PEDAGOGIA JURÍDICA: UMA INOVAÇÃO NECESSÁRIA
Maria Cecilia Lorea Leite
UFPel
Palavra-chave: educação;
1. Introdução
Este trabalho tem como objeto o ensino jurídico, propondo, como finalidade, a
reflexão sobre novas formas de conhecer a realidade do Direito. Insere-se no campo
da Pedagogia Jurídica. Embasa-se em tese de doutorado da autora, defendida em
2003, cujo tema foi as decisões pedagógicas e as inovações no ensino jurídico. A
partir dos dados da pesquisa desenvolvida junto a um curso de graduação em
Direito, em uma universidade pública do Rio Grande do Sul, foca as relações entre
currículo, conhecimento e poder.
Pretende que se examine o discurso jurídico como um discurso pedagógico e,
nesta perspectiva, seja estudada sua Pedagogia e sua prática pedagógica.
Assim, inicialmente apresenta a conceituação elaborada pela autora sobre a
Pedagogia Jurídica e a concepção de prática pedagógica, com base em referencial
bernsteiniano. A seguir, trata do discurso jurídico, identificando-o como um discurso
pedagógico oficial. Posteriormente, analisa a articulação dos campos Pedagógico,
Jurídico e Pedagógico do Ensino Jurídico e desenvolve uma reflexão a partir dos
dados da pesquisa empírica realizada.
Finalmente, a título de conclusão, argumenta que a Pedagogia Jurídica oficial
não é adequada para a transmissão do conhecimento jurídico e apresenta proposta
de uma nova Pedagogia no campo do Direito, com vistas à socialização do discurso
jurídico.
2. Pedagogia Jurídica
Inicialmente, considero o que compreendo por Pedagogia Jurídica. Trata-se
do campo do conhecimento que estuda os processos de educação jurídica. Esta
ocorre mediante o ensino e a aprendizagem dos princípios, das normas, dos
institutos e dos procedimentos jurídicos de caráter oficial ou não, dos significados
criados por seus conteúdos e aplicações, pelas formas de regulação produzidas,
2
mediante processos interativos desenvolvidos por pessoas e instituições em tempos
e espaços determinados (LEITE, 2003, p. 14).
Neste sentido, a Pedagogia Jurídica abrange duas grandes vertentes. A
primeira envolve o estudo das teorias e dos processos de educação jurídica que
informam e conformam uma pluralidade de diferentes normas as quais integram e
constituem, de forma implícita ou explícita, o ordenamento jurídico de um Estado,
sociedade ou grupo social. A segunda refere-se ao estudo das teorias e dos
processos que embasam o Ensino Jurídico tal como se constitui e se desenvolve em
cursos jurídicos em diferentes instituições, bem como em outras instâncias do poder
do Estado, considerado como um todo ou no âmbito dos diferentes órgãos e níveis
que o integram, ou em processos formais e/ou informais que se desenvolvem em
outras organizações nos mais diversos grupos sociais. Como o ensino jurídico
envolve o conhecimento jurídico normativo, é possível afirmar que esta vertente
comporta uma dupla via de regulação (LEITE, 2003, p. 14).
Inspirada em Bernstein (1998, p.35), assumo uma concepção ampla de
prática pedagógica, que não se restringe à sala de aula, à escola ou à universidade.
Assim, com base no autor mencionado, entendo-a como “um contexto social
fundamental” por meio do qual se efetiva a “reprodução e produção culturais”
A teoria bernsteiniana possibilita identificar “as práticas de organização, as
práticas discursivas e de transmissão constitutivas de toda ação pedagógica, bem
como mostrar o processo mediante o qual se produz uma aquisição seletiva”
(Bernstein, 1998, p. 35). Neste sentido, considero primeiro os estudos do autor
relativos à prática pedagógica, no que concerne à sua tipologia.
Bernstein (1996, p.103-132) define e caracteriza dois tipos de prática
pedagógica que denomina Pedagogia Visível e Pedagogia Invisível.
Pedagogia Visível é considerada aquela “cuja estrutura subjacente se reveste
de um caráter de visibilidade para o adquirente”. Suas regras de hierarquia e de
seqüenciamento “são explícitas”, assim como os critérios, “explícitos e específicos,
definidos pelo transmissor” (BERNSTEIN, 1988, p.155).
