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O problema da possibilidade dos juízos
reflexionantes estéticos no quadro da
filosofia kantiana da razão pura
Marcos Alberto de Oliveira
Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas, Professor
Assistente do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Santa Cruz. E-mail: [email protected]
Resumo. O presente trabalho se propõe a examinar o problema, tipicamente kantiano, da possibilidade
dos juízos de gosto, situando-o no
contexto mais amplo da filosofia da
razão pura. Com isso, pretende-se
analisar a natureza desse problema
e expor os passos seguidos por Kant
para solucioná-lo, a fim de ressaltar,
de um lado, a unidade arquitetônica
entre sistema de crítica e sistema
doutrinal, de outro, o fato de a abordagem transcendental do belo, a partir de uma crítica da faculdade de
julgar, não fundar nenhuma
metafísica.
Palavras-chave. crítica – metafísica juízo de gosto - teleologia - faculdade de julgar.
Abstract. The present paper seeks to
examine the kantian problem of the
possibility of the aesthetic
judgement, starting from the widest
context of the philosophy of the pure
reason. Of this point of view, we will
analyze the nature of that problem
and will expose the procedures used
by Kant to solve it, in order to call
the attention for, on a side, the
architectural unit between critic
system and doctrinal system, of
other, for the fact of the
transcendental approach of the
beautiful, in agreement with a critic
of the capacity of judging, not
producing any metaphysics.
Key-words: critic – metaphysics aesthetic judgement - capacity of
judging.
OLIVEIRA, Marcos Alberto de
1. INTRODUÇÃO
Como bem se sabe, as três principais obras de Kant trazem em
seus títulos o termo “crítica”. O filósofo alemão concebe a crítica
em estreita correlação com a metafísica como duas partes distintas,
mas complementares, da filosofia da razão pura, isto é, do conhecimento racional que só pode ser obtido a partir da análise de conceitos dados a priori (em oposição ao conhecimento matemático, que
também é um conhecimento racional, não obstante só possa ser
obtido com a construção de conceitos na intuição sensível pura).
A metafísica é, segundo ele, o sistema desse conhecimento racional que, como doutrina, é produzido pela razão pura e que “consiste de juízos sintéticos a priori, teóricos e práticos, todos eles
determinantes, os primeiros das formas intuitivas e os segundos
das ações” (LOPARIC, 1992, p. 60).
A crítica, sendo uma investigação preliminar acerca da possibilidade dessa espécie de conhecimento racional, delineia, verifica
e até mesmo promove a idéia daquele sistema; nesse sentido, ela
também pode ser dita uma teoria dos limites do conhecimento objetivo e, a fortiori, de nossa capacidade cognitiva. Isto porque, segundo Kant,
a crítica das faculdades de conhecimento, em vista do que
estas podem realizar a priori, não tem propriamente esfera
alguma no que toca aos objetos, porque ela não é uma doutrina, senão que se propõe investigar tão só, segundo o estado de nossas faculdades, se uma doutrina é possível por meio
delas e como o seja. Seu campo se estende sobre todas as
pretensões das mesmas para mantê-las nos limites de sua
legitimidade (KANT, 1790: B XX, grifos nossos).
Uma vez que juízos sintéticos a priori são enunciados por proposições que, referindo conceitos a objetos (portanto, estabelecendo uma síntese entre o conceito do sujeito e o conceito do predicado),
já encerram a presunção lógica de que tal referência possui valida-
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O problema da possibilidade dos juízos reflexionantes estéticos no quadro da filosofia kantiana da razão pura
de universal e necessária (algo que só pode ser pensado a priori), a
crítica também pode ser entendida como uma investigação da possibilidade desses juízos.
Com efeito, a “Crítica da razão pura” se propõe a examinar as
nossas faculdades de conhecimento, tendo em vista a questão da
possibilidade dos juízos teóricos, isto é, dos juízos sintéticos (a priori
e a posteriori) que, no domínio da natureza, pretendem ser
determinantes dos objetos de nossas representações, exprimindo,
assim, as leis (isto é, regras universais e necessárias) a que eles estão submetidos.
Paralelamente, a “Crítica da razão prática” se debruça sobre
nossa faculdade de desejar, tratando da questão da possibilidade
dos juízos morais, isto é, dos juízos sintéticos a priori que propõem
regras práticas para a determinação de ações livres, exprimindo,
assim, as leis segundo as quais somente estas ações podem ser realizadas por aquela faculdade.
Ora, é exatamente essa pretensão de validade universal e necessária, própria dos juízos sintéticos a priori, que suscita o empreendimento crítico de Kant. A tarefa aqui é suficientemente clara: a
filosofia da razão pura tem que esclarecer tal pretensão a partir de
princípios constitutivos sem os quais seria impossível o emprego,
seja teórica seja prático, de nossas faculdades cognitivas, no sentido de decidir se, e sob que condições, a liberdade e a natureza podem ser determinadas a priori, isto é, de verificar a possibilidade,
respectivamente, de uma metafísica dos costumes e de uma
metafísica da natureza como ciências.
Segundo Kant, as nossas faculdades cognitivas superiores (isto
é, de conhecer objetos a partir de conceitos) são três: a razão
(Vernunft), o entendimento (Verstand) e a faculdade de julgar
(Urteilskraft) 1 . Ao passo que a razão só possui princípios
constitutivos para o uso prático, isto é, para legislar sobre a liberdade2 , o entendimento possui princípios constitutivos apenas para
o uso teórico, tendo a natureza (compreendida como o conjunto de
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todos os objetos da experiência) como uma esfera própria sobre a
qual pode exercer plenamente sua atividade legisladora. Ora, o
entendimento, enquanto tem por objeto a natureza, é a nossa faculdade superior de conhecer, ao passo que a razão, empregada para
a determinação de ações, ou seja, em seu uso prático, é a nossa
faculdade superior de desejar. Ambas, porém, só podem determinar os objetos de suas respectivas esferas julgando. O entendimento julga os objetos da natureza imediatamente, na medida em que
estes são dados em intuições sensíveis e determinados por conceitos. A razão julga as ações a partir de suas respectivas máximas,
submetendo estas ao critério da universalização, na medida em que
a vontade pode ser determinada pelo imperativo categórico (que,
como único princípio constitutivo da razão, impõe aquele critério)
a realizar máximas universalizáveis, vale dizer, a praticar as ações
por elas prescritas motivadas pelo sentimento de respeito (moral) à
pura idéia do dever. De modo que ambas as faculdades, entendimento e razão, se confundem com a faculdade de julgar
determinante.
