AS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA AS QUESTÕES
ETNICORRACIAIS: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA
Sônia Maria dos Santos Marques1
Aline Malagi2
Ana Carla Vagliati3
Introdução
Após 120 anos da abolição da escravatura no Brasil, a sociedade brasileira ainda
enfrenta o desafio da integração social e etnicorracial. Assim, neste texto, propomos
discussão sobre a intersecção entre as desigualdades raciais e a implementação de políticas
públicas de promoção de igualdade racial. Realizaremos uma abordagem histórica das leis
que tratam das questões etnicorraciais. Tais reflexões partem de uma atividade empírica:
trabalho realizado para a formação de professores sobre a temática: cultura e etnia. As
observações dos cursos, seminários, oficinas [...] indicaram a importância dos processo de
formação docente, da mesma forma que fizeram ver as dificuldades para de mobilizar as
representações etnicorraciais arraigadas na sociedade brasileira. Assim, neste texto,
discutimos a legislação, destacando seu percurso histórico e as modificações que
produziram na vida das pessoas e coletividades.
1
Drª em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Coordenadora do Projeto Apoio às
Licenciaturas no Sudoeste do Paraná: Cultura e Etnia-Programa Universidade sem Fronteiras – SETI.
Professora Adjunta da Unioeste, Curso de Pedagogia, Campus de Francisco Beltrão, E-mail:
[email protected]
2
Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Francisco
Beltrão. Bolsista de Graduação pelo Programa Universidade Sem Fronteiras – SETI. E-mail:
[email protected]
3
Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Francisco
Beltrão. Bolsista de Graduação pelo Programa Universidade Sem Fronteiras – SETI. E-mail:
[email protected]
Desenvolvimento
As iniciativas em relação ao ensino de história e cultura afro-brasileira, história dos
africanos e educação para as relações etnicorraciais e combate ao racismo ganharam vultos
nos últimos anos. Neste novo contexto observamos ações voltadas para a formação de
professores, a produção de material didático-pedagógico, a organização de mini-cursos,
oficinas e demais ações que potencializam a discussão sobre a temática e da mesma forma
apresentam indicativos formas de trabalhar este tema em escolas da Educação Básica.
Há diversidade de ações educativas para promover a igualdade racial e, sabemos que houve
ampliação e consolidação de políticas socais de acesso à população negra. No entanto,
todas essas medidas não alteraram os índices históricos de desigualdades entre brancos e
negros no Brasil. Nesse sentido, Domingues (2007, p.25) destaca que “os negros no Brasil
têm passado por uma miríade de dificuldades na área educacional. Eles lideram as
estatísticas em matéria de evasão escolar, repetência e analfabetismo”.
Os negros eram desprovidos de direitos sociais e políticos mínimos, dentre eles à
educação. Percorrendo a história, percebemos as tentativas de manter o negro escravizado
distante das escolas e mesmo no momento que a educação era vista como um agente
modernizador, a elite burguesa acreditava que a alfabetizando dos escravos era elemento de
rebeldia como esclarece Oliveira (1999, p.86), “(...) saber ler e escrever poderia ser um
instrumento em prol da liberdade nas mãos dos escravos, quando a ordem social era
garantida através do chicote”.
Nesse sentido, é importante perceber como o termo raça foi introduzido na literatura
especializada em inícios do século XIX, por Georges Cuvier, inaugurando a ideia da
existência de heranças físicas permanentes entre os vários grupos humanos. Esboçava-se
um projeto marcado pela diferença de atitude entre o cronista do século XVI e o naturalista
do séc. XIX, “a quem não cabia apenas narrar, como também conhecer classificar, ordenar,
organizar tudo que se encontra pelo caminho” (SCHWARCZ, 1993, p.47).
Em segundo momento, preocupamo-nos em indicar como eram vistas as questões
raciais no século XIX e início do período republicano. A miscigenação era vista como
problema que a sociedade brasileira teria de resolver.
