Acontecimento e Memória no Telejornal: Comunicação efetiva e afetiva1
Maria Lúcia Vissotto Paiva Diniz2
Universidade Estadual Paulista
Resumo
Pretende-se investigar o telejornal, gênero midiático que envolve vários atores, técnicas
e linguagens, enquanto construção sincrética de equipes de produção cuja finalidade é
firmar com o telespectador contratos que efetivem sua credibilidade, confiança, adesão
e constância. O acontecimento será tratado como espetáculo, enunciação enunciada,
apreciada em função do efeito que produz no enunciatário. E a memória, enquanto
“memória semiótica” do enunciador, um modelo sintagmático cujo simulacro formal
pode ser identificado pela Semiótica francesa, que situa o conjunto de estruturas
disponíveis no momento da enunciação. A análise da enunciação, enquanto produção e
interpretação
(enunciador/enunciatário
::
memória/acontecimento)
evidenciará
estratégias e efeitos de sentido que garantem a comunicação efetiva e afetiva.
Palavras-chave
Semiótica francesa; Enunciação; Contratos; Fidúcia; Afetividade; Paixões.
Introdução
Este estudo pretende investigar o telejornal enquanto gênero midiático, em que a
informação funciona como agente mediador entre o fato, ocorrido no mundo natural, e a
notícia apresentada em relato sincrético, uma construção que envolve vários atores,
técnicas
e
linguagens.
Essa
produção,
realizada
de
forma
coletiva,
constrói
paulatinamente o texto final audiovisual, que apresenta formas de expressão de
diferentes linguagens. Pertencem ao sistema visual a linguagem verbal escrita,
linguagem cinética (imagem em movimento), linguagem gestual (inclusive da expressão
facial), linguagem cenográfica (cenários, figurinos), proxêmica (movimentação de
atores no espaço), além dos recursos técnicos de gravação, edição, recursos visuais,
gráficos e de câmera, que atuam sobre as demais linguagens. E o sistema de áudio
compreende a linguagem verbal oralizada (entonação) e todos os efeitos de sonoplastia,
tais como ruídos do ambiente, música ou background (tensionados ou mixados). Esse
afluxo de linguagens, cada uma com seu plano de expressão que pressupõe um plano de
1
Trabalho apresentado ao NP 15 – Semiótica e Comunicação, do IV Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom.
Professora Doutora em Letras, ministra as disciplinas Introdução à Lingüística e Teorias da Linguagem nas
habilitações Jornalismo e Rádio e Televisão do curso de Comunicação Social e a disciplina Contratos na Mídia, no
curso de pós-graduação Comunicação Midiática da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação,
FAAC/UNESP/Bauru/SP. Endereço eletrônico: [email protected]
2
conteúdo, convergem para efeitos de sentido espetaculares. A imagem em movimento
(kínesis) e os recursos da cinética produzem o efeito de realidade, mimesis do mundo
natural, que conferem ao produto final veracidade, impacto, autenticidade, elementos
que levam o telespectador a firmar certos contratos decorrentes de sua credibilidade,
confiança, adesão e constância.
O fato ocorrido no mundo real não chega integralmente na tela da TV, pois,
embora o texto final seja coeso e coerente, foi montado aos pedaços por diferentes
equipes: o sistema de informação, que subsume equipes de reportagem que vão a campo
gravar imagens e entrevistas, o sistema de edição, responsável pela decupagem, cortes e
montagem, e o sistema de exibição3 Como um quebra-cabeça, realizado a “n” mãos, sob
a batuta do redator chefe, o telejornal traz a informação em forma de um espetáculo ao
vivo e em cores, como se o acontecimento fosse sua própria transmissão: texto
apresentado como discurso em ato, ou seja, como enunciação-enunciada, em que a
própria vida acontece e é apreciada em função do efeito que produz no enunciatário
(telespectador). Embora seu envolvimento decorra de várias dimensões: cognitiva, ética,
pragmática, que garantem a comunicação coerente e efetiva (firma o contrato fiduciário
- do crer) será priorizado nesse estudo o envolvimento afetivo do enunciatário,
receptáculo de impulsos que desencadeiam emoções, sentimentos e paixões.
A memória será tratada enquanto “memória semiótica” do enunciador, cujo
simulacro formal pode ser identificado por elementos da Semiótica francesa que
permitem situar o conjunto de estruturas disponíveis no momento de uma enunciação.
Apreendê-las, com a aplicação do percurso gerativo do sentido, permite evidenciar o
plano do conteúdo, que no telejornal obedece a um modelo sintagmático, de
enquadramentos previstos, formatação raramente alterada. A forma do conteúdo
determina a inclusão das demais linguagens que se agregam nesse texto sincrético. Esse
resgate da memória semiótica, com seus valores e direcionamentos, acoplado ao
acontecimento, que é a própria enunciação-enunciada, permitem analisar tanto a
produção como a interpretação da relação enunciador/enunciatário, evidenciando
estratégias e efeitos de sentido que garantem a comunicação efetiva e afetiva
A informação na televisão (os telejornais e afins) tem sido objeto de pesquisa da
autora deste trabalho, na tentativa de identificar as diferentes linguagens que compõem
3
Os profissionais que atuam no 1. sistema de informação: pauta, chefia de reportagem, assistente ou produtores,
central informativa, correspondente e informantes, repórteres e repórteres cinematográficos, equipes técnicas e apoio;
2. sistema de edição: editor,editores de imagem, arte e recursos gráficos e apoio técnico; 3. sistema de exibição;
estúdio, iluminação, câmeras, cenários, vinhetas, gerador de caracteres (GC), operador no ar e apoio.
esse texto sincrético e as relações que estabelecem entre si, ora reforçando ora
introduzindo novos efeitos, priorizando a enunciação e as dimensões acionadas para a
adesão do enunciatário, conforme apontam algumas publicações recentes4 .
