Evangelho segundo S. Mateus 17,1-9. – cf.par. Mc 9,2-13; Lc 9,28-36
Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e seu irmão João, e levou-os, só a eles, a
um alto monte. Transfigurou-se diante deles: o seu rosto resplandeceu como o Sol, e as suas
vestes tornaram-se brancas como a luz. Nisto, apareceram Moisés e Elias a conversar com
Ele. Tomando a palavra, Pedro disse a Jesus: «Senhor, é bom estarmos aqui; se quiseres, farei
aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» Ainda ele estava a falar,
quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra, e uma voz dizia da nuvem: «Este é
o meu Filho muito amado, no qual pus todo o meu agrado. Escutai-o.» Ao ouvirem isto, os
discípulos caíram com a face por terra, muito assustados. Aproximando-se deles, Jesus tocoulhes, dizendo: «Levantai-vos e não tenhais medo.» Erguendo os olhos, os discípulos apenas
viram Jesus e mais ninguém. Enquanto desciam do monte, Jesus ordenou-lhes: «Não conteis a
ninguém o que acabastes de ver, até que o Filho do Homem ressuscite dos mortos.»
S João Damasceno (c. 675-749), monge, teólogo, doutor da Igreja
Homilia sobre a Transfiguração do Senhor
"Eis que lhes apareceram Moisés e Elias que falavam com Ele"
"Uma núvem luminosa cobriu-os com a sua sombra" e os discípulos foram tomados de grande
temor vendo Jesus, o Salvador, com Moisés e Elias na núvem. Outrora, é certo, quando
Moisés viu Deus, entrou na núvem divina (Ex 24,18), dando assim a compreender que a Lei
era uma sombra. Escuta o que diz S. Paulo: "Na verdade, a Lei não era mais do que sombra
dos bens futuros, não a própria realidade" (He 10,1).
Nesse tempo, Israel "não tinha podido fixar os olhos na glória passageira do rosto de Moisés"
("Co 3,7). "Mas nós, com o rosto descoberto, reflectimos a glória do Senhor e somos
transformados de uma glória para uma glória ainda maior, pela acção do Senhor que é
Espírito" (v. 18). É por isso que a núvem que cobriu os discípulos com a sua sombra não
estava cheia de trevas mas de luz. Com efeito, "o mistério escondido há séculos e através das
gerações foi revelado" (Col 1,26) e a glória perpétua e eterna foi manifestada. Eis porque é
que Moisés e Elias, um de cada lado do Salvador, personificavam a Lei e os profetas. Aquele
que a Lei e os profetas anunciavam é, na verdade, Jesus, o dispensador da vida.
Moisés representa também a assembleia dos santos que outrora adormeceram (Dt 24,5) e
Elias, a dos vivos (2R 2,11), porque Jesus transfigurado é o Senhor dos vivos e dos mortos. E
Moisés entrou finalmente na Terra Prometida porque é Jesus que aí o conduz. Outrora,
Moisés tinha visto apenas de longe a herança prometida (Dt 34,4); hoje vê-a nitidamente.
„Eis meu Filho muito amado, escutai -O!“ – Mt 17,5
Jesus Cristo, luz da vida / companheiro na partilha / vem guiar nossas famílias / na sua
luta e dura lida!
1. O homem não vive somente de pão / mas de toda a palavra da boca de Deus.
2. Numa nuvem resplendente fez-se ouvir a voz do Pai: / „Eis meu Filho muito amado,
escutai -O, todos vós!“
3. Tanto Deus amou o mundo que lhe deu seu Filho único; / todo aquele que crer nEle há
de ter a vida eterna.
4. Se alguém quer Me seguir que venha atrás de Mim; / onde Eu estiver ali estará meu
servo.
Cantemos ….. n° 452
S. Leão Magno (? - c. 461), papa e doutor da Igreja
Sermão 51
"Este é o meu Filho bem-amado...; escutai-O!"
Os apóstolos, que precisavam de ser confirmados na sua fé, receberam no prodígio da
Transfiguração um ensinamento adequado para os levar ao conhecimento de todas as coisas.
Com efeito, Moisés e Elias, quer dizer, a Lei e os profetas, apareceram conversando com o
Senhor... Tal como diz S. João: "A Lei foi comunicada por Moisés; a graça e a verdade
vieram por Jesus Cristo" (1,17).
O apóstolo Pedro estava, por assim dizer, arrebatado em êxtase com o desejo dos bens
eternos; cheio de alegria com tal visão, desejava habitar com Jesus naquele lugar em que a
Sua glória, assim manifestada, o cumulava de júbilo. Por isso, diz: "Senhor, é bom estarmos
aqui; se quiseres, farei aqui três tendas, uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias".
Mas o Senhor não respondeu a esta proposta, querendo naturalmente mostrar não que aquele
desejo era mau mas que era deslocado. Porque o mundo só podia ser salvo pela morte de
Cristo e o exemplo do Senhor exortava a fé dos crentes a compreender que, sem que nos seja
permitido duvidar da felicidade prometida, é preciso, no meio das tentações desta vida, pedir
mais a paciência do que a glória, porque a felicidade do Reino não pode preceder o tempo do
sofrimento.