Nas diferentes instituições de pesquisa da época - nos Institutos
Históricos e Geográficos, nos Museus de Etnografia, nas Faculdades de
Direito e de Medicina- as teorias raciais eram importadas e
transformavam-se em verdadeiras vogas entre nós. Adeptos em boa parte
das teorias darwinistas sociais defendidas por autores como Gobineau
(1853), Le Bom (1894) e Haeckel (1884), esses cientistas acreditavam
que existiria entre as raças a mesma distância percebida entre as espécies
e que portanto, o cruzamento era sempre fator de desequilíbrio e
degeneração (SCHWARCZ, 1996, p.161).
A miscigenação era vista como possibilitadora de degeneração e ao Brasil, em
função da mistura de raças, colocava-se como problema imediato pensar formas de
eliminação do mestiço, visto como mancha na nacionalidade brasileira. Assim, cabia aos
“homens de ciência” pensar alternativas de intervenção nesse cenário. Schwarcz, (1996,
p.161) diz que,
Os médicos cariocas, vitoriosos depois das campanhas públicas sanitárias
e da erradicação da febre amarela, passaram a priorizar a formação de
uma boa raça, incentivando alguns casamentos e limitando outros,
impondo práticas e consumos, estimulando certos hábitos e criticando
outros[...]
Essas posturas eram assumidas pela medicina, por juristas, políticos, da mesma
forma que eram correntes nos institutos geográficos, nas faculdades. Mesmo em expedições
científicas sobressaia-se à ideia de um Brasil mulato e miscigenado. Schwarcz (1993, p. 13)
diz “que a mestiçagem no Brasil, não só era descrita como adjetivada constituindo uma
pista para explicar o atraso ou uma possível inviabilidade da nação”. Assim, problemas
que haviam se constituído historicamente eram naturalizados e, para alguns cientistas do
momento, o indivíduo era entendido como resultado dos arbítrios específicos de sua raça.
A identificação do Brasil como país dos miscigenados era tão forte que, em 1911,
João Batista de Lacerda (antropólogo, médico e diretor do Museu Nacional do Rio de
Janeiro) participou do Congresso Internacional das Raças, representando o governo
brasileiro no qual apresentou a tese sobre miscigenação e branqueamento da sociedade
brasileira.
A significação do que é expresso pode ser compreendida se considerarmos que, para
muitos estudiosos da época, o destino da nação relacionava-se à forma como se resolveria a
amálgama de raças. Diante da imagem do Brasil miscigenado, a elite intelectual brasileira
transplantava teorias que entendiam a mistura de raças como fator de degeneração,
movimento de involução na formação do brasileiro.
Assim, buscava-se, de variadas formas, produzir um sujeito nacional puro, sem as
marcas de de hibridismo e misturas éticorraciais. No sentido de “criação” desse sujeito
nacional, alguns hábitos e práticas deveriam ser abandonados, ao passo que outros
deveriam ser ativados e estimulados para chegar à imagem desejada e que concretização
do cruzamento racial impediria.
É interessante pensar que essas visões de raça eram acompanhadas da ideia de que
existem atributos específicos de cada grupo, os descendentes de europeus seriam
importantes para o progresso do país, pois trariam ciência, força da civilização branca. Em
relatório entregue por João de Meneses, em 1875, ao ministro da agricultura, lê-se com
relação a possibilidade de emigração dos chineses “piores do que os negros (por serem
mais fracos) raça viciosa, de uma civilização decadente, perniciosa, corrupta, devassa...”
(SEYFERTH,1985, p.86).
O representante brasileiro no Congresso internacional das raças disse, em relação ao
negro que “as qualidades são apenas duas: robustez física e força muscular”
(Seyferth,1985,p.86). Lacerda, estabelece longa lista com os atributos do mulato
inteligentes, altas qualidades intelectuais, pouco musculosos, pouco
resistentes às doenças, corajosos, audaciosos, propensos para a oratória
(grandes faladores), instintos voluptuosos (...) imaginação viva,
moralmente são desleais e pouco probos, dissipam seus bens, são pouco
práticos; versáteis, porém sem perseverança, capacidades para a política,
artes e literatura...” (SEYFERTH,1985, p.90).