Segundo Bernstein (1996, p.103), há várias formas ou modalidades de
Pedagogia Visível, que acentuam, como característica comum
entre elas,
o
desempenho do adquirente, o texto que o adquirente cria e o grau em que este texto
preenche os critérios.
3
Bernstein (1998, p.155) considera como Pedagogia Invisível aquela cuja
“estrutura subjacente” apresenta-se invisível para o adquirente, estando implícitas as
regras de hierarquia e de seqüenciamento. Neste tipo de Pedagogia, os critérios de
avaliação são implícitos, múltiplos e difusos, propiciando a idéia de que o adquirente
seja fonte desses critérios.
As regras discursivas são conhecidas somente pelo transmissor, fazendo com
que esse tipo de prática pedagógica seja invisível para o adquirente. Assim, é
possível afirmar que a Pedagogia Invisível está centrada nos procedimentos internos
ao adquirente, a partir dos quais um determinado texto é elaborado e vivido. Nesta
perspectiva esses procedimentos de aquisição são concebidos como compartilhados
por todos os adquirentes, embora o texto efetivamente realizado por cada um gerará
diferenças entre eles, as quais serão entendidas como decorrentes de suas
singularidades (BERNSTEIN, 1996, p.104).
A propósito, nesta perspectiva, reportando-se aos anos sessenta, Bernstein
(1996, p.105) identifica, uma notável convergência produzida entre as principais
disciplinas das ciências humanas, ou seja, Psicologia, Lingüística e Antropologia, a
partir do conceito de competência, considerado central nas teorias estruturalistas de
Piaget, Chomsky e Lévi Strauss.
Com base nessas teorias, Bernstein (1996, p.105) observa que, no plano
analítico, “a aquisição da competência ocorre no nível do social e não do cultural”,
depende de interação social, mais especificamente, envolve a “interação com outros
não culturalmente específicos”. Assim, afirma, que as teorias da competência ao
articularem apenas o biológico com o social, dissociam estes últimos do cultural. N
âmbito dessa teorização a aquisição da competência envolve uma participação ativa
do adquirente.
É interessante destacar que essas teorias identificavam vínculos com idéias
tidas como democráticas, considerando que “todas as pessoas são iguais em sua
aquisição”, que todas “participam ativamente em sua aquisição”. Assim, enfatizavam
a criatividade como inerente ao processo de se constituírem sujeitos em sociedade.
As diferenças entre estes, desta forma, são entendidas como um produto da cultura.
No entanto, o autor observa o custo dessa concepção: “(...) deixar de lado a relação
entre poder, cultura e competência, entre os significados e as estruturas que os
significados tornam possíveis. A democracia nestes termos “é uma democracia
separada da sociedade” (BERNSTEIN, 1996, p.105).
4
3. Discurso jurídico
A teoria bernsteiniana possibilita identificar e interpretar a lógica interna do
dispositivo jurídico, suas regras distributivas, recontextualizadoras e de avaliação.
Estes três conjuntos de regras, a exemplo do que Bernstein (1998, p. 58-66)
argumenta sobre o dispositivo pedagógico, estão relacionados de forma hierárquica,
sendo que as segundas
derivam das primeiras e as terceiras das segundas,
estabelecendo-se, entre elas, relações de poder.
Além da hierarquia relativa às inter-relações destes conjuntos de regras,
destaco como característica distintiva do dispositivo jurídico, a hierarquia presente
no próprio texto jurídico, no conjunto de normas do ordenamento jurídico. Tal
característica pode ser relacionada a uma estrutura hierárquica de conhecimento,
motivada, segundo Bernstein (1998, p.198; 2000, p. 161), pelo que denomina
“código integrado”. O princípio de estruturação deste conhecimento impele “as
conformações a proposições cada vez mais gerais que integram o conhecimento de
níveis mais baixos e, desta forma, mostra a uniformidade subjacente que atravessa
uma série de fenômenos aparentemente diferentes, em expansão”.
Considerando a argumentação até aqui desenvolvida, em meu entendimento,
o discurso jurídico pode ser identificado como um discurso pedagógico oficial. Este é
definido por Bernstein (1996, p.272) como:
as regras oficiais que regulam a produção, distribuição,
reprodução, inter-relação e mudança dos textos pedagógicos
legítimos (discursos) e a organização de seus contextos
(organização). O discurso pedagógico oficial é um discurso
embutido, constituindo a realização das inter-relações entre
dois discursos aparentemente especializados: o discurso
instrucional e o discurso regulativo.
