Teologia da Evangelização (16)
4. A PROCLAMAÇÃO: O EVANGELHO:
4.1. O Fundamento da Boa Nova:
O fundamento da boa nova transmitida pela Igreja encontra-se na Palavra de
Deus. O conhecimento que Deus deseja que tenhamos Dele está revelado nas
Escrituras. Portanto, o fundamento da proclamação cristã, o “Evangelho”, é a
Palavra de Deus. O Deus transcendente Se revela para que possamos conhecê-Lo.
A resposta a este conhecimento se manifesta em culto e proclamação. Por isso,
toda a proclamação da Igreja tem como pressuposto fundamental o Deus que Se
revela de tal modo que possamos conhecê-Lo verdadeiramente.
A Igreja no seu testemunho, recorre sempre à Palavra autoritativa de Deus, nunca
à invenções humanas, crendices ou fábulas. A igreja se reúne não simplesmente
para debater opiniões, antes, para ensinar a Palavra em sua singeleza, esforçando1
se por conduzir seus ouvintes à fé (1Tm 1.3,4; 2Tm 4.4; Tt 1.10-16). Pedro
atestando a fidedignidade de sua proclamação, diz: “Porque não vos demos a
conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas (mu=Joj)
engenhosamente inventadas, mas nós mesmos fomos testemunhas oculares da sua
majestade” (2Pe 1.16)
Portanto, a nossa pregação fundamenta-se sempre em fatos reais conforme
2
registrados na Palavra de Deus (Lc 2.9-11; 1Co 15.1-4,14,15; 1Pe 1.25).
1
“Quando eu estava de viagem, rumo da Macedônia, te roguei permanecesses ainda em Éfeso para
admoestares a certas pessoas, a fim de que não ensinem outra doutrina, nem se ocupem com
fábulas e genealogias sem fim, que, antes, promovem discussões do que o serviço de Deus, na fé”
(1Tm 1.3,4). “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com
toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo
contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos
ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas” ( 2Tm 4.2-4). “Porque
existem muitos insubordinados, palradores frívolos e enganadores, especialmente os da circuncisão.
11
É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem,
12
por torpe ganância.
Foi mesmo, dentre eles, um seu profeta, que disse: Cretenses, sempre
13
Tal testemunho é exato. Portanto, repreende-os
mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos.
14
severamente, para que sejam sadios na fé
e não se ocupem com fábulas judaicas, nem com
15
mandamentos de homens desviados da verdade.
Todas as coisas são puras para os puros;
todavia, para os impuros e descrentes, nada é puro. Porque tanto a mente como a consciência deles
16
estão corrompidas. No tocante a Deus, professam conhecê-lo; entretanto, o negam por suas obras;
é por isso que são abomináveis, desobedientes e reprovados para toda boa obra” (Tt 1.10-16).
2
9
“ E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles; e
10
ficaram tomados de grande temor. O anjo, porém, lhes disse: Não temais; eis aqui vos trago boa11
nova (eu)aggeli/zw) de grande alegria, que o será para todo o povo:
é que hoje vos nasceu, na
1
cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.9-11). “ Irmãos, venho lembrar-vos o
2
evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também sois
3
salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. Antes de
tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as
4
14
Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. (…)
E, se
15
Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé;
e somos tidos por falsas
testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que ele ressuscitou a Cristo, ao qual
Teologia da Evangelização (16) ‒ Rev. Hermisten ‒ 09/05/2011 ‒ 2
4.2. A Origem e Eternidade do Evangelho:
“Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo um evangelho eterno para
pregar aos que se assentam sobre a terra, e a cada nação, tribo, e língua e povo,
dizendo, em grande voz: Temei a Deus e dai-lhe glória, pois é chegada a hora do
seu juízo; e adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas”
(Ap 14.6-7)
O Evangelho que anunciamos, não é uma “boa nova” porque simplesmente nos
“faz bem” ou “nos alegra”. A Sua excelência está no fato de ser proveniente de Deus
e, que por isso mesmo, tem o seu valor eterno. A mensagem do Evangelho
permanece, assim como toda a Palavra de Deus. Ainda que a sua aplicação possa
ser circunstancial, o seu conteúdo e valor são eternos. Pode ser, e certamente é
fato, que aspectos do Evangelho adquiram um sentido especial para nós em
determinadas circunstâncias, quando, por exemplo, estamos aflitos, em dúvida,
grande expectativa, carecendo de consolo ou mesmo, com uma grande sensação de
alegria. Entretanto, nada disso muda a essência do Evangelho.