Para a autora, Lacerda identificava a possibilidade de inteligência dos mestiços
como facilitadora para resolver a questão racial. É importante assinalar que a proposta de
Lacerda tinha seus paradoxos, pois advogava a inferioridade do negro (“os verbos
empregados para desqualificar a herança física, social e cultural do negro - como inocular,
envenenar, aviltar- são por si mesmos sugestivos” SEYFERTH,1985, p.90), ao mesmo
tempo que afirmava que o mulato não herdou do negro as características físicas (robustez e
força), tampouco herdou do branco o sentido de progresso técnico e econômico. Seyfert
(1985, p.91) diz que:
essa classificação remete outra vez à pergunta de como Lacerda consegue
conciliar a crença na inferioridade da raça negra, com o pressuposto
fundamental da tese do branqueamento, que é, afinal, chegar ao tipo
branco através da mestiçagem?
A mesma autora argumenta que,
Tanto Gobineau (em 1853) como os darwinistas sociais (e os
antropossociologistas) no final do século XIX acreditavam na
degenerescência do mestiço como causa da decadência das civilizações.
Mas paradoxalmente, não acreditavam que existissem raças puras no
mundo moderno (...) Gobineau via alguns hibridismos favorecendo certas
características civilizadoras (SEYFERT ,1985, p. 93).
Evidentemente que as discussões sobre raça no período eram mais complexas do
que apresentamos nesse pequeno artigo, dessa breve descrição interessa-nos reter a relação
entre ideia de raça, atributos físicos e atributos morais associados aos negros e mulatos do
final do século XIX e início do século XX..
O discurso modernizante de meados do século XIX propunha a organização de uma
sociedade capitalista aos moldes europeus, no entanto a questão da escravidão era, para
muitos, mácula que impregnava o tecido social brasileiro, daí a importância do estímulo da
imigração eurodescendente; para outros a escravidão defendia que fazer o escravista apesar
de a elite querer acabar com a escravidão a passos lentos.
Ao olharmos o período imperial, e analisarmos as leis pseudo-abolicionistas
veremos como estas questões se estruturaram. A Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de
1871 estabelece que as crianças que nascessem depois dessa data seriam “livres”, porém,
[...] por meio de artifícios legais, a criança negra continuou desconhecendo outro tipo de
aprendizado que não fosse o do dia-a-dia: liberdade para obedecer a determinações dos
“senhores”. A partir da legislação, até os oito anos de idade ficavam sob o poder dos
senhores, e após essa data, dependendo da vontade do senhor poderiam ser entregues aos
cuidados do Estado (o senhor recebia indenização se não escolhesse essa opção, de outra
forma o menor prestaria serviços até os vinte e um anos. Convém destacar que nas duas
situações sendo que o menor continuava a ser visto como mão de obra. Convém relembrar
que, já na Constituição de 1824, ficava explicito que os filhos de escravas nascidos no
Brasil e também dos ex-escravos tinham direito de receber instrução primária gratuita.
Porém, as províncias com suas leis, selecionavam quem teria acesso ao ensino.
Cabe ressaltar portanto, que uma dessas leis que alterou o quadro antes vivenciado
por essa população foi à abolição da escravatura em 1888. No entanto,
(...) no momento da abolição, foram suprimidas as barreiras formais
que a escravidão oferecia à competição dos negros com os brancos
pelas posições sociais. Mas quando os portões são abertos e se faculta
aos negros o ingresso na corrida, os brancos já estão quilômetros
adiante. Essa é a condição inicial. Para que os negros superem a
desvantagem imposta por ela, é preciso que, a cada geração percorram
uma distância maior do que as percorridas pelos brancos. Se não
conseguem fazê-lo, a desigualdade racial existente no momento da
abertura dos portões persiste (OSÓRIO, 2008, p.70).
