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CORPO E GESTO: UMA ANÁLISE DO FILME TEMPOS MODERNOS
Graduanda Maria Lúcia Sebastião (Departamento de Educação Física - UFRN)
Profª. Drª. Terezinha Petrucia da Nóbrega (Departamento de Educação Física - UFRN)
Laboratório Ver- Laboratório Visibilidade do corpo e cultura de movimento
EDITAL MCT/CNPq Nº 14/2009 - Universal
Resumo: A pesquisa caracteriza-se como uma reflexão sobre corpo, expressão e
movimento. É nesse pensamento que apreciamos o filme de “Tempos Modernos” de
Charles Chaplin, no qual podemos perceber que o corpo é visto como uma maquina.
Usando como método principal a fenomenologia, evidenciando pensamentos filosóficos
de Merleau-Ponty. Ao adotar a fenomenologia como referência metodológica,
observamos as atitudes vividas relacionadas com a corporeidade de um modo reflexivo.
Na leitura do filme, podemos perceber que o corpo não tem seus movimentos limitados
e inexpressivos embora trabalhando de forma semelhante a uma máquina, Diante disso,
podemos afirmar que a singularidade corporal pode ser percebida quando cada
indivíduo se expressa. Concluímos que a corporeidade evidencia que o corpo não é uma
substância isolada no mundo, é um corpo dotado de sentidos e significados que quando
se move tem um sentido e um significado. A pesquisa encontra-se em andamento e
conclusões posteriores serão acrescentadas á reflexão possibilitando ampliar os
horizontes de investigação sobre o tema.
Palavra-chave: Corpo, Gesto, Movimento, Expressão.
“O que tento lhe traduzir é mais misterioso, se enreda nas raízes
mesmas do ser, na impalpável das sensações”
(J. GASQUET, CÉZANE apud Merleau-Ponty, 2004, p. 13).
Falar sobre o movimento humano possibilita modos diversos de conhecer o
corpo e suas expressões. Cada indivíduo tem uma maneira própria de se expressar, o
que faz do homem um ser individual, mas ao mesmo tempo coletivo, uma vez que, ele é
um entrelaçamento de tudo aquilo que vive e o envolve.
Em O olho e o espírito Merleau-Ponty (2004) afirma que ao mesmo tempo
em que o homem toca, é tocado, é visível e sensível, constituído de uma face e um
dorso, um passado e um futuro. Ao falar dessa sensibilidade do corpo, fica notório
também essa sensibilidade do sentir o outro. E sobre isso ele acrescenta:
O enigma consiste em meu corpo ser ao mesmo tempo vidente e
visível. Ele, que olha todas as coisas, pode também se olhar, e
reconhecer no que vê então o “outro lado” de seu poder vidente.
Ele se vê vidente, ele se toca tocante, é visível e sensível para si
mesmo (MERLEAU-PONTY, 2004, p.17).
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Compreendemos que a expressão corporal não se limita as formas
anatômicas ou gestos mecânicos, o corpo vai além dos dados biológicos, como afirma
Merleau-Ponty: “É preciso reencontrar o corpo operante e actual, aquele que não é um
pedaço de espaço, um feixe de funções, que é um entrançado de visão e movimento”
(MERLEAU-PONTY, 2004, p.16).
A pesquisa caracteriza-se como uma reflexão sobre visibilidade do corpo
expressão e movimento, a partir do filme Tempos Modernos de Charles Chaplin.
Charles Spencer Chaplin, nasceu no dia 16 de 1889 ás 20 horas, em um subúrbio de
Londres, passando boa parte de sua infância em um orfanato. Ele morreu aos 88 anos,
no dia 25 de Dezembro de 1977, vítima de um derrame cerebral.
Considerado o gênio da sétima arte, por ser diretor, roteirista, ator,
dançarino, músico e produtor, ele é considerado o maior ator da história do cinema.
Dessa forma, ele inspirou a vida de muitas pessoas com suas comédias e personagens
criativos.