Foi por isso que, enquanto ele falava ainda, uma nuvem luminosa os envolveu e do meio da
nuvem uma voz proclamou: "Este é o meu Filho bem-amado, em quem pus todo o meu amor;
escutai-O"... "Este é o meu Filho, por Ele tudo foi feito e sem Ele nada foi feito" (Jo 1,3).
Tudo o que Eu faço, Ele o faz também; tudo o que Eu realizo, Ele o realiza comigo,
inseparavelmente, sem diferença (Jo 5,17-19)... Este é o meu Filho, que não se apropriou
ciosamente dessa igualdade que tinha comigo, não reivindicou o seu direito, mas, sem deixar
a minha glória divina, humilhou-se até à condição de servo (Fl 2,6sg), para cumprir o nosso
desígnio comum da restauração do género humano. Escutai pois sem hesitações Aquele que
tem toda a minha complacência, Aquele cuja doutrina me revela, cuja humanidade me
glorifica, porque Ele é a Verdade e a Vida (Jo 14,6). Ele é o meu poder e a minha sabedoria
(1Co 1,24). Escutai-O, a Ele que resgata o mundo com o seu sangue..., a Ele que abre o
caminho do céu pelo suplício da sua cruz.
«Um difícil amigo»; segundo Dom Geraldo Majella Agnelo
Cardeal arcebispo de Salvador e presidente da Conferência episcopal brasileira
SALVADOR, terça-feira, 14 de março de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos artigo de Dom
Geraldo Majella Agnelo, cardeal arcebispo de Salvador e presidente da CNBB (Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil), intitulado «Um difícil amigo». O texto foi enviado a Zenit
esta terça-feira pela assessoria do cardeal.
***
Um difícil amigo
Este segundo domingo da quaresma nos traz, nos relatos bíblicos, uma marca, um selo de
Deus que pode parecer chocante em nosso relacionamento com Ele: Deus é um difícil amigo!
Depois de ter manifestado, na transfiguração de Jesus: “Este é o meu Filho predileto”, “não
poupou o próprio Filho”, entregando-o à morte na cruz. E ao primeiro personagem do povo
eleito da Aliança pediu o sacrifício de seu filho Isaac.
O tema do amor de Deus é o centro da mensagem cristã, argumento fundamental da
revelação. Deus não revela o seu amor com ensinamentos teóricos; não dá a definição do
amor, mas oferece o testemunho de um Deus que ama, que está à procura do homem, quer
chamá-lo relacionar-se pessoalmente com ele, estreitar uma relação de amizade e de aliança.
Deus não somente ama, mas também quer ser amado. O amor de Deus parece exprimir-se
exatamente na força com que exige do homem resposta incondicional. Deus tomou a
iniciativa de oferecer o perdão do seu amor, quer porém que o homem o escolha, dê-lhe sua
preferência em tudo, e lhe permaneça fiel. Ele conhece nossas dificuldades, mas parece
multiplicar as mesmas em nosso caminho. Assim o significado do sacrifício de Isaac, na vida
de Abraão.
Ao chamamento de Deus, Abraão responde com fé: “Aqui estou!” Nessa simples palavra está
toda a vida do patriarca. Ele é servo de Deus, sempre pronto a obedecê-lo; é amigo de Deus.
Depositário feliz da promessa maravilhosa, em Isaac, será pai de uma multidão incalculável.
Nele, está todo seu futuro e de sua descendência. Nele se encarna a bênção divina que se
estenderá pelos séculos. Sua história tem esse ritmo: Deus disse, Abraão responde.
A fé de Abraão foi cultivada e amadurecida mediante a prova. É manifestação da confiança
em Deus, que fascina, mas é paradoxal, escapa a todo cálculo e previsão humana. Abraão
apóia-se somente sobre a palavra de Deus, sobre suas promessas. É o modelo de nossa fé e da
nossa resposta ao amor de Deus. Do sacrifício iniciado, Abraão retorna cheio de alegria com
Isaac, mantido vivo.
O sacrifício de Isaac é prenúncio do sacrifício de Cristo Jesus. Jesus tinha já anunciado aos
discípulos seu sofrimento na cruz, em Jerusalém. Os discípulos ficaram desconcertados, sem
compreender o desfecho trágico da missão de Jesus. Não tinham aprofundado o desígnio do
Pai que entrega seu Filho a morrer na cruz para salvar a humanidade; numa palavra, não
compreendiam como se pode salvar no desastre do calvário. Ainda não tinham captado o
modo de ser do amor de Deus, manifestado na morte de Cristo, escândalo para os Judeus,
loucura para os gregos.
O evangelho de hoje (domingo, 12 de março, ndr.) nos apresenta Pedro, João e Tiago como
testemunhas da revelação em que presenciam Jesus transfigurado, envolvido na glória de
Deus, chamado pelo Pai: “Este é meu Filho amado: escutai-o.” Esta revelação é destinada a
fazer os discípulos compreenderem o modo de agir do amor de Deus por nós e fortalecer sua
fé. O reinado de Deus, já presente com Jesus vindo com poder, é submetido à paixão,
vinculado à ressurreição.
