RELATÓRIO
CARNE DE SOL
Até o presente momento não existe uma regulamentação técnica que lhe confira
definições de critérios e padrões físico-químicos ou microbiológicos ou que lhe atribua um
memorial descritivo para a elaboração da conhecida carne-de-sol. O processo tem sido
baseado em tecnologia artesanal, que consiste normalmente na salga e exposição das
mantas ao ar livre ou ambiente ventilado (SOUZA, 2005).
Tal elaboração artesanal juntamente com a grande incidência de abate clandestino
tem em facilitado a contaminação das carcaças, contribuindo para o desenvolvimento de
microrganismos indesejáveis, gerando assim, os surtos e infecções de origem alimentar
(COSTA et al, 2001).
Apesar do nome carne - de sol, ela é raramente exposta ao sol no processo de
fabricação; pelo contrario ela é deixada em locais cobertos e bem ventilados; Portanto o
antigo nome carne-de-sereno melhor expressaria o processo pelo qual a carne de sol é
preparada
Assim como não há no Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de
Produtos de Origem Animal - RIISPOA (Brasil, 1997a) qualquer artigo que forneça um
conceito caracterizando-a de forma legal, assim sendo a comercialização deste tipo de
carne, com tal denominação “carne-de-sol” torna-se uma prática danosa a saúde do
consumidor, que não tem aparo legal para as características que devem estar presentes em
um alimento seguro com qualidade e identidade. A elaboração deste produto segue então,
conceitos ou normas típicas regionais.
Segundo Vieira Neto (1982); Shimokomak (1987) a carne-de-sol tem seu
processamento baseado em tecnologia artesanal, seguindo métodos desenvolvidos no início
da sua produção, consistindo normalmente na salga seca e na desidratação durante
empilhamento das mantas por algumas horas. É portanto um produto semi-desidratado de
vida de prateleira muito curta e o consumo é localizado.
De maneira geral, os produtores de carne-de-sol, nos diferentes pontos regionais,
seguem um mesmo fluxograma de produção. Este fluxograma baseia-se em quatro etapas,
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sendo estas: a obtenção da matéria-prima, o processo de salga, o processo da secagem e a
comercialização do produto final. As quatro etapas do fluxograma podem sofrer variações
dependendo da região onde é produzida a carne-de-sol. Em cada Estado ou região, a
maneira de realização das etapas com os seus itens próprios garante ao produto final uma
característica peculiar inerente (PARDI et al; 2001).
Existem autores que reconhecem a necessidade de padronização nas etapas de
fabricação deste produto, tais como Costa e Silva (2001), que sugerem esta padronização
nas etapas importantes de secagem e no teor de cloreto de sódio e ainda na adição de
conservantes, para desta forma, não alterar as características sensoriais visando assim à
obtenção de valores de atividade de água mais baixa na tentativa de oferecer produto seguro
ao consumidor.
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2- MÉTODO DE FABRICAÇÃO ARTESANAL DE CARNE DE SOL REALIZADO
POR GOUVÊA
Como não existe uma padronização legal e técnica para a elaboração da carne-desol, alguns autores demonstram que a mesma é elaborada em alguns estados do Brasil,
porém, esta elaboração deve seguir cuidados de higiene e boas práticas.
Um modelo conhecido é o de Gouvêa, Especialista em Segurança em Alimentos
UFBA. Tal modelo segue descrito a seguir.
2.1 Matéria prima: carne e sal
A carne: Segundo este modelo, este tipo de produto deve ser fabricado com
matéria-prima inspecionada, dentro dos padrões rígidos de higiene, sendo feita com o trem
posterior (quarto traseiro): chã de dentro ou coxão mole, chã de fora ou coxão duro (mais
duro, porém muito apreciado), contra filé, alcatra (sem a picanha). Tradicionalmente, temse usado carnes da parte dianteira (ponta de agulha) do animal para processamento do
charque enquanto que, via de regra, peças de primeira (peças de traseiro) são empregadas
na produção da carne-de-sol. (FIG. 1).
FIGURA 1:
Aquisição de carne inspecionada (coxão mole) embalada a vácuo conforme
Portaria 324, para a fabricação da carne de sol.