Portanto, quando falamos em “Teologia da Evangelização”, devemos ter sempre
em mente, que a Teologia sempre será o efeito da ação reveladora, inspiradora e
iluminadora de Deus por meio do Espírito; a Teologia nunca é a causa primeira;
sempre é o efeito da ação primeira de Deus em revelar-se. "No princípio Deus...",
isto deve ser sempre considerado em todo e qualquer enfoque que dermos à
realidade. Deus é o autor e o conteúdo de Sua revelação e, Ele vem a nós por meio
de Sua Palavra como Senhor. Por isso, a mensagem da Igreja é sempre do Deus
Senhor que fala reivindicando um posicionamento do homem diante da Sua Palavra.
A teologia sempre é relativa: "relativa à revelação de Deus. Deus precede e o
homem acompanha. Este ato seguinte, este serviço, são pensamentos
3
humanos concernentes ao conhecimento de Deus”.
Nós pregamos o “Evangelho de Cristo” ou, em outras palavras, o “Evangelho
eterno”, conforme nos foi dado conhecer por meio das Escrituras. O Evangelho é
eterno; a sua mensagem se tornou necessária − no que se refere ao seu aspecto
4
salvador −, devido ao pecado (Gn 3.15/Rm 5.12-21). O Antigo Testamento
apresenta o Evangelho como se consumando em Jesus Cristo:
“O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para
pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de
coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados”
(Is 61.1).
ele não ressuscitou, se é certo que os mortos não ressuscitam” (1Co 15.1-4,14,15). “A palavra do
Senhor, porém, permanece eternamente. Ora, esta é a palavra que vos foi evangelizada
(eu)aggeli/zw)” (1Pe 1.25).
3
Karl Barth, The Faith of the Church: A Commentary on Apostle's Creed According to Calvin's
Catechism, Great Britain: Fontana Books, 1960, p. 27.
4
Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e a Inerrância das Escrituras, 2ª ed. São Paulo: Casa
Editora Presbiteriana, 2008.
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“A Lei e os Profetas vigoraram até João; desde esse tempo, vem sendo
anunciado o evangelho do reino de Deus, e todo homem se esforça por entrar
nele” (Lc 16.16).
“26 Um anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Dispõe-te e vai para o lado do
Sul, no caminho que desce de Jerusalém a Gaza; este se acha deserto. Ele se
levantou e foi.
27 Eis que um etíope, eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, o
qual era superintendente de todo o seu tesouro, que viera adorar em Jerusalém,
28 estava de volta e, assentado no seu carro, vinha lendo o profeta Isaías.
29 Então, disse o Espírito a Filipe: Aproxima-te desse carro e acompanha-o.
30 Correndo Filipe, ouviu-o ler o profeta Isaías e perguntou: Compreendes o que
vens lendo?
31 Ele respondeu: Como poderei entender, se alguém não me explicar? E
convidou Filipe a subir e a sentar-se junto a ele.
32 Ora, a passagem da Escritura que estava lendo era esta: Foi levado como
ovelha ao matadouro; e, como um cordeiro mudo perante o seu tosquiador, assim
ele não abriu a boca.
33 Na sua humilhação, lhe negaram justiça; quem lhe poderá descrever a
geração? Porque da terra a sua vida é tirada.
34 Então, o eunuco disse a Filipe: Peço-te que me expliques a quem se refere o
profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro?
35 Então, Filipe explicou; e, começando por esta passagem da Escritura,
anunciou-lhe a Jesus” (At 8.26-35). (Ver também: At 13.26-34; 1Pe 1.10-12).
Aquele que foi morto antes dos tempos eternos para salvar o Seu povo: “Sabendo
que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados
do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso
sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo,
conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos
tempos, por amor de vós que, por meio dele, tendes fé em Deus, o qual o
ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de sorte que a vossa fé e esperança
estejam em Deus” (1Pe 1.18-21); “Adorá-la-ão todos os que habitam sobre a terra,
aqueles cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto
desde a fundação do mundo” (Ap 13.8). (grifos meus).