A transfiguração é antecipação da ressurreição. Sua narração insere-se entre duas predições da
paixão. O próprio Jesus mostra sua glória no esplendor das vestes. Moisés e Elias, na aliança e
na profecia, tinham recebido revelações extraordinárias de Deus. Agora se apresentam como
testemunhas da glória de Jesus. O que para a antiga aliança era futuro esperado, agora está
presente e centraliza a história. A tradição situou a cena no monte Tabor, o novo Horeb ou
Sinai de Moisés e Elias. Transfigurar significa transformar. Deus que em Jesus Cristo
assumira a forma de escravo, assumindo a figura humana, humilhou-se. Pedro queria
perpetuar a experiência do Tabor. O testemunho do Pai mostra a pessoa de Jesus em quem se
deve crer, e seu ensinamento a ser posto em prática na vida.
A nós que temos ouvido o que Jesus ensinou e realizou, chegado até nós pela vivência cristã
de dois milênios, podemos tentar interpretar também nossa experiência pessoal. Cremos que,
com o batismo, Deus nos chamou à vida nova, diferente do modo de viver dos que se
identificam com o mundo de egoísmo, de falta de amor. Deus nos destina à glória,
prometendo a vitória sobre o mal e plenitude da felicidade. Somos provados pelos sofrimentos
e pela incerteza do futuro. É a condição de quem vive na fé, que se apóia na palavra de Deus.
Não devemos temer. Deus não poupou o próprio Filho. O amor de Deus não se limita a
palavras: faz o caminho dos fatos, dando-nos o seu único Filho que passou pela morte na cruz,
mas ressuscitou para sempre.
Dom Geraldo M. Agnelo
Cardeal Arcebispo de Salvador
ZP06031415
Santo Agostinho (354-438), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja
Sermão 78
“Nós ouvimos essa voz, que Lhe foi dirigida lá do Céu, quando estávamos com Ele no
monte santo”
“Senhor, que bom seria ficarmos aqui!” Cansado de viver no meio da multidão, Pedro
acabava de encontrar a solidão no alto do monte, onde a alma se alimenta de Cristo. Por que
haveria de deixar aquele lugar e voltar às fadigas e sofrimentos, já que ele ardia de amor santo
por Deus e, por isso mesmo santificava a sua vida? Queria aquela felicidade para ele, embora
acrescentasse: “Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para
Elias”…
Pedro desejava três tendas: a resposta vinda do Céu demonstrou que não temos
senão uma: o Verbo de Deus é o Cristo, o Verbo de Deus está na Lei, o Verbo
de Deus está nos profetas… No momento em que a nuvem os envolve a todos, e
formou, por assim dizer, uma única tenda sobre eles, dela saiu uma voz…
Aquele que a voz revelava é o mesmo em quem a Lei e os profetas se
gloriavam: “Este é o meu Filho muito amado, no qual pus o meu enlevo:
escutai-O”. Porque O escutastes nos profetas, O escutastes na Lei, e onde é
que não O escutastes? A estas palavras, os discípulos caíram por terra…
Ao caírem por terra, os discípulos são símbolo da nossa morte…, mas, ao
erguê-los, o Senhor simboliza a ressurreição. E, depois da ressurreição, de
que serve a Lei? De que serve a profecia? Desde esse momento, Elias
desaparece, e Moisés desaparece. O que resta é: “No princípio era o Verbo, e
o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1,1). Resta-te o Verbo para
que Deus seja tudo em todos (1 Co 15, 28) …
Desce, Pedro. Tu desejavas descansar no monte… e eis que o próprio Senhor te
diz: “Desce para sofreres e servires neste mundo, para seres desprezado e
crucificado neste mundo”. A vida desceu para ser levada à morte, o pão
desceu para suportar a fome; o caminho desceu para se cansar caminhando, a
fonte desceu para suportar a sede, e tu recusas-te a sofrer? Não procures o
teu proveito. Pratica a caridade, anuncia a verdade. Alcançarás, então, a
imortalidade, e, com ela, encontrarás a paz.
Pedro, o Venerável (1092-1156), abade de Cluny
Sermão da Transfiguração
«O Seu rosto resplandeceu como o sol» (Mt 17,2)
Que há de surpreendente no facto de o rosto de Jesus se tornar como o sol, se Ele próprio era
o sol? Ele próprio era o sol, mas escondido sob a nuvem. Agora a nuvem afasta-se e Ele
resplandece por um instante.
Que nuvem é essa que se afasta? Não é a carne, mas a fraqueza da carne, o que desaparece por
um momento. É a nuvem de que fala o profeta: «Eis que o Senhor montará numa nuvem
veloz» (Is 19,1); nuvem de carne que cobre a divindade, veloz porque não leva nenhum
pecado; nuvem que esconde o esplendor divino, veloz porque assume o esplendor eterno;
nuvem da qual se diz no Cântico: «sentei-me à sombra d'Aquele que desejo» (Ct 2.3), veloz
porque é a carne do Cordeiro que tira os pecados do mundo. Retirados estes, o mundo é
elevado à altura dos céus, deslastrado do peso de todos os seus pecados. O sol velado por esta
carne não é aquele que nasce para os bons e para os maus, mas «o sol de justiça» que nasce só
para aqueles que temem a Deus. Revestida dessa nuvem de carne, hoje a Luz que ilumina
todo o homem resplandeceu. Hoje Ela glorifica essa mesma nuvem de carne, mostrando-a
deificada aos Apóstolos, para que os Apóstolos a revelem ao mundo.