Ora, estudar as condições de possibilidade dos juízos sintéticos determinantes, práticos ou teóricos, perfaz apenas uma parte
da crítica. A outra, apresentada na “Crítica da faculdade de julgar”, se volta para os juízos reflexionantes3 , mediante os quais
somente é possível, por assim dizer, se dar conta daqueles aspectos
contingentes que vicejam nos domínios da natureza e da liberdade, estorvando as legislações do entendimento e da razão, que, não
obstante, são compelidos – em virtude de sua própria constituição
interna – a avançar indefinidamente na determinação completa dos
objetos e ações4 .
Se a faculdade de julgar não encerra uma esfera própria (Gebiet;
ditio), tal como ocorre com a razão e o entendimento, possui, contudo, um território (Boden; territorium), em relação ao qual somente
ela se constitui numa faculdade autônoma da alma, dirigida essencialmente à reflexão sobre os aspectos particulares e contingentes
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O problema da possibilidade dos juízos reflexionantes estéticos no quadro da filosofia kantiana da razão pura
da experiência. Isso significa dizer que o juízo reflexionante, embora só possa ser exercido sobre objetos de percepção, e por isso é
sempre sintético, envolve como tal uma pretensão lógica de validade universal e necessária, sendo, pois, a priori. De fato, todo juízo
reflexionante pressupõe a natureza como um sistema teleológico,
conceito por meio do qual ela “é representada como se [als ob] algum entendimento encerrasse em si o fundamento da unidade da
multiplicidade das suas leis empíricas” (KANT, Op. cit.: B XXVIII).
Todavia,
este conceito transcendental de uma finalidade da natureza
não é um conceito da natureza, nem um conceito da liberdade, porque nada acrescenta ao objeto (à natureza), mas apenas representa a única maneira de como nós temos de proceder, na reflexão sobre os objetos da natureza, em vista de
uma experiência completamente concatenada; por conseguinte, representa um princípio subjetivo (máxima) da faculdade de julgar (KANT, Op. cit.: B XXXIV).
Assim sendo, a faculdade de julgar carece também de um exame crítico, cujo problema básico pode ser formulado da seguinte
maneira: como são possíveis juízos reflexionantes acerca da natureza, isto é, juízos sintéticos a priori que, pressupondo que a natureza, na relação com as nossas faculdades cognitivas, procede
finalisticamente, mantêm a pretensão de validade universal e necessária subjetiva, isto é, validade para a própria faculdade de julgar como tal?
O território sobre o qual somente pode a faculdade de julgar
legislar a priori é o sentimento, isto é, a capacidade de prazer e
desprazer perante a representação de objetos. Em vista desse território, ela se constitui na faculdade superior de sentir de acordo com
o princípio da finalidade formal (subjetiva) da natureza, princípio
em virtude do qual somente um objeto de percepção pode ser julgado esteticamente pela “concordância de sua forma [...] antes de
todo conceito com as faculdades de conhecer” (KANT, Op. cit. B
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XLVIII). Trata-se, pois, da faculdade de julgar reflexionante estética, na qual a finalidade da natureza repousa sobre uma “base meramente subjetiva”, isto é, pela qual um dado objeto da experiência
é julgado em função do prazer que sua forma desperta quando refletimos sobre ela.
Mas o conceito de uma finalidade da natureza, referido “a um
determinado conhecimento do objeto” para julgá-lo “como fim da
natureza”, isto é, para julgá-lo “(logicamente) segundo conceitos”,
perfaz também um princípio regulativo da faculdade de julgar
reflexionante, denominada, neste caso, teleológica, a qual é a “faculdade de julgar a finalidade real (objetiva) da natureza mediante
o entendimento e a razão, princípio esse que, pressuposto pelas
“máximas da faculdade de julgar, que são colocadas a priori à base
da investigação da natureza” (KANT, Op. cit., B XXX), tais como a
lex parcimoniae e a lex continui in natura, nos ensina apenas como
devemos julgar coisas que só podem ser compreendidas como fins
(por exemplo, a estrutura interna dos seres organizados), isto é,
coisas que são ininteligíveis como produtos de um mecanismo cego.
Como “à necessidade de que haja fins objetivos da natureza,
isto é, coisas que só são possíveis como fins naturais, não se pode
dar fundamento algum a priori” e como “a faculdade de julgar, sem
encerrar em si para isso princípio algum a priori, contém a regra
para, nos casos que se apresentem (certos produtos), fazer uso, para
propósitos da razão, do conceito dos fins” (KANT, Op. cit., B LI),
uma crítica da faculdade de julgar reflexionante teleológica, na
medida em que esta “pertence à parte teórica da filosofia”, “deve
constituir uma parte especial da crítica” (KANT, Op. cit., B LII), da
qual a outra parte, tendo “lugar somente na crítica do sujeito que
julga e das faculdades de conhecer do mesmo” (KANT, Ibidem), se
debruça sobre a faculdade de julgar reflexionante estética, na medida em que esta é “uma faculdade particular de julgar coisas segundo uma regra, mas não segundo conceitos” (KANT, Ibidem).
Neste último caso, a tarefa básica de uma crítica da faculdade
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O problema da possibilidade dos juízos reflexionantes estéticos no quadro da filosofia kantiana da razão pura
de julgar é, a partir da análise e exposição do princípio da finalidade formal (subjetiva) da natureza, deduzir todas as condições que
tornam possível o juízo reflexionante estético, isto é, aquelas condições sob as quais somente se justifica a pretensão desse juízo à
validade universal e necessária, mas fundada apenas no sentimento do sujeito que julga. Tarefa, diz Kant, que se impõe pelo fato
mesmo de que
aquele que na mera reflexão sobre a forma de um objeto, sem
relação alguma com um conceito, experimenta prazer, pretende com razão, ainda que este juízo seja juízo empírico e
individual, obter a aprovação de cada um, porque a base deste
prazer se encontra na condição universal, ainda que subjetiva, dos juízos reflexionantes, que é, a saber: a concordância
final de um objeto (seja produto da natureza ou da arte) com
a relação das faculdades de conhecer entre si, exigidas para
o conhecimento empírico (a imaginação e o entendimento)
(KANT, Op. cit., B XLVI-XLVII ).
E esta, prossegue Kant,
é a causa pela qual os juízos de gosto são submetidos também a uma crítica segundo sua possibilidade, pois essa possibilidade pressupõe um princípio a priori, embora este princípio não seja nem um princípio de conhecimento para o
entendimento nem um prático para a vontade e, portanto,
não é a priori determinante (KANT, Op. cit., B XLVII).
Por conta disso, Kant reconhece que uma crítica da faculdade
de julgar não torna possível um sistema doutrinal (tal como uma
crítica do emprego teórico do entendimento puro e uma crítica do
emprego prático da razão pura estabeleceram as bases de, respectivamente, uma metafísica da natureza e uma metafísica dos costumes), mas se esgota no exame das condições subjetivas do uso de
nossas faculdades de conhecimento em geral.