Por isso, é que só há um Evangelho: “O Evangelho de Deus”, conforme visto em
Jesus Cristo e por Ele anunciado (Mc 1.1,14/Gl 1.8-10).
4.3. O Conteúdo e o Significado da Proclamação:
“Não pode haver missão sem mensagem, nem mensagem sem
5
definição da mesma”. Fazendo uma pequena digressão, podemos observar que
a afirmação feita acima, está de acordo com a compreensão de Condillac (17151780), que disse: “A necessidade de definir é apenas a necessidade de ver
as coisas sobre as quais se quer raciocinar e, se fosse possível ver sem definir,
5
John R.W. Stott, et. al., Dialogo Sobre La Mision, p. 13.
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6
as definições se tornariam inúteis”. De forma complementar, parece-nos
extremamente pertinente a concepção aristotélica de definição; ele diz: “Uma
7
definição é uma frase que significa a essência de uma coisa”. A definição
deve ser derivada da própria razão do objeto, portanto, não pode ser artificial, visto
que deste modo, seria irrelevante. Ainda que a definição não necessite ser
8
9
detalhada, em última instância uma definição imprecisa não é necessária.
Quando falamos do conteúdo do Evangelho, devemos definir o significado deste
termo. Compreendemos ser o Evangelho o próprio Cristo. Ele é a personificação do
10
Reino; Cristo é o centro para onde tudo converge. A Pessoa de Cristo tem em Si
mesma e consequentemente em Sua obra a força centrípeta que nos atraí e, num
processo natural desta atração transformadora, exerce a sua força centrífuga que
nos conduz a anunciar a Sua pessoa e os Seus feitos gloriosos e redentores entre
todos os povos.
O Evangelho é Cristocêntrico porque sem a Pessoa e obra de Cristo não há “Boa
11
Nova”. Cristo é o autor e o conteúdo do Evangelho. Pregar o Evangelho significa
12
pregar a Cristo bem como tudo aquilo que tem relação com Ele (Rm 15.20), já que
13
sem Cristo não haveria Evangelho (Lc 2.9-11).
Conforme já indicamos anteriormente, o desejo ardente de toda Cristologia
Reformada é a compreensão do Cristo por Ele mesmo. Isto nos leva a indagar a
respeito de nossas convicções à luz da Palavra, para que sejamos fiéis à Revelação
bíblica.
6
E.B. de Condillac, Lógica ou Os Primeiros Desenvolvimentos da Arte de Pensar, São Paulo: Abril
Cultural, (Os Pensadores, Vol. XXVII), 1973, p. 121.
7
Aristóteles, Tópicos, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. IV), 1973, I.5. p. 13. Espinosa
(1632-1677), por sua vez afirma que: “A verdadeira definição de cada coisa não envolve nem
exprime senão a natureza da coisa definida” (Baruch Espinosa, Ética, São Paulo: Abril Cultural,
(Os Pensadores, Vol. XVII), 1973, I.8. p. 91).
8
“Uma boa definição deve ser concisa, ou seja, expor o conceito que se trata de definir
com toda precisão e de um modo completo, no menor número de palavras. A definição
descreve o significado de uma determinada palavra, usada para designar um determinado
fenômeno. Na definição deve ficar inscrito, incluído o fenômeno em sua totalidade. Se
permanecem fora dela partes essenciais do fenômeno, a definição não é boa. Por outro
lado, uma definição não precisa entrar em detalhes” (Johan Huizinga, El Concepto de la
Historia y Otros Ensayos, 4ª reimpresión, México: Fondo de Cultura Econômica, 1994, p. 87).
9
Veja-se: Santo Agostinho, A Doutrina Cristã, São Paulo: Paulinas, 1991, II.36 p. 143.
10
Veja-se: Blaise Pascal, Pensamentos, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. XVI), 1973,
VIII. 556, p. 178.
11
Michael Green declara isto de forma diferente, quando diz: “Aquele que veio pregando as boas
novas passou a ser o conteúdo das boas novas” (Michael Green, Evangelização na Igreja
Primitiva, São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 58).
