CÂNCER
ENTREVISTA
Entrevista concedida a
Edmilson Silva
Futuro do tratamento do câncer aponta para o uso de supercélulas. Até lá, entretanto, os métodos tradicionais de prevenção não devem ser abandonados.
Um conjunto de doenças reduzidas a uma das mais
dolorosas simplificações taxonômicas que a literatura médica já foi capaz de criar, o câncer já não é mais sinônimo
de morte, mas tem ceifado a vida de bilhões e bilhões de
pessoas mundo afora.
A batalha contra o câncer não é nova nem tão cedo irá
acabar, graças aos estudos que não páram de ser desenvolvidos ou concluídos, em busca de ferramentas que
atuem na prevenção dos tumores, como é o caso dos
métodos de diagnósticos, cada vez mais sofisticados, graças à junção da biologia molecular e informática, por
exemplo, muitos casos de câncer já podem ser controlados e até curados.
Em outro flanco, a indústria farmacêutica aprimora-se mais e mais à custa de muito investimento em ciência e tecnologia, para criar drogas mais seguras contra esse grupo de doenças, em que a radioterapia e a quimioterapia continuam tão válidas quanto o auto-exame e a
busca de um especialista, tão logo se apresentem sintomas clássicos dessa patologia.
A tecnologia, aliada à divulgação quase que imediata de seus progressos, traz esperança
aos pacientes portadores da doença, que, no futuro, de acordo com o presidente da mais
conceituada entidade de assistência, pesquisa e ensino na área do câncer, o Inca - como é
conhecido o Instituto Nacional do Câncer - , Jacob Kligerman, terá um potente adversário em
um grupo especial de células. As supercélulas-tronco, como ele as chama nessa entrevista
para Biotecnologia.
“O desafio para o futuro na luta contra a doença consiste na seleção das células-tronco e
sua manipulação em laboratório, permitindo a expansão e utilização mais segura dessa
tecnologia. Estas células podem ser modificadas, permitindo a construção de supercélulas
capazes de reconhecer e destruir células tumorais. Células-tronco pluripotenciais para regenerar vários tipos de tecidos orgânicos poderão ser utilizadas ainda após tratamentos agressivos,
permitindo a recuperação do indivíduo após cirurgias mutilantes”, antecipa Kligerman.
Dr. Jacob Kligerman é oncologista e um dos maiores especialistas mundiais em tumores
da cabeça e do pescoço.
É também um dos organizadores do 2o Congresso Mundial da Federação Internacional das
Sociedades Oncológicas de Cabeça e Pescoço e do 8o Congresso Internacional de Câncer
oral, que será realizado no Rio de Janeiro, entre os dias 29 de novembro e 02 de dezembro
de 2002.
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
BC&D - A biotecnologia tem sido
uma boa companheira na luta
contra o câncer? Dê alguns exemplos dessa arma para a detecção
de tumores.
Kligerman - A ressonância nuclear
magnética (RNM) e a tomografia com
posítrons (PET) são métodos de imagem que podem vir a auxiliar na detecção precoce de tumores. É o caso, por
exemplo, da RNM na detecção precoce de tumores de mama em mulheres
jovens com mutação em brca1 e brca2,
que as colocam num patamar de risco
bem acima da população geral. Em
função da juventude, essas mulheres
possuem mamas densas, e a mamografia não é um método sensível o
suficiente para detectar lesões, nesses
casos. Os estudos, porém, estão nos
estágios iniciais e não se pode recomendá-los fora de um contexto de
pesquisa.
Outros dois tipos de exames - de
microarranjos (ou “microarrays”) e de
“proteomics” - são muito promissores.
Ambos se referem à caracterização
molecular dos tumores, mas o “microarrays” leva em consideração as alterações nos genes específicos para cada
tumor, possuindo a vantagem de analisar milhares de genes simultaneamente. Já o “proteomics” diz respeito
às proteínas individuais de cada tumor
e permite diagnosticar com maior precisão casos mais difíceis; prever respostas diferentes aos tratamentos administrados e, talvez, mais importante,
desenhar tratamentos direcionados baseado nessas informações. Porém todas essas possibilidades precisam ainda ter demonstrada a sua eficiência em
termos individuais e de saúde pública.
BC&D - Ainda há controvérsias
sobre o auto-exame de mama. Qual
é a sua opinião sobre ele?
Kligerman - Sabe-se que quanto mais
cedo for realizado o diagnóstico de um
tumor mamário, maior será a chance
de cura da mulher. O auto-exame
permite a detecção de tumor de mama
numa fase inicial, possibilitando tratamento mais eficaz. Apesar de estudos
não demonstrarem aumento de sobrevida com essa estratégia, trata-se de
modalidade com várias vantagens para
países como o Brasil: é barata; não
exige tecnologia para a sua realização
(apesar da necessidade da mesma nos
desdobramentos do método) e não
tem efeitos colaterais, salvo um eventual estresse emocional.
Assim, a realização regular do autoexame pela população feminina brasileira seria um avanço no sentido de
detecção de tumores menores do que
aqueles atualmente encontrados nas
consultas médicas.
BC&D - Há alguma terapia preventiva para o câncer em portadoras
de HPV, como o laser à base de
CO2 (gás carbônico) que vem sendo empregado no Hospital São
Luiz, em São Paulo, para o tratamento de lesões precursoras (do
câncer do colo uterino)?
“As linhas de pesquisa a serem
desenvolvidas prevêem a análise de
banco de dados genéticos, visando
ao estudo dos processos de gênese
e desenvolvimento de células
cancerosas e a modelagem de
biomoléculas, com aplicação prática
na área de Farmacologia”
Kligerman - Inicialmente deve-se entender que a infecção pelo HPV não
significa a necessidade de tratamento
imediato. Em 80% dos casos a infecção
pelo HPV é passageira e a eliminação
do vírus ocorre de forma espontânea,
cabendo apenas o controle citopatológico. Nos casos em que o HPV produz
uma infecção persistente, poderá ser
produzido algum tipo de lesão precursora de baixo ou alto grau de malignidade. Em qualquer dos casos, a repetição do exame citológico poderá diagnosticar a alteração do colo do útero e
a mulher será encaminhada para uma
colposcopia, que visualizará o colo
uterino através de uma lente de aumento. Na presença de lesão epitelial,
a mulher será submetida a algum tipo
de tratamento, de preferência não-
destrutivo, que permita o exame histopatológico do material. O laser à base
de CO2 pode ser utilizado como tratamento destrutivo do epitélio, ou, de
maneira mais precisa, como instrumento de excisão da lesão, utilização
em que seu uso é mais adequado. O
laser de CO2, porém, por ser uma
tecnologia cara, não é de fácil utilização em larga escala. Atualmente, o
tratamento preconizado em nível mundial para estes tipos de lesões préneoplásicas é a utilização de bisturis de
cirurgia de alta freqüência, mais baratos e de maior facilidade de utilização
no nível ambulatorial.
BC&D - O exame de captura híbrida para detecção do HPV é considerado mais eficaz que o exame
de Papanicolau. Isto é verdade? E
o primeiro já está disponível na
rede pública?
Kligerman - É bastante prematura a
afirmação de que a captura híbrida seja
mais eficaz do que o Papanicolaou,
pois somente este último foi utilizado
em larga escala e obteve resultados de
redução de mortalidade por esta doença. O Ministério da Saúde, depois de
amplas discussões em 2000, estabeleceu a realização de um estudo comparativo no âmbito do SUS, entre o rastreamento com a utilização da captura
híbrida e o exame de Papanicolaou.