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2. A FACULDADE DE JULGAR REFLEXIONANTE E A
PASSAGEM DO CONHECIMENTO TEÓRICO À MORALIDADE
Ora, isso significa dizer que, se, como doutrina, a metafísica da
natureza e a metafísica dos costumes se apresentam como um sistema de juízos sintéticos a priori determinantes, respectivamente,
para a legislação do entendimento sobre a nossa experiência
cognitiva e para a legislação da razão sobre a nossa experiência
prática, domínios que parecem incomunicáveis entre si, uma crítica da faculdade de julgar tem como papel apenas favorecer a atividade legisladora daquelas duas faculdades em suas respectivas esferas, algo para o qual é indispensável que haja um trânsito possível entre elas, de modo que o mundo inteligível possa exercer influência sobre o mundo sensível, e este, sem prejuízo de sua conformidade a leis da natureza, concorde com “a possibilidade dos
fins, segundo leis da liberdade, que nele se tem de realizar” (KANT,
1790: Introd., B XIX), já que, por força da lei moral em nós e do
objeto necessário de uma vontade a ela submetida, isto é, da idéia
de um bem supremo (a felicidade sob condição da moralidade),
somos obrigados a postular a existência de Deus e a imortalidade
da alma.
De acordo com Kant, entre o entendimento – que, como faculdade de conhecimento, possui princípios constitutivos a priori que
formalmente impõem à natureza sensível a conformidade a leis – e
a razão – faculdade que, segundo seu princípio formal constitutivo,
a lei moral, determina imediatamente a faculdade de desejar e lhe
impõe um fim final a ser realizado pela causalidade da liberdade –
encontra-se a faculdade de julgar, que, tendo como território a capacidade de sentir dor e prazer, impõe à natureza sensível a conformidade a fins. Ora, como o prazer é algo essencialmente ligado
à consecução de um propósito (Absicht) e como um fim “é o objeto
de um conceito, enquanto este é considerado como a causa daquele (a base real de sua possibilidade)” (KANT, Op. Cit. # 10), é de se
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supor que, se o conceito em questão for a representação da natureza como um sistema teleológico, o fato de conseguirmos “unir duas
ou mais leis empíricas e heterogêneas da natureza sob um princípio que compreende a ambos” (KANT, Op. cit. # VI) provocará em
nós um sentimento de prazer, sentimento que, neste caso, repousa
sobre um fundamento a priori. Inversamente, nos frustraríamos se,
na investigação da natureza, tropeçássemos numa multiplicidade
de leis empíricas tão heterogêneas a ponto de ficar inviabilizada a
sua ordenação sistemática e, conseqüentemente, obstruído o uso
lógico da faculdade de julgar reflexionante (o de trazer a
multiplicidade à unidade na subordinação de leis empíricas particulares a outras mais gerais). Esse sentimento de prazer5 é um que,
embora não seja um elemento de conhecimento, vem unido com
uma representação como um “efeito de algum conhecimento”
(KANT, Op. cit. # VII), isto é, como efeito da consciência de que
uma ordem contingente se conforma à espontaneidade (autonomia) das nossas faculdades cognitivas e, portanto, à legislação do
entendimento através do conceito de natureza. A representação aqui
é referida, pela faculdade de julgar, “somente ao sujeito e o prazer
não pode expressar mais que a acomodação daquela [representação] com as faculdades de conhecer, que está em jogo no juízo
reflexionante (KANT, Op. cit. #VII, colchetes nossos).
Portanto, o principio a priori da faculdade de julgar permite o
trânsito não só, no uso lógico, do entendimento à razão, mas também de nossa faculdade superior de conhecer à nossa faculdade
superior de desejar. Vejamos como isso se dá.
O entendimento, que, como faculdade de conhecimento teórico, traz consigo princípios constitutivos válidos a priori só em relação aos fenômenos – esfera para a qual ele, como legislador, exige a
conformidade total a leis –, já indica um substrato supra-sensível
dos mesmos como algo indeterminado e em si mesmo incognoscível.
Para assegurar a estrutura formal da experiência e seus objetos, o
entendimento não precisa nada mais do que compor dados sensí-
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veis em intuições (puras e empíricas) e subsumir estas sob os conceitos puros (categorias) – que representam a unidade da síntese
intuitiva subjacente àquela composição – por meio da faculdade
de julgar determinante. Contudo, deixa indeterminados os elementos particulares que perfazem a matéria dessa experiência e resistem à sua ação legisladora.
Ora, para garantir a determinabilidade completa dos fenômenos, o entendimento tem que lançar mão da faculdade de julgar
reflexionante e seu princípio a priori, que, para o uso lógico dessa
faculdade, deve “fundar a unidade de todos os princípios empíricos
sob princípios igualmente empíricos, mas mais altos, e assim a possibilidade de subordinação sistemática de uns aos outros” (KANT,
Op. cit.: # IV). Com efeito, ao impor a priori à natureza sensível a
conformidade a fins mediante esse princípio, a faculdade de julgar
reflexionante também proporciona àquele substrato supra-sensível “a determinabilidade por meio da faculdade intelectual” (Op.
cit., #IX).
E já que o entendimento não pode fornecer a determinação
desse substrato (porque o uso legítimo de seus princípios
constitutivos se restringe aos fenômenos), cabe à razão determinálo mediante um princípio constitutivo válido a priori apenas para a
esfera prática, isto é, através da lei moral, na medida em que esta,
enquanto lei da causalidade da liberdade, impõe um fim final, que
é no mundo o mais alto bem possível pela liberdade. De fato, o
homem como ser moral (dotado de uma vontade boa em si mesma,
isto é, pura) é o fim final da criação e, nessa condição supra-sensível, tem faculdade da liberdade e a lei de sua causalidade para se
propor o bem mais alto que lhe pode advir em virtude da pureza
de sua vontade: a felicidade sob a condição da moralidade.
Como pudemos ver, a compatibilidade entre a completa determinação moral do mundo supra-sensível e a completa determinação teórica do mundo sensível só é possível pela mediação da faculdade de julgar reflexionante e seu princípio da finalidade for-
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mal (subjetiva). A natureza sensível deve, pois, se conformar não
só a leis, mas também a fins, o que serve aos propósitos tanto do
entendimento, como faculdade superior de conhecer, quanto da
razão, como faculdade de desejar superior. Isso também permite a
influência do supra-sensível, determinado pelo conceito prático de
liberdade, sobre a natureza sensível. Em suma, o princípio da finalidade formal da faculdade de julgar reflexionante fornece “um fundamento para a unidade do supra-sensível, que jaz à base da natureza, com o que o conceito de liberdade encerra de prático (KANT,
Op. cit.: final do # II), isto é, com a liberdade no sentido prático e
positivo de uma “razão que determina imediatamente a vontade”
(KANT, 1788: A 83) ou, de maneira equivalente, da “própria legislação da razão prática pura” (KANT, Op. cit. A 59).