12
“Esforçando-me, deste modo, por pregar o evangelho (eu)aggeli/zw), não onde Cristo já fora
anunciado, para não edificar sobre fundamento alheio” (Rm 15.20).
13
“E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles; e
ficaram tomados de grande temor. O anjo, porém, lhes disse: Não temais; eis aqui vos trago boanova de grande alegria, que o será para todo o povo: é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o
Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.9-11).
Teologia da Evangelização (16) ‒ Rev. Hermisten ‒ 09/05/2011 ‒ 5
Pregar é anunciar o “Evangelho de Deus” (Mc 1.14); o “Evangelho do Reino” (Mt
4.23; 9.35; 24.14) que é o “Evangelho do Reino de Deus” (Lc 4.43; 8.1; At 8.12) e o
“Evangelho do Senhor Jesus” (At 11.20/At 8.12), que é o “Evangelho de Jesus
Cristo” (Mc 1.1/Rm 15.19; 2Co 2.12).
O Reino de Deus é o coração da mensagem de Cristo bem como dos apóstolos.
O crente no Antigo Testamento aguardava a chegada do Reino de Deus que estava
associada à figura do Filho do Homem, descrita por Daniel (Dn 7.13-14/Mt 16.27,28;
14
17.12,22; Lc 9.58; Jo 3.13,14). Jesus Cristo, o Filho do Homem, inaugurou o Reino
15
de Deus (Lc 11.20); por isso, o Reino está indissoluvelmente ligado à Sua Pessoa.
Jesus Cristo, a Sua mensagem e atos incorporam a presença do Reino que
chegara. Orígenes (c. 185-254), corretamente, disse que Jesus Cristo era a
16
”autobasileia”, o reino em pessoa. “A relação entre o Reino de Deus e a
revelação messiânica passa a ser uma correlação de força tal que quase se
poderia falar de identificação de Jesus Cristo com o Reino de Deus; Ele não
17
apenas proclama, mas é, na Sua pessoa, o Reino que está entre nós”. Por
isso, é que o Novo Testamento nos ensina que Pregar o Reino é o mesmo que
pregar a Jesus Cristo:
“Todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe ou
mulher, ou filhos, ou campos, por causa do meu nome, receberá muitas vezes mais,
e herdará a vida eterna” (Mt 19.29).
“Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, irmãs,
ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos, por amor de mim e por amor do evangelho,
que não receba, já no presente...” (Mc 10.29-30).
“Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou
irmãos, ou pais, ou filhos por causa do reino de Deus” (Lc 18.29).
mulher,
ou
“... Filipe, que os evangelizava a respeito do reino de Deus e do nome de Jesus
Cristo...” (At 8.12).
“Pregando o reino de Deus, e, com toda a intrepidez, sem impedimento algum,
ensinava as cousas referentes ao Senhor Jesus Cristo” (At 28.31). (Grifos meus).
Deste modo − insistimos neste ponto −, evangelizar significa pregar o Reino e
Senhorio de Jesus. Por isso, é que “o Reino de Deus é o tema central da
14
“Por isso, podemos dizer que a presença do Espírito no Ministério de Jesus Cristo é uma
presença escatológica, que marca o cumprimento da Promessa e, também, de forma
similar, a chegada do Reino” (Hermisten M.P. Costa, A Pessoa e Obra do Espírito Santo, São
Paulo, 2006, p. 133).
15
“Se, porém, eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente, é chegado o reino de Deus
sobre vós” (Lc 11.20).
16
17
Orígenes, Comentário de Mateus, 14.7. Apud M. Green, Evangelização na Igreja Primitiva, p. 58.
J. Blauw, A Natureza Missionária da Igreja, São Paulo: ASTE., 1966, p. 72.
Teologia da Evangelização (16) ‒ Rev. Hermisten ‒ 09/05/2011 ‒ 6
18
pregação de Jesus e, por extensão, da pregação e ensino dos apóstolos”.
Paulo quando se despede dos Presbíteros de Éfeso, declara: "Agora, eu sei que
todos vós, em cujo meio passei pregando o reino, não vereis mais o meu rosto.
Portanto, eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do sangue de todos;
porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.25-27). (grifos
meus).