Sabe-se que Charles Chaplin atingiu fama mundial através do cinema mudo,
e com este, ganhou vários troféus. Seu envolvimento com o cinema ocorreu quando ele
tinha apenas cinco anos de idade, o qual, acabou construindo a sua vida a partir de uma
paixão que também herdou de sua família, a paixão pelo teatro, como ele diz:
Se tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades teria
ouvido verdades que teimo em dizer brincando, falei muitas vezes
como um palhaço, mas jamais duvidei da sinceridade da platéia que
sorria (CHAPLIN, s.d.).
A pesquisa tem como foco a análise de filmes de Charles Chaplin, sendo a
escolha intencional considerando a gestualidade expressa nos filmes, o trabalho corporal
do ator e as cenas que nos permitem refletir sobre a corporeidade e a cultura de
movimento.
Como método principal, usamos a fenomenologia, evidenciando
pensamentos de Maurice Merleau-Ponty. Ao adotar a filosofia como referência
metodológica, observamos atitudes vividas relacionadas com a corporeidade.
No que se refere ao filme “Tempos Modernos” de Chaplin, observa-se uma
representação do corpo-máquina e também a crítica a esse modelo e as possibilidades
de compreender a corporeidade por meio da gestualidade do ator.
No filme o corpo é visto como máquina, sobretudo, no trabalho, destinado à
repetição de movimentos. E, embora o corpo seja visto dessa maneira, ao estar inserido
em um contexto social específico, que configura a corporeidade e a sua expressão,
observa-se que ele não tem seus movimentos limitados e inexpressivos como da
máquina.
Portanto, Charles Chaplin enquanto corpo que é, mesmo trabalhando de
forma semelhante a uma máquina em alguns momentos, demonstra através de seus
gestos e de sua expressão, elementos do sensível, que o faz ser mais que uma máquina,
fazendo-nos pensar sobre o corpo e a vida social no mundo do trabalho.
Nesse sentido, compreendemos que cada individuo tem uma maneira
própria de se expressar, o que faz do homem um ser individual, mas ao mesmo tempo
coletivo, uma vez que, ele é um entrelaçamento de tudo aquilo que vive e o envolve.
Nesse contexto, compreendemos que a corporeidade configura-se no corpo
em movimento, ou seja, na ação que é transmitida através dos seus gestos, levando em
conta que esse movimento é intencional possuindo sentidos e significados onde
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podemos visualizar a relação do espaço e do tempo, relacionando com a cultura e com
sua história. A noção de corporeidade perpassa o corpo vivo. Essa compreensão de
corporeidade nós trás a análise reflexiva considerando a consciência corporal.
Sendo assim, o corpo não se assemelha nem a máquina, nem à um objeto, já
que tem uma identidade e uma expressão que lhe é peculiar. Como diz Nóbrega (2005)
“O corpo não é uma massa material e inerte, mas o lugar de nossas ações, sensações,
esse corpo é sensualidade, é linguagem, é movimento, é obra de arte. Portanto, o corpo é
movimento e expressão”.
Se tomarmos como exemplo a dança, pode perceber que quem vivencia a
dança, em sua maioria, apresentará movimentos leves e delicados, ao contrario dos
lutadores que, de uma forma geral, terão seus corpos mais rígidos, pelo próprio contexto
da prática corporal.
É nesse sentido que o corpo expressa a unidade na diversidade, ou seja, cada
corpo tem suas próprias experiências, podendo entrelaçar tanto o mundo biológico
quanto o mundo cultural. Como fala Nóbrega (2005) “Com meu corpo atuo no mundo”,
ou seja, com meu corpo tenho a oportunidade de traçar minhas próprias experiências,
modelando meu corpo, e vivendo. Do mesmo modo, ela afirma sobre originalidade do
sujeito:
Realizar um movimento não seria simplesmente utilizar o
equipamento anatômico, mas aprender as coisas do mundo de forma
original, fornecendo uma resposta adequada á nova situação. Se o
movimento não possui essa significação, essa intenção que o anima,
ou melhor, se isso não é despertado, o movimento deixa de expressar a
originalidade do sujeito e o corpo passa a condição de objeto, de coisa
(NÓBREGA, 2005, p.66).