Em virtude desse trânsito, possível mediante a faculdade de
julgar, entre o teórico e o prático, a natureza sensível (domínio dos
fenômenos e do conhecimento possível) é aquela a que está inteiramente submetida a faculdade de desejar, cujos objetos, portanto,
têm que necessariamente preceder e ser a causa de suas determinações. Ao contrário, a natureza supra-sensível é aquela que se submete integralmente à faculdade de desejar, a qual pode ser dita
superior porque, determinada pela lei moral, é causa dos objetos
representados. Dito isso, fica patente que no conceito de uma causalidade mediante a liberdade (no sentido prático positivo) já está
contida a possibilidade de o supra-sensível exercer influência sobre o sensível no sujeito, ou seja, de essa causalidade produzir efeitos sensíveis (tais como o sentimento moral e as ações livres dele
decorrentes), desde que, alerta Kant, “a palavra causa, empregada
para o supra-sensível, signifique somente o fundamento para determinar a causalidade das coisas naturais a um efeito conforme suas
próprias leis naturais” (KANT, 1790. Introd., # IX). Isso quer dizer
que o conceito de uma causalidade segundo leis da liberdade tem
uma significação diferente do de uma causalidade segundo leis
naturais: esta é uma relação, matematicamente determinável, entre
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dois estados de uma substância phaenomenon (relação na qual o estado anterior deve ser buscado, segundo uma regra do entendimento e no âmbito da experiência possível, como uma causa de um
estado posterior dado efetivamente à percepção, o efeito); já aquela indica apenas a própria atividade (teoricamente incognoscível)
da substância em virtude da qual esta substância, em si mesma
permanente, muda de estado, o que, representado numa perspectiva moral como o supra-sensível em nós, se traduz pela atividade
sintética da razão prática pura, mas que, em relação à nossa faculdade de julgar, não é senão o fundamento em geral, e em si mesmo
indeterminável, da finalidade subjetiva da natureza.
3. A ESPECIFICIDADE DO PROBLEMA DA POSSIBILIDADE
DO JUÍZO DE GOSTO NA CRÍTICA DA FACULDADE DE
JULGAR
Conforme vimos, a faculdade de julgar só é autônoma enquanto
faculdade de julgar reflexionante estética. Como tal, ela é uma faculdade superior de sentir, porque opera de acordo com um princípio constitutivo válido a priori só em relação ao sentimento de prazer e dor, ao lado de uma faculdade superior de desejar, a razão, e
uma faculdade superior de conhecer, o entendimento.6
O juízo reflexionante estético é um tipo de juízo sintético a priori.
É sintético porque atribui um predicado (a beleza) a um objeto de
percepção, predicado esse que, não estando contido no conceito
desse objeto, pressupõe uma síntese (ligação). De fato, os juízos de
gosto “passam por cima do conceito e até da intuição do objeto, e
acrescentam a esta, como predicado, algo que nem sequer é conhecimento, a saber, um sentimento de prazer (ou dor)” (KANT, Op.
cit., B 148). É a priori, porque, como tal, encerra a presunção lógica
de validade universal e necessária, mas condicionada ao sentimento
do sujeito (universalidade e necessidade subjetivas) , o que se tra-
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duz na “aprovação exigida de cada um, ou querem ser tidos por
tais”, e isto, diz Kant, “está igualmente encerrado já nas expressões
de sua pretensão” (KANT, Op. cit., B 149).
Como a filosofia transcendental é uma teoria das condições de
possibilidade de juízos sintéticos a priori, a questão aqui é como se
pode justificar essa pretensão de universalidade e necessidade subjetivas, isto é, se, e sob que condições, é possível o juízo de gosto.
Nas palavras do próprio Kant:
Como é possível um juízo que só pelo próprio sentimento de
prazer em um objeto, independentemente do conceito do
mesmo, julga esse prazer como ligado à representação do
mesmo objeto em todo outro sujeito a priori, isto é, sem necessitar esperar a aprovação estranha? (KANT, Op. cit, B 148).
Como se vê, o problema consiste em especificar as condições
(que só podem ser deduzidas de um princípio a priori constitutivo
da própria faculdade de julgar, na medida em que nela somente se
pode encontrar a fonte daquela pretensão) sob as quais somente se
pode julgar um objeto belo e, por conseguinte, se arrogar “ter o
direito (berechtigt zu sein)” (KANT, Op. cit., B152) de “exigir de cada
um como necessária essa satisfação”, a saber, “um prazer unido
imediatamente com o simples juízo antes de todo conceito” (KANT,
Op. cit., B 150).
4. A FORMA ESTÉTICA DO JUÍZO DE GOSTO
Esse sentido do juízo de gosto foi descoberto por Kant a partir
de uma análise da sua forma estética comparada com a forma lógica dos juízos de conhecimento. Eis uma apresentação sucinta dessa
sintaxe do juízo de gosto.
Do ponto de vista da qualidade, um juízo de conhecimento
pode ser afirmativo (S é P), negativo (S não é P) e infinito (S é não-
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P). Superficialmente, um juízo de gosto possui essas três formas
lógicas do juízo de conhecimento, pois, como é evidente, quem julga esteticamente um objeto pode fazê-lo de três maneiras diferentes: “este objeto é belo”, “este objeto não é belo” ou “este objeto é
feio (não-belo)”.
Porém, a qualidade estética do juízo de gosto se caracteriza
pelo fato de ele ser um juízo tal cuja base de determinação é meramente subjetiva, ou seja, que esteticamente as representações intuitivas do objeto tido por belo são referidas, não a este objeto para
determiná-lo a partir de conceitos, com vistas ao conhecimento, mas
ao sentimento do sujeito com vistas à contemplação desse objeto,
mantida por uma satisfação desinteressada do sujeito.
Desinteresse, aqui, significa tanto o fato de quem julga esteticamente não apreender o objeto de contemplação por meio de conceitos do entendimento e, portanto, sem visá-lo cognitivamente,
quanto ao fato de ele se desprender de seu interesse volitivo pela
existência, ou mesmo utilidade, do objeto que lhe causa prazer, de
modo que a satisfação em tela difere substancialmente daquela que
se dá perante o que é meramente agradável, útil ou em si mesmo
bom, que sempre está unida ao interesse, seja este moral ou patológico.