A mágica da mídia televisiva de transmitir ao vivo, deslocando-se no espaço,
leva-nos a qualquer recanto do planeta e fora dele; a rapidez da imagem, as cores,
formas, designers, a agitação espetacular toma o lugar da reflexão. Maravilha do século
e arma poderosa. Talvez seja hora de diminuir a velocidade e parar, por alguns
instantes, esse turbilhão que desfila diante de nós para melhor compreendê-lo. É o que
vem acontecendo nestes últimos anos: a pesquisa acadêmica debruça-se para investigar
a linguagem televisiva, com seus gêneros sempre híbridos, que vem desenvolvendo uma
linguagem própria, cada vez mais persuasiva e em plena evolução.
Do corpus, constituído de gravações de uma semana de quatro telejornais de TV
aberta, apresentados em junho de 2004, utilizaremos o relato de uma notícia, colocado
em anexo, e algumas imagens captadas em forma de foto, inserida no corpo do trabalho,
material extraído do Jornal Nacional. Os demais telejornais serão citados de forma
pontual, para ilustrar algumas análises5 .
Telejornal: uma produção coletiva
Difícil tratar o objeto sem descrever sua complexidade de produção. Segundo
Squira (1990), as notícias procedem de várias fontes, agências internacionais 6 , nacionais
e equipes do próprio telejornal ou de outros, que produzem e editam notícias. Além das
três equipes de profissionais que atuam sob a regência do editor chefe, sistemas de
informação, de edição e de exibição, detalhado na página anterior - dezenas de
profissionais que justifica denominar enunciador coletivo -, há ainda os apresentadores,
que devem infundir credibilidade e segurança .
Compete ao apresentador relatar a notícia, seja sob o formato de nota simples
notícias rápidas, matéria, que não foi alvo de reportagem externa nem de material de
4
DINIZ, M. L. P. "Oralidade e escrita na TV: relação camuflada" Estudos Lingüísticos 31, revista do GEL - Grupos
de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo, São Paulo. FFLCH/USP, 2002. DINIZ, M. L. P. e ZANIRATTO,
B.G. "Jornal Nacional: uma realidade virtual" in Estudos Lingüísticos XXXI, revista do GEL - Grupos de Estudos
Lingüísticos do Estado de São Paulo, São Paulo, FFLCH/USP, 2002. DINIZ, M. L. V. P. "Contratos na mídia: o
Jornal Nacional na berlinda", in OLIVEIRA, A. C. & MARRONI, F. V. (Editores) Caderno de Discussão do Centro
de Pesquisas Sociossemióticas, no 7, publicação interinstitucional Pontifícia Universidade Católica-SP, Universidade
São Paulo-SP, Centro de Pesquisas Sociossemióticas, Centre National de la Recherche Scientifique – France, p. 197208, dezembro, 2001.
5
Os quatro telejornais são: Jornal Nacional (JN), Jornal de Band (JB), Jornal de Record (JR) e Jornal de Cultura (JC),
os três primeiros apresentados em redes comerciais e o último em rede pública e educativa.
6
Imagens e press-releases (síntese informativa) são recebidos diariamente da agência internacional à qual o telejornal
é filiado.
press-releases, seja no formato de nota coberta, imagens mostradas, acompanhadas de
sua voz, seja no formato de aberturas e encerramentos, texto lido por ele no estúdio,
antes e ao final da notícia. A reportagem é a forma mais completa de apresentação da
notícia, pois contém o texto, as imagens, a presença do apresentador, do repórter e dos
entrevistados. Em geral tem maior duração, pode incorporar todas as três formas de
apresentação da notícia, anteriormente descritas, e pode conter partes básicas, um
modelo enformado, raramente alterado7 .
As matérias vão se formando desde o dia anterior, com a participação de
inúmeros profissionais: os rádio-escuta, que captam notícias e enviam à chefia e aos
editores chefes, que elaboram o pré-espelho, um esboço do telejornal. Os pauteiros
organizam a retaguarda da reportagem e estabelecem a pauta para que cada equipe
realize-as segundo objetivos, enfoques, informações e encaminhamento. O espelho é o
projeto que irá ao ar, nele, tudo está definido: assuntos prioritários, ordem, tempo e
profissional responsável por matéria, blocos e comerciais 8 .
As equipes de reportagem9 , coletam imagens e entrevistas, gravam o off e as
passagens10 . A fita bruta é enviada à técnica para adição. Os redatores produzem e
corrigem os textos, redigirem as notas cobertas, gravadas antes do telejornal ir ao ar.
A edição transforma o material bruto em produto final. O excesso é tirado, os
erros corrigidos, as melhores imagens, passagens e respostas selecionadas. O editor de
texto é responsável pelo verbal e o editor de imagem pela seleção (inserção e corte) e
qualidade das imagens.