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Um controle rigoroso na aferição da temperatura desta carne deve ser feito, para
que desta forma possa diminuir os riscos microbiológicos que possam levar este produto a
uma contaminação microbiológica (FIG 2).
FIGURA 2:
Observação da temperatura da carne antes de realizar a fabricação da carne de sol.
Faz-se também utilização do sal fino (7 a 8%). A diferença do sal fino para o sal
médio é que o fino a ação é rápida. O sal médio demora mais a absorver a água da carne
(FIG. 3).
FIGURA 3:
Sal fino utilizado na fabricação da carne de sol.
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2.2 Preparo da Carne de Sol:
O primeiro passo nesta etapa e mais importante é a realização de uma completa e
eficaz higienização do local aonde será feita à carne, assim como dos equipamentos que
terão contato com o produto, tais como: facas, fusil e bandejas brancas onde será colocada a
carne (FIG. 4).
FIGURA 4:
Procedimentos de BPF que devem ser realizados antes da preparação da carne de sol.
(material: Mesa em inox, facas, fusil e luvas de aço que serão utilizadas para manipulação
da carne)
Toma-se a chã de dentro ou coxão mole, chã de fora ou coxão duro, sendo estes
em temperatura de 7 a 10ºC, abre-se a peça, faz-se a manta, ou seja, corta-se a peça para
que a mesma tenha uma espessura máxima de 5 centímetros. Faz-se cortes no sentido das
fibras de um só lado com espaços de 3 a 4 cm ou dos dois lados com espaços de 8 em 8 cm
ou de 9 em 9 cm com o cuidado de não atingir a outra face. Vira e corta a outra face. Estes
cortes devem ser profundos, mas não devem alcançar o lado oposto. (FIG. 5).
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FIGURA 5:
Abertura da peça de carne realização da manta e seus cortes
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Após serem feitos os cortes ou de um lado apenas da manta ou dois dois, realizase-se a salga. Esta é realizada por esfregação do sal na superfície da manta em ambos os
lados e entre os cortes. Deve se encher a mão com sal fino e jogar sobre a carne e, com a
ajuda dos dedos bem HIGIENIZADOS, salga-se por esfregação para desta forma o sal
tomar toda a peça. A salga por esfregação é característica do nordeste como será também o
produto final (FIG. 6). O percentual de sal utilizado é de 7 a 8%, então uma peça de chã de
dentro de 9 kg vai usar inicialmente + ou –650 gramas de sal na primeira salga.
FIGURA 6:
Realização da salga por esfregação
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Após estes passos descritos acima, coloca-se a carne numa bandeja plástica de cor
branca furada em local preferentemente inclinado para escorrer a salmoura, ou em mesa de
inox furada (FIG.7).
Deve-se lembrar que esta carne deve estar constantemente protegida para evitar
que moscas pousem sobre as mesmas, contaminando-as.
Entre 8 às 10h depois, vira a peça, tomando o cuidado de verificar se os cortes
foram bem salgados, se necessário, coloca mais sal. Observando o valor Maximo de sal que
poderá ser utilizado, ou seja, 720gr para essa peça (8% de 9000g =720gr, já usamos 650gr).
Após o período de 8 às 10h, vira-se novamente, e deixa-se em repouso
completando 30h (30 horas), após isto, o produto encontra-se pronto. Pode-se passar a
carne ligeiramente pela água para tirar o excesso de sal e coloca no sereno para absorver
umidade essa etapa é opcional. Assim como também a etapa de deixar a carne no sol entre
as 9h, no máximo às 10h da manhã (antes do sol esquentar) por 30 - 40 minutos no
máximo, com a parte gordurosa voltada para o sol para dourar a gordura, essa etapa só tem
exclusivamente essa finalidade, assim está pronta a carne de sol.
FIGURA 7:
Mesa de inox que pode ser utilizada na cura da carne de sol
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O processo de retirada do sal para consumo da carne de sol deve ser feito
colocando-se a mesma dentro da água e aquecendo, porém não fervendo para não haver
formação de um composto salino-protéico (que prende o sal), e quando começar a
enfumaçar trocar a água.
