de
receberem o kit de colheita apenas têm de devolver
a sua amostra biológica por correio à mesma
entidade, obtida a partir de sangue em papel,
raspado bucal com cotonete ou saliva. Assim que os
resultados estejam prontos a empresa envia um
código especial para que possam ser consultados
via Internet, ou então através do correio [10].
Os apoiantes da prática de testes genéticos frequentemente a representar a sua posição nas
empresas prestadoras de serviços DAC - garantem
que esta ferramenta contribui para educar os
consumidores a tomarem decisões sobre o seu
estilo de vida e a efectuarem tratamentos
benéficos para a sua saúde [11]. Indubitavelmente,
os que mais lucram com este conhecimento
genético são as próprias empresas que
comercializam os “kits”, alegando benefícios
relacionados com autonomia, poder e baixo custo
[12, 11].
Contudo, é também importante separar o poder
do dever. A questão sobre se é justificável e
saudável promover resultados sem benefícios
2 - Jornal de Ciências Cognitivas – Fevereiro de 2011
comprovados, regras e critérios definidos, sem
apoio médico especializado que certifique a sua
correcta interpretação, sem garantia de tomada de
decisões equilibradas, em ambiente laboratorial de
qualidade desconhecida, e subjacente a técnicas de
marketing que apelam frequentemente às emoções
dos consumidores, permanece ainda sem resposta
definitiva.
4 Definição e caracterização dos testes genéticos
Um teste genético consiste em métodos para
detectar condições hereditárias que são passadas
de geração em geração das células germinais (isto
é, as células responsáveis pela formação do
espermatozóide ou óvulo) e também eventuais
mutações ou alterações na informação genética. Há
um debate sobre a definição de um teste genético
relacionado com a hereditariedade, o que está para
além dos objectivos deste trabalho, mas tome-se
como exemplo o cancro. O cancro é uma doença
genética, porque todo o cancro é resultado de
mudanças na estrutura do ADN ou cromossomas,
levando a alterações em genes específicos ou na
expressão de genes [13]. No entanto, nem todos os
cancros são hereditários, e muitas mutações
genéticas
que
causam
cancro
ocorrem
esporadicamente em células somáticas (ou seja,
qualquer outra célula que não as células da linha
germinal). Alguns indivíduos têm alterações
genéticas específicas nas células da linha germinal
que predispõem ao cancro. Estas alterações podem
ser passadas de geração em geração e, por isso, são
consideradas hereditárias.
Os testes genéticos incluem uma variedade de
métodos utilizados para analisar o ADN, ARN,
cromossomas,
proteínas
ou
determinados
metabolitos. Apesar de alguns testes não se
encaixarem em categorias específicas, geralmente
os testes genéticos podem ser classificados como
moleculares, bioquímicos, citogenéticos, ou outra
combinação destas técnicas. Actualmente a análise
de ligação não é tão amplamente utilizada para
situações clínicas, mas pode ser útil quando o gene
ou mutação contributiva não foi ainda
determinada. A ligação descreve duas áreas num
cromossoma (loci) que estão localizadas
suficientemente
perto sobre o mesmo
cromossoma que geralmente são herdadas
conjuntamente. Além disso, a história familiar pode
ser usada como um teste genético para identificar
indivíduos com maior risco para doenças
hereditárias. As indicações para a utilização de
testes genéticos na prática clínica são variadas e
podem incluir a contribuição para um diagnóstico,
guiando intervenções médicas, para determinar o
estado do portador, fornecendo uma estimativa do
risco de doenças futuras, para o desenvolvimento
de um prognóstico, e para proporcionar dicas sobre
a eficácia de um fármaco (farmacogenética) [14].
Existem vários tipos de testes genéticos
(adaptado de [15] e [14]):
• Testes de diagnóstico - usados para
confirmar ou excluir um conhecido ou
suspeito problema genético num indivíduo
sintomático [16].
• Testes preditivos - propostos a indivíduos
assintomáticos com historial familiar de
problemas genéticos. Pode assumir dois
tipos: pré-sintomático (eventual
desenvolvimento de sintomas é certo
quando a mutação genética está presente,
como a doença de Huntington) e prédispostos (eventual desenvolvimento de
sintomas é provável mas não certo, quando
a mutação está presente, como o cancro da
mama).
• Teste pré-sintomático - realizado para
identificar indivíduos que têm uma mutação
genética de uma doença hereditária
autossómica recessiva ou ligadas ao X
recessivo. Os portadores geralmente não
apresentam sintomas relacionados com a
mutação genética. Este teste é geralmente
proposto a indivíduos que têm familiares
com uma condição genética, familiares de
um portador já identificado e indivíduos em
grupos étnicos e raciais conhecidos por
terem uma maior taxa de transporte para
uma condição particular.