Este estudo ainda está na fase de coleta
de dados e os resultados deverão ser
publicados no primeiro semestre de
2003. A captura híbrida, por não ser um
método estabelecido de resultados finais conhecidos, ainda não é um exame incluído como procedimento padrão no Sistema Único de Saúde , como
não é em nenhum outro país do mundo.
BC&D - Quantos protocolos de pesquisa estão sendo feitos atualmente no Inca e quantos pacientes
estão envolvidos neles?
Kligerman - Atualmente, o Inca tem
18 estudos clínicos em andamento, e a
expectativa para esse ano é ter entre
100 e 150 pacientes envolvidos neles.
BC&D - Freqüentemente se ouve
falar de novas tecnologias ou no-
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
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vas terapêuticas contra o câncer.
Quais as mais importantes e que já
estão disponíveis aos pacientes
assistidos pelo Inca? O Glivec (laboratório Novartis), por exemplo,
já está em uso na rede pública de
saúde brasileira?
Kligerman - O Inca tem padronizado
os medicamentos e outros insumos
médico-hospitalares que atendem suas
condutas institucionais. Desde outubro
de 2001, o tratamento da leucemia
mielóide crônica teve seu protocolo e
diretrizes terapêuticas estabelecidas
pelo Ministério da saúde, que definiu
todos os aspectos diagnósticos, terapêuticos e prognósticos dessa doença,
inclusive os procedimentos compatíveis com todos os tratamentos indicados para essa doença, entre os quais se
inclui Mesilato de Imatinibe (Glivec).
BC&D - Desenvolvido por pesquisadores do University of Mississipi
Medical Center, um teste com a
saliva é a mais nova arma para a
identificação precoce do câncer
de mama. Esse teste, que quantifica uma proteína chamada c-erb-2,
já está disponível no Brasil?
Kligerman - Artigos desde o início da
década de 90 abordam que a detecção
de proteínas presentes na saliva poderiam indicar a presença ou recidiva de
tumores, como o de mama. O conceito
é muito interessante: uma forma não
invasiva e um material de fácil obtenção. Entretanto, os estudos ainda estão
em estágio muito embrionários, havendo necessidade de o método ser utilizado em um maior número de pessoas, e,
principalmente, de uma comparação
com métodos já estabelecidos, antes
de se sugerir que essa é uma nova
forma de detecção precoce de tumor
de mama.
BC&D - Além da biotecnologia, a
informática tem se demonstrado
excelente parceira no desenvolvimento de métodos de diagnóstico
contra o câncer. Na área de informática, o que poderíamos destacar e o que estaria sendo desenvolvido pelos pesquisadores do Inca?
Kligerman - O Inca, desde o ano
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2000, desenvolve parcerias com o
LNCC (Laboratório Nacional de Computação Cientifica) e Faperj (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do
Rio de Janeiro) para a montagem de
um laboratório de Bioinformática no
Instituto. As linhas de pesquisa a serem
desenvolvidas prevêem a análise de
banco de dados genéticos, visando ao
estudo dos processos de gênese e
desenvolvimento de células cancerosas e a modelagem de biomoléculas,
“As células-tronco já são atualmente
utilizadas no tratamento de
leucemias e linfomas, pois
representam a forma mais antiga de
terapia celular, empregadas desde
os primórdios do transplante de
medula óssea.O desafio para o
futuro consiste na seleção destas
células e sua manipulação no
laboratório, permitindo a expansão
e utilização mais segura”
com aplicação prática na área de Farmacologia.
BC&D - É verdade que um dos
efeitos colaterais do tamoxifeno
seria o aumento do risco de câncer de útero?
Kligerman - É verdade. Considerando-se que uma em cada mil mulheres
pode, ao longo da vida, desenvolver
câncer de endométrio (o tecido interno do útero), o tamoxifeno aumenta
esse risco para duas a quatro em mil.
Em termos absolutos esse risco é desprezível em face dos benefícios. Vale
ressaltar que a maioria dos casos de
câncer de endométrio relacionados com
tamoxifeno têm um diagnóstico inicial,
por estarem as mulheres em contínua
assistência médico-hospitalar e, portanto, curáveis.
BC&D - Então, apesar disso, vale a
pena administrá-lo?
Kligerman - Sim. O seu papel é muito
importante no tratamento da doença
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
avançada e da doença inicial, ou
seja, com o câncer de mama já
instalado. O que não está estabelecido é o seu papel na prevenção de
câncer de mama. Nesse último cenário, o tamoxifeno é usado em
mulheres sem câncer de mama,
apenas com risco aumentado. Isso
se chama quimioprevenção. Até o
momento, os estudos não mostraram aumento de sobrevida das mulheres com essa indicação.
Os benefícios da administração profilática desta substância, por outro
lado, são muitos, como a redução do
risco de reciviva do câncer de mama
tratado em 50%, um índice que
poucas medicações alcançam no
tratamento do câncer de mama.
Outro benefício do tamoxifeno é o
aumento da densidade óssea, em
mulheres após a menopausa, e uma
melhoria do perfil lipídico.
BC&D - Acaba de ser divulgado
estudo, conduzido pela
Women´s Health Initiative, condenando a Terapia de Reposição Hormonal (TRH), principalmente pelo fato dos riscos
associados a ela de desenvolvimento de tumores nas usuárias.
O Sr. concorda com isso?
Kligerman - A reposição hormonal
deve ser considerada como um tratamento. Todo tratamento tem a
sua indicação e contra-indicação, além
de efeitos colaterais que devem ser
levados em consideração no momento da sua recomendação.
A reposição hormonal é eficaz na
prevenção de osteoporose e alívio
de sintomas da menopausa, como
fogachos e secura vaginal. Ao mesmo tempo, não mostrou benefício
em termos cardiovasculares, havendo até mesmo aumento de efeitos
cárdio e cérebrovasculares, e aumento do risco de câncer de mama.
Vale ressaltar que os estudos anteriores de caso-controle e coortes, que
sugeriam beneficio, caíram por terra
quando estudos prospectivos e aleatórios foram realizados. A recomendação deve ser avaliada caso a
caso. Em termos de saúde pública,
não parece ser tratamento prioritário.
BC&D - Além das tecnologias já
disponíveis nessa longa jornada
de luta contra o câncer, a terapia
com células-tronco poderia ser
mais um caminho contra os tumores?
Kligerman - As células-tronco já são
atualmente utilizadas no tratamento
de leucemias e linfomas, pois representam a forma mais antiga de terapia
celular, empregadas desde os primórdios do transplante de medula óssea.O
desafio para o futuro consiste na seleção destas células e sua manipulação
no laboratório, permitindo a expansão
e utilização mais segura. Estas células
podem ser modificadas permitindo a
construção de “supercélulas” capazes
de reconhecer e destruir células tumorais. Células-tronco pluripotenciais para
regenerar vários tipos de tecidos orgânicos poderão ser utilizadas ainda após
tratamentos agressivos, permitindo a
recuperação do indivíduo após cirurgias mutilantes.
BC&D - O aconselhamento genético é uma das estratégias para se
prevenir e, portanto, vencer o
câncer. Essa alternativa já está
democratizada?
Kligerman - Dispomos no Inca de
projeto piloto multidisciplinar de aconselhamento genético. O projeto já tem
dois anos e foi iniciado incluindo famílias com casos de câncer de mama e
ovário. Atualmente, no âmbito desse
projeto, já se avaliaram mais de 80
famílias, todas de doentes do Instituto.