Nesse sentido, Kant define o gosto (Geschmack) como “a faculdade de julgar um objeto ou uma representação mediante uma satisfação ou descontentamento sem interesse algum, satisfação cujo
objeto chama-se belo” (KANT, Op. cit. B 16).
Do ponto de vista da quantidade, um juízo de conhecimento
pode ser universal (Todo S é P), particular (Algum S é P) ou singular (Este S é P).
Um juízo de gosto, porém, é sempre singular, pois só podemos
sentir prazer e, portanto, julgar esteticamente o objeto de uma percepção atual, mas não uma classe ou um grupo de objetos, por exemplo, uma flor em geral (tal como representada abstratamente em
seu conceito) ou um grupo de flores, a não ser que, neste último
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O problema da possibilidade dos juízos reflexionantes estéticos no quadro da filosofia kantiana da razão pura
caso, essas flores perfaçam uma totalidade que possa ser efetivamente percebida e apreendida na unidade da intuição.
Contudo, a satisfação ocasionada pela percepção de um objeto
belo é tida, pelo sujeito que reflete sobre a forma dessa percepção,
como universal, isto é, válida para todos os demais sujeitos que
considerem essa mesma forma. Conforme Kant, “não é o prazer,
mas a validade universal desse prazer, o que se percebe no espírito
como unido com o mero juízo de um objeto, e o que é representado
em um juízo de gosto” (KANT, Op. cit., B 150). Isso quer dizer que
quem julga esteticamente não diz que este objeto é universalmente
belo, mas sim que quando está diante de um objeto belo este provoca uma satisfação desvinculada do seu próprio interesse, isto é,
que vale não só para ele, mas também para todos aqueles que julguem tal objeto belo. A universalidade estética, pois, não é idêntica
à universalidade lógica, que diz respeito à esfera ou extensão de
um conceito, referindo-se, antes, à satisfação do sujeito que vem
intrinsecamente unida com o juízo de gosto sem que este envolva a
subsunção do objeto sob qualquer conceito. Por exemplo, no juízo
“este pássaro é belo”, se se trata aqui de um puro juízo de gosto,
está subtendido: “Em todo x que refletir sobre a forma da representação empírica deste objeto, sob a condição particular da correta
subsunção da mesma7 , será desperta a consciência da finalidade
formal subjetiva do objeto representado, isto é, satisfação perante
sua forma”. A universalidade estética é, portanto, uma universalidade subjetiva e relacional oculta sob a forma lógica de um juízo
singular.
Daí que, do ponto de vista da quantidade estética do juízo de
gosto, Kant define o belo como “o que, sem conceito, apraz universalmente” (KANT, 1790: B 32).
Do ponto de vista da relação, um juízo de conhecimento pode
ser categórico (S é P, no qual P é afirmado, ou negado, simpliciter de
S, ou seja, a relação sujeito-predicado), hipotético (Se S é P1, então
S é P2, no qual P2 é afirmado, ou negado de S, sob a condição de
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que P1 também seja afirmado, ou negado, de S, ou seja, a relação
antecedente-consequente) e disjuntivo (Ou S é P1 ou S é P2, que se
compõe de dois juízos que perfazem uma oposição lógica, isto é,
as esferas de P1 e P2 se excluem mutuamente e, não obstante, preenchem a esfera do conhecimento possível (P) sobre S).
À primeira vista, o juízo estético “x é belo” parece ser categórico. No entanto, já que a beleza não é um predicado pelo qual um
objeto pode ser determinado, isto é, o conceito de sua perfeição ou
de qualquer propriedade objetiva, o juízo “x é belo”, segundo a sua
forma estética, exprime uma relação entre a forma do objeto percebido e um estado subjetivo de quem o percebe e o julga belo. Isso
quer dizer que, em virtude mesmo de sua qualidade (marcada por
um sentimento desinteressado do sujeito) e sua quantidade (a peculiar pretensão de universalidade inscrita no sentido de um juízo
singular) estéticas, um juízo como “x é belo” significa o mesmo
que: “ se estiver diante de x e refletir sobre a forma de x, x me causará um prazer desinteressado e, por conseguinte, me levará a
contemplá-lo”.
De acordo com Kant, esse traço relacional e hipotético do juízo
de gosto se deve ao fato de ele expressar apenas que sentimos como
prazer a finalidade formal do objeto em relação às nossas faculdades cognitivas, relação essa que, enquanto repousa sobre um fundamento a priori, não só independe do encanto e da emoção, próprios do que é meramente agradável, mas também (se for um juízo
de gosto puro e o objeto for corretamente subsumido sob aquele
fundamento) não envolve qualquer conceito determinado e, portanto, nenhuma regra objetiva.
Assim, em vista da relação estética do juízo de gosto, Kant define a beleza como “a forma da conformidade a fim de um objeto
enquanto é nele percebida sem a representação de um fim” (KANT,
1790: B 61).
Por último, a modalidade dos juízos lógicos
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O problema da possibilidade dos juízos reflexionantes estéticos no quadro da filosofia kantiana da razão pura
diz respeito apenas ao valor da cópula com referência ao pensamento em geral. Juízos problemáticos são aqueles em que se
admite a afirmação ou a negação como meramente possível
(arbitrária), juízos assertóricos como aqueles em que se a considera efetiva (verdadeira) e juízos apodíticos aqueles em que
se a considera como necessária (KANT, 1787: B 100).
Numa nota de pé de página a esta passagem, Kant acrescenta
que isso ocorre “como se o pensamento fosse, no primeiro caso,
uma função do entendimento, no segundo da capacidade de julgar e
no terceiro da razão”.
A partir daí podemos ver claramente que um juizo puro de
gosto não é problemático e não assinala a beleza como algo meramente possível, porque, não envolvendo conceito algum, não pode
ser uma função exclusiva e própria do entendimento apreender o
belo. Também não é assertórico, porque não se esgota num juízo
singular, mediante o qual a faculdade de julgar determinaria que o
belo é algo dado como uma propriedade efetiva do objeto percebido, juízo esse que, referindo a beleza à própria constituição desse
objeto, teria de ser considerado verdadeiro. A modalidade estética
do juízo de gosto é, portanto, a necessidade, com a ressalva de que
esse juízo não é apodítico, tal como, por exemplo, um juízo de conhecimento submetido à demonstração, pois a necessidade que ele
encerra não é nem prática nem teórica, que podem ser determinadas pela razão.
Por conta disso, a necessidade estética não se refere a uma relação causal física, determinável a priori por um princípio puro do
entendimento enquanto este dá a regra para que, regulativamente,
se busque a conexão no tempo de percepções efetivas com outras
empiricamente possíveis, nem assinala uma relação causal da liberdade, determinável a priori pelo imperativo categórico, que nos
obriga a submeter nossa vontade a máximas universalizáveis e a
agir motivados pela pura idéia do dever, mas sim uma necessidade
sentida e condicionada.