Quando esta segunda água estiver quente deve-se tirar. A segunda água poderá ser
substituída por leite. A carne de sol é um produto frescal, desta forma, por si só não tem
características de conservante, pois no centro da peça não tem sal e por isso logo depois de
pronta a mesma deve conservada em geladeira.
3- CONTROLE DE QUALIDADE
Diante do exposto, torna-se extremamente importante que os serviços de
alimentação, seja restaurante, cozinhas, ranchos de plataformas, tomem diversos cuidados
na elaboração deste tipo de produto, uma vez que é um produto artesanal, e sem legislação
própria ou instrução técnica para tal fabricação.
Deve-se ter uma maior preocupação com a qualidade e sanidade do produto, que
deve iniciar desde a origem da matéria prima, da manipulação industrial e comercial,
seguindo-se pelo transporte e completando-se nos setores de armazenamento, estocagem e
exposição para a venda ao consumidor. A produção de alimentos com segurança exige
cuidados especiais, para que se eliminem quase na sua totalidade, os riscos de
contaminação por perigos físicos, químicos e biológicos a que esses alimentos estão
sujeitos.
Desta forma entende-se que o estabelecimento que queira produzir este tipo de
produto há de se ter no mínimo e bem implementadas as Boas Práticas de Fabricação na
produção destes produtos, tal como Programas de Pré-requisitos, tais como higienização de
utensílios, equipamentos e manipuladores 100% eficazes, para desta forma garantir a
inocuidade deste produto e a segurança referente à saúde e bem estar de seus clientes.
A carne de sol tem potencial para ser fabricada e comercializada em todo país
mesmo sendo considerada como um produto artesanal, de consumo regional, desde que
sejam produzidas com BPF, seguindo o que preconiza a Portaria 368 (BRASIL, 1997c);
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A microbiota da carne depende das condições nas quais os animais foram criados,
abatidos e processados (SILVA, 1997). Por se tratar de um produto sem registro no
Ministério da Agricultura, a carne-de-sol, atualmente comercializada, geralmente procede
de abates clandestinos, o que pode aumentar o risco da incidência de gastroenterites
alimentares.
Outro fator que pode ser determinante para as altas contagens de microrganismos
encontradas nesse produto é o baixo teor de sal utilizado, suficiente apenas para reduzir a
atividade de água para valores próximos a 0,96, capazes de inibir o crescimento de
Pseudomonas, mas oferecendo condições favoráveis para o desenvolvimento de bactérias
Gram-positivas, como as pertencentes ao gênero Staphylococcus (SILVA, 1991).
Durante o processamento artesanal da carne-de-sol é comum a utilização de
utensílios de madeira que absorvem umidade e matéria orgânica, se transformado em
ambientes ideais para a proliferação dos bolores e leveduras. Além da espoliação da carne
os fungos podem sintetizar substâncias tóxicas para os seres humanos (VELD et al., 1994
apud COSTA &SILVA 2001).
COSTA & SILVA, 1999 observaram a presença de Staphylococcus aureus em 50
por cento das amostras analisadas, sendo superior a 5 log UFC/cm² e o número mais
provável de coliformes fecais acima de 10ü NMP/cm² em 60 por cento das amostras
analisadas. Estes resultados sugerem que a carne de sol deve ser realizada com alto padrão
de qualidade, pois a mesma durante seu processo de fabricação pode ser facilmente
contaminada.
Alguns microrganismos de interesse na avaliação da qualidade da carne-de-sol são
os coliformes, indicadores de contaminação fecal durante o abate e o processamento,
indicando também a possível presença de microrganismos patogênicos (LEITÃO, 1988).
A Portaria no 451 de 19 de setembro de 1997 do Ministério da Saúde que dispõe
sobre as normas e padrões de controle microbiológico para alimentos é omissa sobre as
características microbiológicas da carne-de-sol, sendo este um fator preocupante na
elaboração continuada deste produto em diversas regiões do país.