Ao longo desse tempo, foram acrescidos o grupo de câncer hereditário coloretal e retinoblastoma.Os grupos de
estudo são compostos por membros
do Inca provenientes de diversas áreas
- oncologia, cirurgia, pesquisa básica,
psicologia, serviço social e enfermagem. Essa atividade tem sido importante no sentido de não só oferecer
uma prestação de serviço à população,
como na caracterização de alterações
genéticas específicas da população
brasileira, por vezes distintas da maioria daquelas publicadas nas literaturas
norte-americana e européia. No entanto, o aconselhamento genético é uma
área extremamente delicada, pois envolve informações extremamente si-
gilosas, que não podem ser divulgadas.
Assim, há necessidade de abordagem
multidisciplinar especializada e a testagem não pode ser encarada como um
simples exame. Além disso, até o momento, não há evidências de que a
detecção de mutação e as medidas
utilizadas de forma a prevenir o câncer
nessa população leve ao aumento da
sobrevida. Por isso, acreditamos que
ainda não seja o momento desta técnica ser colocada como opção de saúde
pública.
“.. Estas células podem ser
modificadas permitindo a construção
de “supercélulas” capazes de
reconhecer e destruir células
tumorais. Células-tronco
pluripotenciais para regenerar vários
tipos de tecidos orgânicos poderão
ser utilizadas ainda após tratamentos
agressivos, permitindo a recuperação
do indivíduo após cirurgias
mutilantes”
BC&D - O seu trabalho à frente do
INCA tem um forte significado de
democratização e ampliação no
atendimento, uma das razões pela
qual o Brasil acaba de ser incluído
entre os cinco países que se
destacam na luta contra essa
doença. Quais as principais razões
que levaram, a seu entender, a
chegar nesse patamar?
Kligerman - O Inca vem superando
obstáculos e desafios, no desempenho
do seu papel em todas as frentes da
prevenção e do controle do câncer.
Essas frentes compreendem as áreas
estratégicas em que o Inca atua: prevenção, pesquisa, formação e atualização de recursos humanos, e informação epidemiológica. Em 2001, o Inca
consolidou parcerias como jamais havia feito antes. O trabalho conjunto
com as Secretarias Estaduais de Saúde,
com a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária e com a Organização Mundial
da Saúde, apenas para citar algumas
entidades, foi fundamental na consolidação de programas e campanhas na-
cionais, a implantação do projeto Expande, com vistas a corrigir geográfica e tecnologicamente a oferta de
serviços de oncologia, a publicação
de medidas legislativas e a incorporação de novas técnicas para a regulamentação da composição, produção
e venda dos derivados do tabaco.
BC&D - Por que o câncer de colo
de útero ainda mata tantas mulheres no Brasil ?
Kligerman - Na realidade, entre os
cânceres mais mortais, o do colo do
útero ocupou a 11ª posição, em 1999,
representando 3,4% dos mais de 114
mil óbitos esperados para aquele ano,
no Brasil. Em 2002, a estimativa é de
que esse percentual chegue a 3,2%.
Esse percentual estabilizado é considerado natural para uma doença crônica, cujo perfil só se altera após anos
de tomadas as medidas de efetivo
controle.Por se tratar de uma doença
“silenciosa”, que só apresenta sintomas depois de instalada, o Inca investe na política de conscientização através de ações educativas que incentivam o exame preventivo, tendo como
público-alvo a população e os profissionais da saúde. Com as medidas que
vêm sendo tomadas desde 1998, através de um Programa Nacional de
Controle, certamente começaremos
a verificar a queda deste percentual
ou do número de mortes nos próximos anos. Fatores culturais, sociais,
econômicos e comportamentais também podem ser obstáculos ao controle desta doença, sobretudo, pelo início da atividade sexual antes dos 18
anos de idade; pluralidade de parceiros sexuais; fumo; falta de higiene e o
uso prolongado de contraceptivos
orais.
BC&D - Que nota o Sr. daria à luta
contra o câncer no Brasil ?
Kligerman - Nota sete, pois se fizemos muito, ainda temos muito a fazer.
O Brasil é grandioso em tudo, tanto
em necessidades, como em desafios.
E temos ainda de vencer a dependência tecnológica e a incorporação passiva do conhecimento gerado por
outrem, sem a adequação ao perfil do
nosso país.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
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Carta ao Leitor
O Câncer é uma das doenças mais pesquisadas hoje
em dia. Pesquisadores do mundo inteiro debruçam
sobre o problema, numa busca incessante para
desenvolver novos medicamentos e tratamentos. A
Revista Biotecnologia, dentro da proposta de divulgar
sempre assuntos que abordem os últimos avanços da
BIOTECNOLOGIA
Ciência & Desenvolvimento
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ciência, procura levar ao leitor as mais recentes
questões em torno desse tema. Na última edição
publicamos o artigo Genes e Câncer. Nessa edição
confira o artigo Terapia Gênica, e a entrevista com
Jacob Kligerman.
Dr. Henrique da Silva Castro
Nota: Todas as edições da Revista Biotecnologia Ciência &
Desenvolvimento estão sendo indexadas para o AGRIS
(International Information System for the Agricultural Sciences
and Technology) da FAO e para a AGROBASE (Base de Dados da
Agricultura Brasileira).
Departamento Comercial,
Redação e Edição:
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Os artigos assinados são de
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de seus autores.
ISSN 1414-4522
Impressão: Gráfica São Francisco
Fotolito: Ribelito
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
Colaboraram nesta edição:
Conselho Científico
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
Dr.
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Dr.
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Dr.
Aluízio Borém - Genética e Melhoramento Vegetal
Henrique da Silva Castro - Saúde;
Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia;
João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal;
Maçao Tadano - Agricultura;
Naftale Katz - Saúde;
Pedro Jurberg - Ciências;
Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas;
Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos;
William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental.
Conselho Brasileiro de Fitossanidade - Cobrafi
Dr. Luís Carlos Bhering Nasser - Fitopatologia
Fundação Dalmo Catauli Giacometti
Dr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética;
Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle Biológico;
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Dr. José Roberto Rogero
Sociedade Brasileira de Biotecnologia - SBBiotec
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Dr. Diógenes Santiago Santos - UFRGS
Dr. José Luiz Lima Filho - UFPE
Dra. Elba P. S. Bon - UFRJ
Adriane Pinto Wasko;
Alda Luiza Santos Lerayer;
Alexsander T. Carvalho;
Aluízio Borém;
Ana Carolina Sampaio Dória Chaves;
Bryan Eric Strauss;
César Martins;
Cláudio Oliveira;
Cristiano Almada Lobo;
Dirce Maria Carraro;
Edmilson Silva;
Eugênia Costanzi-Strauss;
Fábio Porto-Foresti;
Fausto Foresti;
Geisa Ribeiro Leitão;
Inês Conceição Roberto;
Janete Magali de Araújo;
Jeroen Hugenholtz;
João Paulo Kitajima;
José Fernando Thomé Jucá;
Jacob Kligerman;
Magno Antônio Patto Ramalho;
Marcelo Carnier Dornelas;
Marcio Camargo de Melo;
Marcio Luis Neves;
Marcio O. Lásaro;
Maria Lúcia P. Silva;
Nicole R. Demarquette;
Odilio B. G. Assis;
Rodrigo. A. M. Carvalho;
Solange Inês Mussatto;
Veruschka Escarião Dessoles Monteiro.