Com relação ao processo de recontextualização, juntamente com sua
complexidade, destaco seu potencial, que não pode ser desconsiderado. A lógica
interna do Direito que é transmitido e sua relação com outros discursos está
relacionada às atividades do campo de recontextualização. Quando as regras
recontextualizadoras, estabelecem os limites externos e internos do discurso
legítimo, constituem o discurso jurídico específico. Este, inclui, com base em estudos
inspirados em Bernstein (1998, p. 62), por um lado, “regras que criam destrezas e
regras que regulam suas relações mútuas”; e, por outro lado, “regras que criam uma
ordem social”. Assim, o discurso jurídico pode ser entendido como a comunicação
5
especializada por meio da qual a transmissão/aquisição diferencial é efetuada e
sujeitos pedagógicos são seletivamente criados.
As teorias da instrução, na teoria bernsteiniana, apresentam-se importantes
em dois aspectos. No primeiro, na construção do discurso pedagógico, estão
relacionadas às regras da transmissão. Assim, as teorias da instrução regulam a
ordem da prática pedagógica jurídica, constroem o modelo do adquirente e da
competência pedagógica comunicativa. Penso que o princípio jurídico/constitucional
“Todos são iguais perante a Lei”, tenha alguma relação com o pressuposto teórico
de que todos são iguais em sua aquisição. Mais. Este pressuposto, associado à
idéia de que todos participam ativamente em sua aquisição, fundamenta, a meu ver,
o artigo 3o da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual ninguém se escusa
de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
No segundo aspecto mencionado, na prática pedagógica, as teorias da
instrução estão embasadas em uma teoria que permite ao professor, por exemplo,
gerar formas e conteúdos de avaliação ou, ainda, realizar uma “leitura’ do adquirente
em estado de desenvolvimento, a partir os significados de sua conduta.
Em meu entendimento, a teoria da instrução recontextualizada na realização
do discurso jurídico estende-se às regras de interpretação desse mesmo discurso.
Neste sentido, em minha perspectiva, essas regras estão embasadas em conceitos
teóricos do campo da Psicologia, priorizando habilidades, atitudes e atributos,
enfatizando o potencial da mente e o comportamento, de forma dissociada do
contexto social e político. Como afirma Popkewitz (1997, p.111), ao estudar a ciência
social durante os anos formadores da escolarização de massa, a Psicologia
proporcionou “um discurso que podia atribuir os problemas do governo do Estado ao
indivíduo”. Este fato trouxe consequências políticas de alta relevância
para o
currículo, para a organização social das instituições de ensino e, inclusive, para a
limitação das possibilidades de ampliação da democracia.
4. Campo Pedagógico, Campo Jurídico e Campo Pedagógico do Ensino
Jurídico
Considerando o argumento de Bernstein (1998, p. 205), no sentido de que “a
organização interna das estruturas de conhecimento e os campos de atividade a que
dão lugar e mediante os quais se estruturam e mudam suas realizações devem
integrar-se em uma mesma análise”, foco o Campo Jurídico e o Campo Pedagógico
6
do Ensino Jurídico, procurando descrever as posições desses campos e as práticas
especializadas que reproduzem sua estrutura. Nesse sentido, enfatizo a construção
e estruturação do discurso jurídico e seu processo de pedagogização.
Previamente, no entanto, ainda que de forma sucinta, faço referência aos
argumentos de Bernstein (1998, p.66-67) sobre o Campo Pedagógico, construído a
partir do estudo do Campo Religioso por Weber (1991).
Campo Religioso e Campo Pedagógico
Figura 1
Fonte: Bernstein (1998, p.67)
Três posições distintas compõem o Campo Religioso, a saber, os profetas, os
sacerdotes e os leigos. Tais posições sustentam, entre si, relações de
complementaridade e oposição. Nessas posições estão os profetas, os sacerdotes e
os leigos. Com relação à estrutura do Campo Pedagógico, Bernstein (2000, p.36;
1996, p.264-265) identifica, basicamente, três categorias similares. Os “profetas” são
considerados os “produtores do conhecimento”, os “sacerdotes”, os “reprodutores ou
recontextualizadores” e, finalmente, os “leigos”, os “adquirentes”.