Considerando o grande volume desse produto, comercializado no Brasil, urge a
necessidade da definição de critérios e padrões físico-químicos para sua elaboração, pois
este produto parcialmente desidratado e semi-preservado pela salga não pode se enquadrar
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no padrão existente para o charque e similares, porque sua vida-de-prateleira é muito curta
quando comparada a estes produtos (BRASIL, 1997b).
5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Com base na descrição tecnológica da carne-de-sol, é perceptível que se trata de
um produto tradicional, com grande comercialização.
Com o intuito de garantir que a carne de sol seja um produto que mantenha suas
características peculiares de sabor, odor e textura com qualidade e sem risco para o
consumidor, são necessárias medidas orientadas na adoção de modernas técnicas de
procedimentos higiênico-sanitários de acordo com as boas práticas de fabricação, por parte
dos estabelecimentos produtores de refeições.
Desta forma tais estabelecimentos poderão garantir uma melhoria sistemática na
tecnologia de fabricação para que seja distribuído um produto com qualidade e sem risco
para o cliente.
A carne carne-de-sol é um produto notadamente regional, entretanto a mesma deve
ser produzida em condições higiênico-sanitários adequadas, dentro dos padrões das BPF´S
e com matéria-prima de qualidade, obtida de fornecedores idôneos, caso o estabelecimento
não tenha tais parâmetros de qualidade, o melhor a ser feito á a substituição deste produto
no cardápio por outro que tenha seus riscos controlados.
REFERÊNCIAS:
BRASIL, Ministério da Agricultura. Portaria n.º 451 de 19 de setembro de 1997, Dispõe
sobre as normas e padrões de controle microbiológico para alimentos. [Diário Oficial
da República Federativa do Brasil], Brasília, 19 set. 1997b.
BRASIL, Ministério da Agricultura. Portaria n.º 368 de 04 de setembro de 1997,
Regulamento Técnico sobre as condições Higiênico Sanitárias e de Boas Práticas de
Elaboração para estabelecimentos Elaboradores / Industrializadores de Alimentos.
Ministério da Agricultura e do abastecimento, 1997c.
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BRESSAN, M.C. Tecnologia de carnes e pescados. Curso de Pós Graduação “Lato
Sensu”a distância: Processamento e controle de qualidade em carnes,leite, ovos e
pescados. Lavras: UFLA/FAEPE, 240 p, 2001.
COSTA, E. L.; SILVA, J. A. Avaliação microbiológica da carne-de-sol elaborada com
baixos teores de cloreto de sódio. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, v. 21, n.
2, 2001.
LEITÃO, M. F. F. Microbiologia de Alimentos: In ROITMAN, I., TRAVASSOS, L. R.,
AZEVEDO, J. L. Tratado de microbiologia. São Paulo: Manole, p. 3-80, 1988.
PARDI, M. C., SANTOS, I. F. S., SOUZA, E. Ciência, Higiene e Tecnologia da Carne.
2ª edição rev. Goiânia: Editora UFG, v. 2, 2001
SHIMOKOMAKI, M., FRANCO, B. D. G. M., CARVALHO JR, B. C. Charque e
produtos afins: tecnologia e conservação - uma revisão. Boletim SBCTA, v. 21, n. 1, p.
25-35, 1987
SILVA, J. A. Microbiologia da carcaça bovina: Uma revisão. Revista Nacional da
Carne, v. 24, n. 10, p. 62-87, 1997.
SILVA, M. C. D. Incidência de Staphylococcus aureus enterotoxigênicos e coliformes
fecais em carne de sol comercializada na cidade do Recife-PE Recife, 1991, 77p.
(Mestre em Ciência de Alimentos) Departamento de Nutrição, Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
SOUZA, N. L. Efeito da combinação de sal com lactato e diacetato de sódio nas
características sensoriais, físico-químicas, cor e textura de um produto similar à
carne-de-sol.2005. 112 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Tecnologia de Alimentos,
UniversidadeEstadual de Campinas, Campinas, 2005;
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VIEIRA NETO, J. Aspectos tecnológicos da fabricação da “carne de sol”. Niterói,1982.
46p. Dissertação (Mestre em Medicina Veterinária) – Faculdade de Medicina
Veterinária, Universidade Federal Fluminense
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