Entrevista
Jacob Kligerman
pág. 04
Pesquisa
Marcadores genéticos e sua aplicação na piscicultura
Seqüenciamento e bioinformática de genoma bacterianos
Tratamento de grãos por técnica de plasma a frio
Terapia gênica do câncer
Engenharia metabólica de ácido fólico
Produção biotecnológica de xilitol a partir da palha de arroz
Biologia molecular do desenvolvimento reprodutivo em Pinus
Escape gênico e impacto ambiental
Estudos de fitotoxicidade
Notícias
BioNotícias
pág. 12
pág. 16
pág. 22
pág. 26
pág. 30
pág. 34
pág. 40
pág. 44
pág. 48
pág. 54
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
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PESQUISA
Marcadores genéticos e sua
aplicação na piscicultura
Ilustrações cedidas pelos autores
Marcadores genéticos na piscicultura
César Martins, Dr.
Professor Assistente do Departamento de
Morfologia, Instituto de Biociências de Botucatu,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, [email protected]
Fábio Porto-Foresti, Dr.
Pós-doutorando do Departamento de Morfologia,
Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
[email protected]
Adriane Pinto Wasko, Dra.
Pós-doutoranda do Departamento de Morfologia,
Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
[email protected]
Geisa Ribeiro Leitão, Dra.
Professor Adjunto do Departamento de Genética,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
[email protected]
Cláudio Oliveira, Dr.
Professor Adjunto do Departamento de
Morfologia, Instituto de Biociências de Botucatu,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, [email protected]
Fausto Foresti, Dr.
Professor Titular do Departamento de Morfologia,
Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
[email protected]
Tecnologias de DNA
e suas aplicações
A última década do século XX representou um período particularmente excitante para a biologia. Novos
métodos de análises de proteínas, DNA
e RNA levaram a uma explosão de
informações que permitiram aos cientistas estudar as células e suas moléculas de forma mais detalhada. Essas
novas tecnologias têm permitido não
somente decifrar as informações, mas
também a maneira como os componentes moleculares interagem formando células e organismos complexos e
funcionais.
Até o início dos anos 70, o DNA era
uma molécula difícil de ser analisada
bioquimicamente. Hoje, graças à evolução das tecnologias de manipulação
do DNA, ela é uma das moléculas mais
fáceis de ser estudadas. Regiões específicas do genoma podem ser facilmente isoladas, propagadas em número inimaginável de vezes e sua se-
qüência nucleotídica pode ser conhecida em questão de horas. O desenvolvimento de duas tecnologias em particular, a restrição enzimática e a reação
em cadeia da polimerase (PCR, do
Inglês Polymerase Chain Reaction)
possibilitou avanços significativos na
manipulação do material genético.
Em 1962, W. Arber forneceu as
primeiras evidências da existência das
nucleases de restrição, enzimas bacterianas de clivagem de DNA que reconhecem seqüências curtas de bases e
fazem um corte na dupla hélice do
DNA. Sua função na célula bacteriana é
destruir DNAs estranhos que possam
ter entrado na célula. A tecnologia das
enzimas de restrição possibilitou o isolamento de fragmentos específicos de
DNA e sua posterior propagação em
vetores de clonagem, facilitando seus
estudos. Em 1985, K. B. Mullis e colaboradores inventaram a PCR, tecnologia que permite uma rápida e eficiente
amplificação de regiões específicas do
genoma. Mais precisamente, essa reação possibilita que uma região selecionada do genoma seja amplificada milhões de vezes, permitindo seu isolamento do resto do genoma. Particularmente, a tecnologia de PCR tem sido
amplamente aplicada na identificação
de marcadores de DNA úteis na aqüicultura e na conservação de estoques
naturais de espécies de peixes.
Marcadores genéticos aplicados
à produção de peixes em cultivo
Figura 1. Regiões organizadoras de nucléolos (RONs) detectadas com
nitrato de Prata (setas em a) e diferentes fenótipos cromossômicos para
RON encontrados em truta arco-íris (b). N1N1 - homozigoto normal; N1N2
- heterozigoto para a inversão; N2N2 - homozigoto para a inversão. Não
foram encontrados exemplares com o fenótipo cromossômico N2N2 no
estoque estudado e nos cruzamentos realizados
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
Marcadores morfogenéticos, geralmente associados a caracteres fenotípicos, e marcadores enzimáticos ou
bioquímicos, associados a múltiplas
formas moleculares de proteínas, representaram as abordagens iniciais que
foram usadas para analisar característi-
cas que refletem a composiAtravés desse monição genética de estoques de
toramento, foi possível
peixes. A simplicidade e o
identificar a existência
baixo custo da análise de elede exemplares com distroforese fizeram com que
tintos fenótipos cromosessa ferramenta fosse amplasômicos - N1N1 (homomente utilizada para a caraczigotos) e N1N2 (heteterização genética de espérozigotos), referentes a
cies, populações e/ou estoindivíduos com cromosques de peixes (May & Kruesomos com a NOR norger, 1990). Da mesma formal (N1) e portadores
ma, marcadores cromossômide inversão (N2), não
cos têm sido também utilizatendo sido encontrados
dos com grande sucesso em
exemplares com o feFigura 2. Cruzamento induzido envolvendo matrizes
estudos de populações natunótipo cromossômico
heterozigotas (N1N2), que deveria resultar em 25% de
rais, assim como no manejo
N2N2 (Fig. 1b), a condiindivíduos N2N2 no lote da geração F1. Não foram
de estoques em cultivo.
ção homozigota para a
encontrados exemplares com o fenótipo cromossômico
Os progressos no melhoinversão (Porto-Foresti et
N2N2 nas amostras estudadas
ramento genético de peixes
al., in press). Segundo
cultivados têm sido foco de
os autores, entende-se
discussões e revisões durante a última veis de ploidia dos produtos dos cruza- que os cruzamentos envolvendo madécada (Hulata, 2001). Os objetivos mentos interespecíficos que, em prin- trizes heterozigotas para o caráter estêm visado a aumentar a produção de cípio, poderiam resultar em indivíduos tudado deveriam resultar em 25% de
novas linhagens, o desenvolvimento ginogenéticos, androgenéticos, triplói- indivíduos N2N2 no lote da geração F1
de tecnologias modernas, incluindo ma- des, tetraplóides e híbridos diplóides.
(Fig. 2). Sendo letal, essa condição
nipulação sexual e cromossômica, a
Até recentemente, os estudos cito- provocaria, conseqüentemente, a percriopreservação de gametas, a obten- genéticos de peixes eram considera- da de 25% do total de indivíduos neste
ção de indivíduos transgênicos e o dos como sendo de grande interesse tipo de cruzamento, que é considerada
mapeamento genômico. Os conheci- básico e as novas tecnologias desen- expressiva em nível de produção nesmentos sobre marcadores de DNA volvidas na área confirmam um papel sa espécie de peixe, pelo seu valor
evoluíram do seu estado experimental de grande significância para a citoge- econômico.
e estão sendo atualmente incorpora- nética atualmente. Desses estudos,
Por outro lado, cruzamentos envoldos à aqüicultura de forma prática e destaca-se o programa de monitora- vendo matrizes N1N1 e N1N2, dos
eficiente.
mento citogenético em truta arco-íris quais resultam lotes de trutas 50%
(Oncorhynchus mykiss), através da N1N1 e 50% N1N2 (Fig. 3), demonsMarcadores Cromossômicos
aplicação da metodologia de identifi- traram uma maior taxa de sobrevivêncação das regiões organizadoras de cia na geração F1, pelo fato de não
Marcadores cromossômicos vêm nucléolos (RONs) com coloração com levarem à formação de indivíduos
N2N2, o que seria interessante do
sendo utilizados e aplicados em proje- nitrato de Prata (Fig. 1a).