• Teste pré-natal - realizado durante a
gravidez para avaliar o estado de saúde do
feto. O teste de diagnóstico pré-natal é
proposto quando há um aumento do risco de
ter uma criança com uma doença genética
devido à idade materna, história familiar,
etnia ou marcador sugestivo de múltiplas
doenças ou exame de ultra-som fetal.
3 - Jornal de Ciências Cognitivas – Fevereiro de 2011
• Teste pré-implantatório - é realizado em
embriões resultantes de fertilização in vitro,
a fim de diminuir a possibilidade de uma
determinada condição genética ocorrer no
feto. Em geral, é proposto aos casais com
uma alta probabilidade de ter uma criança
com uma doença grave. O teste préimplantação fornece uma alternativa ao
diagnóstico pré-natal e interrupção da
gravidez afectada.
• Análise neonatal - identifica indivíduos que
têm uma probabilidade maior de ter uma
doença genética específica para que o
tratamento possa ser iniciado o mais cedo
possível, como aliás já se efectua como
procedimento de rotina em recém-nascidos
(Teste de Guthrie, vulgarmente conhecido
como Teste do Pézinho).
Para além de diagnosticar doenças genéticas e
identificar a susceptibilidade a doenças, a
tecnologia de ADN também pode ser usada em
contextos não-médicos, como o antepassado,
identificação criminal e testes de paternidade,
entre outros. Esta grande variedade aplicacional de
testes genéticos gera consequências muito
distintas, de acordo com o contexto em que se
inserem.
É, por isso, fundamental que haja um consenso
sobre a definição em torno de teste genético, como
alertou em 2004 o Expert Group (EG) da Comissão
Europeia num relatório sobre este assunto [17]. No
mesmo documento, o EG referiu um teste genético
como sendo “qualquer teste que origine dados
genéticos”, inequivocamente identificando as
informação de ADN subjacente e linhas de
germinação ou somáticas, independentemente dos
métodos e técnicas utilizadas, mas sim do ponto de
vista da informação obtida.
4.1 Mercado
Os laboratórios de análises clínicas estão hoje em
condições de oferecer mais de 1200 testes
genéticos, e este número continua em plena
expansão. No entanto, este cenário era
radicalmente diferente há alguns anos atrás. O
custo
do
equipamento
laboratorial
era
extremamente elevado e difícil de operar, de modo
que não era atractivo do ponto de vista económico
realizar testes genéticos sem ser em contexto
hospitalar ou de investigação, nem sequer havia
conhecimento suficiente sobre cada doença
hereditária passível de se diagnosticar [15, 18, 19]).
Os avanços tecnológicos mais recentes
contribuíram para desenvolver metodologias mais
rápidas e menos custosas com base em
equipamentos de produção em massa. A
necessidade de o rentabilizar, aliada ao aumento
do conhecimento sobre o Genoma Humano,
permitiu conhecer com maior detalhe os genes
responsáveis por doenças hereditárias, o que gerou
entusiasmo e deslumbramento em vários sectores
da sociedade e dos media [20].
É neste contexto que surge a venda de testes
genéticos DAC, sem a intervenção de profissionais
de saúde e sem aconselhamento adequado para a
interpretação dos resultados obtidos. A genética
médica, que já vinha a ser necessariamente
praticada por profissionais de saúde, está hoje
rodeada de testes preditivos, juntamente com
aconselhamento sobre estilos de vida e de dieta,
testes de paternidade, antepassados ou etnia e
determinação precoce do sexo fetal.
No que diz respeito à prestação de serviços DAC
é impressionante o número de empresas norteamericanas envolvidas nesta área. Uma pesquisa
recente com base na Internet identificou uma
amostra de 24 empresas que publicitam a venda
online de testes DAC [21]. Apesar dos resultados
poderem ser imparciais devido ao uso de palavraschave em Inglês, na estratégia de pesquisa
detectou-se que 21 das 24 empresas identificadas
possuíam a sua sede nos Estados Unidos da
América (EUA) ou no Canadá, e apenas duas
operavam a partir da Europa. Mais ainda, no anexo
do relatório More Genes Direct from the Human
Genetics Commission [3], 19 empresas americanas,
3 britânicas, 3 da Europa Continental e uma
empresa islandesa afirmam oferecer testes
genéticos DAC.