Segundo Bernstein (1998, p.70; 2000, p.62), um Campo Pedagógico
recontextualizador
é
constituído
por
“posições
e
práticas
opostas
e
complementares”, construindo-se, assim, “um campo de conflito e luta” por
hegemonia. Essas posições podem ser estudadas em três níveis analíticos, ou seja,
“autor”, que concerne ao “discurso autorizado”, “ator”, aos “patrocinadores”, e
“identidades”, “resultado das especializações pedagógicas”. É possível observar que
uma posição no campo “constitui uma especialização do discurso, uma
especialização dos atores patrocinadores e uma identidade especializada, que
adquire sua significação das posições opostas e complementares” (BERNSTEIN,
1998, p.70).
De acordo com Bernstein (1998, p.194), as atividades dos campos ocultam “a
arbitrariedade de suas bases de conhecimento e suas formas de domínio e
7
legitimação”, de forma que não se percebe prontamente, sem um estudo mais
complexo, a sua base social.
A seguir, procuro abstrair o Campo Jurídico e o Campo Pedagógico do Ensino
Jurídico, a partir do Campo Pedagógico.
4.1 Campo Jurídico
Na posição dos produtores do conhecimento e das regras distributivas do
dispositivo jurídico, situo os Legisladores (e o Presidente da República, no caso
específico em que exercer funções legislativas); na posição de reprodutores, situo os
Juízes, Promotores e Advogados; e na posição de adquirentes, os Civis.
Observo que, no Campo Jurídico, a posição relativa aos Civis/Adquirentes,
não possui uma base local de ensino, uma prática pedagógica concreta. Assim,
identifico a existência de uma posição e agentes com vocação para o Ensino
Jurídico oficial universalizado na população, sem o respectivo oferecimento e acesso
garantido pelo Estado. Há uma ênfase na competência dos Civis, em seu processo
de aquisição do discurso jurídico, cujo processo é considerado como compartilhado
por todos os cidadãos. A prática pedagógica tem como base os procedimentos
internos aos cidadãos/Adquirentes.
Segundo meu entendimento, a Pedagogia do Campo Jurídico, apresenta as
características de uma Pedagogia Invisível. No entanto, por outro lado, a Pedagogia
Jurídica apresenta regras hierárquicas, regras de conduta e procedimentos
explícitos, com base em um conhecimento hierarquicamente construído. Estas
normas que visam a assegurar a convivência social, estão garantidas por relações
de poder e de autoridade. O seu descumprimento aciona as agências reguladoras
do Estado, por meio do Poder Judiciário e do aparelho de segurança do Estado.
Neste momento, emerge a Pedagogia Visível e, assim, toda uma prática pedagógica
é desenvolvida, geralmente com forte assimetria nas relações entre Transmissores e
Adquirentes. Com base nesta Pedagogia, prescrevem-se as ações que se devem
realizar face ao texto ou situação trazidas para o contexto pedagógico, as
competências que devem ser adquiridas e todo um processo avaliativo com regras
criteriais explícitas estabelecem o que é exigido como um comportamento ou uma
produção legítima.
8
É possível, assim, perceber que a Pedagogia Invisível não se apresenta de
uma forma pura no Campo Jurídico, está inserida em uma Pedagogia Visível. Esta
se
encontra
sob
a
superfície
de
uma
Pedagogia
Invisível,
emergindo
especificamente quando surgem problemas relacionados ao seu âmbito de
competência.
4.2 Campo Pedagógico do Ensino Jurídico
No Campo Pedagógico do Ensino Jurídico, nas categorias análogas, estão os
Pesquisadores, os Professores de Direito e os Estudantes/Adquirentes.
Observo outro vazio discursivo, agora na posição do produtor do
conhecimento, face à quantidade ainda incipiente da produção científica sobre a
Educação e o Ensino Jurídicos, e sua Pedagogia no Brasil. Identifico, neste campo,
uma Pedagogia Oficial transmitida por uma Pedagogia Visível no Ensino de
Graduação, em Faculdades de Direito. Caso se admita, como faço, um espaço na
posição do Produtor, este fato traz conseqüências para cada uma das demais
posições deste campo. Segundo Bernstein (1998, p.70), um “campo pedagógico
recontextualizador está composto por posições (opostas e complementares) que
constroem um campo de conflito e luta por predomínio”. Tal situação pode estar
destensionada, “suavizada” pela não-ocupação da citada posição no campo.