Este Evangelho também é chamado de “Palavra da verdade” (Cl 1.5; Ef 1.13);
“Evangelho da salvação” (Ef 1.13); “Evangelho das insondáveis riquezas de Cristo”
(Ef 3.8); “Evangelho da promessa” (At 13.32); Evangelho da esperança (Cl 1.23);
“Evangelho da paz” (Ef 6.15).
Portanto, quando evangelizamos, devemos ter em mente o sentido do que
estamos proclamando. Não estamos simplesmente vendendo um produto ou, quem
sabe, divulgando uma ideia de forma descompromissada, não; evangelizar é
proclamar o Reino de Deus e, o Reino de Deus é o Reinado de Cristo, onde se
19
evidencia o triunfo da Sua majestosa justiça, do Seu governo e da Sua Lei. Deste
modo, a pregação da Igreja deverá ser caracterizada sempre pelo senso de
urgência, conclamando os homens ao arrependimento e fé em Jesus Cristo, o Rei
Eterno. O Reino, ainda que não somente, sempre envolve o choro e a tristeza de
20
pecadores arrependidos que foram alcançados pela graça.
A Igreja não é o Reino; mas, é por meio dela que o Reino se revela e se efetiva;
21
por isso, ambos são inseparáveis.
Olhando a Evangelização ensinada e praticada no Novo Testamento, podemos
perceber que ela era muito mais abrangente do que hoje normalmente costumamos
pensar. O que tem acontecido é que muitas vezes temos nos esquecido da
mensagem; temos corrido tanto, temos falado tanto, temos discutido tanto... que, de
18
Anthony A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, p. 59. Ladd diz que “a maior parte da escatologia de
Jesus, conforme registrada pelos Sinópticos, tem a ver com os eventos relacionados à vinda
do Reino de Deus escatológico” (George E. Ladd, Teologia do Novo Testamento, Rio de Janeiro:
JUERP., 1985, p. 184). De semelhante modo, observa Herman Ridderbos, El Pensamiento del
Apóstol Pablo, Vol. I, p. 39; George E. Ladd, “Reino de Deus, Reino dos Céus”: In: NDB., III, p.
1385b; R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 87-90.
19
Vejam-se: Bruce Milne, Conheça a Verdade, São Paulo: Aliança Bíblica Universitária, 1987, p. 259;
D. Martyn Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: Fiel, 1984, p. 348; John R.W. Stott,
A Mensagem do Sermão do Monte, 3ª ed. São Paulo: Aliança Bíblica Universitária, 1985, p. 151; A.A.
Hoekema, A Bíblia e o Futuro, p. 63-64; Karl Barth, La Oración, Buenos Aires: La Aurora, 1968, p. 51;
George E. Ladd, Reino de Deus: In: E.F. Harrison, ed. Diccionario de Teologia, Grand Rapids,
Michigan: T.E.L.L., 1985, p. 448; John R.W. Stott, O Cristão em Uma Sociedade Não Cristã, Niterói,
RJ.: VINDE, (1989), p. 43.
20
“Ninguém chega ao reino de Deus sem se entristecer com o seu próprio pecado” (John
MacArthur, O Caminho da Felicidade, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 71).
21
Vejam-se: Herman Ridderbos, El Pensamiento del Apóstol Pablo, Vol. II, p. 66-67; Gustaf Aulén, A
Fé Cristã, São Paulo: ASTE. 1965, p. 214. John R.W. Stott, afirma: “Ser Igreja significa ser a
comunidade do Reino, um modelo daquilo que a comunidade humana deve parecer
quando submetida ao domínio divino, uma alternativa desafiadora para a sociedade
secular” (O Cristão em Uma Sociedade Não Cristã, Niterói, RJ.: VINDE, (1989), p. 43).
Teologia da Evangelização (16) ‒ Rev. Hermisten ‒ 09/05/2011 ‒ 7
22
repente, descobrimos que a mensagem foi esquecida. Nos distanciamos do seu
significado, perdemos a dimensão de sua urgência, relevância propósito e eficácia.