Em Portugal, a Comissão Nacional de Ética para
as Ciências da Vida identificou, no seu Relatório de
Venda Directa de Testes Genéticos ao Público [22],
duas empresas em Portugal e uma em Espanha
com sede em local conhecido, publicitando e
vendendo testes genéticos DAC, e oferecendo
resultados directamente ao consumidor.
Essas empresas são:
4 - Jornal de Ciências Cognitivas – Fevereiro de 2011
• Geneteste (Porto, em parceria com o
IPATIMUP) - http://www.genetest.pt
(doenças cardio-vasculares e outras).
• Genosolutions (Cascais, em parceria com
Genova Diagnostics dos EUA) http://www.genosolutions.com (testes de
susceptibilidade para uma variedade de
doenças cardiovasculares, neurológicas,
imunológicas, inflamatórias, etc.;
farmacogenética; nutrigenómica;
armazenamento de células estaminais, etc.)
• LabGenetics (Madrid) http://www.labgenetics.com.es/pt
(farmacogenética, diagnóstico para doenças
hereditárias, diagnóstico pré-natal,
diagnóstico pré-implantação, testes de
paternidade e outros).
• STAB Vida (Lisboa) http://www.stabvida.com (testes de
paternidade).
No entanto, a localização é cada vez menos um
factor decisivo no momento da escolha do
consumidor. O mercado global da Internet
proporciona muito poucos obstáculos à aquisição
de “kits” e estão, assim, ao alcance de qualquer
indivíduo que deseje um teste genético e que
possua os recursos financeiros para o fazer. Por
este motivo, foi enviado correio electrónico a
diversas empresas neste sector com o objectivo de
confirmar o envio de “kits” para Portugal e/ou de
identificar a adesão de cidadãos Portugueses a
estes serviços comerciais.
Em resposta ao correio electrónico, um
representante da marca Navigenics (EUA) afirma
que, apesar do sistema online não estar
configurado para aceitar encomendas para
Portugal, o serviço encontra-se activo sem qualquer
restrição. Juntamente com esta informação
enviaram os Termos e Condições dos seus testes,
um formulário para requisitar o teste e também um
folheto para o processo de consentimento
informado. É também referido que os
consumidores têm direito a uma hora de
aconselhamento genético via telefone, podendo
adquirir mais horas por uma quantia extra.
Segundo a Navigenics este processo não é
obrigatório, mas é recomendado.
Já o contacto com a Geneteste (Portugal)
revelou-se infrutífero, pois o endereço electrónico
disponível no seu website oficial não se encontrava
válido. Também o Gabinete de Relações Pública da
23andMe (EUA) foi consultada em modelos
semelhantes, não tendo sido obtida qualquer
resposta até à data de redacção deste trabalho.
Para terminar, a deCODEme (Islândia) confirmou o
funcionamento do seu serviço para Portugal,
apesar de também não estar indicado no seu
website como um destino válido.
5 Enquadramento legal
Para os testes genéticos beneficiarem um paciente
ou consumidor, o laboratório que realiza o teste
deve ser capaz de obter a resposta certa
relativamente à presença ou ausência de uma
variante genética específica - a denominada
validade analítica. A variante genética que está a
ser analisada também deve estar relacionada com
uma determinada doença ou condição no paciente
(ou seja, um fenótipo) ou com risco aumentado de
doença - conceito conhecido como validade clínica.
Finalmente, o teste deve fornecer a informação que
é útil para o indivíduo que está a ser testado (por
exemplo, em diagnosticar, tratar ou prevenir a
doença ou condição). Este último conceito é
apelidado de utilidade clínica, e é um assunto
controverso entre os geneticistas, uma vez que
determinar se as informações podem ser úteis para
um determinado paciente pode ser uma tarefa
subjectiva. Exemplos práticos deste cenário
problemático pode ser o conhecimento de uma
base genética para uma doença que não pode ser
tratada ou evitada mas, no entanto, querer
oferecer paz de espírito ao paciente. As
deliberações de utilidade clínica, no contexto dos
testes DAC, é altamente problemática, pois é o
próprio consumidor que toma a decisão sobre se
fazer o teste será útil ou não - o que não deixa de
poder ser uma determinação com falhas se a
informação prestada pela empresa for falsa ou
enganosa, ou não explicada cabalmente ao
consumidor [23].
É, por isso, fulcral que a regulamentação tenha
em conta não só a definição de teste genético, mas
também a validade analítica e clínica destes, e a
veracidade das informações prestadas pelas
empresas aos seus consumidores.
