3ª Carta aos Plebeus
As questões são como as cerejas...
Estamos no Ano 2020!
N
aquele dia de sábado, soalheiro, mas, fresco, a esplanada
estava sem gente. Lá dentro, a “confraria” dos plebeus,
debruçada sobre o balcão, saboreava a “bica” tradicional.
Só o Manuel Barbas, o“ventas de ouriço” falava, como
comentador de taberna, sobre a crise política.
Enquanto, o professor não chegava, o Manuel Barbas, já
preparado para sair, ainda mangava:
- Ó peludos, tão interessados em saberdes dessas coisas de
padres, perguntem ao professor, também, se Jesus morreu numa
Quarta-Feira e, não na Sexta-Feira - Santa
- Que raio de questão é essa?
- Há dias, li num livro, “sociologia da religião”, emprestado pelo
carbonário do presidente da Junta, que chegou a estudar para
padre e, lá dizia que Jesus, segundo o calendário dos judeus, teria
sido crucificado numa Quarta-Feira.
Depois, de ter deitado mais esta acha para a fogueira, com ar
sarcástico, “o ventas de ouriço”, vestiu o capote, e saiu, deixando
a confraria embasbacada.
Não passou muito tempo, quando o professor com ar pacato
entrou no café do alentejano, cumprimentou os pouco presentes,
colocou uma pasta de apontamentos sobre a pequena mesa e,
logo, o grupo de plebeus arrumou as cadeiras em volta.
- Ainda bem que chegou.
Porque, assim, tão preocupados?
- Já, muitos dias passaram, onde a questão da data do
nascimento de Jesus era mais pertinente, sobretudo pela
publicação do livro do Papa, que “virou” manchete nos jornais.
Agora, parece que mais ninguém quer saber dessa questão.
-O povo o que quer é borga, comes e bebes...
Questão é questão, não importa o momento. Se quereis ser
evangelizados tereis que ter paciência, que é uma virtude cristã.
- Também, como falta pouco tempo para a Páscoa, queremos
saber em que dia morreu Jesus...
- Bruxo. Já estava à espera dessa pergunta, pois que as questões
são como as cerejas, encadeiam-se umas nas outras.
- Foi o Manuel Barbas, que não faz parte do nosso grupo, um
ateu, que atiçou essa questão.
- Vamos falar resumidamente, agora, sobre a questão da data do
Nascimento de Jesus.
É assim:
No princípio era Roma, a senhora do mundo.
O calendário oficial, seguido no Império, tinha como partida a
lendária fundação de Roma pelos heróis mitológicos Rómulo (1º
rei de Roma) e seu irmão Remo (753-715 a. C.)
-. Entretanto, que calendário seguiam os milhares de cristãos, que
ao longo da história, foram abraçando a fé? Perguntaram...
- Ora, tinham que seguir, como os outros cidadãos, o calendário
da fundação da cidade de Roma.
Com o Edito de Milão, o Imperador Constantino, em 313, deu a
liberdade à Igreja. Então, pelos fins do século V, os cristãos
quiseram fazer um novo calendário, que tivesse como centro a
Pessoa de Jesus Cristo. Mas, deram-se conta que ninguém
conhecia ao certo o dia, nem o mês, nem sequer o ano do Seu
Nascimento, pois os evangelhos apenas contam episódios
isolados da vida de Jesus com base em tradições orais, apenas,
com preocupações pedagógicas e não históricas.
Entretanto, pelos anos 500, aparece, em Roma, um monge vindo
da Rússia, chamado Dionísio, que tinha o apelido de “exíguo”. Era
um homem muito inteligente, erudito, brilhante teólogo,
conhecedor da História.
Este monge, a pedido do Papa daquele tempo, João I, foi
incumbido de fazer o calendário oficial da Igreja tendo como
fundamento o ano do nascimento de Jesus Cristo. O objectivo era
acabar com a confusão e, calcular a Páscoa, pois várias Igrejas
seguiam diferentes sistemas. Para isso, Dionísio, consultou os
evangelhos e, em Lucas 3,1, viu que Jesus havia começado a vida
pública no ano 15 do governo do imperador Tibério César.
Comparando longas tabelas de datas e cronologias o monge
Dionísio acha o que o ano 15 de Tibério, no qual Jesus começou a
pregar, correspondia ao ano 783 da fundação de Roma. Depois,
subtraindo os 30 anos da idade de Jesus, concluiu que Jesus teria
nascido na data de 753.
Logo, o ano de 754 do calendário romano, correspondia ao Ano 1
de Jesus Cristo e, assim sucessivamente. O calendário da Era
Cristã começou a funcionar colocando as siglas “d.C” (depois de
Cristo), ou “a. C.” (antes de Cristo)
Dionísio disse, então, ao Papa : Cá está! Estamos no ano 526 d.
C, a nova era cristã, Jesus nasceu há 526 anos!
- Dionísio morreu no ano 540 do calendário que ele fundou.
Um plebeu, já cansado, interrompeu
- Professor, isso é “muita areia para a nossa camioneta”, parece
complicado.
- Vamos para fora respirar.
- Já podemos ir para a esplanada.
-Vou concluir a explicação fornecida pelo prof. Valdês.
Séculos mais tarde, os historiadores e biblicistas modernos,
aplicando o método da exegese científica, sabem que Dionísio
enganou-se.
- Onde está o erro do monge Dionísio?
Com efeito, o Evangelho de Mateus fornece uma preciosa
informação que Dionísio não considerou (Mt. 2,1): A narração dos
magos e a matança dos meninos inocentes ordenada por
Herodes. Jesus terá nascido antes da morte de Herodes...
. E, quanto tempo antes da morte de Herodes?
- Dando conta ao historiador Flávio Josefo, Herodes morreu nas
termas de Jericó em Novembro do ano 5 a.C. Portanto, há que
recuar para meados do ano 5 a. C o nascimento de Jesus.
. Quantos anos teria Jesus, aquando da matança dos inocentes
ordenada por Herodes?
- Segundo (Mateus 2, 16), Herodes mandou matar todos os
meninos “de 2 anos para baixo”. Pode pensar-se que nessa
ocasião Jesus teria entre um ano e ano e meio. Somando mais
este novo lapso de tempo aos nossos cálculos, encontramo-nos
entre finais do ano 7 e meados do ano 6 a. C. (antes de Cristo)
Conclusão: A data provável do nascimento é o ano 7 a.C, e, ao
começar a vida pública Jesus teria 34 anos de idade.
- Por isso, já estamos no Ano de 2020 e, não 2013 do Nascimento
de Jesus.
- Professor, compreendo por toda essa sábia explicação, que não
há um dia, mês e ano certo do Nascimento de Jesus, como , hoje,
no Registo Civil
- Então, porque não mudam o calendário?
- Agora, mudar o calendário, corrigindo o engano do monge
Dionísio, seria uma tarefa quase impossível passados tantos
séculos.
Porém, graças a Dionísio, Jesus Cristo reina nos nossos
almanaques. Ele é o centro da nossa história.
António Cunha, presbítero
Lua cheia de Janeiro
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