UM PASSEIO NA CONTABILIDADE, DA
PRÉ- HISTÓRIA AO NOVO MILÊNIO.
Maria de Fátima Oliveira Martins *
RESUMO: O artigo mostra a evolução da
Contabilidade desde a pré-história até a atualidade,
versando sobre os procedimentos utilizados antes da
escrita, o desenvolvimento dos pensamentos contábeis,
apresentados através das Escolas Italianas, seu
apogeu e decadência ante a evolução das Escolas
Americanas. As novas exigências do usuário contábil
manifestada através de cobranças por mudanças de
postura empresarial que resultaram no Balanço
Social. Comenta a discussão sobre o registro da
principal riqueza da empresa - O intelecto, e finaliza
com as alternativas que o mercado de trabalho
proporciona à profissão.
A contabilidade, mesmo sem os
mecanismos modernos disponibilizados no Novo
Milênio, se faz presente junto à sociedade há
muitos anos antes de Cristo, mantendo sua
máxima que é informar. O seu desenvolvimento
acompanha a evolução da civilização, cujo
crescimento e progresso da humanidade faz com
que se torne cada vez mais eficiente e fiel a que
se propõe.
agrícolas, cuja movimentação chamamos hoje de
entrada e saída de ativos, débito e crédito e
por extensão Partidas Dobradas.
Passeando no tempo, sem especificar
data de início, observa-se que mesmo sem
escrita a Contabilidade era utilizada pelo homem
como um instrumento de controle do
crescimento patrimonial. A utilização de pedras
e fichas de barro de vários formatos
representavam o controle e porque não dizer uma
forma de registro contábil. No caso das pedras
estas eram dispostas em recipientes que
caracterizavam nascimento de animais ou
transferências para pagamento de dívida ou
outras razões. As fichas de barro representavam
mercadorias utilizados em transações comercias,
que podiam ser animais ou mesmo produtos
Passando do desconhecimento ao
conhecimento da escrita, a pictográfica (gráficos
simplificados) foi invenção dos sumérios em 3100
A C e a alfabética, inventada pelos fenícios em
1100 A C serviram como excelente instrumento
de divulgação, possibilitando o desenvolvimento
cultural da humanidade propiciando-nos
conhecer a evolução histórica da Contabilidade.
No Egito por volta do ano 2.000 A C. já havia a
obrigatoriedade dos livros e documentos
comerciais, sendo a escrituração das contas,
baseada no valor da moeda egípcia da época o
“shat” de ouro e prata. As primeiras moedas da
história contábil datam de 650 A C. feitas na
Ásia Menor e de 600 A C feitas na Grécia.
Deixando para traz a Contabilidade Antiga,
por volta dos séculos XII e XIII a Contabilidade
entra na fase Moderna, motivada pelo
desenvolvimento econômico surgido,
* Contadora e Pós-Graduada em Ciências Administrativa - Área de Finanças, Ex- Contadora do Conglomerado do Banco Estado do
Pará, S/A, de 1990 a 1999, Professora da UNAMA das Disciplinas: Teoria da Contabilidade, Estrutura e Interpretação de Balanços e
Análise das Demonstrações Financeiras e participante do Curso de Nivelamento para Mestrado em Contabilidade e Controladoria
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principalmente, nas cidades marítimas, como
Gênova, Pizza, Florença, Veneza etc... onde
grandes centros comerciais começavam a se
formar na Europa, que passou a ocupar uma
posição centralizadora sendo considerada o
ponto de contato de negócios, tendo a
contabilidade acompanhado essa evolução,
criando mecanismos que possibilitassem o
controle e gerenciamento dos negócios, surgindo
em função disso as primeiras manifestações do
Sistema das Partidas Dobradas
Existem indícios que apontam que o
sistema das Partidas Dobradas data desde 1330,
sem esquecer que no período pré-histórico a
utilização das fichas de pedras mesmo de forma
rudimentar já esboçavam esse sistema, entretanto
a divulgação para o mundo deu-se através do
frade franciscano Lucca Paccioli, matemático,
que expôs o sistema de forma completa,
evidenciando seu mecanismo algébrico, quando
da publicação do Tractatus de Computis et
Scripturis em 1494, sendo este fato considerado
um marco para a contabilidade, tendo atraído a
atenção dos homens de negócios da época,
ávidos em mensurar e controlar suas riqueza a
utilizarem este sistema.