Os equipamentos de edição fazem a decupagem (mapeamento do material) e a
montagem (esquema da edição). A sonora só pode conter o necessário. É o editor quem
corta qualquer resposta que ultrapasse 20 segundos no horário nobre, salvo se for pessoa
muito importante, certa exclusividade, um furo, ou momento de muita emoção.
7
A reportagem contém as seguintes partes básicas: 1. cabeça da matéria ou lead: texto lido pelo(a) apresentador(a)
do telejornal, é o gancho da matéria; 2. cabeça do repórter abertura da matéria ; 3. sonora, fala de atores envolvidos
no fato; 4. off apenas a voz do repórter durante a projeção das imagens, gravada no VT; 5. passagem, gravação feita
pelo repórter no local do fato e que serve de ligação entre duas partes da reportagem, o off e a entrevista.
8
Em detalhes, a produção do texto começa com os rádio-escuta, que captam notícias cotidianas, ligam para hospitais,
polícia, bombeiros e enviam relatórios à chefia de reportagem e aos editores chefes, que elaboram o pré-espelho, um
o esboço de como será o telejornal no dia seguinte. Os pauteiros pesquisam arquivos, checam endereços, horários,
garantem a presença de personalidades, marcam entrevistas. Assim que a pauta é estabelecida, cada equipe recebe a
orientação, que inclui objetivo, enfoque que deve ser dado, informações sobre o assunto e encaminhamento a ser
seguido pela equipe. O espelho é o projeto do que será colocado no ar, nele, estão definidos os assuntos prioritários, a
ordem, o tempo e o profissional responsável por cada matéria, os blocos e a inserção dos comerciais.
9
Constituída de um repórter, um câmera, um auxiliar (que cuida da iluminação e do som) e o motorista.
10
Gravação feita com o repórter frente à câmera, sempre que for necessário inserir algo indispensável.
Geralmente o editor resume o início, que o repórter grava em off, e termina o texto com
a voz e imagem do entrevistado concluindo.
Montado o esqueleto da matéria é hora de escolher as imagens, colar as cenas e
finalizar o produto. As imagens devem corresponder ao que foi dito, usando tomadas
curtas, de ângulos diferentes para não entediar o telespectador. Números, dados, regiões
desconhecidas, questões a serem explicadas exigem o trabalho do departamento de arte,
com suas ilustrações, mapas, reconstituições (infográficos). Editores procuram suavizar
os cortes, pois os equipamentos modernos permitem trabalhar diferentes técnicas, como
a fusão, o fade-in/out, o gerador de caracteres (GC)11 , e a cada dia surgem novos
técnicas. A sonoplastia é em geral o som ambiente captados pelo cinegrafista, que é
mixado ao som do off. Em matérias mais leves, geralmente a última apresentada na
noite, o editor pode colocar música, BG ou background na linguagem telejornalística,
que provoca efeitos passionais.
De um lado, esse arsenal de técnicas e de profissionais capazes de realizar
verdadeiras maravilhas que conferem valores estéticos, estésicos e sinestésicos ao
produto, de outro, as limitações do tempo e do espaço para os deslocamentos, consultas,
checagens, entrevistas... tudo isso enformado num modelo padronizado, regido por
manuais e chefias hierarquizadas.
Do método
O tema do evento “Comunicação, acontecimento e memória” levou-nos a
investigar como essa questão se inscreve nos telejornais, priorizando as relações que
esse tipo de texto, sincrético por natureza, estabelece entre os sujeitos da enunciação na
ótica da semiótica francesa.
A semiótica não deve ser entendida como um modelo definitivo que dá conta da
produção do sentido das práticas significantes. Na verdade, o instrumental que criou (e
que tem evoluído) investiga o sentido a partir dos objetos que analisa. Isso porque ela
reconhece e respeita (não invade) o campo de atuação das demais disciplinas específicas
(filosofia, sociologia, psicologia, psicanálise, teorias da comunicação etc.) e entende que
cada prática significante é também objeto de conhecimento dessas disciplinas. Segundo
11
Fusão é a superposição de imagens do rosto de um para o de outro, por exemplo; fade-in/out é uma cena que se
escurece no encerramento ou que começa escura e depois se ilumina e o gerador de caracteres (GC) produz legendas
em forma de títulos das matérias, designação das pessoas que falam na sonora ou legenda de sons inaudíveis.
os objetivos visados, toda disciplina tem sua própria concepção de sentido, ou seja,
define aquilo que representa um valor, o que é significativo do seu ponto de vista.
A semiótica não tem a pretensão de impor o seu conceito de significação sobre
as disciplinas com as quais colabora, mas pode indicar certos aspectos que, em uma
disciplina, coincidem com outra. Pode-se dizer que ela propõe passarelas entre as
disciplinas para trocas de hipóteses, de mecanismos conceituais e de soluções.
Neste estudo dedicado ao telejornal, as questões apresentadas não são
especificamente semióticas: produção, acontecimento, memória, afetividade e paixão,
para citar itens aqui propostos, mas são noções geradas no campo midiático em
interação com outros campos. Algumas dessas questões, como a afetividade e as
paixões, foram desprezadas durante muito tempo e alijadas do campo semiótico.
Por isso, o objetivo dessa análise deve ser claro: para cada noção, a abordagem
será feita no ponto de vista semiótico, utilizando instrumentos semióticos e ilustradas
com análises pontuais de telejornais, considerando os limites aqui impostos, a fim de
demonstrar a operacionalidade do método. Não se propõe aqui uma teoria semiótica do
discurso telejornalístico (embora seja necessário), mas pretende-se demonstrar a
contribuição que a semiótica pode oferecer para o estudo desse tipo de discurso.