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Ora, o fato de a pretensão do juízo de gosto à necessidade ser
condicionada, implica, como condição particular, que esse juízo é
correto (isto é, que a representação do objeto julgado belo seja
subsumida apenas sob um sentimento desinteressado de prazer,
decorrente do jogo livre entre imaginação e entendimento) e, como
condição geral, que ele cai sob a regra segundo a qual há uma necessária satisfação para todos que o enunciem, regra essa que diz
haver um princípio subjetivo a priori (o sentido comum, do qual
falaremos mais a frente) que determina o que apraz ou não, dada
aquela pretensão de necessidade.
Em outros termos, falar de necessidade estética é o mesmo que
dizer que não se pode provar um juízo de gosto, mas apenas mostrar que há uma regra por detrás desse juízo segundo a qual alguém que efetivamente contempla um objeto belo deve sentir prazer desinteressado por ele. Tomando o nosso exemplo de juízo de
gosto, “este pássaro é belo” significa o mesmo que: “Para todo x, se
x refletir sobre a forma da representação empírica deste pássaro e
se subsumir corretamente essa forma, então x necessariamente sentirá prazer por ela, isto é, tomará consciência da sua finalidade em
relação às suas próprias faculdades de conhecimento”.
Do ponto de vista da modalidade, portanto, o belo é, segundo
Kant, “o que, sem conceito, é conhecido como objeto de uma necessária satisfação” (KANT, 1790: B 68).
5. A DEDUÇÃO DOS JUÍZOS PUROS DE GOSTO
A tarefa até aqui consistiu apenas em expor aquelas características que estão contidas no sentido do juízo de gosto: que tal juízo
se apresenta sob a forma lógica de um juízo singular e se determina
por um sentimento desinteressado do sujeito; que envolve a pretensão à universalidade no que diz respeito a esse sentimento, isto
é, que o sentimento perante um objeto belo é o mesmo em cada
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O problema da possibilidade dos juízos reflexionantes estéticos no quadro da filosofia kantiana da razão pura
sujeito; que assinala uma finalidade formal do objeto em relação às
faculdades cognitivas do sujeito; por fim, que a consciência dessa
finalidade é sentida pelo sujeito e é uma condição necessária da
contemplação estética. Ela faz parte da “ Analítica do juízo estético”, mais precisamente da “Analítica do belo”, que, como pudemos ver, é uma teoria das pretensões que estão contidas no sentido
do juízo de gosto ou, se se quiser, uma exposição metafísica do conceito de belo, que é um conceito dado a priori.
Cabe agora à “Dedução dos juízos estéticos puros”, como parte integrante da Analítica, justificar essas pretensões e, desse modo,
assegurar a realidade subjetiva daquele conceito, mostrando que o
principio a priori da faculdade de julgar reflexionante é um princípio constitutivo de nossa experiência estética.
Antes de apresentar a dedução dos juízos estéticos, faremos
uma breve comparação entre o significado da dedução na “Crítica
da faculdade de julgar” e a dedução tal como conduzida por Kant
na “Crítica da razão pura”. Em primeiro lugar, nesta obra a dedução é de longe mais complexa que a da terceira crítica. Ali, a dedução transcendental é acompanhada de uma dedução metafísica. Por
dedução, Kant entende, de um modo geral, a dedução de um conceito dado a priori, a qual concerne à prova do que de direito (quid
iuris), ou seja, da faculdade de adjudicar uma pretensa significação
objetiva a este conceito (KANT, 1787: B 116).
Ela é metafísica se apenas busca determinar certos conceitos
puros como predicados de possíveis juízos sintéticos a priori , ou
melhor, como encerrando uma função (unidade da ação) de ordenar a priori diversas representações sob uma representação comum.
Daí que a dedução metafísica desses conceitos nada mais é que a
prova de que eles encerram uma possível unidade sintética a priori
como uma função do entendimento e, portanto, a prova de que
procedimentos sintéticos intuitivos e discursivos são condições
universais que fazem parte da constituição de nosso aparelho
cognitivo, na medida em que tais conceitos (no caso, as categorias e
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os conceitos de tempo e espaço) exprimem essas condições.
Já a dedução transcendental justifica o uso das categorias e dos
conceitos de tempo e espaço, assegurando o direito de referirmos a
priori estes conceitos a objetos e, por conseguinte, de o juízo resultante pressupor-lhes uma significação objetiva. Em outros termos,
a dedução transcendental dá uma explicação de como aqueles conceitos podem referir-se a priori a objetos, justificando-os como princípios a partir dos quais se pode compreender a possibilidade do
conhecimento sintético a priori no domínio apenas dos fenômenos.
Ora, no que diz respeito à dedução dos juízos estéticos, Kant
não distingue entre o transcendental e o metafísico. Creio que isso
se deve ao fato de que aí o problema nada tem a ver com a possibilidade de conhecimento objetivo, pois o conceito de belo não é um
conceito de objeto, como as categorias, nem o juízo estético, um
juízo determinante, como os juízos sintéticos a priori teóricos. De
resto, a dedução dos juízos estéticos pode ser tida por
transcendental, na medida em que tais juízos são sintéticos a priori
e, nessa condição, mantenham a pretensão de universalidade e necessidade tendo por base exclusivamente um sentimento desinteressado do sujeito e a relação da finalidade formal do objeto com as
faculdades cognitivas desse sujeito.
Assim como a dedução da primeira crítica, que assegura a realidade objetiva dos conceitos puros do entendimento mostrando
que, mediante a aplicação destes conceitos sob as condições a priori
em que objetos podem ser dados em concordância com os mesmos
(esquematismo transcendental), obtém-se um sistema metafísico de
juízos determinantes a priori da estrutura da experiência e seus objetos (princípios puros do entendimento), também a dedução da
terceira crítica visa a assegurar a realidade, não objetiva mas subjetiva, do conceito de belo, mostrando, em primeiro lugar, que o sentido de universalidade e necessidade dos juízos de gosto é justificado por um principio a priori, em segundo, provando que sem este
princípio nenhuma experiência estética (o sentimento de prazer ou
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O problema da possibilidade dos juízos reflexionantes estéticos no quadro da filosofia kantiana da razão pura
desprazer desinteressado perante a forma de um objeto), e portanto nenhum acordo intersubjetivo sobre o belo, é possível. A diferença básica entre as duas deduções é que esta última não conduz,
como já salientamos acima, a qualquer sistema doutrinal e, portanto, não proporciona nenhum conhecimento metafísico acerca do
belo, reduzindo-se a uma mera crítica do uso estético de nossa faculdade de julgar reflexionante (cfe. KANT, 1790: A 142/ B 144).