E, essa singularidade corporal pode ser percebida quando os indivíduos se
expressam como nas duas práticas corporais citadas.
Certamente, se observamos diversos indivíduos é notório e evidente em seus
corpo, a prática corporal que eles vivenciam ou vivenciaram. E, isso nos faz
compreender que o corpo apresenta marcas de tudo àquilo que vivencia e da interação
que faz com os outros corpos, podemos perceber a relação com o mundo que é forte.
Basta nos olharmos no espelho, para vermos as características de um corpo vivido,
marcas que foram deixados com o tempo, corpo que se transformando dia após dia,
corpo que é velho e novo, corpo que nunca está acabado. Esse corpo complexo que
sente, expressa, vive e cria.
É assim que percebemos que não somos apenas uma máquina, mas um
conjunto de tudo aquilo que nos rodeia, cujas emoções, expressões e movimento dão
voz ao corpo, em cada celebração e criação expressiva.
O corpo é movimento, e sobre isso Merleau-Ponty (2004, p.16) afirma:
“digo de uma coisa que ela é movida, mas, o meu corpo, ele se move, meu movimento
se desenvolve”. De fato, existe um espaço em que cada corpo transita, ou seja:
Espaço é e em si, ou melhor, é o em si por excelência, sua definição é
ser em si. Cada ponto do espaço existe e é pensado ali onde ele está,
um aqui, outro ali, o espaço é a evidência do onde. Orientação,
polaridade, envolvimento são nele fenómenos derivados, ligados á
minha presença (MERLEAU-PONTY, 2004, p.28).
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Usufruindo de todo movimento que o corpo consegue alcançar,
compreende-se que o seu movimento é singular e cheio de sentidos. E nesse sentido,
Merleau-Ponty fala sobre o movimento:
O meu movimento não é uma decisão do espírito, um fazer absoluto,
que decretaria, do fundo do retiro subjetivo, uma mudança de lugar
milagrosamente executada na extensão. Ele é uma seqüência natural e
o amadurecimento de uma vida. (MERLEAU-PONTY, 2004, p.20).
O movimento é parte do nosso corpo, através de uma interação seja com os
objetos, seja com os outros corpos, seja consigo mesmo.
Essa interação nos remete lembrar que juntos de outros corpos tocamos e
somos tocados, é nesse momento que muitas vezes acontece que ao mesmo tempo em
que olhamos para outro corpo percebemos que também somos observados.
Sobre essa interação entre dois corpos, Merleau-Ponty (2004) fala que é
preciso que com meu corpo despertem os corpos associados, ou seja, os outros corpos
que o envolvem nesse mundo, em um círculo de sensações onde a sensibilidade passa a
transparecer.
Isso nos faz compreender que sendo um corpo capaz de olhar outro, ele
jamais pode se olhar. Apenas sente as sensações quando entra em contato com outro
corpo, ou seja, a carne a pele.
Essa reflexão tem um grande significado para compreendemos a
importância do corpo, da interação, sensações quando dois corpos se juntam do
movimento que estar entrelaçado com outros corpos.
Desse modo, acreditamos que o toque e a sensibilidade são expressão do
corpo e que cada um, expressa de maneiras específicas esses fenômenos. Já que o corpo
é corpo vivo, cheio de sensações inesperadas e um enigma humano. Como diz Nóbrega
(2005) “Na base de toda compreensão está o sentir, essa realidade pré-objetiva que
temos que descobrir em nós mesmo”
No cinema podemos ter essa dimensão sensível do olhar do outro sobre o
corpo, sua expressão e movimento. O filme Tempos Modernos nos oferece uma
oportunidade para ampliarmos a compreensão de corporeidade como expressão do ser
no mundo.
REFERÊNCIAS
MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
NÓBREGA, Terezinha Petrucia da. ______. Corporeidade e educação física – do
corpo objeto ao corpo sujeito. 2. ed. Natal: EDUFRN, 2005.
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