Cumprimentos
É com muita alegria que me dirijo aos presentes: autoridades, lideranças indígenas, pais,
parentes, professores, formandos e convidados. Esta alegria decorre do fato de estarmos
vivenciando este rito de passagem, este ritual da vida, inédito na história da educação
em Alagoas. Como em todas as sociedades, nas indígenas, inclusive, que vivem ciclos e
rituais, ao encerramos esta solenidade, os estudantes, que passaram cerca de cinco anos
de suas vidas estudando, pesquisando, se aperfeiçoando, sairão daqui como graduados
em Matemática e Ciências Naturais, Ciências Sociais, Línguas, Artes e Literatura e
Pedagogia. Todos os cursos com uma perspectiva intercultural, específica e
diferenciada, o que implica em dizer que se aproximaram da escuta e da narrativa não só
da ciência do não índio, mas, e, sobretudo, que refinaram o olhar e a profundidade de
quem se enxerga e vê nos valores e ciência construídos por seus respectivos povos
como algo de valor e que, por isso, deve ser registrado, discutido, ensinado, para o
melhor exercício da profissão escolhida, e transmitido, com muito carinho e zelo, às
atuais e futuras gerações de crianças e jovens em cada povo indígena do estado. Como
em todos os rituais, este é o coroamento de uma etapa e, ao mesmo tempo, o
fechamento de um ciclo. Ciclo encerrado, vida que se renova, vida que segue. Que
outros ciclos e rituais sejam bem vindos. Parabéns aos que acreditaram que uma vitória
seria possível. Entre os que acreditaram e abraçaram a causa, além das lideranças,
comunidades e professores indígenas que hoje colam grau, estão a Uneal, também de
parabéns, e alguns professores não indígenas que acreditaram ser possível este
momento. Acompanhei bem de perto e, com o pedido de perdão antecipado caso
alguém seja esquecido, gostaria de destacar os esforços iniciais e permanentes das
professoras Iraci Nobre e Margarete Paiva, que apesar da novidade e do desafio que
representava a abertura de um curso de licenciatura intercultural em Alagoas, não
mediram esforços para que o projeto saísse do papel e ganhasse vida. Foram muitas
inquietações, idas e vindas, muitos problemas a contornar e muitas soluções encontradas
para que tudo resultasse no contentamento que ora observamos. Como em todas as
empreitadas de sucesso, o coletivo deve se destacar frente aos eventuais casos de
individualismo e, por isso, como duas andorinhas não fazem verão, outros professores
foram se associando ao projeto: Adelson Lopes Peixoto, Edil Aidée Correia Prado, João
Ferreira da Silva Neto, Mary Selma de Oliveira Ramalho e outros tantos professores,
que, desafiados, assumiram o compromisso de se engajar na luta por uma Alagoas em
que a Educação seja tida e lida com um E maiúsculo e em que os povos indígenas não
estivessem fora desse processo de qualidade, tão necessário à educação de
financiamento público, e que não fossem meros expectadores e sim atores principais de
suas vidas e educação. Claro que nesse processo, somos todos aprendizes, pois o outro,
indígena ou não, sempre nos desafia a lidar com os limites do que pode ser dito, do que
pode ser explicado, do que pode ser registrado e do que não é possível nem necessário
ser divulgado, mesmo que isso ampliasse ainda mais a crescente necessidade de
conhecimento e a compreensão do processo como um todo. É pretensão descabida achar
que cada um de nós tem a pedra do toque para os problemas que surgem e que o diálogo
intercultural não é fundante na educação indígena centrada na escola. Os pais e mães
indígenas sempre souberam o que era fundamental que fosse transmitido aos seus filhos,
nas doses e idades certas, mesmo nos momentos de ruptura e violência que viveram e
em certos casos ainda vivem em seus cotidianos. Essa violência clara ou velada só será
superada com o conhecimento, de ambas as partes. Este conhecimento sobre a realidade
socio-histórica e social dos povos indígenas leva-me a considerá-los vitoriosos, pois
apesar de todos os percalços históricos que atravessaram, e não foram poucos, resistiram
e continuamente reafirmam sua diferenciação étnica e cultural da sociedade envolvente.
Por isso, presto também, neste momento, uma homenagem aos antepassados indígenas,
aos que vieram antes e conseguiram transmitir para os seus descendentes os mais
relevantes valores indígenas, que permitiram a continuidade histórica de seus povos,
apesar das contínuas tentativas de apagamento, inclusive física.
O conhecimento, entretanto, não é uma máquina passiva. Ele precisa estar em constante
movimento para não estagnar e os professores indígenas, em suas respectivas áreas, têm
esse desafio: não esquecer os valores de seu povo, não esquecer a ciência construída
pelos antepassados, não esquecer que a luta pela terra é essencial para a manutenção e
preservação da cultura, já que nos tempos atuais, o isolamento físico e cultural, nem
sempre é possível, mesmo que alguns assim o desejem. Ao mesmo tempo, como um
exercício permanente, os professores devem estar atentos às narrativas de fora das
aldeias, que permitam o contínuo diálogo não só com os demais povos indígenas, mas
também com a sociedade nacional, ao tempo em que se firmam no diálogo intracultural,
nem sempre fácil, pois, embora muitos pensem que cada povo é formado como um
bloco homogêneo e unidirecional, muitas forças e grupos procuram hegemonia, como
em todas as sociedades humanas, mas os professores, apesar de suas ligações parentais e
afetivas com estes grupos, devem estar atentos ao que se destinam como objetivo
profissional e cada professor ou professora presente sabe qual a importância de seu
lugar pessoal e profissional na arquitetura de seu povo e da escola, como agente de
transformação social.
Gostaria ainda, mesmo sabendo que este é um momento de alegria, provocar uma
reflexão. Sabemos todos como foi ou é o processo de expropriação fundiária e
capitalista vivida pelos povos indígenas, somado ao glotocídio, também ainda em curso
em algumas regiões do país, mas os professores, de todas as áreas, devem refletir sobre
o uso da língua e, neste caso, temos duas opções: a primeira é ficar permanentemente
reclamando dos não índios como culpados pela morte das línguas indígenas e assim
continuar ou buscar um segundo caminho, que não desconhece a história, mas busca
construir algo diferente. Sei que isso gera muitos debates nas aldeias e nas escolas, mas
considero que é melhor ter um excelente trabalho com a língua portuguesa, com todas
as suas variações e gramática e, a partir dela, construir um estudo produtivo e uma
escola conectada ao seu tempo e às necessidades do povo, do que ficar reclamando e
nada fazer. Afinal, a escola é um dos lugares de empoderamento para a luta pelos
direitos e a apropriação adequada da língua pode ser um destes caminhos. Esta é a
minha esperança.
Por fim, desejo a todos os formandos uma vida pessoal e profissional de muito sucesso
e que continuem a desbravar outros e novos caminhos. Compartilho com cada família e
aldeia o contentamento experimentado por mais esta etapa vencida. Certamente, outras
mais virão. E deixo um abraço do tamanho da boca da noite, como diria uma índia
puyanáwa, lá do Acre, em cada um que ora vivencia este ritual de passagem ou em
outros termos um ritual de confirmação de que a escolha feita foi acertada. Tenham
todos muita saúde e alegria para viver melhor esta nova etapa que se descortina em suas
vidas.
Obrigado. Um abraço e boa noite.
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Discurso Prof Aldir