O pensamento contábil tem início com o
trabalho de Lucca Paccioli, e evolui com o
surgimento de várias Escolas e muitas teorias. A
primeira escola de Pensamento Contábil foi a
Contista, no Século XVIII, cuja idéia central
era o mecanismo das contas, mais
especificamente, o seu funcionamento,
subordinando-as à forma de escrituração, razão
pela qual a contabilidade se confundia com a
escrituração. Daí ser considerada a Ciência das
Contas. Essa teoria contribui para o surgimento
da Teoria das Cinco Contas Gerais, que
evidenciava os cinco principais efeitos de uma
transação comercial: Mercadorias, Dinheiro,
Efeitos a Receber, Efeitos a Pagar e Lucros e
Perdas .
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A escola Personalista surgiu no século
XIX, tendo como enfoque dar personalidade
às contas. Visava a explicar as relações pessoais
de devedores e credores. Giuseppi Cerboni,
adepto ao pensamento, acrescentou o conceito
jurídico de direitos e obrigações.
A escola Neocontista seguinte
evidenciava que o objeto da contabilidade estava
representado pela riqueza do Patrimônio,
passando a contabilidade a ser a Ciência do
Controle Econômico. Esse pensamento
contribuiu para o estudo da análise patrimonial e
dos fenômenos ligados à gestão empresarial, bem
como para o surgimento da escola Controlista
que idealizava o objeto da contabilidade como
o controle da riqueza administrativa, tendo
distinguido as fases da gestão econômica e da
direção e controle.
O controle econômico ou administrativo
exercido pela contabilidade não constitui seu
objeto, mas apenas um de seus instrumentos,
gerando, assim, novas concepções de
pensamento contábil, como a da escola
Aziendalista cuja base é a economia aziendal.
A Lopes de Sá conceitua aziendas como
sistemas organizados que visam a atingir um fim
qualquer, podendo ser um comércio, uma
indústria, prefeituras etc..
Esse é o período científico da
Contabilidade, e talvez pela primeira vez, a teoria
contábil avança em relação às necessidades e
complexidades da sociedade. Essa fase pode ser
considerada como a fase áurea que durou até
os primeiros vinte anos do século XX.
As discussões contra o pensamento
aziendalistas originou a escola Patrimonialista
que defendia a idéia do patrimônio como uma
grandeza real, que se modificava com o
desenvolvimento de atividades econômicas
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conhecidas, sendo evidenciado sobre dois
aspectos: o Estático que permitia o conhecimento
do patrimônio em um dado momento e o
Dinâmico que estuda os aumentos e diminuições
no patrimônio provocadas por fatos
administrativos.
Princípios fundamentaram essa teoria e
que permanecem nos dias atuais tais como:
Ö O objeto da contabilidade é o
Patrimônio aziendal;
Ö Os fenômenos patrimoniais são
fenômenos contábeis;
Ö A contabilidade é uma Ciência Social
que se relaciona com outras ciências a
como Matemática , Direito, Economia,
Administração, Sociologia etc...
As teorias desenvolvidas pelas escolas
italianas contribuíram para o desenvolvimento da
contabilidade, entretanto a evolução industrial e
comercial antes observada na Europa, passaram
a ser vistas na América do Norte, mais
especificamente nos Estados Unidos,
provocando o declínio da contabilidade nas
cidades italianas, não sendo este o único fator
que contribuiu para a perda da hegemonia, outros
podem ser destacados:
Ö Preocupações demasiadas em
evidenciar que a contabilidade é
Ciência, quando o mais importante é
conhecer a necessidade do usuário
Ö Dar ênfase excessiva à teoria das
contas, sem adequá-las à prática, com
uso exagerado de partidas contábeis,
inviabilizando a flexibilidade necessária
à contabilidade Gerencial;
Ö Falta de aplicação das teorias expostas,
justamente por não utilizar a pesquisa;
Ö Falta de ênfase na área de Auditoria
O crescimento da contabilidade nos
Estados Unidos deveu-se além da revolução
industrial, também ao surgimento de gigantescos
conglomerados aliado ao desenvolvimento de
mercado de capitais cujos investidores
começaram a exigir maiores esclarecimentos
sobre suas aplicações.
Aproveitando o passeio nos Estado
Unidos da América e dando um salto na história,
chega-se à década de 60, época da guerra do
Vietnã onde a postura do governo americano
(Nixon) gerou insatisfação popular, levando a
sociedade a se manifestar contra a guerra, não
só pelos malefícios, mas também em função dos
gastos elevados feitos pelas empresas norteamericanas na fabricação de armamentos
sofisticados utilizados, cujo efeito era nocivo ao
homem e ao meio ambiente .
Numerosas organizações passaram a
exigir das empresas uma mudança de
comportamento empresarial, moral e ético, no
sentido que passassem a informar à sociedade
os benefícios que prestavam a seus funcionários
e a comunidade. Tais informes deveriam
acompanhar o Balanço Patrimonial quando de
sua publicação, dando origem ao Balanço Social.
