Kevin S. Benytsson
Dorme, não há esperança
Deus segurava toda vida em suas mãos. Estava inquieto, triste, pois havia
criado o inferno. Inferno é só um modo de dizer, claro, mas certamente tinha
criado uma das piores coisas do mundo. Ele tinha criado vários bichos antes, mas
não tinha criado nada tão ruim quanto isso. Cães? Não. Gatos? Não. Ele criou os
humanos.
João era o seu cara normal. Não havia feito muito de errado na sua vida e
não pretendia fazer no futuro. Pelo menos era isso que pensava. Todo dia gastava
duas horas no trânsito infernal de São Paulo dentro de seu Gol, o seu único carro,
que não havia mandado para revisão há mais de dez anos. João, como muitos
paulistanos, jogava todo tipo de lixo na rua. De cigarros (era fumante) a cascas de
banana, tudo acabou no esgoto. Ele claramente não se importava com o meio
ambiente, mas uma das coisas com que realmente se importava eram as favelas
horrorosas espalhadas pela cidade. Não as suportava, achava que deviam ser
destruídas. Isso seria num dia normal, mas hoje iria ser diferente. Entrou em uma
favela e em menos de cinco minutos, rodeando o local, recebeu a visita de uma
pistola apontada para sua cabeça.
Ricardo, 17 anos. Morava em condições paupérrimas e dividia sua casa com
quatro outras famílias. Não tinha carro, ou melhor, não achava necessário ter a
posse de um carro. Apesar de morar em um bairro muito pobre e igualmente sujo,
nunca jogava seu lixo na rua, pois não queria agravar mais o estado do local.
Apesar disso, tinha um problema grave. Ele odiava os ricos. Ele achava repulsivo
existirem pessoas que se consideravam superiores e mais inteligentes quando
nem haviam enfrentado a vida dura como ele. Ele os odiava tanto que queria
aproveitar deles para ajudar sua família a viver. Esse dia não era diferente.
Um carro se aproximava. Ricardo puxou sua pistola. Pediu para o sujeito
dentro do carro, o “rico”, sair. Esse homem, que tinha o nome de João, estava
olhando diretamente dentro do cano da arma. Fechou os olhos e esperou o tiro.
Ele veio.
Deus pensou mais um pouco. Será que esses bichos deviam mesmo ser
criticados pela sua ruindade? Do mesmo jeito concluiu, sim. Os que podem
machucam o mundo inteiro e os que não podem machucam os seres individuais.
-Não há esperança para eles, que eles destruam a si mesmos. Deus, então,
dormiu.
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Kevin S. Benytsson Dorme, não há esperança