5 - Jornal de Ciências Cognitivas – Fevereiro de 2011
5.1 A situação em Portugal
Em Portugal os testes genéticos foram inicialmente
definidos pelo Despacho 5411/97 (2ª série), de 8 de
Julho, publicado no Diário da República, 2ª série, nº
180, de 6 de Agosto de 1997. Este despacho definiu
os objectivos, os princípios e o modelo de
organização do diagnóstico pré-natal. Em 1997
começavam a ser dados os primeiros passos no
reconhecimento da importância dos testes
genéticos na diminuição da mortalidade infantil. Foi
definido o perfil das grávidas de risco, nas quais era
recomendada a execução deste teste, mas alguns
dos critérios ainda permaneceram como decisão
das unidades de saúde envolvidas no diagnóstico
pré-natal. Alguns dos princípios descritos
mencionavam a obrigatoriedade de uma consulta
de aconselhamento genético e a confidencialidade
das informações obtidas através dos exames. Foi
também criada a Comissão Técnica Nacional, que
funcionava junto da Direcção-Geral da Saúde, e as
comissões técnicas regionais, que funcionavam
junto das Administrações Regionais de Saúde [24].
O Despacho 9108/97 (2ª série), de 18 de
Setembro, publicado no Diário da República, 2ª
série, nº 237, de 13 de Outubro de 1997,
caracterizou o enquadramento para a realização
dos testes de biologia molecular para efeitos de
prestação de cuidados de saúde e para as situações
de diagnóstico clínico, diagnóstico do estado de
heterozigotia, diagnóstico pré-sintomático e
diagnóstico pré-natal.
Mais tarde, a Portaria 189/98 (1ª série B), de 21
de Março, publicada no Diário da República, 1ª
série B, nº 68, estabeleceu a constituição das
comissões técnicas de certificação da interrupção
da gravidez, explicitando a participação de
geneticistas.
No Despacho 10325/99 (2ª série), de 3 de Maio,
publicado no Diário da República, 2ª série, nº 122,
de 26 de Maio de 1999, foi aprovado o modelo de
estruturação e funcionamento dos centros de
diagnóstico pré-natal, revistos no Despacho
5411/97 anteriormente referido [24].
Em 2001, à semelhança de outros 20 países
europeus, Portugal ratificou a Convenção para a
Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade
do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da
Medicina: Convenção sobre os Direitos Humanos e
Biomedicina (CETS n. º 164), conhecida como
Convenção de Oviedo, que teve um papel
fundamental na harmonização das leis sobre
direitos humanos [17].
O artº 12º declara que “os testes que são
preditivos de doenças genéticas ou que sirvam para
identificar o sujeito como um portador de um gene
responsável por uma doença, ou para detectar uma
predisposição ou susceptibilidade genética a uma
doença, apenas podem ser realizados para fins de
saúde ou para a investigação científica ligada a
motivos de saúde, e sem prejuízo de um
aconselhamento genético adequado.” Assim, todos
os países que ratificaram a Convenção têm, pelo
menos, uma norma relativa aos testes présintomáticos, de susceptibilidade e de portador, e a
sua necessidade de aconselhamento genético [17].
Mais recentemente, já em 2005, é aprovada a
Lei 12/2005 sobre Informação Genética Pessoal e
Informação de Saúde, que define o conceito de
informação de saúde e de informação genética, a
circulação de informação e a intervenção sobre o
genoma humano no sistema de saúde, bem como
as regras para a colheita e conservação de produtos
biológicos para efeitos de testes genéticos ou
investigação.
A Lei nº 12/2005, no seu artº 17º nº 3, reafirma
esta ideia por acrescento de testes de diagnóstico,
de heterozigotia, pré-sintomáticos, preditivos ou
pré-natais ou de qualquer tipo de rastreio genético,
garantindo o acesso a aconselhamento e, se
indicado, a acompanhamento psicossocial, antes e
depois da realização destes testes.
Sobre o registo dos resultados, o artº 6 nº 3 a
informação
de
testes
preditivos
para
predisposições a doenças comuns e présintomáticos para doenças monogénicas não é
revestida de natureza médica. Não tendo
implicações imediatas para o estado de saúde
actual, não pode sequer ser incluído no processo
clínico, salvo no caso de consultas ou serviços de
genética médica com arquivos próprios e separados
(artº 6 nº 4).