Pregador do Papa: Jesus não é uma abstração; está ressuscitado e vivo
Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a liturgia do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.
Raniero Cantalamessa, OFM cap., pregador da Casa Pontifícia, sobre a Liturgia da Palavra do
próximo domingo, II da Quaresma.
***
II Domingo da Quaresma
Gênesis 12, 1-4a; 2 Timóteo 1, 8b-10; Mateus 17, 1-9
Transfigurou-se diante deles
Por que a fé e as práticas religiosas estão em declive e não parecem constituir, ao menos para
a maioria, o ponto de força na vida? Por que o tédio, o cansaço, o incômodo ao cumprir os
próprios deveres de crentes? Por que os jovens não se sentem atraídos? Por que, em resumo,
esta monotonia e esta falta de alegria entre os crentes em Cristo? O episódio da transfiguração
nos ajuda a dar uma resposta a estes interrogantes.
O que a transfiguração significou para os três discípulos que a presenciaram? Até então
haviam conhecido Jesus em sua aparência externa, um homem não diferentes dos demais, de
quem conheciam sua procedência, seus costumes, seu tom de voz... Agora conhecem outro
Jesus, o verdadeiro Jesus, o que não se consegue ver com os olhos de todos os dias, à luz
normal do sol, mas que é fruto de uma revelação imprevista, de uma mudança, de um dom.
Para que as coisas mudem também para nós, como para aqueles três discípulos no Tabor, é
necessário que aconteça em nossa vida algo semelhante ao que ocorre a um rapaz ou a uma
moça quando se apaixonam. No namoro o outro, o amado, que antes era um entre muitos, ou
talvez um desconhecido, de repente se converte em único, o único que interessa no mundo.
Todo o resto retrocede e se situa em um fundo neutro. Não se é capaz de pensar em outra
coisa. Acontece uma autêntica transfiguração. A pessoa amada se contempla como em um
raio luminoso. Tudo parece belo nela, até os defeitos. A pessoa pode até se sentir indigna
diante do amado. O amor verdadeiro gera humildade. Algo muda também concretamente até
nos hábitos de vida. Conheci jovens a quem de manhã seus pais não conseguiam tirar da cama
para ir ao colégio; se encontravam um trabalho, em pouco tempo o abandonavam; ou
descuidavam dos estudos sem chegar a formar-se nunca... Depois, quando se enamoraram de
alguém e começam a namorar, de manhã pulam da cama, estão impacientes por finalizar os
estudos, se têm um trabalho, cuidam muito dele. O que ocorreu? Nada, simplesmente o que
antes faziam por constriçãoagora o fazem por atração. E a atração é capaz de fazer coisas que
nenhuma constrição consegue; ela coloca asas nos pés. «Cada um, dizia o poeta Ovídio, é
atraído pelo objeto do próprio prazer.»
Algo assim, dizia eu, deveria acontecer uma vez na vida para sermos verdadeiros cristãos,
convencidos, alegres por sê-lo. «Mas a menina e o menino podemos ver, tocar!» Respondo:
também a Jesus se vê e se toca, mas com outros olhos e com outras mãos: do coração, da fé.
Ele está ressuscitado e está vivo. É um ser concreto, não uma abstração, para quem teve esta
experiência e este conhecimento. Mais ainda, com Jesus as coisas são inclusive melhores. No
namoro humano há artifício, atribuindo ao amado qualidades das quais talvez carece e com o
tempo freqüentemente se está obrigado a mudar de opinião. No caso de Jesus, quanto mais se
conhece e se está do seu lado, mais se descobre novos motivos para estar enamorado d’Ele e
seguros da própria escolha.
Isso não quer dizer que se deva estar tranqüilos e esperar, também com Cristo, a clássica
«flechada». Se um rapaz, ou uma moça, passa todo o tempo fechado em casa sem ver
ninguém, jamais acontecerá nada em sua vida. Para namorar deve estar em contato! Se não
está convencido, ou simplesmente começa a pensar que talvez conhecer Jesus deste modo
diferente, transfigurado, é belo e vale a pena, então é necessário que comece a entrar em
contato, a ler seus escritos. Suas cartas de amor estão no Evangelho! É aí onde Ele se revela,
onde se «transfigura». Sua casa é a Igreja: é aí onde podemos encontrá-lo.
[Traduzido por Elison Santos / Revisado por Aline Banchieri]
Evangelho segundo S. Mateus 17,10-13.
Os discípulos fizeram a Jesus esta pergunta: «Então, porque é que os doutores da Lei dizem
que Elias há-de vir primeiro?» Ele respondeu: «Sim, Elias há-de vir e restabelecerá todas as
coisas. Eu, porém, digo vos: Elias já veio, e não o reconheceram; trataram-no como quiseram.