A noção de acontecimento e o mundo natural
O tema do congresso foi tomado em função das pesquisas que vêm sendo
realizadas pela autora, buscando uma adequação conceitual. O lexema "acontecimento",
provém do verbo latino contigit, contingere, definido por “acontecer alguma coisa”, que
o dicionário12 remete a contingo, contigi, que significa “dizer respeito a”. A primeira
definição relaciona o lexema ao mundo natural, mas a segunda não mais aponta para o
fato “real”, pois, dizer respeito pode ser uma referência, uma semelhança.
Greimas e Courtés (1983b: 378) reformulam a noção de referente, colocando em
relação dois tipos de semióticas: a do mundo natural e a da língua natural:
“o mundo extralingüístico, o mundo do senso comum, é enformado pelo
homem e instituído por ele em significação, e tal mundo, longe de ser referente
é, pelo contrário, ele próprio uma linguagem biplana, uma linguagem natural
(ou semiótica do mundo natural). Concebido desse modo como semiótica
natural, o referente perde assim sua razão de existir.”
e completam (Ibidem: 379) que a abordagem do discurso não se faz pelo referente, mas
pela “referencialização” presente no enunciado, procedimentos da enunciação que criam
12
KOEHLER, S.J. Dicionário latino. Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo: Globo, 1951.
a ilusão referencial, efeito de sentido de “realidade” ou de “verdade” que podem estar
na ancoragem espácio-temporal (topônimo e cronônimos), na debreagem (passagem do
discurso indireto para o direto (da narração para a sonora, no telejornal) 13 , dentre outros.
Em Du sens II (1983a: 103), Greimas ocupa-se do conceito de “realidade",
afirmando que não deve ser entendido como verídico, mas como verossímil,
interpretado de duas formas: como referência avaliativa que o discurso projeta fora de si
e como uma determinada concepção de realidade. Assim, além de evidenciar a
impossibilidade de trazer a “verdade” para o discurso, apresenta duas formas de
conceber o verossímil, ambas apontam para a autonomia do discurso.
Eric Landowski (in Greimas e Courtés, 1986: 119) amplia essa proposição,
insistindo na presença de articulações semióticas no mundo natural:
“Em vez de conceber os discursos em língua natural como diretamente tomados
do real e do refletido, considerar-se-á que os discursos significantes não tomam
jamais a realidade extra-lingüística que lhes serve de referência senão pela
mediação de esquemas de leitura (ou semióticas do mundo natural), produzindo
o efeito inicial de converter o universo circundante em universo significante .
Entre as representações do mundo natural e os discursos circula alguma coisa
que lhes é comum: uma “mediação de esquema de leitura”, que pode ser entendido pelo
conjunto cultural: visão de mundo, representação dos fatos, sistema de valores. Esse
esquema é uma “deformação” coerente que produz a interação entre os discursos que
interessa a todas as dimensões da significação, desde a apreensão sensível dos
fenômenos naturais até os diferentes tipos de atos de linguagem, passando por todas as
estruturas intermediárias previstas pela teoria semiótica: actanciais, modais e passionais.
Como o discurso é produzido pelo enunciador (com enunciatário previsto), sua
construção está condicionada a todas as interferências que atuam sobre ele. Ao
selecionar notícias e ao produzir a matéria - compreendendo todas as fases -, valores são
inferidos,
interpretações
direcionadas,
efeitos
esperados.
O
acontecimento,
compreendido enquanto fato do mundo natural só pode ser tratado como algo do plano
fenomenal, plano do parecer verdadeiro no quadro das modalidades veridictórias14 .
13
Mesmo que os fatos tenham ocorrido e os entrevistados sejam de carne e osso, não se deve ser ingênuo a ponto de
aceitar como “verdade” definitiva a versão apresentada no telejornal. Sem nenhuma dúvida, sempre há outras formas
de ler e de interpretar qualquer fato. A necessidade de várias fontes, prevista nos próprios manuais de redação, as
diferentes abordagens de um telejornal para o outro, percebidas pelo emprego do zapping pelo telespectador, e o caso
“Escola Base” são fatores que evidenciam isso.
14
É o quadrado semiótico da veridicção, que compreende o ser vs parecer :: não-parecer vs não-ser, que abrigam o
“verdadeiro”, o falso, a ilusão e a descoberta.
A noção de acontecimento enquanto enunciação
Para definir essa noção, pretende-se abordar a Semiótica do discurso, disciplina
que estabelece as condições pelas quais as expressões e práticas humanas, verbais ou
não-verbais têm sentido, tomando como objeto não apenas o enunciado, mas a
enunciação. Em vez de considerar a significação como o resultado de articulações
inscritas num enunciado concluído, como fazia a Semiótica standart, agora, tem-se a
preocupação de identificar a emergência da significação, deslindar as operações que a
produzem, restituir o sentido dessa experiência humana que consiste em produzir e
interpretar algo significante na relação enunciador-enunciatário.
Na análise do enunciado, o ponto de referência é a situação final, a partir da qual
pode-se identificar a transformação terminada e o caminho percorrido desde a situação
inicial. Na análise do discurso em ato, o ponto de referência é sempre a posição da
instância de discurso, pois é a partir dela que tudo se organiza. Nesse sentido, J.