Evidente também no artº 11º da Convenção da
Oviedo está o princípio da não discriminação em
função do património genético, reforçado no artº
11 nº 1 da Lei nº 12/2005 para situações em que os
resultados de um teste genético são positivos. Mais
ainda, o artº 11 nº 2 estende esta ideia à não
descriminação na obtenção ou manutenção de
emprego, obtenção de seguros de vida e de saúde,
acesso ao ensino e, para efeitos de adopção, no
6 - Jornal de Ciências Cognitivas – Fevereiro de 2011
que respeita quer aos adoptantes, quer aos
adoptados. O artº 12 acrescenta, em matéria de
seguros, que as companhias não podem pedir nem
utilizar qualquer tipo de informação genética
pessoal ou de antecedentes familiares para recusar
um seguro de vida ou estabelecer prémios mais
elevados, bem como solicitar a sua realização a
potenciais segurados.
O artº 9º da referida lei é ainda explícito quanto
aos requisitos a que devem obedecer os testes
genéticos, referindo que estes só podem ser
executados em pessoas saudáveis com autorização
do próprio, a pedido de um médico com a
especialidade de genética e na sequência da
realização de consulta de aconselhamento
genético, após consentimento informado, expresso
por escrito. A estes requisitos, impõe a lei, que a
comunicação
dos
resultados
seja
feita
exclusivamente ao próprio, em consulta médica
apropriada (artº 9º nº 3), excluindo, desta forma, a
venda directa de testes genéticos ao público.
É de salientar que o artº 9º nº 7 introduz a
condição de avaliação psicológica e social prévia e
seguimento após a entrega dos resultados de um
teste pré-sintomático ou preditivo que revele uma
situação de risco para doenças de início na vida
adulta
e
sem
cura
nem
tratamento
comprovadamente eficaz. Uma vez que várias das
empresas prestadoras de serviços genéticos DAC
afirmam conseguir detectar doenças sem cura (p.e.
doença de Huntington), parece inviável a
comercialização destes testes pois não há um
acompanhamento contínuo de profissionais de
saúde durante o processo.
A lei salvaguarda este último ponto e acrescenta
ainda que é da competência do Governo
regulamentar as condições de oferta e realização
destes testes genéticos, de modo a evitar a sua
execução
por
laboratórios
nacionais
ou
estrangeiros, sem que haja apoio de equipa médica
e multidisciplinar, assim como a eventual venda
livre dos mesmos (artº 15º nº 1). Também as
medidas de acreditação e certificação dos
laboratórios públicos ou privados que realizem
testes genéticos, diz a lei, devem ser determinadas
pelo Governo, que procede ao seu licenciamento
(artº 15º nº 2). Contudo, a Comissão Nacional de
Ética para as Ciências da Vida é clara nas conclusões
que tira sobre o panorama desta lei em Junho de
2008: “a verdade é que até hoje não houve
qualquer regulamentação” [22].
Em termos de acesso aos testes genéticos, não é
feita nenhuma referência direccionada aos testes
genéticos DAC, embora o artº 11 nº 4 garanta o
acesso equitativo ao aconselhamento genético e
aos testes genéticos em geral. Uma vez que os
testes genéticos DAC apresentam valores na ordem
dos milhares de euros, resta perceber de que modo
e em que condições pode o Estado concretizar esta
garantia.
Numa perspectiva mais comercial, o artº 17 nº 1
declara ilícita a criação de qualquer lista de doenças
ou características genéticas que possa fundamentar
pedidos de testes de diagnóstico, de heterozigotia,
pré-sintomáticos, preditivos ou pré-natais ou de
qualquer tipo de rastreio genético. Isto impede que
as empresas prestadores de serviços genéticos DAC
recorram a listas deste tipo para publicitarem as
suas ofertas, assim como direccionar esforços para
a realização de rastreios genéticos.
No caso particular dos pais quererem requisitar
um teste genético DAC para os seus filhos menores,
a lei proíbe a solicitação deste tipo de testes no artº
17 nº 5, se estiverem em causa doenças de início
habitual na vida adulta, sem prevenção ou cura
comprovadamente eficaz.
Para concluir, tal como refere o EuroGentest,
existem várias lacunas em matéria de testes
genéticos DAC na legislação de vários países.
Portugal acusa as mesmas falhas que outros países
europeus, legislando mais com base nos princípios
consignados
na
Convenção
de
Oviedo,
principalmente em matéria de aconselhamento
genético [17].
5.2 A situação Internacional
Ao nível do quadro normativo que regula os
serviços DAC na Europa, estes são considerados
como
controlados
pela
directiva
sobre
procedimentos médicos de diagnóstico (98/79/EC,
IVD Directive, ou in-vitro Medical Devices Directive),
que foi elaborada em 1998 e entrou em vigor para
todos os Estados Membros em 2003 [25].