ponto de vista da produção.
tos de Piscicultura, envolAssim, os indivíduos N1N2
vendo principalmente o
do atual estoque não devericontrole dos cruzamentos.
am ser necessariamente desOs dados citogenéticos
cartados e, sim, uma vez idensão úteis na caracterizatificados e marcados, poderição de espécies crípticas
am ser utilizados normalmene raças cromossômicas, a
te como matrizes, desde que
fim de prevenir possíveis
fossem cruzados apenas com
insucessos nos cruzamenparceiros homozigotos
tos, devido a incompatibi(N1N1).
lidades genéticas que posA utilização de marcadosam surgir. Por outro lado,
res citogenéticos como o
a citogenética também
número e a fórmula cariotípipode auxiliar na identifiFigura 3. Cruzamento induzido envolvendo matrizes
ca, de marcadores das RONs
cação de bancos genétihomozigotas (N1N1) e matrizes heterozigotas (N1N2),
e de outras metodologias de
cos de espécies utilizadas
demonstraram uma maior taxa de sobrevivência na gerabandamentos cromossômiem piscicultura e ainda
ção F1, pelo fato de não levarem à formação de indivíduos
cos, podem ter grande imem projetos de hibridaN2N2
portância em trabalhos de
ção, nos quais é importanmelhoramento genético, mate a identificação dos níBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
13
nipulação cromossômica ou
como simples marcadores aplicados em programas de piscicultura.
dados mais informativos, como
também a avaliação do potencial de cada técnica individualmente (Ward, 2000).
Apesar da potencialidade das
Marcadores de DNA
análises de RAPD e de microssatélites, ainda existem poucos esRecentemente, marcadores
tudos envolvendo esses marcamoleculares do genoma nuclear
dores moleculares em peixes
(nDNA), junto com padrões de
Neotropicais. A estimativa da
DNA mitocondrial (mtDNA), têm
magnitude e de distribuição da
sido considerados ferramentas
variação genética é crítica em
importantes e potenciais em esestudos de estrutura populaciotudos relacionados com a estrunal, conservação e cultivo e as
tura de populações de peixes,
aplicações de marcadores RAPD
uma vez que esses tipos de
e de microssatélites em pisciculanálises são úteis na detecção
tura podem também incluir o
de polimorfismos e fornecem
monitoramento de alterações na
informações seguras sobre os
variabilidade genética, como conníveis de variabilidade e similaseqüência de estratégias diferidade entre distintas popularentes de cruzamento, e estimações ou estoques. A detecção
tivas de parentesco entre potende variabilidade através do geciais reprodutores.
Figura 4: Gel de agarose mostrando padrões de
noma nuclear começou com o
Nos últimos anos, programas
RAPD para indivíduos pertencentes a um estoque de aquacultura têm dado elevauso da restrição enzimática, por
cultivado e indivíduos provenientes de um estoque da importância às avaliações
meio de análises de polimorfisda natureza de Brycon cephalus. Em destaque, genéticas, com vistas não somo de fragmentos de DNA gebandas/alelos que se apresentam monomórficas no mente a ampliar a produção
rados por restrição enzimática
estoque de cultivo e polimórficas no estoque da como também a manter a diver(RFLP, do Inglês Restriction
natureza
Fragment Length Polymorsidade genética dos estoques.
phism) (Grodzicker et al., 1974).
Estudos genéticos envolvendo
Posteriormente, com o advento
marcadores RAPD vêm sendo
da PCR (Mullis & Faloona, 1987), diver- tados à aqüicultura e ao cultivo de utilizados com sucesso na avaliação
sos outros marcadores moleculares tor- peixes, buscando a caracterização e a dos níveis de diversidade genética de
naram-se disponíveis, incluindo seqüên- identificação de espécies, populações diferentes estoques naturais e cultivacias repetitivas de DNA como minissa- e híbridos, determinação de estruturas dos de Brycon cephalus (Fig. 4), espétélites (Jeffreys et al., 1985) e micros- populacionais, identificação de linha- cie de peixe popularmente conhecida
satélites ou repetições de seqüência gens, determinação da variação gené- como matrinchã da Amazônia e de
simples (SSR, do Inglês Simple Se- tica em populações selvagens e culti- grande importância econômica no Braquence Repeats) (Litt & Luty, 1989), e vadas, avaliação do impacto genético sil. Como esperado, tem sido verificaamplificação ao acaso de polimorfismo da introdução de peixes cultivados em da uma considerável redução na variade DNA (RAPD, do Inglês Random populações naturais, determinação de bilidade genética de estoques cultivaAmplified Polymorphic DNA) (Willia- estratégias para fins de criação e repo- dos da espécie. Os resultados obtidos
ms et al., 1990; Welsh & McClelland, voamento e localização de marcadores parecem refletir uma prática comum
1990). Os marcadores de microssatéli- ligados a genes envolvidos com carac- em diversos programas de cultivo de
tes e RAPD, por apresentarem altos teres de interesse econômico (Carva- peixes, em que um pequeno número
níveis de polimorfismo, têm sido roti- lho & Hauser, 1998).
de exemplares é utilizado como reproneiramente utilizados em estudos geMarcadores RAPD e microssatélites dutores, obtendo-se sucesso reprodunéticos que envolvem diferentes es- têm sido rotineiramente utilizados em tivo com apenas alguns casais geralpécies de peixes.
diversas espécies de peixes, por pos- mente não identificados geneticamensuírem atributos que os tornam favorá- te e aplicando-se estratégias reproduMarcadores RAPD e
veis para estudos de conservação e tivas não padronizadas. Esse manejo
Microssatélites
diversidade genética - são abundantes inadequado leva ao empobrecimento
e apresentam altos níveis de polimor- genético dos estoques, podendo comCom o desenvolvimento de novas fismo. Além disso, análises comparati- prometer o sucesso no cultivo. Os
metodologias que empregam marca- vas envolvendo esses marcadores em dados levantados são de extrema imdores de DNA aliadas às técnicas de conjunto, vêm se tornando cada vez portância para a elaboração de melhoclonagem e seqüenciamento, vários mais comuns nesses organismos, o que res estratégias de manejo da reproduestudos vêm sendo desenvolvidos vol- permite não somente a obtenção de ção e para a conservação da biodiver14
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
Figura 5: Gel de poliacrilamida mostrando a distribuição de alelos de um microssatélite em truta arco-íris.
Excetuando o indivíduo 1, que é homozigoto, todos os indivíduos restantes são heterozigotos. M, marcador de
peso molecular de 10 pares de bases; 1-16, indivíduos analisados
sidade da espécie.
Com relação aos microsatélites,
foram realizadas análises envolvendo
exemplares de quatro estoques cultivados de truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss) e de um estoque capturado na natureza (resultado de um
programa de propagação da espécie
em rios brasileiros desenvolvido na
década de 60), utilizando seis locos
de microssatélites. Destes, apenas um
se mostrou monomórfico, sendo que,
para os outros cinco, o número médio
de alelos por loco polimórfico foi de
8,6, variando de 6 a 26 alelos (Fig. 5).
A heterozigosidade estimada variou
de 0,47 a 0,96, com um valor médio
de 0,74. Verifica-se, pois, que, pelas
análises realizadas, as estimativas de
diversidade genética revelam uma
maior variação dentro dos estoques
(93%), enquanto que entre estes foi
baixa (7%). Esses resultados coincidem com valores relatados por Hershberger (1992), para a mesma espécie. Do mesmo modo, Carlsson et al.
