A ÁVORE DA HABITAÇÃO
Maria Lucia Malard(1)
(1) Professora Titular do Departamento de Projetos da EA- UFMG
Resumo
Este trabalho propõe uma sitematização da temática a ser abordada nas
pesquisas em habitação de interesse social no Brasil, considerando quatro
troncos básicos: planejamento habitacional, projetos de conjuntos e unidades
habitacionais, construção habitacional, uso e manutenção das edificações
habitacionais. Procura-se, assim, demonstrar o caráter multidisciplar da temática
e a necessidade de se abordá-la de forma integrada, para fazer avançar o
conhecimento nessa área.
1. INTRODUÇÃO
A partir da criação do BNH, o debate em torno da questão habitacional
intensificou-se em nosso país, estimulado pela ação polêmica desenvolvida por
esse Banco, desde os seus primórdios. As universidades e os institutos de
pesquisa passaram então a contemplar o tema em seus programas e projetos,
ora avaliando criticamente o que se fazia, ora propondo soluções alternativas.
Tais estudos fluíram em duas vertentes básicas, quais sejam:
-
a vertente sócio/ econômica
a vertente tecnológica.
A primeira se sustentou mais na universidade enquanto a outra ficou
praticamente restrita aos institutos de pesquisa tecnológica, salvo raras
exceções.
No âmbito do Governo Federal muitos documentos se produziram nesses
últimos 20 anos, na tentativa de ordenar e sistematizar ações que visassem ao
desenvolvimento científico e tecnológico do “habitat” humano em nosso país.
Há de se destacar entre eles o "Programa Nacional de Ciência e Tecnológia em
Habitação e Planejamento Urbano”, CNPq, Outubro de 1982. Entretanto esses
documentos representaram mais as idéias e intenções dos técnicos que
trabalhavam como funcionários desses órgãos do Governo, do que propriamente
as intenções do Governo.
Tanto isso é verdade que tais documentos, instituídos planos e projetos de curto
e médio prazo, na grande maioria das vezes não receberam apoio
administrativo, nem financeiro, parra sem implementados de fato.
Embora reconhecendo o esforço já dispendido como objetivo semelhante, o
presente trabalho se propõe a trazer uma contribuição – mesmo que modesta -à
sistematização dos estudos e pesquisas afetos à questão habitacional,
demarcados no âmbito da arquitetura.
2. MELHORIA DE QUALIDADE, O OBJETIVO PRINCIPAL
O entendimento de que a pesquisa científica e tecnológica em habitação visa à
melhoria de qualidade e à redução dos custos, é a referência básica deste
trabalho. Faz-se necessário, portanto, que de início se esclareça o conceito de
qualidade aqui tratado.
Em construção, o conceito de qualidade tem uma conotação essencialmente
tecnológica , na medida em que diz respeito apenas às técnicas e materiais
empregados na produção de um edifício. No âmbito da engenharia civil, quando
se fala em melhoria de qualidade, pensa-se imediatamente em métodos e
processos de controle tecnológicos dos materiais e serviços de uma obra. É bem
verdade que a qualidade tecnológica de um a edificação é assunto que merece
o maior zelo e não pode ser negligenciado. Entretanto, quando se trata de
HABITAÇÃO, a questão tem de ser examinado em suas múltiplas faces. Isso
porque a qualidade de uma habitação é definida por um conjunto de atributos
que não se restringem ao nível técnico/ construtivo. Muitos são os fatores que
contribuem para transformar uma moradia – mero abrigo – num lugar bm de se
habitar. Esses fatores podem ser agrupados em quatro categoria, a saber:
2.1. Fatores tecnológicos. Dizem respeito aos materiais, componentes e
sistemas construtivos empregados tanto na edificação como em seu entorno
imediato.
2.2. Fatores locacionais. São aqueles referentes à articulação da moradia com o
urbano, sua acessibilidade aos serviços e equipamentos oferecidos pela cidade,
suas interações com as demais funções. Enfim, todos os fatores que
determinam sua inserção – ou não – no urbano.
2.3. Fatores micro-ambientais. Estão ligados à infra-estrutura de suprimento
(água, energia, telefone) e de saneamento básico, bem como às condições
locais de qualidade do ar.
2.4. Fatores comunicacionais. São aqueles afetos à dimensão simbólica do
habitar e se inscrevem, mais precisamente, na arquitetura dos lugares (públicos
e privados) e no seu potencial enquanto palco da expressão individual
ou coletiva.