No início dos anos 70 a Europa ingressa nesse
movimento que se pode chamar de
“Responsabilidade Social da Empresa”. Essa
mudança de postura empresarial tem o poder
de mostrar o lado social e humano das entidades,
sendo dirigida a clientes, acionistas, funcionários
da empresa, autoridades fiscais, e todos aqueles
formadores de opiniões.
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Através do Balanço Social as empresas
passam a justificar seu objetivo social e
comprometimento com a sociedade, já que os
dados apresentados envolvem Recursos
Humanos, Valor Adicionado, e o Meio Ambiente.
As abordagens de Recursos Humanos dizem
respeito a funcionários, que são quantificados
quanto ao sexo, idade, formação escolar, cargos
ocupados, e informes sobre os benefícios
prestados com treinamento, assistência médica
e social, participação em projetos que
contribuam para melhoria de serviços públicos.
A Demonstração do Valor Adicionado
evidencia dados de gestão econômica mostrando
quanto a empresa gerou de recursos adicionais
e como os distribuiu , evidenciado sua
participação na economia regional. Os informes
quanto ao meio ambiente retratam a
conscientização da empresa em preservar o
natureza, mostrando os investimentos feitos em
inovações tecnológicas a fim de que suas
atividades econômicas não agridam o homem em
seu habitat natural.
Concluindo o passeio, é notório que a
Contabilidade é uma ciência adaptável as
transformações impostas pelo mundo moderno.
Transpôs fases do desconhecimento escritural,
adaptou-se a sistemas manual, mecanizado,
informatizado, acompanhando garbosamente os
processos de globalização,
Neste milênio, novo desafio foi-lhe
imposto. Como reconhecer contabilmente o
intelecto? Como contabilizar o conhecimento
adquirido não de forma tradicional, mas obtido
através de habilidades e versatilidades pessoais,
que contribuem para o aumento de riqueza das
empresas tornando-as mais produtivas,
eficientes e eficazes? Esses benefícios intangíveis
estão sendo discutidos sob o tema Capital
Intelectual. O que seria Capital Intelectual ?
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No XVI Congresso Brasileiro de
Contabilidade, vários trabalhos foram
apresentados sobre o assunto contendo idéias
e definições. Dentre as definições cita-se a de
Stewart que diz o “Capital Intelectual constitui
a matéria intelectual – conhecimento, informação,
propriedade intelectual, experiência – que pode
ser utilizada para gerar riqueza. É a capacidade
mental coletiva”. e a de Edvinsson & Malone
“Capital Intelectual é a soma do Capital Humano
e do Capital Estrutural. O Capital Humano
corresponde a toda capacidade, honestidade e
experiência individuais dos empregados. O
Capital Estrutural é formado pelo equipamento
de informática, banco de dados etc..”
Opinamos ser a agregação de valores
humanos que poderiam ser ativo ou passivo.
Passivo no sentido de Capital, capital não
monetário, mas Intelectual, constituindo recurso
da empresa, recurso esse, representado por
“talentos que são a sua maior e mais importante
riqueza”. Ativo por aplicar esse recurso na
obtenção de riqueza. Entretanto continuando o
trabalho de pesquisa sobre o assunto esse
pensamento poderá se modificar ou solidificar.
A contabilidade é mestra em vencer
desafios. Saiu da postura de guarda-livros,
passou por Técnico em Contabilidade, Contador,
e para manter-se atuante no mercado de trabalho
é imprescindível entendimentos diferenciados
quer no âmbito contábil quer em áreas afins,
torna-se necessário a educação continuada
através de participações em Eventos de classe,
de Cursos de Especialização, Mestrado,
Doutorado.
O leque de alternativas da profissão é
vasto e reconhecido como de utilidade pública.
Pode-se atuar dentre várias atividades
correlatadas como, Contadores da área Pública,
em evidência no momento face a Lei da
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Responsabilidade Fiscal, Superintendente de
Contabilidade ou de Central de Custos, Analista
Financeiro, Diretor Financeiro, Auditores Interno
ou Externo, Controller, Peritos Contábeis, ou
Cognitor, nova atividade definida pelo auditor
Irineu de Mula em entrevista ao Jornal do CFC
de março de 2001, como aquela em que é o
profissional, podendo no caso ser o Contador,
que faz a ligação entre as diversas áreas do
conhecimento.
O breve passeio pela Contabilidade
comprova que a Ciência Contábil não está
parada no tempo, ela acompanha os avanços
tecnológicos e as mudanças de postura que
ocorrem na sociedade, estando atenta ás
necessidades exigências do usuário do Novo
Milênio.
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