Fontanille (1999: 10) propõe uma diferenciação pertinente ao afirmar que no enunciado,
“a ação é tratada como transformação” e na enunciação como “acontecimento”, e
completa: “A transformação é caracterizada pelo resultado que foi atingido, enquanto o
acontecimento é identificado graças ao efeito que produz no observador e à maneira
pela qual surge no texto.”
Assim, a enunciação pode ser tratada enquanto acontecimento, no ponto de vista
do enunciatário, pois o discurso “acontece” no momento de sua enunciação. A notícia
do telejornal, objeto de análise desse trabalho, não é fato “real” transportado para o
discurso, mas a enunciação desse fato, filtrada pelo esquema cultural, proposto por
Landowski.
O telejornal, texto informativo apresentado como discurso em ato, é a
enunciação enunciada num tempo e num espaço. Como ele propõem fornecer “as
principais notícias” (todos garantem) que acontecem no mundo, cada um chega até ao
enunciatário como um espetáculo, um “acontecimento”. O fato, mediado pelo telejornal,
transforma-se em acontecimento em função dos efeitos que nele produzem.
Como instância mediadora entre produção e recepção e por estar circunscrito
num contexto físico, histórico e cultural, o telejornal é um aparelho de produção de bens
simbólicos, segundo Bourdieu (1999: 102), “que constituem realidades com dupla face
– mercadorias e significações”. A informação como um bem simbólico permite tratar
como troca simbólica a relação entre enunciadores e enunciatários, espaço de
subjetividade que lhe dá sentido e que o conecta a uma realidade sensível. Esse espaço
constitui-se aquilo que diversos autores chamam de “pacto entre produção e recepção”,
lugar onde desejos e expectativas são compartilhadas entre produtores e telespectadores
e onde se estabelecem relações, segundo regras que regem esse encontro e finalidades a
serem buscadas desse encontro (Capparelli e Lima, 2004: 97).
Esse pacto, que ousamos chamar de contrato não deve ser entendido como local
neutro, de igualdade de forças, mas, ao contrário, local onde a manipulação e a
inculcação de valores se efetivam, cujo caráter próprio consiste, na maioria das vezes e
em última instância, em naturalizar, eternizar, consagrar e legitimar a ordem vigente.
Ao eleger certos fatos, ao direcionar certas interpretações, a maioria dos telejornais
banaliza questões, neutraliza o debate, embute valores, propõe posturas ideológicas que,
em geral, ratificam o senso comum.
A noção de memória
Para defini-la, retomamos J. Fontanille, que denomina “memória” semiótica o
percurso gerativo, instrumento fundamental capaz de resgatar a organização hierárquica
do enunciado e da enunciação:
O percurso gerativo é em si mesmo um modelo de hierarquização das
categorias utilizadas num discurso, desde as mais abstratas, as estruturas
elementares, até as mais concretas, as estruturas figurativas do discurso. Ele
permite situar o conjunto de estruturas disponíveis no momento de uma
enunciação, umas em relação a outras; por isso, ele é o simulacro formal da
“memória” semiótica de um sujeito da enunciação, no momento em que ele
enuncia. (Fontanille, 1999: 4)
Isso permite considerar o discurso como um todo de sentido de um enunciador,
em seu próprio ato de enunciar, dotado de uma memória semiótica (resgatável com a
aplicação do percurso gerativo), que sobredetermina as artimanhas e rege sua
construção.
Essa
memória
dá
coerência
ao
discurso
(isotopia
do
conteúdo)
estabelecendo estratégias a serem empregadas para produzir um todo de sentido.
Aplicado no texto verbal que ilustra essa análise15 (Anexo 1), podemos
estabelecer a memória semiótica do discurso, partindo das estruturas elementares (mais
abstratas) até às discursivas (mais concretas). A categoria [violência/calma], que
pertence
às
estruturas
semânticas
elementares,
será
rearticulada
em
[conjunção/disjunção] nas estruturas narrativas e actanciais, graças à relação, no
interior da primeira categoria, do actante Sujeito que
está conjunto ou disjunto do
actante Objeto, cujo conteúdo é a “violência”: (S ∩ O) presos, em conjunção com a
15
Título da matéria: “Trinta e um mortos”, relativo ao fim da rebelião na Casa de Custódia de Benfica no Rio de
Janeiro, apresentado pelo Jornal Nacional no dia 1/06/2004.
violência, passam a
(S ∪ O) presos em disjunção à violência . Os enunciados de
junção, em seguida, são reagrupados para formar programas narrativos (PN), que
podem ser PNs de preservação, perda ou reparação, e pertencem às estruturas narrativas
temáticas. O fato da rebelião ter terminado revela um PN de preservação da ordem, no
ponto de vista da legalidade, assumido pelo JN 16 .
Esses últimos, enfim, serão “figurativos” quando receberem determinações
perceptivas, espaciais, temporais e actoriais. A categoria elementar [violência/calma],
no final do percurso, aparece sob a forma dos dados apresentados no JN como resultado
da rebelião. Para a /violência/, as figuras do texto verbal são: “31 mortos”, “pessoas
mutiladas”, “feridos completamente queimados, rosto deformado”, “mataram um agente
penitenciário”, “motim”, “fizeram 26 reféns”, “fuga de 14 presos”, “ajuda de um bando
armado” que colocaram “explosivos no portão”. Para a /calma/: “terminou”,
“entregaram armas”, libertaram os reféns”, “palmas e orações” (dos parentes), “pastor
evangélico assumiu negociações”, dentre outras.