(1999) estudando truta marrom, relataram que 96,1% da diversidade total
(HT) foi devida à diversidade dentro
das populações e apenas 3,9% da
diversidade entre populações.
Todas as estimativas relativas à
diferenciação genética (FST) entre os
pares de estoques foram significativas (P<0,01). Essas observações são
bastante importantes, pois permitirão
o desenvolvimento de estudos futuros envolvendo o cruzamento de indivíduos dos diferentes estoques, visando ao incremento da heterozigose
da espécie e possibilitando a formação de estoques sensíveis à aplicação
de técnicas de melhoramento genético.
Agradecimentos
Os autores agradecem à FAPESP
(Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo) e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico) pelos auxílios financeiros concedidos.
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1990.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
15
Seqüenciamento e Bioinformática de
Pesquisa
Genomas Bacterianos
Ilustrações cedidas pelos autores
Estratégia para seqüenciamento completo de genomas bacterianos
Dirce Maria Carraro, PhD
Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o
Câncer
São Paulo – SP
[email protected]
João Paulo Kitajima, PhD
Alellyx Applied Genomics
Campinas – SP
[email protected]
primeiro organismo a ter
seu genoma completamente seqüenciado foi
a bactéria Haemophilus
influenzae, cujo trabalho foi concluído em 1995 por um
grupo do TIGR (The Institute for Genomic Research) nos Estados Unidos.
Foi utilizada a estratégia de seqüenciamento genômico completo por fragmentos aleatórios de DNA, eliminando
assim a necessidade de abordagens de
mapeamento genômico (Fleischmann
et al. 1995). A capacidade de seqüen-
Figura 1: A) Representação simplificada de reação de seqüenciamento.
dNTPs: representados em verde, ddNTP: representados em vermelho,
amarelo, azul e verde limão B) Representação da separação por tamanho dos supostos fragmentos gerados pela adição de ddNTP na reação
de polimerização
16
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
ciar genomas bacterianos completos
usando essa estratégia, acoplada a métodos computacionais de algoritmos
que auxiliam a montagem, incrementou o número de genomas bacterianos
seqüenciados nos bancos de dados.
Hoje, sete anos depois da publicação
do primeiro genoma completo, temos
pelo menos 60 genomas microbianos
concluídos (http://www.tigr.org/tdb/
mdb/mdbco-mplete.html) e mais de
uma centena em andamento (http://
www.tigr.org/tdb/mdb/mdbinprogress.
html). Os programas de predição gênica, utilizados com muita eficiência em
genomas bacterianos, associados à anotação funcional, têm trazido informações importantes do ponto de vista
biológico. Além disso, a análise comparativa de genomas bacterianos tem
contribuído para a identificação de mecanismos adaptativos e tem permitido
inferências nos aspectos evolutivos
dessas formas de vida.
Estima-se que as seqüências contidas nos bancos de dados representem
250.000 genes preditos (Fraser & Dando, 2001), os quais devem contribuir
nos estudos de doenças infecciosas e
também na compreensão dos mecanismos de instalação de doenças em
vegetais. Em 2001, o Brasil incorporouse à era genômica com a publicação da
seqüência completa do genoma da
bactéria Xylella fastidiosa, causadora
do amarelinho em culturas de citros
(CVC – Citrus Variegated Chlorosis)
(Simpson et al. 2000). Esse foi o primeiro fitopatógeno no mundo a ser
seqüenciado completamente. Depois
disso, pelo fato de o Brasil movimentar
uma grande parcela de sua economia
em produtos agrícolas, foi colocado
grande interesse na elucidação de outros genomas de patógenos de culturas
de interesse nacional como cana-deaçúcar, citros e outros. Dessa forma,
outras bactérias tiveram seus genomas
seqüenciados completamente por grupos de cientistas brasileiros, como dife-
rentes cepas de Xanthomonas citri,
bactéria causadora do cancro cítrico
(da Silva et al. 2002), outras cepas de
Xylella fastidiosa que infectam especificamente outras culturas (finalizado;
artigo submetido a publicação) e Leifsonia xyli subsp. xyli, causadora do
carvão da cana-de-açúcar (finalizado;
artigo em preparação). Todos esses
projetos foram total ou parcialmente
financiados pela FAPESP (Fundação de
Amparo a Pesquisa do Estado de São
Paulo) em parceria com outros grupos
da iniciativa privada, especialmente
empresas de interesse agrícola. A análise comparativa dos diferentes genomas de patógenos de plantas trará
informações importantes na elucidação de mecanismos de instalação da
doença em vegetais e também na
identificação de novos agentes envolvidos nesse processo. Além disso, informações importantes estão sendo
atribuídas a mecanismos específicos
de interação entre patógeno-hospedeiro.
O sucesso desse empreendimento por parte da FAPESP lançou interesse de outras instituições a financiar
projetos desse tipo. O primeiro projeto de âmbito nacional financiado pelo
CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)
e pelo MCT (Ministério da Ciência e
Tecnologia) foi o seqüenciamento da
bactéria Chromobacterium violaceum,
que possui compostos com propriedades terapêuticas e antitumorais (Duran
et al. 2001).
Nesta revisão nós abordaremos uma
estratégia utilizada para seqüenciamento completo de microrganismos procariotos, tanto no que concerne à técnica
de seqüenciamento e elaboração de
bibliotecas de fragmentos aleatórios
de DNA, quanto aos recursos bioinformáticos necessários, a saber: programas especiais de montagem, de predição de genes e de anotação funcional.
Seqüenciamento de DNA
Desde a primeira evidência, em
1944, em estudos com Pneumococcus, obtida por Avery, McLoad e McCarty, de que a molécula de DNA era
a responsável pela transferência da
informação genética de uma geração
para outra, muitos estudos foram conduzidos para compreender sua composição e estrutura. Várias evidências
obtidas naquela época levaram à conclusão de que o DNA é uma molécula
Figura 2: Esquema simplificado das etapas para elaboração de bibliotecas
de DNA genômico
longa e fina, composta de 4 diferentes
tipos de moléculas chamadas nucleotídeos. Cada nucleotídeo contém um
grupo fosfato, uma desoxiribose (açúcar) e uma base nitrogenada, a saber:
adenina, timina, citosina e guanina. Os
resultados obtidos pelos estudos de
raio-X realizados por Rosalind Franklin
e Maurice Wikins levaram Watson e
Crick, em 1953, a decifrarem a estrutura de dupla hélice dessa molécula. A
determinação de sua estrutura e da
complementaridade de suas fitas lançou bases para que se compreendesse
como essa molécula poderia ser duplicada e, dessa forma, como a informação genética poderia ser transferida de
uma geração para outra, mantendo,
portanto, a característica semiconservativa. A partir dessas descobertas, a
comunidade científica concentrou
muitos esforços a fim de desvendar a
informação genética contida na molécula da vida.
O método mais utilizado para identificação das bases do DNA é o método
de terminação da cadeia, também conhecido como método de Sanger (Sanger et al. 1977). Esse método é baseado na capacidade da enzima DNA
Polimerase estender a cadeia polinucleotídica a partir de um iniciador ancorado por complementaridade em uma
das fitas (fita molde). Como as fitas de
DNA são complementares (A:T e C:G),
a partir do molde, a enzima vai adicionando o nucleotídeo complementar
necessitando do grupo hidroxila livre
(OH) na posição 3’, componente do
desoxinucleotídeo anterior (dNTP).