Desenvolver estudos e pesquisas visando à melhoria da qualidade da habitação
implica, portanto, em contemplar todos esses aspectos mencionados. Trata-se
de tarefa eminentemente interdisciplinar e multi-institucional – enquanto em nível
de propostas – e exclusivamente política, enquanto encaminhamento de
soluções.
3. A ARVORE DA HABITAÇÃO
O processo de produção de habitação pode ser decomposto em quatro grandes
momentos ou etapas, que são:
-
Planejamento habitacional
Projetos de conjuntos e unidades
Construção
Uso e manutenção
Esses momentos correspondem a níveis de intervenção diferenciados. Assim, o
desenvolvimento de competência em cada um deles pode-se dar dentro de seus
limites específicos, desde que não se percam de vista suas interações com os
demais.
Por outro lado, todos eles dem evoluir simultaneamente, para que não haja
hipertrofia de uma área em detrimento de outras. Pouco adiantam grande
investimento em pesquisas de materiais e técnicas construtivas aplicáveis à
habitação se não houver uma evolução concomitante em concepção de projeto,
por exemplo. Vale também a recíproca. Cabe ao BNH, através do DEPEA,
cuidar para que os quarto segmentos se desenvolvam harmoniosamente,
alocando os recursos para pesquisa habitacional de forma a equilibrar a
balança.
Esses quatro segmentos – Planejamento, Projeto, Construção e Uso – admitem,
por sua vez, decomposições sucessivas, formando uma árvore, conforme se
apresenta no anexo I sob o título de ARVORE DA HABITAÇÃO.
4. O ÂMBITO DA ARQUITETURA
Já se disse que a questão habitacional só será corretamente equacionada
quando, a partir de decisões políticas acertadas, desencadearem-se as ações
dos técnicos. Foi também acertadas, desencadearem-se as ações dos técnicos.
Foi também ressaltado que trato da questão, a nível de pesquisa, é
interdisciplinar, não estando confinado em nenhum território de saber específico.
Entretanto é necessário que se demarque o território em que cada área de
conhecimento tem uma contribuição de maior monta. Aqui, neste trabalho,
interessa qual seja a demarcação do território de arquitetura no que tange ao
desenvolvimento científico e tecnológico vinculado à habitação. Passa-se, em
seguida ao exame de cada grande ramo da ARVORE DA HABITAÇÃO, no
intuito e identificar as linhas de estudos e pesquisas que estejam mais afetos ao
âmbito da arquitetura.
4.1. PLANEJAMENTO HABITACIONAL
No segmento PLANEJAMENTO HABITACIONAL estão inscritas todas as
reflexões que precedem – ou deveriam preceder – às ações de implantação de
programas e projetos destinados ao financiamento, produção ou
comercialização de habitações. As linhas de pesquisas voltadas para o
Planejamento Físico e Territorial são as que mais demandam a contribuição do
arquiteto, sendo que em algumas delas essa contribuição é imprescindível.
As pesquisas nesse segmento devem-se desenvolver em dois campos
complementares:
-
O primeiro, de avaliação critica da experiência brasileira na prática do
planejamento e do desenho urbano.
-
O outro, de geração de conhecimentos que possam consubstanciar ações
futuras ou novas práticas.
4.2. PROJETO
No segmento PROJETO os arquitetos podem desenvolver diversas linhas de
pesquisa, seja no veio urbanístico ou na abordagem do edifício. Essas linhas
têm início na geração dos conhecimentos que irão subsidiar projetos e
especificações, passam pelo desenvolvimento de técnicas de projetamento e
atingem até a normalização do desenho técnico. Podem ser classificadas em
dois agrupamentos básicos, quais sejam:
•
•
Teoria e metodologia do projeto;
Tecnologia de processamento.
4.2.1. TEORIA E METODOLOGIA DO PROJETO
Classificam-se como teoria e metodologia do projeto aqueles temas cujo
desenvolvimento pode resultar em melhores concepções urbanísticas e
arquitetônicas para a habitação.
Citam-se, como exemplo:
a) Sistemas de coordenação modular – estudos básicos para normalização de
materiais, componentes e sistemas construtivos aplicáveis à habitação.