Poderíamos também assinalar as figuras do não-verbal presente nas imagens da
reportagem que denotam a /violência/, tais como cenas que mostram o tumulto de
parentes perto da cadeia (Fig 1), reféns amarrados a botijões de gás (Fig 2), foto do
agente penitenciário morto, sonora do deputado Geraldo Moreira (Comissão de Direitos
Humanos) impressionado com o horror , e cenas que denotam /calma/, como os parentes
em frente à Casa de Custódia, ajoelhados rezando (Fig. 3).
Além das imagens cinéticas (em movimento), há outras linguagens inseridas,
tais como efeitos sonoros: captação dos ruídos do tumulto dos parentes na rua, o guarda
que dispara a arma para acabar com o protesto (Fig. 1), o som das orações e palmas dos
parentes (Fig. 3). Há também efeitos de proxêmica, em que se vê a movimentação dos
parentes em tumulto (Fig 1), contrastando com a quietude do ato de oração (Fig. 3), e a
imagem captada em plongé, que mostra os reféns presos a um botijão de gás (Fig. 2)17 .
A identificação de várias linguagens concorrendo para proporcionar efeitos de
sentido múltiplos demonstra que o discurso televisivo tem estratégias pertinentes para a
adesão do enunciatário, garantindo a comunicação efetiva e afetiva.
16
No JC, trata-se de um PN de perda, pois a matéria evidencia a gravidade da situação e a inércia das autoridades, em
cujo encerramento ou nota de pé, Heródoto Barbeiro compara com o massacre do Carandiru, onde a porcentagem de
mortos representou 1% e aqui era de 3,33% .
17
Por ser a única imagem do interior da Casa de Custódia, presume-se que não tenha sido um recurso (expressão)
empregado intencionalmente para provocar o efeito de sentido de inferiorização (conteúdo).
Fig. 1
Fig 2
Fig.3
A noção de afetividade
Roland Barthes é precursor em trazer o afeto para a semiótica. Ao apontar o
prazer do texto e ao tratar do discurso amoroso18 , lamenta a falta de um espaço na
semiótica para as emoções. Entretanto, não conseguiu teoriazá-las. Essa falha foi sanada
com a publicação de Semiótica das Paixões (Greimas e Fontanille, 1993).
Esse livro transformou radicalmente o modo de pensar a paixão, ao conceber um
percurso teórico e analítico mais complexo, considerarando a dimensão patêmica como
um dos componentes fundamentais, às vezes dissimulado, outras enfatizado, de todo
tipo de discurso. A paixão como tensividade fórica, transformações graduais e
modulações contínuas, é, segundo Marrone (1998: 137), “campo do quase e do não
ainda, do tenso e do intenso, de avançar e voltar, do mais e do menos, daquele que o
precede e constitui outro campo onde o positivo se opunha ao negativo, o bom ao mau,
belo ao feio, o verdadeiro ao falso, o sujeito ao objeto”, da semiótica standard.
Nessa perspectiva, a semiótica admite uma lógica intrínseca e específica na
paixão (da emoção e do afeto), cujas leis não correspondem a nada da tradicional
racionalidade, pois a paixão é definida como um conglomerado virtual de ações. Cada
uma com sua estrutura narrativa que pode incluir múltiplos estados patêmicos19 . As
configurações passionais se efetivam com as modalidades (querer, dever, saber, poder)
passando da competência modal (fazer) para a existência modal (ser).
Utilizando a informação - a notícia como mote - o enunciador modaliza o
discurso, com procedimentos que produzem sensações. Paixões são acionadas a fim de
levar o enunciatário a provar, experimentar, sentir com o corpo emoções. No telejornal,
18
Faz-se referência aos livros O prazer do texto e Fragmentos do discurso amoroso.
A cólera, por exemplo, é a paixão daquele que espera pacientemente conseguir uma certa coisa ou certo
comportamento de um outro (fidúcia), mas a espera é frustrada (desilusão), monta um programa de ataque
(agressividade) para fazer o outro pagar (vingança), mas pode renunciar (perdão).
19
pode-se salientar: 1. ruptura da ordem natural, expressa nos jingles e vinheta inicial20 ,
parada que gera expectativa e apreensão; 2. curiosidade, uma paixão, motivada pelas
manchetes ou escalada inicial e chamadas em final de cada bloco, com ou sem imagens,
que suscitam a curiosidade apenas para que o telespectador permaneça diante dela e
anseie pelas notícias; 3. confiabilidade, segurança, certeza de informação, sustentada,
quer na competência da empresa pela melhor tecnologia, profissionais capacitados e
liderança absoluta de audiência (JN), quer pela confiança no apresentador e formador de
opinião, Boris Casoy (JR), pela agressividade de suas matérias, pelo profissionalismo e
atuais recursos técnicos (JB), quer pela lisura, descontração e até simplicidade ao lado
do enfoque “pedagógico” (JC)21 ; 4. continuidade, pois podem acontecer incríveis
tragédias, mas a vida continua, o que é sempre um conforto para todos nós, uma questão
existencial: queremos a continuidade, assim como querermos a vida. Toda ruptura é
anulada quer pela seqüencialização, quer pelo formato canônico do macro-texto em
happy-end. Esses estados de espírito que afetam o telespectador representam o
componente passional (presente em todo tipo de discurso), cuja importância é
fundamental na experiência humana.