Para identificar a seqüência de uma
molécula de DNA, é necessário adicionar a essa reação altas concentrações
de nucleotídeos que interrompam a
polimerização da cadeia, que são denominados didesoxinucleotídeo (ddNTP) – que são nucleotídeos em que a
pentose perdeu o grupo hidroxila da
posição 3’ (OH) necessário à continuidade da polimerização da cadeia. Durante os ciclos de polimerização, os
ddNTPs vão sendo incorporados aleatoriamente, produzindo fragmentos de
tamanhos diferentes. A mistura de
fragmentos é submetida a uma eletroforese para separação por tamanho.
Os diferentes ddNTPs apresentam
marcas passíveis de reconhecimento.
Em seqüenciadores automáticos, os
diferentes ddNTPs são ligados a moléculas fluorescentes denominadas cromóforos, que quando estimuladas por
raio laser, emitem diferentes comprimentos de ondas, sendo reconhecidas
por programas apropriados e convertidas a determinada base nitrogenada
(A, T, G ou C) (Figura 1).
Com a automatização da técnica de
seqüenciamento e com o advento da
Bioinformática (disciplina que funde a
biologia com a informática), foi possível automatizar a fase de geração de
seqüências, produzindo-as em larga
escala e digitalizando-as para o computador. Programas apropriados, capazes de processar os dados e de montar
e anotar os genomas, foram desenvolvidos para facilitar o acesso e a dispo-
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
17
Figura 3: O diagrama representa esquematicamente um exemplo de pipeline de montagem e de anotação de um
genoma bacteriano. Diferentes laboratórios de seqüenciamento enviam seqüências para a bioinformática. Montagens
são realizadas e um acompanhamento da evolução dos contigs pode ser acompanhada via Web. Os contigs podem
ser anotados, primeiro identificando-se as ORFs e depois comparando estas ORFs com bancos de seqüências, em
geral públicas e conhecidas, para determinação de função. Anotadores humanos podem intervir na anotação automática via Web
nibilização de todas as informações
durante o processo.
Etapas básicas para seqüenciamento de genomas bacterianos
Para seqüenciar completamente um
genoma microbiano, primeiramente é
necessário isolar o DNA do organismo
em questão e elaborar bibliotecas de
DNA genômico para servirem como
molde para o posterior seqüenciamento. O fato de genomas bacterianos
apresentarem um percentual relativamente baixo de seqüências repetitivas
(em torno de 3%), torna possível fragmentar totalmente o DNA do organismo de interesse em pedaços de tamanhos variados, dispensando assim a
necessidade de mapeamento físico
prévio. Esse tipo de abordagem é
denominado “seqüenciamento genômico completo por fragmentos aleatórios” (Whole Genome Shotgun Sequencing). Essa estratégia é empregada
para seqüenciar pedaços de DNA que
são longos demais para o seqüencia18
mento direto. A teoria shotgun está
baseada na possibilidade de as seqüências aleatórias se sobreporem, formando seqüências contíguas. O número de
clones a serem seqüenciados depende
do tamanho do genoma em questão.
Vários modelos matemáticos e estatísticos foram desenvolvidos e estima-se
que uma cobertura de 10 vezes o
tamanho do genoma consiga representar 99% da seqüência completa
(Weber e Myers, 1997). Esses valores
dependem de vários fatores, como a
qualidade da biblioteca, no que concerne ao tamanho e à arbitrariedade
dos insertos.
Elaboração de bibliotecas de
fragmentos aleatórios de DNA
genômico
Depois de isolado o DNA genômico, este é submetido à fragmentação
por métodos preferencialmente mecânicos, a saber: sonicação ou nebulização. Esses métodos são vantajosos
em relação à fragmentação por restri-
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
ção enzimática, por apresentarem um
caráter mais randômico. O produto obtido pela fragmentação deve ser separado por tamanho para evitar a clonagem
de fragmentos pequenos, conforme esquema apresentado na Figura 2. Essa
separação pode ser feita através de gel
de agarose para extração e purificação
dos fragmentos de DNA no tamanho
desejado, que podem variar de 1 a 4
Kbp (1 Kpb = 1.000 pares de bases), a
depender da estratégia adotada. O produto da fragmentação deve ser submetido ao reparo das extremidades com
utilização de enzimas de modificação
apropriadas, que têm o objetivo de
tornar as extremidades abruptas e passíveis de serem clonadas em vetores
especiais (plasmídeos). Os fragmentos
devem ser ligados enzimaticamente em
um sítio de ligação conhecido do plasmídeo. O produto de ligação é então
introduzido em linhagens apropriadas
de bactérias por um processo denominado de transformação. Nessa etapa,
teremos uma mistura de bactérias transformadas (que receberam o plasmídeo)
e não transformadas (que não receberam o plasmídeo), que devem ser
separadas. Esses plasmídeos carregam
genes marcadores (normalmente genes que conferem resistência a antibiótico) que têm a função de selecionar
as bactérias transformantes. Assim, pelo
crescimento em meio de cultura sólido
com antibiótico, somente as bactérias
transformantes serão capazes de crescer e formarão colônias. As colônias
transformantes são então inoculadas
individualmente em meio de cultura
líquido para sofrerem multiplicação.
Cada transformante traz um fragmento
aleatório do DNA genômico do organismo em questão. Nessa etapa, os
fragmentos podem ter sua seqüência
decifrada por estarem clonados em
plasmídeos de seqüências conhecidas.
Assim, a cultura de colônia individualizada de transformante é submetida à
extração de plasmídeo e este é submetido à reação de seqüenciamento
(Figura 2). O número de seqüências a
ser obtida depende da estratégia utilizada, da qualidade das bibliotecas e das
próprias características do genoma. Essa
fase é chamada de seqüenciamento
em grande escala.
Montagem em
seqüências contíguas
As inovações relativas à automatização do processo de seqüenciamento
permitiram a produção em larga escala
de um número muito grande de seqüências de DNA. Na área de Bioinformática, os avanços também foram significativos no que tange à disponibilização de novos softwares adequados
para a manipulação dessa vasta quantidade de dados genômicos.
O pipeline de tratamento de dados
de genomas de bactérias pode ser
organizado como um sistema (Figura
3). As entradas mais importantes são as
leituras (reads) do seqüenciador de
DNA. Concretamente, essas leituras
são arquivos que contêm informações
analógicas, que caracterizam as diferentes bases lidas pelo equipamento
seqüenciador. É importante ressaltar
que esses arquivos não contêm as
bases explicitamente e, sim, medidas
analógicas. Será necessário um primeiro programa, fundamental no pipeline,
para converter estas medidas em bases ACGT propriamente ditas. Um programa bastante utilizado é o PHRED
[PhredPhrap]. Esse programa pode ser
encarado como um digitalizador de
leituras de DNA. Utiliza algoritmos complexos de tratamento de sinais e atribui
o que chamamos de ¨qualidade¨ da
base. A qualidade PHRED corresponde a um inteiro entre 0 e 99 e está
associada à probabilidade de erro de
leitura. Uma base com qualidade 40
indica que o erro é de 1 base em 104 (a
qualidade é o expoente multiplicado
por 10). Empiricamente, considera-se
uma base como aceitável se tiver qualidade no mínimo 20 (1 base incorreta
em 100).
Digitalizadas as seqüências recebidas, elas são consideradas prontas para
o tratamento por outros programas. O
PHRED gera arquivos que, estes sim,
contêm explicitamente as bases lidas
pelo seqüenciador, junto com suas
qualidades. O programa PHRED pode
gerar seqüências em diferentes formatos, sendo o formato FASTA o mais
utilizado.