Contudo, a lei Áurea foi a primeira mobilização nacional da opinião pública a favor
da diminuição das desigualdades sociais existentes no país, na qual participaram políticos e
poetas, escravos, libertos, estudantes, jornalistas, advogados, intelectuais e operários.
Porém, o fim da escravatura não melhorou a condição econômica e social dos ex-escravos,
que, sem qualquer tipo de formação escolar ou uma profissional, a emancipação jurídica
não mudou a situação de subalterno nem contribuiu com a promoção da cidadania ou
ascensão social.
A Proclamação da República em 1889, não foi capaz de promover ações em defesa
da ampliação das oportunidades da população negra, mas fomentou a naturalização das
desigualdades etnicorraciais reafirmadas em um novo contexto político e jurídico, não mais
separadas pelo direito de propriedade, pela história, cultura ou religião. A partir de então, as
“raças” se separariam por desigualdades naturais (Jaccoud, 2008). Posteriormente foram
promulgadas leis que amenizavam as desigualdades etnicorraciais (convém destacar
propostas dos movimentos sociais ao poder público: propostas do Congresso nacional do
negro Brasileiro, na década de 50, discussões que emergiram nas discussões sobre a
constituinte na década de 1980, Marcha Zumbi em 1995, dentre outras).
Em 1961 com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB,
lei 4024 de 1961 determinava-se a sansão a qualquer tipo de tratamento desigual por
motivos políticos ou religiosos, como também por convicção filosófica, bem como
quaisquer preconceitos de classe ou de raça. Todavia, não ressaltava um ensino de
valorização da diversidade étnico-racial presente na sociedade brasileira, tampouco
orientava para a eliminação das desigualdades raciais que faziam da população negra a
grande massa de crianças e jovens inseridos nos sistemas de ensino e de adultos
analfabetos.
A década de 1980 foi marcada pela reorganização do movimento negro ações para
a promoção e valorização da cultura negra e sua contribuição para a formação cultural do
país. Foi nesse processo que o termo “negro” ganhou novos significados associados ás
políticas de identidade e de construção da cidadania.
Nesse contexto surgiu em 1988 a Fundação Cultural Palmares – FCP vinculado ao
Ministério da Cultura. Acolhendo a pedidos do Movimento Negro a Constituição de 1988
classificou o racismo, que até então era enquadrado como contravenção pelo poder jurídico
brasileiro, como crime inafiançável e imprescritível. A declaração da intolerância ao
racismo aprovada a Lei nº 7.716/1989 definiu como crime de preconceito as ações que
impeçam ou dificultem o acesso ou o atendimento em espaços públicos, comerciais e a
emprego em função da cor ou da raça.
A constituição federal de 1988, também reconheceu os territórios quilombolas como
bem da cultura nacional e admitiu que os remanescentes das comunidades negras rurais e
urbanas tivessem a possibilidade de reivindicar terras tomando como base suas memórias,
histórias, tradições e as relações ético-estáticas que conferiam identidade ao grupo.
A década de 1990 foi marcada por mobilizações que culminaram com a organização
da Marcha Zumbi dos Palmares, que reuniu mais de 30 mil pessoas em Brasília, cobrando
compromisso e ações práticas do governo em relação a discriminação racial. O documento
entregue ao governo exige
[...] a criação de condições efetivas para que todos possam se beneficiar
da igualdade de oportunidades como condição de afirmação da
democracia brasileira. Para isso, duas linhas de intervenção são
propostas. De um lado, reclama-se a adoção de medidas de valorização
da pluralidade étnica da sociedade. De outro, apresenta-se um programa
de ações visando à promoção da igualdade incluindo a implantação de
ações afirmativas para o acesso a cursos profissionalizantes e
universidades (SILVA, 2009, p.33).
Devido à marcha, o governo instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI),
que tinha como tarefa valorizar a população negra e combater a discriminação racial,
promover a “consolidação da cidadania da população negra”, bem como enfatizar o
problema referente á saúde da população negra (identificação das doenças e problemas de
maior incidência neste grupo).