As pesquisas em coordenação modular visam a padronização e interação
dimensional dos componentes construtivos, sendo fundamentais para a
racionalização da construção convencional (eliminando perdas) e o
desenvolvimento da pré-fabricação. A principal justificativa para a
implementação dessa linha é o fato de que, em nosso país, os materiais e
componentes construtivos não obedecem a escalas ou sistemas modulares. Isso
resulta em total deseconomia devido a perdas para ajustes dimensionais entre
materiais, revestimentos de pisos e paredes, esquadrias etc.
Esse desperdício é tão mais prejudicial quanto mais se aproxima das habitações
destinadas a população de baixa renda.
b) Parâmetros para projetos urbanísticos e arquitetônicos.
Os parâmetros adotados nos nossos projetos habitacionais são, via de regra,
extraídos dos cânones da arquitetura internacional, sem que ao menos passem
por um processo de adaptação às nossas condições físicos-climáticas,
econômicas e culturais. Gerar parâmetros a partir do conhecimento do nosso
próprio habitar constituir-se numa tarefa relevante e prioritária, tendo em vista os
inúmeros benefícios que dela advirão.
Citam-se, em seguida, alguns sub-temas que podem ser objeto de investigação
científica da parte dos arquitetos, no sentido de melhorar a qualidade dos
projetos urbanísticos e arquitetônicos habitacionais.
•
•
•
Padrões de articulações físico- espaciais em assentamentos
habitacionais populares.
Critérios para dimensionamento de lotes, calçadas e ruas de
conjuntos habitacionais, em função das reais necessidades e
hábitos dos usuários.
Técnicas de aproveitamento de recursos naturais como o vento
e o sol, para o conforto ambiental da habitação e seu entorno.
4.2.2. TECNOLOGIA DE PROJETAMENTO
Classificam-se como desenvolvimento da tecnologia de projetamento aquelas
ações que visem ao controle de qualidade do processo de produção do projeto,
isto é, do ato de projetar, que vai desde o levantamento inicial de dados até o
caderno de especificações. Listam-se, em seguida, alguns temas que devem
merecer atenção dos arquitetos, enquanto áreas de pesquisa:
a. Metodologia de levantamento e registro de dados para os projetos
arquitetônico, estrutural, das instalação elétricas, hidráulico-sanitários e das
instalações especiais.
b. Sistemática para coordenação e compatibilização de projetos de arquitetura
e engenharia. Elaboração de manuais de procedimentos de rotina.
c. Modelos para especificações de materiais e serviços.
d. Normalização do desenho técnico da arquitetura. Estudos para revisão,
aperfeiçoamento e ampliação das normas existentes.
4.3. CONSTRUÇÃO
O segmento CONSTRUÇÃO HABITACIONAL constitui-se de atividades que são
mais correlatas à engenharia civil, uma vez que aí se inscrevem os
conhecimentos relativos à produção propriamente dita, seja em canteiro seja
industrial.
Embora as pesquisas para o desenvolvimento dos métodos e processos
construtivos estejam estreitamente vinculadas ao projeto, elas têm um terreno
de especificidade que está mais próximo do engenheiro que do arquiteto: o
momento da produção.
Não se quer dizer com isso que não exista espaço no canteiro ou na usina mas,
que não é aí o seu lugar de destaque.
4.4. MANUTENÇÃO E USO
Os problemas afetos ao uso e manutenção das edificações são muito pouco
estudados. Perde-se com isso uma preciosa oportunidade de realimentação das
pesquisas dos segmentos Projeto e Construção. Existem vários temas que o
arquitetos pode abordar nesse universo:
•
Elaboração manuais de manutenção preventiva do edifício.
•
Estudos para correção dos defeitos mais freqüentes nas
habitações.
•
Avaliação dos projetos face às intervenções verificadas no uso
da edificação.
5. CONCLUSÃO
Objetivando especificar as linhas de pesquisa que devem ser desenvolvidas, no
âmbito da arquitetura, como o fito de contemplar a questão habitacional, listouse uma série de temas a serem explorados. Cada um deles poderá ser
dissecado em vários planos ou projetos de pesquisa específicos. Não se cogitou
em nomear esses projetos para que o documento não assumisse um caráter
diretivo, uma vez que a intenção é de fazer fluir a discussão em torno das idéias
e, consequentemente, a criatividade das pessoas.
A ÁVORE DA HABITAÇÃO
Download

A ÁVORE DA HABITAÇÃO Maria Lucia Malard(1) (1) Professora