Também assim hão de fazer sofrer o Filho do Homem.» Então, os discípulos compreenderam
que se referia a João Baptista.
Sto. Ireneu de Lyon (c. 130 - c. 208), bispo, teólogo e mártir
Contra as heresias, III, 10-11
"Eu vos declaro: Elias já veio"
A propósito de João Baptista, lemos em Lucas: «Será grande diante do Senhor e trará muitos
filhos de Israel ao Senhor seu Deus. Caminhará diante d'Ele com o espírito e o poder de Elias,
a fim de preparar para o Senhor um povo com boas disposições» (Lc 1,15sg). Para quem
preparou ele um povo e diante de que Senhor é ele grande? Sem qualquer dúvida, diante
d'Aquele que disse que João tinha qualquer coisa «mais do que um profeta» e que «nenhum
de entre os filhos de mulher era maior do que João Baptista» (Mt 11,9.11). Porque João
preparava um povo anunciando antecipadamente a vinda do Senhor aos seus companheiros de
servidão e pregando-lhes a penitência para que, quando o Senhor estivesse presente, eles
estivessem em estado de receber o Seu perdão, de regressar Àquele de quem se tinham
afastado pelos seus pecados e transgressões... Por isso, ao trazê-los de volta para o Senhor,
João preparava para o Senhor um povo com boas disposições, com o espírito e com o poder
de Elias...
O evangelista João diz-nos: «Houve um homem enviado por Deus; o seu nome era João.
Tinha vindo como testemunha, para dar testemunho da Luz. Ele não era a Luz, mas vinha para
dar testemunho dela» (1,6-8). Esse precursor, João Baptista, que dava testemunho da Luz, foi
enviado sem dúvida alguma pelo Deus que... tinha prometido por meio dos profetas enviar o
Seu mensageiro diante de Seu Filho, para lhe preparar o caminho (Ml 3,1; Mc 1,2), quer dizer,
para dar testemunho da Luz com o espírito e com o poder de Elias... Precisamente porque
João é uma testemunha, o Senhor diz que ele é mais do que um profeta. Todos os outros
profetas anunciaram a vinda da luz do Pai e desejaram ser julgados dignos de ver Aquele que
pregavam. João profetizou como eles mas viu-O presente, mostrou-O e convenceu muitos a
crerem n'Ele, de tal forma que ocupou simultaneamente o lugar de profeta e o de apóstolo. Eis
porque é que Cristo diz que ele era «mais do que um profeta».
S. Afraate (?- c. 345), monge e bispo de Nínive, perto de Mossul no actual Iraque
Les Exposés, nº 6, 13
« Os discípulos compreenderam que lhes falava de João Baptista»
Nosso Senhor testemunha acerca de João que ele é o maior dos profetas, mas ele recebeu o
Espírito de forma moderada, pois João obteve um espírito semelhante ao que recebera Elias.
Tal como Elias permaneceu na solidão, assim o Espírito de Deus conduziu João a habitar no
deserto, nas montanhas e nas grutas. Um corvo voara em socorro de Elias para o alimentar;
João comia gafanhotos. Elias usava um cinto de pele; João usava uma tanga de pele à volta
dos rins (Mt 3,4). Elias foi perseguido por Jesabel; Herodíades perseguiu João. Elias
repreendera Acab; João repreendeu Herodes. Elias dividira as águas do Jordão; João iniciou o
Baptismo. O dobro do espírito de Elias depositou-se sobre Eliseu; João impôs as mãos sobre o
nosso Salvador, que recebeu o Espírito sem medida (Jo 3,34).
Elias abriu o céu e elevou-se; João viu os céus abertos e o Espírito de Deus descer e depositarse sobre o nosso Salvador.
Santo Ambrósio (V. 340-397), Bispo de Milão e doutor da Igreja
Elias e o jejum
«Caminhará diante de Deus com o espírito e o poder de Elias» (Lc 1, 17)
O que é o jejum, senão a imagem e a substância do Céu? O jejum é o reconforto da alma, o
alimento do espírito, o jejum é a vida dos anjos, o jejum é a morte do pecado, a destruição das
faltas, o remédio da salvação, a raiz da graça, o fundamento da castidade. Por esta escada
chega-se mais rapidamente junto de Deus; por esta escada, subiu Elias, antes de montar o
carro; ao partir para o céu, deixou ao seu discípulo esta herança da abstinência sóbria (cf 2R 2,
l5.) É nesta força e espírito de Elias que surge João. (Luc. L,l7)
Efectivamente, ele entregava-se ao jejum, e o seu alimento eram gafanhotos e mel selvagem
(Mat. 3,4); por esta razão, aquele que o tinha levado pelo domínio de si próprio sobre a
capacidade da vida humana foi considerado não como um homem, mas como um anjo. Nós
lemos a seu respeito «Ele é mais do que profeta. É aquele de quem se escreveu: Eis que envio
o meu anjo a preparar o caminho diante de ti»(Mt ll,9-10; Ex 23,20). Quem ser ia capaz, por
forças humanas, montar cavalos e carro de fogo, fazer um percurso através dos ares [como
Elias], senão aquele que tinha transformado a natureza do corpo humano pela força do jejum
que obtém a incorruptibilidade?