Ora, tal dedução diz respeito às condições subjetivas da faculdade de julgar em geral e, particularmente, dos juízos de gosto.
Ela, porém, não incide diretamente sobre os juízos de gosto – no
sentido de que lhes forneceria uma prova –, mas sobre o princípio
mediante o qual somente se pode legitimar a pretensão desses juízos
à necessidade e à universalidade. Porque não se pode demonstrar,
a priori ou empiricamente, que o juízo “A é belo” é verdadeiro, isto
é, que o objeto que julgamos esteticamente seja em si belo, mas
apenas mostrar, via análise, que, se não se referir apenas à finalidade formal do objeto com relação às faculdade cognitivas do sujeito,
enfim, se não mantiver a pretensão à universalidade e necessidade
subjetivas, tal juízo não é um juízo puro de gosto. A exposição do
sentido dos juízos de gosto funciona, pois, como uma propedêutica
a sua dedução, a qual se refere, não às condições particulares, mas
às condições universais sob as quais somente é possível a reflexão
estética, ou melhor, ao princípio a partir do qual se pode justificar
aquela pretensão (pouco importa se tenho uma explicação ou alguma razão para dizer que tal objeto é belo: mesmo que seja teoricamente incorreto, meu juízo é sempre estético quando julgo com
base no sentimento de prazer diante da finalidade formal do objeto, caso em que estou autorizado a exigir a anuência de cada um
que se ponha a refletir sobre a forma desse objeto).
A dedução dos juízos de gosto consiste exatamente nisto. Para
que juízos em geral sejam possíveis deve-se pressupor que dados
sensíveis, isto é, o múltiplo da intuição, se coadunem com conceitos,
e isso significa uma finalidade formal do objeto em relação à harmo-
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nia entre nossas faculdades de conhecimento (o entendimento e a imaginação). Assim, dizer que esta forma bela é um exemplar da harmonia entre entendimento e imaginação é o mesmo que dizer que, se não
houvesse harmonia, ou afinação, (Stimmmung) entre estas faculdades,
nenhum conhecimento seria possível, de sorte que a finalidade formal
(sem fim) no belo pode ser entendida como um princípio de determinação, ou, se se quiser, vivificação (Erlebung), das faculdades cognitivas
do sujeito com vistas ao conhecimento em geral (isto é, em relação a
um fim qualquer, mas não a um fim específico que possa ser representado por um conceito do entendimento).
De fato, o principio transcendental da finalidade formal na
natureza é um principio a priori da faculdade de julgar reflexionante
que, no uso lógico da mesma, requer fundamentalmente a concordância da multiplicidade sensível com a unidade, seja a das nossas
operações e faculdades cognitivas seja a dos conceitos. Tal princípio, embora apenas regulativo para a reflexão teórica, é constitutivo
para a reflexão estética, cujo processo se conduz da seguinte maneira: diante de um objeto efetivamente percebido, reflito sobre a
forma8 da representação empírica deste objeto; essa reflexão9 me
leva a constatar que aquela forma encerra uma finalidade (a conformidade a fins) que, uma vez que dela tomo consciência, põe em
jogo livre minhas faculdades de conhecimento, isto é, a finalidade
formal manifesta a afinação ou harmonia entre a imaginação e o
entendimento, o que significa que só posso ter consciência dessa
finalidade formal do objeto percebido pelo fato de aquele jogo livre
de minhas faculdades cognitivas provocar em mim um sentimento
de prazer, o qual se impõe na afirmação de meu juízo de gosto e,
portanto, no momento em que tomo algo como belo. Isso quer dizer também que a finalidade formal no objeto belo não pode ser
expressa em conceitos, mas apenas sentida como efeito do jogo livre, isto desinteressado, de nossas faculdades cognitivas.
Assim, o princípio da finalidade formal do objeto é, para o uso
estético de nossa faculdade de julgar reflexionante, um princípio
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O problema da possibilidade dos juízos reflexionantes estéticos no quadro da filosofia kantiana da razão pura
da afinação entre imaginação e entendimento por ocasião da reflexão sobre a da forma da representação empírica de um objeto, princípio esse constitutivo de nossa faculdade superior de sentir, na
medida em que a pretensão (ínsita nos juízos de gosto puros) à
universalidade e necessidade só pode ser justificada sob o pressuposto de um sentido comum (Gemeinsinn), atribuível a todos os seres humanos. Pois o prazer perante o belo e, portanto, a nossa própria experiência estética nada mais são que a consciência da finalidade formal do objeto enquanto efeito sensível do jogo livre de
nossas faculdades de conhecimento, isto é, consciência da causalidade (por meio desse jogo livre) da forma de um objeto com relação ao estado de contemplação do sujeito para conservá-lo neste
estado. O sentido comum, pois, confere realidade subjetiva àquele
princípio de afinação entre imaginação e entendimento e, por conseguinte, dá a regra para o juízo estético.
Por conta disso, uma crítica da faculdade de julgar estética enquanto faculdade autônoma da alma, isto é, como faculdade de
sentir superior, não assenta bases para um sistema de metafísica,
isto é, um sistema objetivamente válido de juízos sintéticos a priori,
tal como ocorre com a crítica de nossas faculdades de conhecer e
agir superiores, pois se limita a simplesmente legitimar aquelas
características estéticas sem as quais é impossível como tal um juízo
de gosto, esclarecendo, a partir somente do exame das condições
subjetivas do uso em geral de nossa faculdade de julgar, como num
juízo que exige “universalidade subjetiva, isto é, aprovação de todos”, “a satisfação de cada qual possa ser declarada regra para todos os demais” (KANT, Op. cit., B 134-135). Assim, diz Kant,
não há nem uma ciência do belo, senão uma crítica, nem uma
ciência bela, senão só arte bela, pois no que se refere à primeira, deveria determinar-se cientificamente, isto é, com bases de demonstração, se há que ter algo por belo ou não; o
juízo sobre beleza, se pertencesse à ciência, não seria juízo
algum de gosto” (KANT, Op. cit., B 176-177).
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Concluindo, a “facilidade” que, segundo Kant, uma dedução dos
juízos de gosto envolve deve-se exclusivamente ao fato de que com
ela se alcança apenas a determinação das condições transcendentais
sem as quais não é possível um enunciado significativo sobre o belo e,
com isso, a justificação de “que temos o direito [berechtigt sind] de supor universalmente em todo homem as mesmas condições subjetivas
da faculdade de julgar que encontramos em nós, e apenas enquanto
nós temos subsumido corretamente o objeto dado sob essas condições” (KANT, Op. cit.: # 38, B 152). Isso porque a nossa experiência
estética constituída como um sentido comum pelo jogo livre da imaginação e do entendimento (sentido esse que só se manifesta por ocasião da reflexão sobre a forma da representação empírica de um objeto, exercida de acordo com o princípio transcendental da faculdade de
julgar reflexionante10 ) é o único domínio no qual pode haver um acordo intersubjetivo sobre o belo e em vista do qual somente “o prazer ou
finalidade subjetiva da representação, para a relação das faculdades
de conhecimento no juízo em geral de um objeto sensível, poderá ser
exigido com direito a cada um” (KANT, Op. cit. B 151).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1787.