Também em 1996 foi realizado pelo governo federal o Seminário Internacional
Multiculturalismo e Racismo: O Papel da Ação Afirmativa nos Estados Democráticos
Contemporâneos, marco no âmbito dos debates referentes às ações afirmativas e sua
aplicabilidade.
É importante ressaltar que nos últimos anos em especial a partir da Conferência
Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas,
realizada em Durban, na África do Sul, em 2001, observamos um avanço nas discussões
acerca da dinâmica das relações etnicorraciais.
O ano de 2003 foi marcante para essa discussão: A primeira, foi a criação da
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), com o intuito de
fortalecimento das ações afirmativas e construção de um projeto estrutura de combate ao
racismo, a discriminação e as desigualdades raciais (sua atuação, para alguns críticos, pode
ser considerada como tímida); Em segundo lugar a criação do Conselho Nacional de
Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), vinculado ao Seppir, criado para combater o
racismo, o preconceito e a discriminação, bem como a promoção da igualdade racial. Por
último foi o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (Fipir), com a
finalidade de implementar políticas de promoção da igualdade racial, articulando os
governos federais, estaduais e municipais.
A lei 10.639/2003, (que altera a lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) merece
destaque, pois sancionou a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira na
rede pública e particular de ensino no país e procurou inserir no cotidiano da sala de aula o
entendimento sobre a luta dos negros no Brasil, bem como a cultura afro-brasileira e o
papel no negro na formação da sociedade nacional. Contudo, a implementação da mesma
foi prejudicada devido ao reduzido número de especialistas em história e cultura africanas
existentes no Brasil (JACCOUD, 2008).
O Conselho Nacional de Educação, em 2004, elaborou parecer e resolução,
homologada pelo MEC com o objetivo de orientar os sistemas de ensino e as instituições
dedicadas á educação para incorporem a diversidades etnicorracial da sociedade brasileiras,
nas práticas pedagógicas escolares. Como outro importante fator de mobilização a favor da
promoção da valorização da cultura negra as Diretrizes Curriculares para a Educação das
Relações Etnicorracial e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana foi
aprovada em 17 de junho de 2004, estabeleceu orientações de conteúdos e indicou a
modificação dos currículos escolares em todos os níveis e modalidades do ensino.
A lei 11.645/2008 alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada
pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e indicou a importância da "História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena” nos conteúdos programáticos. O desenvolvimento de
programas de valorização da cultura e da história negra possibilitou discussões sobre
identidade nacional e reconhecimento da “riqueza etnicorracial” que constitui o Brasil.
Também em 2004 o MEC criou e ampliou as políticas de ações afirmativas voltadas
para a promoção do acesso e permanência à educação superior com o PROUNI (Programa
Universidade para Todos). Assim, o debate sobre as ações afirmativas ganhou força e
instituiu uma agenda de políticas públicas e institucionais para a promoção da igualdade
racial na sociedade brasileira, porém deve-se ressaltar que seu enfoque principal é social e
não etnicorracial. O programa pode ser considerado estímulo para favorecer o acesso ao
Ensino Superior.
Em paralelo com o PROUNI, foi criado também no Congresso Nacional, o Projeto de
Lei de Cotas nº 3.627/2004, outra política de ação afirmativa que reservava
obrigatoriamente 50% das vagas no ensino superior público brasileiro para afro-brasileiros
e indígenas. As cotas são consideradas como uma importante iniciativa para a área das
ações afirmativas, pois após o ingresso de estudantes cotistas nas universidades, foi
observado uma significativa redução da resistência às cotas, uma vez que pesquisas
indicaram o sucesso acadêmico destes estudantes.