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja
Sermões sobre o Evangelho de S. João
«Ele irá adiante do Senhor com o espírito e o poder de Elias» (Luc 1,17)
«Afinal, porque dizem os escribas, ou seja os doutores da Lei, que Elias tem de vir primeiro?»
O Senhor responde-lhes: «Elias já veio, e eles fizeram-no sofrer tudo o que quiseram, e, se
desejais sabê-lo, é João, o Baptista.» No entanto, quando se interroga João, ele declara que
não é Elias nem é Cristo (Jo 1,20s)... Porque afirma ele então: «Eu não sou Elias», quando o
Senhor diz aos seus discípulos que ele é Elias? Nosso Senhor queria falar simbolicamente da
sua vinda gloriosa que havia de acontecer e dizer que João viera no espírito de Elias. O que
João foi para a primeira vinda, Elias será para a segunda. Há dois adventos para o Juiz; há
também dois precursores. O Juiz é o mesmo nos dois adventos, mas há dois precursores... O
Juiz tinha de vir primeiro para ser julgado; mandou adiante de si um primeiro precursor, e
chamou-lhe Elias, pois Elias será para o segundo advento aquilo que João foi para o primeiro.
Considerai, bem-amados irmãos, quanto esta explicação está fundada sobre a verdade. No
momento em que João foi concebido... o Espírito Santo fizera esta predição que deveria
cumprir-se nele: «Ele será o precursor do Altíssimo, no espírito e no poder de Elias» (Luc 1,
17)... Quem poderá entender estas coisas? Aquele que tiver imitado a humildade do precursor
e conhecido a majestade do Juiz. Ninguém foi mais humilde que este santo precursor. Essa
humildade de João constitui o seu maior mérito; ele poderia enganar os homens, passar por
Cristo, ser visto como Cristo, tão grandes eram a sua graça e a sua virtude, e contudo ele
declara abertamente: «Eu não sou Cristo. - És Elias?... – Não Sou Elias.»
Evangelho segundo S. Mateus 17,14-20. cf.pa. Mc 9,14-29; Lc 9,37-43
Quando eles chegaram perto da multidão, um homem aproximou se de Jesus, ajoelhou-se a
seus pés e disse lhe: «Senhor, tem piedade do meu filho. Ele tem ataques e está muito mal.
Cai frequentemente no fogo e muitas vezes na água. Apresentei-o aos teus discípulos, mas
eles não puderam curá-lo.» Disse Jesus: «Geração descrente e perversa! Até quando estarei
convosco? Até quando vos hei-de suportar? Trazei-mo cá.» Jesus falou severamente ao
demónio, e este saiu do jovem que, a partir desse momento, ficou curado. Então, os discípulos
aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe em particular: «Porque é que nós não fomos
capazes de expulsá-lo?» Disse-lhes Ele: «Pela vossa pouca fé. Em verdade vos digo: Se
tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: 'Muda-te daqui para acolá’, e ele
há-de mudar-se; e nada vos será impossível.
São Thomas More (1478-1535), estadista inglês, mártir
Diálogo do Conforto contra a Tribulação
«Creio! Ajuda a minha incredulidade» (Mc 9, 24)
«Senhor, aumenta-nos a fé!» (Lc 17, 6). Meditemos nas palavras de Cristo e compreendamos
que, se não permitíssemos que a nossa fé amornasse, ou mesmo que esfriasse, que perdesse a
força, fazendo devanear os nossos pensamentos por futilidades, deixaríamos de dar
importância às coisas deste mundo, juntaríamos a nossa fé num cantinho da alma.
Semearíamos então o grão de mostarda no jardim do nosso coração, depois de termos
arrancado todas as ervas daninhas, e a semente cresceria. Com firme confiança na palavra de
Deus, afastaríamos uma montanha de aflições; mas, se a nossa fé for vacilante, nem um
montinho de terra seremos capazes de deslocar. Para terminar esta conversa, dir-vos-ei que,
dado que o conforto espiritual pressupõe sempre uma base de fé, fé que só Deus nos pode dar,
não devemos cessar nunca de lha pedir.
S. Serafim de Sarov (1759-1833), monge russo
Conversa com Motovilov
"Tendes muito pouca fé"
"O Senhor está perto dos que o invocam. Não faz acepção de pessoas. O Pai ama o Filho e
entregou tudo nas suas mãos" (Sl 145,18; Rm 2,11; Jo 3,35). Desde que amemos
verdadeiramente o nosso Pai celeste como filhos, o Senhor escuta de igual modo um monge e
um homem do mundo, um simples cristão. Desde que ambos tenham a verdadeira fé, amem a
Deus do fundo do coração e possuam uma fé "grande como um grão de mostarda", "ambos
deslocarão montanhas". O próprio Senhor diz: "Tudo é possivel àquele que crê" (Mt 9,23). E
o santo apóstolo Paulo exclama: "Posso tudo em Cristo que me dá forças" (Fl 4,13). Mais
maravilhosas ainda são as palavras do Senhor a propósito dos que crêem nele: "Aquele que
acredita em mim fará também as obras que eu faço e fará ainda maiores, porque eu vou para o
Pai. Tudo o que pedirdes em meu nome, eu o farei, a fim de que o Pai seja glorificado no
Filho. Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu a farei" (Jo 14,12-14).