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Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1788.
______. Kritik der Urteilskraft. Band 8, Darmstadt: Wissenschaftliche
Buchgesellschaft, 1790.
______. Logik Jaesche. Band 5, Darmstadt: Wissenschaftliche
Buchgesellschaft, 1800.
LOPARIC, Zeljko. A finitude da razão: observações sobre o logocentrismo
kantiano. In ROHDEN, V. (org.) 200 anos da Crítica da faculdade do juízo.
Porto Alegre: Instituto Goethe, 1992. p. 50-64.
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O problema da possibilidade dos juízos reflexionantes estéticos no quadro da filosofia kantiana da razão pura
OLIVEIRA, Marcos Alberto de. Razão problematizante e investigação
científica na metafísica kantiana da naturezas. 217 f., Dissertação (Mestrado
em Filosofia) – Faculdade de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995, 2000.
Recebido em: maio de 2006
Aprovado em: junho de 2006
NOTAS
1
A sensibilidade (Sinnlichkeit), enquanto capacidade de intuir objetos, é a nossa faculdade
inferior de conhecimento, sendo a imaginação (Einbildungskraft) o próprio entendimento,
na medida em que suas operações podem afetar a sensibilidade, ocasião em que se produzem intuições puras de objetos.
2
A razão também comporta um emprego teórico, mas, neste caso, só possui princípios
regulativos para o conhecimento da natureza, ocasião em que ela julga, pela interposição
de um termo médio (silogisticamente), a partir de idéias, isto é, da representação de objetos incondicionados, a fim de trazer a multiplicidade de leis do entendimento à unidade de
um sistema.
3
Juízo reflexionante é aquele que vai “do particular para o geral” (KANT, 1800: # 81), isto é, da
reflexão sobre dados intuitivos para abastecer o entendimento com conceitos empíricos e,
assim, organizar a diversidade de leis particulares e contingentes na unidade sistemática
da experiência, cuja estrutura formal é determinada por leis universais e necessárias, isto é,
pelos princípios puros do entendimento. Inversamente, juízo determinante é aquele que “
vai do geral para o particular” (KANT, Ibidem) para determinar objetos, descendo de conceitos mais gerais até conceitos subordinados e, em último instância, intuições.
4
Assim, diz Kant, “a crítica da razão pura [vale frisar, de todas as nossas faculdades cognitivas
superiores], que deve, antes de empreender cada sistema, e em relação à possibilidade dos
mesmos, estabelecer tudo aquilo, consta ainda de três partes: a crítica do entendimento
puro, a da faculdade de julgar pura e a da razão pura, as quais são chamadas puras porque
são legisladoras a priori” (KANT, 1790: IV, BXXV).
5
Na esfera prática, o sentimento de elevação (em decorrência do respeito à lei moral) é um
prazer que também é um efeito da consciência da autonomia de nossas faculdades, no
caso, a vontade (liberdade prática em sentido positivo), isto é, a consciência da determinação da faculdade de desejar pela mera representação da lei moral.
6
Como faculdades de conhecimento, o entendimento e a razão possuem princípios a priori,
respectivamente, constitutivos e regulativos somente em relação aos fenômenos e consistem na própria faculdade de julgar determinante, ao passo que a reflexionante lógica se
reduz ao uso do entendimento na busca de conceitos empíricos, a partir da reflexão sobre
objetos dados à percepção, para posteriormente determiná-los por meio de regras.
7
O que se pode chamar de “correta subsunção da representação intuitiva de um objeto” não
é a subsunção sob um conceito, que é um procedimento estritamente lógico, mas a
subsunção “sob uma relação, que se pode sentir, da imaginação e do entendimento, acordes, reciprocamente, na forma do objeto representado”, que é uma subsunção estética que
“pode facilmente errar” (KANT, 1790: B 152).
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Esta não é nem a forma geométrica, uma “intuição pura”, nem forma no sentido aristotélico
de uma determinação conceitual da essência do objeto, mas sim a mera articulação dos
elementos que constituem a matéria da percepção, ou seja, a estrutura e as múltiplas relações entre as partes e o todo do objeto intuído. Isso explica por que, do ponto de vista
estético, a forma do objeto nunca é pronta e acabada, resultando antes da atividade da
imaginação, que se dirige à articulação das partes do objeto no todo de uma intuição
empírica e às múltiplas relações que formalmente estão presentes nesta, bem como por
que para a reflexão não interessam as propriedades empíricas do objeto, mas sim a sua
finalidade, que é uma qualidade puramente relacional. Portanto, nem intuição pura nem
sensação desvinculada da forma intuitiva, mas sim o jogo (Spiel) ou estrutura (Gestalt) do
objeto empírico. Assim, uma forma é bela não porque encerra uma perfeição matemática
ou manifeste a essência de um objeto, mas sim porque põe em movimento o processo de
comparação entre imaginação e entendimento em vista dessa forma, compatibilizando,
dessa maneira, a liberdade e a legalidade que, respectivamente, caracterizam estas faculdades e são condições subjetivas da possibilidade do conhecimento em geral.
9
Na reflexão estética, comparo a imaginação com o entendimento, verificando se a forma
apreendida na intuição empírica cai sob um conceito, não para determiná-la (isto é, sem
visar nenhum conceito determinado), mas para ver se ela é conceitualizável. A reflexão
estética exige da imaginação, cuja peculiaridade é ser livre e desregrada, gerar formas sem
conceitos, mas suficientemente inteligíveis para serem apreendidas nos objetos percebidos. Essa liberdade da imaginação estimula o entendimento a encontrar regras para suas
formas, cuja multiplicidade intuitiva, extrapolando nossa capacidade de compreensão e
resistindo à determinação conceitual, faz com que o entendimento seja levado indefinidamente à busca de conceitos. Por sua vez, o entendimento, procurando exercer sua legalidade sobre o sensível mediante a produção de conceitos, estimula a imaginação a fazer
novas composições sem regras.
10
Vale lembrar aqui que esse princípio, no uso lógico da faculdade de julgar reflexionante,
também está à base da relação de nossas faculdades de conhecimento com o conhecimento em geral e, portanto, da própria possibilidade de os homens comunicarem entre si
suas representações e juízos.
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