Estamos ainda usando o verbo evangelizar, todavia ele já não diz grande coisa,
porque as letras “E-V-A-N-G-E-L-H-O”, tem nos dias atuais pouco a ver com o
significado bíblico desta palavra. O Evangelho tem sido muitas vezes apenas mais
um “slogan cristão”, que as pessoas não conseguem entender o seu significado. A
palavra se aplica a qualquer coisa que eu deseje ensinar conforme o meu gosto e
projetos pessoais.
S.A. Kierkegaard (1813-1855) conta uma parábola que pode servir como
ilustração para o que queremos dizer. Ele conta que um circo se instalou próximo de
uma cidadezinha dinamarquesa. Este circo pegou fogo. O proprietário do circo
vendo o perigo do fogo se alastrar e atingir a cidade, mandou o palhaço, que já
estava vestido a caráter, pedir ajuda naquela cidade a fim de apagar o fogo, falando
do perigo iminente. Inútil foi todo o esforço do palhaço para convencer os seus
ouvintes. Os aldeões riam e aplaudiam o palhaço entendendo ser esta uma brilhante
estratégia para fazê-los participar do espetáculo. Quanto mais o palhaço falava,
gritava e chorava, insistindo em seu apelo, mais o povo ria e aplaudia. O fogo se
23
propagou pelo campo seco, atingiu a cidade e esta foi destruída.
De forma semelhante, temos nós muitas vezes apresentado uma mensagem
incompreensível aos nossos ouvintes, talvez porque ela também seja
incompreensível a nós. As pessoas se acostumaram a nos ouvir brincar tanto com
as coisas sagradas, que não conseguem descobrir o sagrado em nossas
brincadeiras. Assim, sem nos darmos conta, estamos compactuando com a
indiferença de nossos ouvintes, que, de certa forma, estão “cansados” da palavra
Evangelho, sem que na realidade, nunca tenham sido ensinados a respeito do
Evangelho de Cristo e, pior: nunca o tenham experimentado. Outras vezes a nossa
mensagem é compreensível, acessível e agradável, contudo, o seu conteúdo é tão
distante do Evangelho bíblico que a sua compreensão e aceitação distanciam ainda
mais os seus adeptos da plenitude da revelação bíblica.
O Evangelho é uma mensagem acerca de Deus – da Sua Glória e de Seus atos
salvadores −; acerca do homem – do seu pecado e miséria −; acerca da salvação e
da condenação condicionada à submissão ou não a Cristo como Senhor de sua
24
vida. Esta mensagem que envolve uma decisão na história, ultrapassa a história,
visto ter valor eterno. Portanto, não podemos brincar com ela, não podemos fazer
25
testes: estamos falando de vida e morte eternas (Jo 3.16-18).
22
Vejam-se as observações pertinentes de Billy Graham, na sua palestra, O Evangelista em um
Mundo Agitado. In: J.D. Douglas, ed., O Evangelista e o Mundo Atual, São Paulo: Vida Nova, 1986, p.
9-10, bem como o comentário de John R.W. Stott, O Perfil do Pregador, São Paulo: Sepal, 1989, p.
145-149.
23
Esta parábola é contada e aplicada nas obras de Harvey Cox (1929- ) (A Cidade do Homem, 2ª ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971, p. 270) e J. Ratzinger (Introdução ao Cristianismo, São Paulo:
Herder, 1970, p. 7-8). Todavia a aplicação que ambos fazem é divergente entre si. E a que faço é
diferente da de ambos.
24
25
Veja-se: J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus, p. 41-51.
“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que
nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não
Teologia da Evangelização (16) ‒ Rev. Hermisten ‒ 09/05/2011 ‒ 8
Albert Martin apresenta uma crítica pertinente:
“O esforço desnatural de certos pregadores para serem ‘contadores de
piadas’, entre a nossa gente, constitui uma tendência que precisa acabar.
A transição de um palhaço para um profeta, é uma metamorfose
26
extremamente difícil”.
Em forma de esboço podemos observar que Evangelizar nos moldes do Novo
Testamento, significa Proclamar:
Maringá, 09 de maio de 2011.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem nele crê não é julgado;
o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” (Jo 3.16-18).
26
Albert N. Martin, O Que há de Errado com a Pregação de Hoje?, São Paulo: Fiel, (s.d.), p. 23.
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