Igualmente, este fato também pode se refletir em uma maior ou menor complexidade
e autonomia relativa no processo de recontextualização do conhecimento jurídico
para o Campo Pedagógico, em seus dois níveis importantes, ou seja, tanto no da
definição do “que” e do “como” do discurso pedagógico do Ensino Jurídico, como no
da prática pedagógica concreta no contexto específico da Faculdade de Direito
investigada.
Observo uma certa circularidade na relação entre os dois campos: do Campo
Jurídico para o Campo Pedagógico do Ensino Jurídico, a recontextualização de leis,
jurisprudência e, relacionada a elas, a doutrina; do Campo Pedagógico do Ensino
Jurídico, a ação de formar profissionais para as carreiras jurídicas do Estado.
4.3 Refletindo a partir dos dados
Com base nos estudos realizados sobre as decisões pedagógicas no curso
investigado, observo que há fortes limitações à atividade de seleção de conteúdos e
de recontextualização no Ensino Jurídico, quando se têm como referência as
disciplinas do plano profissional, baseadas no Direito Positivo Brasileiro. A forma
como o Ensino Jurídico, na Faculdade de Direito estudada, está sendo
9
desenvolvido, considera como dadas, sem questionamentos, a base social do
conhecimento e a relação hierárquica. Tampouco é realizada uma análise do
conhecimento como produto de relações sociais de poder. Um contraste com esta
situação foi possível, ao analisar decisões pedagógicas e práticas docentes de
disciplinas formativas no curso.
Considero alguns conflitos identificados no estudo. Inicialmente, entre alunos
e professores, os primeiros identificam como poucas as situações práticas
proporcionadas pelo processo de ensino-aprendizagem. Os docentes, por seu turno,
regra geral, priorizam a teoria, afirmando que, primeiro, o aluno deve conhecer bem
a teoria para depois poder analisar os fatos dentro da legislação. Parafraseando
Bernstein (1998, p.109), afirmo que, antes da teoria, não há mundo jurídico.
São percebidos conflitos entre as decisões pedagógicas e as exigências
relacionadas, por um lado, ao Exame Nacional de Cursos, promovido pelo Ministério
da Educação, e, por outro, ao Exame da OAB e Concursos Públicos para a
Magistratura e Ministério Público. Seus reflexos são traduzidos pelos docentes
entrevistados como produzindo um tensionamento que faz com que a atenção ao
intrínseco do currículo, à ênfase humanística pretendida fique prejudicada.
Foco agora conflitos entre a Faculdade de Direito e as demais faculdades.
Considero a falta de “sintonia” identificada entre as disciplinas formativas do Curso e
as profissionalizantes. O aluno, ao sair do primeiro ano, ingressa em outro mundo,
com as disciplinas positivadas do segundo. A incomunicabilidade detectada, a meu
ver, ocorre devido à estrutura hierárquica do conhecimento jurídico que, da forma
como é transmitido, não só é reproduzido, como também posiciona os estudantes
em uma determinada ordem.
Quanto aos conflitos entre a Faculdade e a sociedade, dados levantados na
Assistência Judiciária e em um Posto Médico evidenciam um importante conflito
concernente a dois problemas que dizem respeito ao conhecimento jurídico, à falta
de sua circulação e ao seu processo de transmissão, ambos inter-relacionados.
Nesses três espaços foi identificado um dado comum, ou seja, o desconhecimento
do Direito por parte das pessoas atendidas.
5. Conclusão
10
Identifiquei, neste estudo, que a Pedagogia Jurídica Oficial, no Brasil, é uma
Pedagogia Invisível embutida em uma Pedagogia Visível e que o conhecimento
jurídico é um discurso Vertical, com uma Estrutura de Conhecimento Hierárquico,
exigindo um processo de transmissão longo. Assim, argumento que a Pedagogia
Jurídica Oficial não é adequada para a transmissão do conhecimento jurídico, que
demanda uma Pedagogia explícita, Visível.
Considerando o exposto, afirmo que existem novas formas de conhecer o
Direito, que são possíveis inovações no ensino jurídico. Assim proponho que o
estudo do Direito seja realizado no Ensino Fundamental, com o objetivo de socializar
todos os brasileiros na Pedagogia Jurídica Oficial (LEITE, 2003, P. 303).
Com
base
na
teoria
bernsteiniana,
identifico,
nesta
perspectiva,
o
envolvimento de três direitos pedagógicos (BERNSTEIN, 1998, p.24-25).