Apesar da Europa tratar os “kits” comerciais
como dispositivos sujeito à Directiva IVD, não é
claro que isto se aplique a testes executados por
laboratórios fora da Europa. Por exemplo, se uma
empresa dos EUA disponibilizar os seus testes
através de terceiros para Portugal ou enviar
7 - Jornal de Ciências Cognitivas – Fevereiro de 2011
directamente o ”kit” para a morada do consumidor,
e a amostra recolhida ser enviada de volta para
essa empresa, a Comissão Europeia considera-a
isenta da Directiva IVD, pois o teste é realizado nos
EUA. Isto é o oposto da abordagem adoptada neste
país - um laboratório de referência baseado na
Europa teria de ter a aprovação da Food and Drug
Administration (FDA) para comercializar os seus
testes nos EUA [26, 27].
Mesmo que o sistema Europeu considere os
“kits” como dispositivos médicos, a verdade é que a
maior parte dos testes genéticos não é sujeito a
uma revisão independente pré-comercial na União
Europeia (UE) [26]. Isto acontece porque são
classificados como de baixo risco e, assim, isentos
de revisões por uma entidade terceira. Em
contraste, nos EUA, Canadá e Austrália, os testes
genéticos que se enquadrem nos regulamentos de
dispositivos médicos são classificados com risco
moderado a alto e, assim, geralmente requerem
uma revisão anterior à sua comercialização. Assim,
apesar da Europa não sofrer da confusão sobre o
estado da regulamentação dos “kits” que prevalece
nos EUA, ainda não revê testes genéticos, incluindo
os DAC, antes de serem comercializados [26].
Diversas questões com particular relevância
foram levantadas com a introdução da Directiva
IVD, tendo sido proposto um quadro normativo
estendido para a avaliação de testes genéticos
antes de lhes ser atribuída a marca CE, a qual
constitui o selo de aprovação que permite aos
“kits” serem comercializados na UE [25].
Para que a Directiva IVD possa implementar
uma avaliação sistemática, independente e précomercialização, como é proposto, várias questões
têm ainda de ser resolvidas, pois há fontes de
ambiguidade que necessitam de clarificação. Por a
Directiva estar bem estabelecida nos Estados
membros, a Comissão Europeia está a contemplar
uma revisão da Directiva, apoiada pelo trabalho
que está a ser activamente desenvolvido pela
Global Harmonisation Task Force. Esta discussão
iniciou-se em Junho de 2007, em Lisboa, durante a
Presidência Portuguesa [25].
Contudo, a aplicação da Directiva IVD nos testes
genéticos criou vários problemas e já começam a
surgir propostas para criar uma ferramenta
estendida de avaliação de novos testes genéticos
[26]. Em Maio de 2008, o Comité de Ministros do
Conselho da Europa aprovou um Protocolo
Adicional à Convenção de Oviedo que sublinhava
que um ”teste genético com objectivos de saúde só
pode ser executado sob supervisão médica
individualizada”. O documento tinha como principal
objectivo restringir a oferta comercial de testes
genéticos DAC fora dos sistemas de saúde, mas
ainda assim permitir excepções de testes
supervisionados desde que “não tenham
implicações importantes para a saúde das pessoas
em questão ou membros da família, e sem
importantes implicações que digam respeito a
escolhas de procriação” [1, 17, 28].
5.3 Publicidade
No domínio da prática comercial, as empresas
prestadoras destes serviços investem em
publicidade para aliciar os consumidores a
recorrerem a estes tipos de testes. A publicidade
aos testes DAC pode convertê-los em bens de
consumo e os seus resultados originarem conflitos
sociais. Em adição às leis que regulamentam os
dispositivos médicos, a legislação que proíbe a
publicidade do fornecimento de informação
incompleta ou enganosa pode ajudar a certificar
que o consumidor recebe informação precisa.
O Código da Publicidade em Portugal, que
sofreu alterações relativamente às práticas
comerciais desleais com os consumidores com o
Decreto-Lei nº57/2008 de 26 de Março por
transposição da Directiva nº2005/29/CE, reforça a
protecção destes neste caso em particular da venda
de “kits” [22]. Por incidir sobre a omissão de
informação considerada essencial para que o
consumidor possa tomar uma decisão esclarecida, a
legislação condiciona a venda dos testes genéticos.
Contudo, dado o público-alvo e o tipo de
informação com que se está a lidar, as
consequências desta lei podem ser infrutíferas, o
que reforça a importância da regulamentação.
Nos EUA, o aumento de publicidade relativa a
testes DAC aumentou uma vez que já é aceite a
promoção da prescrição de fármacos ao público. Na
Europa e no resto dos países (excepto na Nova
Zelândia), não é permitido publicitar a prescrição
de fármacos [10]. Estudos mostram que esta forma
de publicidade influencia tanto as necessidades do
paciente, como o comportamento de prescrição
dos médicos [29]. Esta ideia também parece ser
aplicável no caso dos testes genéticos, como
8 - Jornal de Ciências Cognitivas – Fevereiro de 2011
reportam Matloff e Caplan num relatório em 2008
[30].