E é mesmo assim, ó amigo de Deus. Tudo o que pedirdes a Deus, obtê-lo-eis, desde que o
vosso pedido seja para glória de Deus ou para o bem do vosso próximo. Porque Deus não
separa o bem do próximo da sua glória: "Tudo o que fizerdes ao mais pequeno de entre vós, a
mim o fareis" (cf. Mt 25,45).
São Cirilo de Jerusalém (313-350), bispo de Jerusalém, doutor da Igreja
Catequese baptismal 5
“Aumenta a nossa fé” (Lc 17, 5)
A palavra “fé”, sendo um só vocábulo, tem um duplo significado. Com efeito, há um aspecto
da fé que diz respeito aos dogmas; trata-se do assentimento a determinada verdade. Este
aspecto da fé é proveitoso para a alma, conforme diz o Senhor: “Quem ouve a Minha palavra
e acredita Naquele que Me enviou tem a vida eterna” (Jo 5, 24)
Mas há um segundo aspecto da fé: a fé que nos é dada por Cristo como carisma,
graciosamente, como dom espiritual. “A um, o Espírito dá uma palavra de sabedoria; a outro,
uma palavra de ciência, segundo o mesmo Espírito; a outro, a fé, no mesmo Espírito; a outro,
o dom de curas, nesse único Espírito” (1Co 12, 8-9). Esta fé que nos é dada como graça pelo
Espírito Santo não é, pois, apenas a fé dogmática, antes tem o poder de realizar aquilo que
está para além das forças humanas. Quem possui esta fé, dirá a uma montanha: “Tira-te daí” e
ela tirar-se-á. Porque, quando alguém pronunciar esta palavra com fé, “sem vacilar em seu
coração, mas acreditando que o que diz se vai realizar” (Mc 11, 23), recebe a graça da sua
realização. É acerca dessa fé que se diz: “Se tivésseis uma fé do tamanho de um grão de
mostarda”. Com efeito, o grão de mostarda é minúsculo, mas encerra uma energia imensa;
semente minúscula, desenvolve-se a ponto de estender ramos compridos e de poder mesmo
abrigar as aves do céu (cf. Mt 13, 32). Assim também a fé realiza na alma as maiores façanhas
num piscar de olhos.
Quando se encontra iluminada pela fé, a alma representa Deus e contempla-O, na medida do
possível. Abarca os limites do universo e, antes do final dos tempos, avista já o juízo e o
cumprimento das promessas.
S.Tomás More (l478-l535), homem do Estado inglês, mártir
Diálogo de conforto na tribulação
«Eu creio! Ajuda a minha pouca fé!» (Mc. 9,24)
«Senhor, aumenta a nossa fé» (Lc l7,6). Meditemos nas palavras de Cristo e digamos: se não
permitirmos que a nossa fé amorne e até arrefeça e perca a sua força, dispersando os nossos
pensamentos em futilidades, cessaremos de dar importância às coisas deste mundo e
guardaremos a nossa fé num cantinho da nossa alma
Semeá-la-emos, então, como o grão de mostarda no jardim do nosso coração. Depois de
termos arrancado dele todas as ervas más, o embrião crescerá. Com uma firme confiança na
palavra de Deus deslocaremos uma montanha de aflições ao passo que, se a nossa fé for
oscilante, nem sequer um pequeno montículo se levantará. Para terminar esta conversação,
dir-vos-ei que, uma vez que o conforto supõe uma base de fé, e que ninguém no-la pode dar
senão Deus, jamais devemos cessar de a pedir.
Evangelho segundo S. Mateus 17,22-27. – cf.par. Mc 9,30-32; Lc 9,43-45
Estando reunidos na Galileia, Jesus disse-lhes: «O Filho do Homem tem de ser entregue nas
mãos dos homens, que o matarão; mas, ao terceiro dia, ressuscitará.» E eles ficaram
profundamente consternados. Entrando em Cafarnaúm, aproximaram-se de Pedro os
cobradores do imposto do templo e disseram-lhe: «O vosso Mestre não paga o imposto?» Ele
respondeu: «Paga, sim». Quando chegou a casa, Jesus antecipou-se, dizendo: «Simão, que te
parece? De quem recebem os reis da terra impostos e contribuições? Dos seus filhos, ou dos
estranhos?» E como ele respondesse: «Dos estranhos», Jesus disse-lhe: «Então, os filhos estão
isentos. No entanto, para não os escandalizarmos, vai ao mar, deita o anzol, apanha o primeiro
peixe que nele cair, abre-lhe a boca e encontrarás lá um estáter. Toma-o e dá-lho por mim e
por ti.»
Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão, doutor da Igreja
Comentário do Salmo 48, 14-15
"Os filhos estão livres"
Quando Cristo reconciliou o mundo com Deus, não precisava evidentemente de reconciliação
para si mesmo. Por qual dos seus pecados teria ele de apaziguar Deus, Ele que não cometera
nenhum? Por isso, quando os judeus lhe exigiram as duas dracmas exigidas pala Lei, Jesus
disse a Pedro: “Simão, de quem recebem os reis da terra o tributo e os impostos? Dos filhos
ou dos estranhos?” Pedro respondeu: “Dos estranhos”. Jesus replicou: « Portanto, os filhos
estão isentos. Mas para não os escandalizar, lança o anzol e abre a boca do primeiro peixe que
apanhes; encontrarás aí uma moeda de quatro dracmas: toma-a e dá-a por mim e por ti”.
Cristo mostra-nos assim que Ele não tinha nada a expiar por pecados pessoais, porque não era
escravo do pecado mas, como Filho de Deus, estava livre de qualquer falta. O filho estava
livre e o escravo em estado de pecado. Uma vez que está livre de tudo, Jesus não paga nada
pelo resgate da sua alma, Ele cujo sangue podia amplamente pagar a redenção dos pecados do
mundo inteiro. Ele tem o direito de libertar os outros, Ele que não tem qualquer dívida em seu
nome.
Mas eu vou mais longe. Cristo não é o único a não ter de pagar pela redenção ou pela
expiação de pecados pessoais. Se considerarmos qualquer homem crente, podemos dizer que
nenhum deve pagar pela sua própria expiação, porque Cristo expiou para a redenção de todos.
Santo Ambrósio (cerca de 340 - 397), bispo de Milão, doutor da Igreja
Carta 35, a Orontiano, 6, 13
“Os filhos estão isentos”
O apóstolo Paulo diz que a própria criação espera a revelação dos filhos de Deus (Ro 8,19).
Esta criação está agora entregue, contra a sua vontade, ao poder do nada; mas vive na
esperança. Porque ela espera que Cristo a ajudará pela sua graça a libertar-se da escravidão da
inevitável degradação e a receber a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Deste modo, haverá
uma só liberdade, para a criação e para os filhos de Deus, quando a glória destes se revelar.
Mas agora, enquanto essa revelação se fizer desejar, toda a criação geme esperando partilhar a
glória da nossa adopção e da nossa redenção (Ro 8,22)...
É evidente que as criaturas que gemem à espera da adopção têm em si os primeiros dons do
Espírito. Esta adopção dos filhos é a redenção do corpo na sua integralidade, quando ele, na
qualidade de filho adoptivo de Deus, puder ver face a face esse bem eterno e divino. Há já
adopção filial na Igreja do Senhor quando o Espírito exclama em nós: "Abba, Pai" (Ga 4,6).
Mas essa adopção será perfeita quando aqueles que forem admitidos a ver a face de Deus
ressuscitarem todos para a imortalidade, para a honra e para a glória. Só então poderemos
considerar a condição humana como verdadeiramente resgatada. É por isso que o apóstolo
Paulo ousa dizer: "Fomos salvos na esperança" (Ro 8,24). Com efeito, a esperança salva, tal
como a fé, da qual está dito: "A tua fé te salvou" (Mc 5,34).
São Paciano de Barcelona ( ? – c. 390), bispo
Homilia sobre o baptismo, 7
Libertados pelo Filho do Homem que se entrega às mãos dos homens
Todos os povos foram libertados, por Nosso Senhor Jesus Cristo, das forças que os
mantinham cativos. Foi Ele, sim, Ele, quem nos resgatou. Como diz o apóstolo Paulo:
«perdoou-nos todas as nossas faltas, anulou o documento que, com os seus decretos, era
contra nós; aboliu-o inteiramente, e cravou-o na cruz. Depois de ter despojado os Poderes e as
Autoridades, expô-los publicamente em espectáculo, e celebrou o triunfo que na cruz obtivera
sobre eles.» (Col 2, 13-15). Ele libertou os presos acorrentados e quebrou as correntes, como
David o dissera: «O Senhor salva os oprimidos, o Senhor liberta os prisioneiros, o Senhor dá
vista aos cegos». E ainda: «Senhor, quebraste as minhas cadeias, hei-de oferecer-te sacrifícios
de louvor» (Sl 145, 7-8; 115, 16-17).
Sim, ficámos libertos das correntes, nós que fomos reunidos ao chamado do Senhor pelo
sacramento do baptismo [...]. Fomos libertados pelo sangue de Cristo e pela invocação do seu
nome [...] Portanto, ó bem-amados, fomos para todo o sempre lavados pela água do baptismo,
para todo o sempre estamos libertos, para todo o sempre acolhidos no seu Reino imortal. Para
todo o sempre serão «Feliz aquele a quem é perdoada a culpa e absolvido o pecado» (Sl 31, 1;
Rm 4,7). Mantende com coragem o que haveis recebido, conservai-o para vossa felicidade,
não volteis a pecar. De ora em diante, conservai-vos puros e irrepreensíveis para o dia do
Senhor.
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Evangelho segundo S. Mateus 17,1-9.