No telejornal, o som da vinheta de entrada, a escalada (apresentação inicial das
manchetes) é uma ruptura22 , que quebra a continuidade. Tom de voz, fisionomia séria,
ritmo dão o tom. Uma notícia (ou mais) é sempre eleita para ser enfatizada a fim de
provocar uma emoção maior e instaurar a curiosidade, paixão simples (querer-saber), e
outras tantas que podem suscitar interesse: catástrofes naturais, aspectos anedóticos e
ritualizado da vida política e mesmo questões banais e distantes, podem ser
apresentadas de tal forma que renovam a curiosidade. As legendas produzidas pelo GC
que dão título às matérias do JB são frases de efeito que provocam sensações: “Procurase Batoré”, “Todos na cadeia”, “Segurança máxima”, “Dedo no gatilho”, “Infância
perdida”, “Caça ao criminoso”.
A informação materializa-se na TV sobretudo pelo discurso visual, ancorando ou
monitorando o discurso verbal. A imagem, tratada como forma da expressão
conversível em forma do conteúdo, projeta valores e suscita sensações no telespectador.
20
Aspecto analisado no JN (DINIZ, 2001 e 2002, art. cit.) e no JN e JC in DINIZ, M.L.V.P. “Telejornal:
identidade/alteridade mascaradas”, 4a Jornada Interdisciplinar, Unesp/ Bauru (no prelo). Todos disponível na página
da autora.
21
Artigo que analisa várias mídias nessa linha: DINIZ, M. L. V. P. et. al. “Mídia e ensino: a experiência do
GES/Unesp/Bauru” Estudos Lingüísticos, vol.32, São Paulo, FFLCH/USP, 2003.
22
Todo jornalista tem a mesma concepção de notícia, considerando informação o que constitui uma irregularidade,
algo que rompe com a ordem normal, a continuidade esperada (JOST, 1998: 75).
As análises conduziram-nos a relacionar a imagem cinética ao componente passional
que parecem transbordar no texto televisivo.
O contrato passional é articulado num espaço, num tempo e num ator. No texto
que ilustra a análise (anexo), a sonora do deputado Geraldo Moreira registra seu horror
ao relatar as condições internas da Casa de Custódia: “pessoas mutiladas”, “feridos
queimados”, “rosto todo deformado”, são figuras que perturbam pela degradação moral
que contêm, provocando no telespectador o sentimento de aversão e repulsa. A denúncia
de um parente (modalizado pelo não-dever-ser), que detalha as ameaças feitas a presos
por facções rivais antes da rebelião, sem que o diretor tomasse nenhuma medida,
denotam a omissão da autoridade, o que gera no enunciatário uma certa intranqüilidade
e desconforto. O off que relata a reação dos parentes incide em lexemas que expressam
a agressividade: “invadiram uma escola pública”, ameaçaram fechar o trânsito”,
“protestos”, aumentando a tensão no texto e provocam nova aversão, agora contra os
parentes (não-dever-er). Em nenhum momento o JN explica que essa reação era
resultado de mais de 60 horas de espera, sabendo que alguns presos tinham sido
assassinados e nenhuma informação a respeito da lista dos mortos e feridos, fato
acusado no JB e no JC, na mesma noite.
A sonora do secretário de Administração Penitenciária do Rio, que finaliza a
matéria, apontando que se o pastor evangélico não desse conta, a PM iria entrar e
“teríamos um número maior de vítimas”, colocada no final da matéria, parece ter a
intenção apaziguadora. Desprezando o fato de ter havido 31 mortos num universo de
pouco mais de 600 presos, afirma que poderia ter sido pior. Sem indignação a matéria
termina, neutralizando as sensações, devolvendo a segurança a seus telespectadores23 .
Entretanto, o contrato passional pode vir manifestado por outras substâncias da
expressão, como tom de voz, expressão facial, postura do corpo, sonoplastia (sons
ambiente, música de fundo) e todos os recursos técnicos da TV. Bons exemplos disso
são os sons ambientes do tumulto, rezas e palmas dos parentes, o estampido do tiro do
policial, a tomada da câmera em plongé, anteriormente assinalados nas figuras 1. 2 e 3.
Boa parte dos contratos passionais, acionados pela memória semiótica, são
realizados na dimensão estésica (ou sinestésica), por sensações corporais que, no texto
televisivo são constantes, percebidas pela visão, acoplada à audição e sensações tácteis.
23
No JN, toda notícia disfórica apresenta essa estrutura formal: inicia de forma bombástica, acrescenta fatos mais
graves, para depois neutralizar-se em um final “quase” feliz. Assim, esse formato incide na memória semiótica,
regulando, restringindo e coibindo estratégias enunciativas inovadoras.
A maciez, a aspereza, a secura, o suor podem suscitar bem e mal estar, segurança ou
insegurança, confiança ou temor, sensações que instigam paixões24 .
Considerações finais
Diante dos limites impostos a esse trabalho, não foi possível efetuar análise
detalhada do objeto, pois a preocupação maior foi sintetizar análises anteriores
relacionando-as a conceitos teóricos que investigam a
memória semiótica (estrutura
hierárquica) e o acontecimento (discurso telejornalístico como um todo de sentido).
