Reflexão
Cosmovisão cristã e educação (Parte I)
Filipe Costa Fontes
Consultor Teológico-Filosófico do SME
Janeiro de 2014
O Sistema Mackenzie de Ensino produz um material didático fundamentado na
cosmovisão cristã. O que isso significa?
A palavra cosmovisão é comumente usada para definir um conjunto de crenças, conceitos
e valores que o homem, individual e coletivamente, sustenta acerca das questões mais básicas da
realidade (Deus, o mundo, o homem, a verdade) e que determina o modo como ele compreende,
explica e atua na realidade. Usando uma ilustração muito significativa, Norman Geisler define
cosmovisão como algo semelhante a uma lente através da qual se enxerga o mundo.1 Todos os
indivíduos, consciente ou inconscientemente, possuem uma cosmovisão e são guiados por ela em
sua interpretação da realidade. Ainda utilizando a ilustração de Norman Geisler: “Se alguém olha
através de uma lente vermelha, o mundo lhe parece vermelho. Se outro indivíduo olha através de
uma lente azul, o mundo lhe parece azul”.2
Nossa cosmovisão é formada durante a nossa vida, e através de muitos agentes. Um dos
principais é a educação. Educar, mais do que transmitir conteúdo, é construir concepções e
valores que acompanharão o indivíduo ao longo de toda a sua existência. No entanto, enquanto
produto humano, a educação também se origina de uma cosmovisão e é por ela determinada.
Costuma-se pensar que um sistema de ensino é construído de modo neutro. Muitas pessoas
acreditam que quando leem um livro didático estão simplesmente assumindo um conjunto de
conteúdos, cuja diferença, em relação a outros livros, é meramente o arranjo. Isso, no entanto,
não é verdade! Todo e qualquer sistema de ensino é direcionado por uma cosmovisão. E porque
compromissos de fé estão entre as questões mais básicas de uma cosmovisão, nenhum sistema
educacional está livre deles. Uma cosmovisão naturalista, por exemplo, depende, tanto quanto a
cosmovisão cristã, de pressupostos de fé. Enquanto esta última depende do pressuposto da
existência de Deus, a primeira depende do pressuposto de sua não existência. Enquanto a
cosmovisão cristã depende do pressuposto de que tudo o que existe foi trazido à existência por
Deus, a cosmovisão naturalista ou materialista depende do pressuposto de que o mundo material
é tudo o que sempre existiu. Em última instância, ambas partem de dados que não podem ser
experimentados empiricamente, mas simplesmente cridos, isto é, pressupostos de fé. Além disso,
1
2
GEISLER, N.; BOCCHINO, P. Fundamentos Inabaláveis, São Paulo: Editora Vida, 2001. p. 15.
GEISLER, N.; BOCCHINO, P. Fundamentos Inabaláveis, p. 15.
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porque o homem permanece, originalmente (por criação), numa inevitável relação com o
Criador, toda cosmovisão leva Deus em conta, positiva ou negativamente.3
Quando afirmamos que o Sistema Mackenzie de Ensino é fundamentado em visão cristã
de mundo, não desejamos dizer que ele seja mera apologia do cristianismo enquanto movimento
histórico. Nem mesmo que a Bíblia seja vista por ele como a fonte de conhecimento
enciclopédico dos conteúdos programáticos apresentados. Significa, por sua vez, que ele assume
os princípios e valores básicos da Bíblia como lentes, para compreender e explicar a realidade à
nossa volta.4 Uma educação a partir da visão de mundo cristã consiste numa oportunidade de ler
o mundo,5 tendo como guia epistemológico a revelação de Deus em Sua Palavra.
Durante as reflexões deste ano, procuraremos mostrar como os pressupostos básicos da
Bíblia devem afetar nosso labor educacional, sobretudo no que diz respeito à nossa aproximação
dos conteúdos transmitidos em sala de aula. Você é nosso(a) convidado(a) para esta empreitada!
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Aplicando o princípio da não neutralidade ao ambiente escolar, o filósofo cristão Gordon Clark afirma: ... as
escolas não são, obviamente, cristãs. Mas, com semelhante obviedade, não são neutras. As Escrituras dizem que o
temor do Senhor é o princípio da sabedoria – parte essencial do conhecimento; mas as escolas, omitindo todas as
referências a Deus, passam aos alunos a noção de que o conhecimento se obtém sem qualquer relacionamento com
Deus. Elas ensinam, na realidade, que Deus não tem qualquer controle sobre a história; que não existe qualquer
planejamento nos eventos operados por Deus; e que Deus não preordenou qualquer acontecimento... As escolas
não são, nunca foram, nunca poderão ser neutras. O sistema escolar que ignora a Deus, ensina seus alunos a
ignorarem a Deus. Isso não é neutralidade, é a pior forma de antagonismo, porque julga que Deus não é
importante; ele é irrelevante à raça humana. Isso é ateísmo. (CLARK, Gordon H. A Christian philosophy of
education. Jefferson, MD: The Trinity Foundation, 1988, p.73).
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A cosmovisão cristã aplicada à educação não produz uma educação unilateral e insuficiente, mas transforma
radicalmente todo o labor educacional. Nas palavras de Plantinga: Não adianta tentar oferecer uma instrução
costumeira com algumas aulas de estudo bíblico acopladas a ela; ou uma instrução costumeira com componente de
serviço comunitário ou social; ou uma instrução costumeira com um intervalo para participar de um culto religioso
na capela escolar. Uma universidade cristã construída sobre um alicerce sólido se erguerá do exercício da fé em
Jesus Cristo para explorar a altura, a profundidade e a largura do significado de se construir sobre o alicerce desta
fé – não apenas durante os quatro anos que dura o curso na universidade, mas para uma vida inteira de aquisição
de conhecimento e de trabalho dentro do reino de Deus. (PLANTINGA, C. O crente no mundo de Deus, p.13)
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O artigo 2º da Confissão Belga utiliza uma figura esclarecedora sobre este ponto. O universo está perante os
nossos olhos como um belo livro no qual todas as criaturas, grandes e pequenas, são letras que nos fazem pensar
nas coisas invisíveis de Deus.
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