O facto de haver um contraste tão grande entre
o mercado Norte-Americano e Europeu pode ser
visto como resultado da população americana estar
particularmente mais inclinada a realizar testes DAC
pois praticam o conceito de do-it-yourself, está
acostumada ao marketing na medicina e também a
pagar por serviços de saúde [10].
6 Conclusão
6.1 Reflexão sobre valores e princípios (bio)éticosociais
Os testes genéticos DAC continuam a proliferar e a
investigação nesta área tem avançado de forma
rápida, embora as políticas que asseguram a sua
qualidade não estejam a acompanhar este
desenvolvimento. Estabelecer um sistema de
supervisão coerente é desafiador pois estão
envolvidas inúmeras entidades, e também as
normas regulamentares direccionadas para o
contexto DAC são insuficientes ou inexistentes.
Também parece não haver consenso em relação à
necessidade e ao tipo de supervisão apropriada
para os testes DAC devido à sua heterogeneidade e
modelos de negócios em prática, que complicam
ainda mais o desenvolvimento dos referidos
mecanismos. Talvez este desafio venha a ser
superado mas, para que tal aconteça, é essencial
compreender as implicações sociais que estes
testes acarretam.
Os testes genéticos DAC representam muito
mais do que meros aparelhos médicos prontos a
serem comercializados: são os instrumentos que
podem alterar a vida de uma pessoa e a dos seus
familiares. É crítico que as pessoas que realizam
estes testes entendam que estes são apenas parte
de um complexo processo que tem potencial para
ser tanto positivo como negativo para a sua saúde e
para o seu bem-estar. É, por isso, da maior
importância que a sua realização seja acompanhada
por aconselhamento médico capaz, que alerte o
consumidor para a possibilidade de virem a ser
detectadas doenças para as quais não haja
prevenção ou tratamento, que o consumidor seja
totalmente esclarecido quanto à natureza preditiva
e probabilística destes testes, assim como deve
estar garantida a validade analítica e clínica dos
mesmos. Também em termos de privacidade e
confidencialidade, devem estar em prática
protocolos aprovados e reconhecidos pelos
autoridades competentes que garantam, entre
outras coisas, a correcta manipulação das amostras
de DNA, a não descriminação no emprego e nos
seguros de saúde [31], e o acesso pré-aprovado e
limitado aos resultados. Estes princípios,
considerados como os requisitos mínimos pela
American College of Medical Genetics para a
execução de testes genéticos DAC, permitem
atenuar as implicações destes testes [32].
O aconselhamento médico deverá ser parte
integrante do processo de teste genético e garantir
a apresentação de informação precisa antes e após
o teste, especialmente no que diz respeito à
detecção preditiva de patologias complexas (p.e.
doença de Huntington). O valor deste
aconselhamento não pode ser subvalorizado,
particularmente nestas situações, que podem
conferir apenas um pequeno risco ou então uma
patologia para o qual o risco não pode ser
conhecido com precisão. É por este motivo que
tipicamente os médicos dão prioridade a testes que
diagnostiquem claramente certas patologias, cujo
valor preditivo permita melhorar o tratamento, em
contraste com os testes DAC.
Testar genes que predispõem a condições
complexas ou multi-factoriais, tais como problemas
comunicativos, acarretam consigo considerações
adicionais. A complexidade genética da maior parte
das doenças tende a diminuir o poder preditivo dos
testes genéticos para a predisposição de certos
genes, particularmente em relação a aspectos que
parecem mais importantes para os pacientes, como
a previsão da severidade da patologia, o tempo até
ao seu aparecimento, e a susceptabilidade a
tratamentos [33]. A identificação precoce das
variantes genéticas em pessoas que podem ou não
desenvolver a patologia na realidade pode originar
uma estigmatização social e médica, e
descriminação relacionada com o emprego e
seguros de saúde. Em resposta a estas
preocupações, começam a ser dados os primeiros
passos na criação de leis que restringem o uso de
informação genética por seguradoras e bane o uso
de rastreios genéticos para decisões relacionadas
com o emprego, como aliás se verifica já na
legislação Portuguesa (Lei 12/2005) [34].