No nível do desenvolvimento individual, o Direito ao desenvolvimento pleno
(op. cit.,p. 24-25), no sentido do estudante adquirir os meios de compreensão crítica
da gramática da sociedade como ordem jurídica, de sua construção como
cidadão/cidadã nessa ordem, bem como do que é considerado uma realização
legítima do conhecimento jurídico (LEITE, 2003, p. 303).
No nível do social, o direito à inclusão (op. cit.,p. 24-25), constitui-se condição
de vida em sociedade. Considero que o fato de estudar o conhecimento jurídico, em
muito contribuirá para a realização deste direito, para o estudante sentir-se parte da
vida da comunidade e da sua ordem jurídica (LEITE, 2003, p. 303).
No nível político, o direito à participação (op. cit.,p. 24-25) implica a
possibilidade de debater o Direito e de contribuir para os processos de construção,
reprodução e mudança do ordenamento jurídico. Além de constituir-se uma prática
cívica cidadã, reforça os dois outros direitos mencionados (LEITE, 2003, p. 303).
A proposta mencionada inter-relaciona-se com o Ensino Jurídico atual
desenvolvido nas universidades e no campo profissional do Direito. Em meu
entendimento, mudanças poderão ser esperadas.
Entre elas, a afirmação de
especificidade do Campo Pedagógico do Ensino Jurídico universitário, a autonomia
relativa da educação e o compromisso com a sociedade. Nesta perspectiva, assinalo
a importância da formação docente do professor universitário do Ensino Jurídico, a
pesquisa jurídica, a Extensão e as decisões pedagógicas no Ensino Jurídico.
Os estudos desenvolvidos evidenciam a importância da Pedagogia Jurídica
para a identificação e interpretação das formas de comunicação que estão na base
11
dos processos pedagógicos e das regras subjacentes que configuram o discurso
jurídico e suas práticas.
A Pedagogia Jurídica abordada no âmbito deste estudo distingue-se da
Pedagogia tradicionalmente adotada no Campo Jurídico, inspirada por teorias
psicológicas e influenciada por idéias liberais. Em minha perspectiva, a Pedagogia
Jurídica precisa dialogar com a Educação e a Sociologia, bem como com a
História, a Política e a Ética, tendo em conta o processo educativo exigido pelo
Direito e os interesses coletivos em jogo (LEITE, 2003, p. 304).
Assim, também assumem relevância a formação pedagógica dos profissionais
do Campo do Direito e do Campo Pedagógico do Ensino Jurídico (LEITE, 2003, p.
304).
Com base no exposto, defendo o argumento que o campo da Pedagogia
Jurídica apresenta um potencial de alta relevância para viabilizar inovações no
Ensino Jurídico e no campo do Direito (LEITE, 2003, p. 204).
6 Referências
BERNSTEIN, Basil. Class, codes and control. Revised edition. London: Routledge
and Kegan Paul, 1977. v. 3.
_____. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle.
Petrópolis: Vozes, 1996.
_____. Pedagogia, control simbólico e identidad: teoria, investigação e crítica.
Madrid: Morata; La Coruña : Paidéia, 1998.
_____; SOLOMON, Joseph. Pedagogy, identity and the constrution of a theory of
symbolic control: Basil Bernstein questioned by Joseph Solomon. British Journal of
Sociology of Education, London, v.20, n.2, p.265-280, 1999.
_____. Pedagogy, symbolic control and identity: theory, research, critique.
Revised edition. Lanham: Rowman e Littlefield, 2000.
DOMINGOS, Ana Maria; BARRADAS, Helena; RAINHA, Helena; NEVES, Isabel. A
teoria de Bernstein em Sociología da Educação. Lisboa: Gulbenkian, 1986.
DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. São Paulo: Melhoramentos; (Rio de
Janeiro): Fundação Nacional do Material Escolar, 1978.
KANT, Immanuel. O conflito das faculdades. Lisboa: Edições 70, 1993.
LEITE, Maria Cecilia L. Decisões pedagógicas e inovações no ensino jurídico.
2003, 386 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
12
OAB Ensino Jurídico: balanço de uma experiência. Brasília (DF): OAB, Conselho
Federal, 2000.
POPKEWITZ, Thomas. Reforma Educacional: uma política sociológica – poder e
conhecimento em educação. Porto Alegre : Artes Médicas, 1997.
SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício
da experiência. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na
transição paradigmática. São Paulo: Cortez, 2000.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UNB, 1991.
Download

pedagogia jurídica: uma inovação necessária