Desde 2001, são implementadas nas Universidades Públicas brasileiras ações que
promovem o acesso de estudantes negros e indígenas ao Ensino Superior. Dessa maneira,
percebe-se que essas ações representam avanço no combate às desigualdades raciais, bem
como ampliam as perspectivas dos jovens negros e da população negra no Brasil. Pois,
“com a adoção de ações afirmativas, as universidades vêm ampliando as oportunidades de
jovens negros e, ao mesmo tempo, mudando o perfil do alunado e promovendo a
diversidade social e cultural no ambiente universitário” (SILVA, 2009, p. 47).
A criação e distribuição por todo o Brasil de materiais didático-pedagógicos (a partir
de 2005, 2006, 2007 e 2008) e realizados vários cursos de formação continuada para
professores mostraram-se como auxiliares eficientes na implementação da legislação
promulgada, dentre es podemos citar o programa de formação continuada para professores
promovidos pelo Programa UNIAFRO, a produção de material “A cor da Cultura”
produzidos em parceria com a iniciativa privada..
Em junho de 2009 foi desenvolvido O Plano Nacional de Implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação as Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Este plano enfatiza que as Leis
10.639/2003 e 11.645/2008, não são apenas instrumentos de orientação para o combate à
discriminação, elas são também Leis afirmativas, pois reconhecem a escola como lugar
para formar cidadãos e promovem a valorização das matrizes culturais brasileiras como
podemos ver no documento:
O presente plano tem como objetivo central colaborar para que todo o
sistema de ensino e as instituições educacionais cumpram as
determinações legais com vistas a enfrentar todas as formas de
preconceitos, racismo, e discriminação para garantir o direito de aprender
e a equidade educacional a fim de promover uma sociedade mais justa e
solidária (BRASIL, 2009, p. 23).
Dessa forma, o Plano Nacional foi concebido como um documento pedagógico com o
intuito de orientar as instituições de ensino na implementação da legislação em debate e que
pretendeu transformar as ações e programas de promoção da diversidade e de combate á
desigualdade etnicorracial na educação em políticas públicas de Estado.
Na primeira parte do documento são definidas as atribuições e a operacionalização
colaborativa para a implementação das leis 10.639/2003 e 11.645/2008; na segunda,
apresenta orientações gerais aos níveis e modalidades de ensino; por fim na terceira parte
recomenda, para as áreas de remanescentes de quilombos que, “por entender que os negros
brasileiros que aqui viviam são público especifico e demandam ações diferenciadas para a
implementação da Lei e a conquista plena do direito de aprender” (BRASIL, 2009, 12).
Assim, a obrigatoriedade, não significa a implementação e a efetivação da lei, pois há
nesse processo elementos complexos que incidem sobre a viabilidade das transformações
necessárias para a criação da lei, como para a formação do professor (a existência de
material didático-pedagógico, a estrutura das escolas da rede pública e privada de ensino, a
assessoria pedagógica disponibilizada pelas redes, etc).
Conclusão
Considerando que as desigualdades raciais consolidaram-se ao longo da história, e as
políticas públicas criadas pelo Estado, tornam consistentes as “reivindicaçãoes” dos
direitos; desfazem iniqüidades; tais ações fortalecem a coesão social, obstruem ciclos de
reprodução de desigualdades, ainda percebe-se que estas se mostram ausentes ou
descontínuas no caso da desigualdade racial.
O avanço das discussões sobre as relações etnicorraciais no Brasil, nas duas últimas
décadas, são expressivos. Contudo fazer com que essas iniciativas sejam fortalecidas e
dotadas de continuidade, ainda pode ser considerado um grande desafio contemporâneo.
A discussão sobre políticas públicas como instrumentos de combate à desigualdade
racial requer debater um variado conjunto de fenômenos complexos que se encontram na
base desse processo. Assim, destacamos o racismo, a discriminação direta e indireta, além
da reprodução da pobreza, ausência de mobilidade social como fatores que atuam na
manutenção da população negra nos espaços menos valorizados da sociedade.
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BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
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BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008.
Brasília, 2008.
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de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para as Relações Étnico-Raciais e
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(orgs). Raça e Diversidade. São Paulo: Edusp, 1996.
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