Na vertente comercial, alguns laboratórios
começam a publicitar em massa os seus testes
9 - Jornal de Ciências Cognitivas – Fevereiro de 2011
genéticos, nomeadamente para cancro da mama
(genes BRCA1 e BRCA2), hemocromatose, fibrose
cística e outros testes não clínicos como de
nutrição, envelhecimento e comportamento [35]. O
marketing realizado por estas empresas levou à
utilização
inapropriada
dos
testes,
má
interpretação dos resultados e inexistência de
acompanhamento pós-teste. As limitações dos
testes genéticos raramente são retratadas de forma
precisa em publicidade impressa, na televisão e na
Internet, algo a que as entidades reguladoras da
comunicação devem estar atentas.
Os problemas com mal-entendidos sobre o
poder clínico dos testes genéticos podem ser
agravados pela linguagem utilizada e pelo
entusiasmo existente na literatura científica
profissional e nos meios de comunicação que são
usados para descrever a investigação sobre a
identificação de factores genéticos em doenças
complexas. Um exemplo concreto é o autismo, um
problema extremamente heterogéneo e que
envolve
variáveis
ambientais
largamente
desconhecidas, e que raramente tem uma etiologia
de um único gene ou cromossoma (10% dos casos)
[36]. Certos critérios de investigação relacionados
com a estrutura do estudo, incluindo a selecção da
população e tamanho da amostra, têm impacto na
determinação da causalidade e generalização dos
resultados, pelo que a linguagem utilizada na
apresentação dos resultados deverá ser mais
cuidada, para evitar interpretações erradas dos
médicos, das famílias e da imprensa, do valor
preditivo de certas variantes genéticas.
Alguns bioeticistas proeminentes já afirmaram
que o aumento da resistência à era da informação
genética vai para além das questões acima
mencionadas. Quatro considerações fundamentais
foram identificadas por Juengst ([33]): a informação
genética pode revelar segredos essenciais sobre os
indivíduos que podem afectar a sua identidade em
termos do papel familiar; a origem ancestral; a
participação na comunidade; e a afiliação étnica. Há
quem argumente que os problemas éticos da
genética são limitados no tempo e que serão
resolvidos à medida que a medicina genética
alcança a ciência do genoma. Os “desafios sociais
básicos da informação genética não são as pistas
que nos podem dar sobre futuros riscos de
saúde...enquanto as pessoas usarem o seu papel
familiar, o seu antepassado, a participação na
comunidade e a identidade étnica como indicadores
da sua posição social, a informação genética
continuará a ser socialmente poderosa” [33].
O respeito pela autonomia do paciente e pelo
direito à escolha individual é altamente valorizado
nos países desenvolvidos e, aparentemente, o
modelo da genética aplicado às necessidades e
desejos individuais continuará a crescer, pois o
sentimento de poder aumenta com a informação e
a possibilidade de escolhas. Assim, numa sociedade
moderna e democrática, que valorize a
multiplicidade de ideias, cada cidadão deverá poder
fazer as suas escolhas como exercício na sua esfera
privada, desde que daí não resultem danos em
entidades terceiras ou seja prejudicado o interesse
público. Numa perspectiva redutora, um teste
genético pode até ser considerado como apenas
mais uma métrica, equivalente a tantas outras que
hoje se consideram habituais (p.e. medição do
colesterol e da pressão arterial, contagem de
calorias, etc.), e que têm como objectivo ajudar a
calibrar a saúde da pessoas diariamente.
Por outro lado, não deve ser esquecida a
igualdade de oportunidades, no sentido em que
estes testes são dispendiosos e por isso não
contribuem para combater o desfavorecimento dos
estratos sociais com menores rendimentos. Não
havendo garantia que o Serviço Nacional de Saúde
forneça este tipo de testes a todos os seus utentes,
as condições de acesso a esta tecnologia
continuarão a constituir uma barreira. O próprio
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da
Vida, no seu Parecer sobre Venda Directa de Testes
Genéticos ao Público defende que os testes
genéticos com finalidade preditiva não devem ser
oferecidos directamente ao público.
Em suma, apesar de, aparentemente, existirem
muitos benefícios para a saúde resultantes da
informação genética na identificação e tratamento
de doenças, os riscos dos testes genéticos não são
geralmente físicos, mas sim psicológicos,
financeiros e sociais. As considerações éticas não
ocorrem apenas ao nível do indivíduo, mas também
da família e da sociedade, pelo que o respeito pelo
princípio da autonomia pessoal deverá ter sempre
em conta considerações de beneficiência e de nãomaleficiência face aos potenciais riscos resultantes
destes testes.
10 - Jornal de Ciências Cognitivas – Fevereiro de 2011
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Testes genéticos de venda directa ao consumidor: uma abordagem