Sem dúvida, o sincretismo que caracteriza esse texto, essa explosão de diferentes
linguagens acrescenta significações que ampliam seu significado25 , por isso mesmo
muito mais sedutor e envolvente.
Considerando esse envolvimento como contrato, as análises do corpus apontam
para a seguinte hierarquia: O contrato fiduciário (de fé, do crer no outro e em seu
discurso) seria o englobante; sem ele, nenhuma comunicação se efetiva. Para firmá-lo
há contratos que envolvem a dimensão cognitiva26 (do saber, do crer, da veridicção, da
ética, da estética27 ) e aqueles não-cognitivos (do comportamento somático - dimensão
pragmática – e o contrato passional com seus componentes estéticos, estésicos e
sinestésicos dentre outros.
Nesta pesquisa há muito a ser complementado. Objetivou-se investigar a
enunciação do telejornal e a adesão do enunciatário, na esteira da afetividade. A
sistematização provisória necessita ser melhor investigada para verificar se há outros
contratos paralelos, se é possível estabelecer uma hierarquia estável desses contratos ou
se eles variam segundo o enunciado, o texto, o gênero.
Referências Bibliográficas
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1999.
CAPPARELLI, S. e LIMA, V. A. de. Comunicação e Televisão: desafios da pós-globalização.
São Paulo: Hacker, 2004.
FONTANILLE, J. Sémiotique et littérature. Paris: PUF, 1999.
24
Articulado mais num tempo vivido do que mensurável, qualitativo mais que cronológico, nos contratos passionais
atuam a foria, a intensidade e a tensão. Às três dimensões clássicas da temporalidade (passado, presente e futuro)
sobrepõem-se processos referentes a aspectualidade na completude/incompletude da ação, tais como paixões
pontuais, incoativas, durativas, repetitivas, terminativas, mas isso mereceria uma outra análise.
25
Acredita-se que a imagem em movimento (linguagem cinética) condiciona as demais manifestações e o texto
verbal e as outras linguagens acabam servindo apenas de complemento.
26
Esses contratos foram analisados em trabalhos anteriores, já citados.
27
A estética parece acoplar as dimensões cognitiva e passional. Questão instigante a ser investigada.
GREIMAS, A. J. Du sens II - Essais sémiotiques. Paris: Éditions du Seuil, 1983a.
_____ e COURTÉS Dicionário de Semiótica, São Paulo: Cultrix, 1983b.
_____ e_____ Dictionnaire raisonné de la théorie du langage, Sémiotique 2, Paris: Hachette,
1986.Diccionario razonado de la teoría del lenguaje. Tomo II. Madrid: Editorial Gregos, 1991.
_____ e FONTANILLE Semiótica das paixões. São Paulo: Ática,1993.
JOST, F. Introduction à l’analyse de la télévision. Paris: Ellipses Édition Marketing, 1999.
MARRONE, G. Estetica del telegiornale, Roma: Meltemi, 1998.
SQUIRA, S. C. Aprender telejornalismo. Produção e técnica. São Paulo: Brasiliense, 1990.
Anexo:
Jornal Nacional: Terça-feira, 1 de junho de 2004
A polícia do Rio abriu inquérito para investigar as causas da rebelião que terminou com 31
mortos. Hoje parentes de presos provocaram mais tumulto perto da cadeia.
Depois de 62 horas, os presos entregaram as armas e libertaram os reféns. O fim da rebelião foi
comemorado com palmas e orações.
Durante toda a madrugada, os mortos foram retirados da cadeia. O governo do estado informou
que foram encontrados 31 corpos de presos. O deputado Geraldo Moreira, da Comissão de
Direitos Humanos da Alerj, que teve acesso às celas, ficou impressionado. "Havia pessoas
mutiladas. Os feridos, alguns estavam completamente queimados, com o rosto todo deformado",
lembra ele.
Defensores públicos e grupos de defesa dos direitos humanos foram impedidos de acompanhar a
vistoria. O motim começou no sábado, depois da fuga de 14 presos. Eles tiveram ajuda de um
bando armado, que jogou explosivos no portão. Os rebelados fizeram 26 reféns e mataram um
agente penitenciário.
Hoje de manhã, parentes dos presos invadiram uma escola pública. À tarde, ameaçaram fechar o
trânsito. A polícia chegou a fazer disparos para acabar com o protesto.
Durante todo o dia, parentes dos presos estiveram nas unidades do Instituto Médico Legal, à
procura de notícias. Eles disseram que os presos já tinham avisado a direção da Casa de
Custódia sobre a possibilidade de uma rebelião.
Eles estariam com medo de uma briga entre os bandidos de quadrilhas rivais. "Assim que eles
entraram, já começaram a receber ameaças. Receberam bilhetinhos. Eles disseram ao diretor
que estavam sendo ameaçados, mas o diretor não se pronunciou. Aí teve a rebelião", conta a
parente de um presidiário.
A Secretaria de Administração Penitenciária disse desconhecer a informação dos detentos e
confirmou que a rebelião só terminou depois que um pastor evangélico assumiu as negociações.
"Foi um pleito dos presos, mas foi a última instância que a secretaria utilizou, porque, se não
houvesse sucesso, a PM iria entrar, o que seria lamentável, porque nós teríamos aí um número
maior de vítimas", justificou o secretário de Administração Penitenciária do Rio, Astério Pereira
dos Santos.
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Acontecimento e Memória no Telejornal: Comunicação