Como descrito acima nos métodos
inovadores de seqüenciamento, um
genoma não é lido de uma vez só: ele
é, na verdade, estilhaçado em milhares
de fragmentos. Esses fragmentos são
lidos por equipamentos de seqüenciamento e digitalizados em computadores (por exemplo, usando PHRED). O
segundo passo do pipeline consiste
naturalmente em regerar a seqüência
genômica completa, a partir dos fragmentos lidos. Esse processo é conhecido como montagem do genoma, e
depende de outros programas, como,
por exemplo, PHRAP [PhredPhrap] e
CAP3 [Cap3]. Alguns projetos desenvolvem seus próprios montadores domésticos, mais adaptados aos genomas seqüenciados. O PHRAP, programa bastante utilizado em projetos genomas de bactérias, é baseado em
algoritmos eficientes de alinhamento
de seqüências textuais. Esse programa, [1] lê os fragmentos já digitalizados, [2] procura encontrar redundâncias entre os mesmos e [3] aglutina os
fragmentos, ancorados na parte comum que as liga, formando seqüências
maiores chamadas de consensos. A
montagem só é eficaz graças ao método aleatório de clonagem, que garante,
estatisticamente, que sempre haverá
redundância entre os fragmentos. Isso
garante também a reconstituição da
seqüência genômica original. Sem a
redundância, o genoma não é possível
de ser reconstituído.
Comumente, não se espera montar
o genoma após a chegada de uma
quantidade suficiente de seqüências
para reconstituir o genoma integralmente. Em um pipeline típico, são
acionadas montagens regularmente,
mesmo que nem todas as seqüências
estejam disponíveis. Os consensos gerados durante esse processo intermediário são conhecidos por contigs. Idealmente, a montagem termina quando
ela produz tantos contigs quanto replicons do genoma. Infelizmente, existem situações que complicam bastante
o processo da montagem. O mais evidente é a existência de repetições no
genoma, que confundem o programa
montador.
Essa primeira fase do tratamento
bioinformático dos fragmentos de DNA
é bastante trabalhosa, porém pode ser
também muito automatizada. Tanto
para genomas de procariotos, como de
eucariotos, esse processo está bem
dominado e a pesquisa nessa área se
baseia em procurar novos algoritmos
mais rápidos para montagem, mais
confiáveis (por exemplo, que tratem
automaticamente o problema de repetições) e que manipulem números cada
vez maiores de fragmentos.
Finalização do
seqüenciamento completo
O seqüenciamento em grande escala termina quando o aumento do
número de seqüências não contribui
para o alongamento do contig. Essa
montagem não finalizada resulta em
contigs interrompidos por “gaps”, que
são regiões onde não se conhece a
seqüência. Apesar do caráter aleatório
das bibliotecas, há inevitavelmente a
ocorrência de “gaps”. Essa ocorrência
está associada com flutuações de clonagem, presença de regiões repetitivas longas, como operon ribossômico,
seqüências com estruturas secundárias
que dificultam o seqüenciamento e
trechos no DNA que são refratários ao
sistema de clonagem utilizado. Essa
etapa não é automatizada e deve-se,
portanto, lançar mão de métodos alternativos, normalmente trabalhosos, para
finalizar o seqüenciamento. Além disso, cumpre ressaltar que, mesmo já
codificada a seqüência final, é importante reforçar sua qualidade, em geral
com seqüenciamento orientado, permitindo gerar fragmentos não mais
aleatórios. O genoma somente é considerado fechado quando todas as bases
apresentam valor de qualidade aceitável, o qual depende do critério de
qualidade de cada projeto.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
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Anotação do genoma
O próximo grande passo do pipeline bioinformático (após a primeira
etapa de montagem), consiste então
em procurar dar significado biológico
ao genoma montado, em outras palavras, significa identificar as regiões onde
estão localizados os genes (regiões
codificadoras) e identificar a sua função putativa. O princípio de base consiste em comparar a seqüência que se
tem em mãos com outras, cujas funções são previamente conhecidas: seqüências estruturalmente similares
devem ter funções também similares.
É esse princípio que norteia a identificação biológica funcional gênica in
silico.
Antes de comparar seqüências gênicas desconhecidas com outras de
função conhecida, é necessário identificar propriamente os genes do genoma. No caso de bactérias, esse processo é menos complexo do que no caso
de genomas de eucariotos, onde os
genes são interrompidos, apresentando íntrons e exons. Existem vários
programas que realizam essa tarefa.
Dois programas bastante utilizados são
Glimmer (Delcher et al, 1999) e Genemark (Borodovsky e McIninch,
1993). Uma definição resumida do
programa Glimmer é a procura na
seqüência genômica de grandes ORFs
(Open Reading Frame – região de
leitura aberta), ou seja, subseqüências
iniciando por um códon de início e
terminando com um códon terminal. O
programa Genemark é mais preciso,
pois considera também um modelo da
região intergênica (que é diferente do
modelo da distribuição estatística das
bases dentro de um gene). A identificação gênica é um passo do pipeline
que, em geral, envolve interferência
manual grande, pois os preditores de
genes incorrem em erros, seja superestimando o número de ORFs ou
subestimando esse valor.
Com um conjunto final de ORFs
putativas, cada seqüência desse conjunto é então alinhada, ou seja, comparada com outras seqüências de função
conhecida. Existem alguns bancos públicos de proteínas, como o banco do
Genbank [Genbank] e o Swiss Prot
[Swiss Prot], que são comumente utilizados como base de comparação. Os
programas usados nessa fase possuem a mesma função dos programas
de montagem: comparar seqüências.
Porém, dado o crescente número de
seqüências públicas de proteínas depositadas, os programas que comparam ORFs com bases de seqüências
devem ser rápidos sem perder a precisão.
É de praxe vasculhar manualmente ORF a ORF, por meio de um
programa de edição pela Web, que
permite aos anotadores humanos
modificarem as escolhas feitas pelo
computador, seja alterando informações estruturais, como funcionais. O
serviço é considerado completo quando o genoma está decodificado e
minimamente anotado, com seus genes identificados e conferidos.
É indiscutível a contribuição das
informações obtidas em um projeto
genoma. No caso da bactéria Xylella
fastidiosa, antes da elucidação da seqüência completa, muito pouco era
conhecido do mecanismo molecular
de patogenicidade da bactéria. Hoje,
além dos genes relacionados com o
metabolismo básico, vários genes relacionados com a patogenicidade foram identificados, alguns deles nunca
anteriormente identificados em patógenos de plantas, trazendo novas inferências ao processo de patogenicidade bactéria-planta (Simpson et al.
2000).
Conclusão
A vasta quantidade de dados gerados por projetos na área genômica
está ocasionando uma verdadeira revolução, com grande potencial para o
desenvolvimento da biologia básica e
aplicada. A comunidade científica está
concentrada principalmente em decifrar a informação genética contida na
molécula de DNA, com o objetivo de
compreender a fisiologia dessas diferentes formas de vida, criando condições para interferir nos processos biológicos em prol da agricultura e da
medicina.
Endereços eletrônicos
CAP3. http://genome.cs.mtu.edu/sas.html
Genbank. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/Genbank/GenbankOverview.html
PhredPhrap. http: //www.phrap.org
SwissProt. http://www.expasy.ch/sprot/
20
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
Agradecimentos
Os autores fazem um agradecimento
especial a Andrew Simpson (Instituto
Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer), que
foi um dos responsáveis pela introdução
da genômica no Brasil, e também a
Ricardo Brentani (Instituto Ludwig de
Pesquisa sobre o Câncer), a João Carlos
Setubal (Laboratório de Bioinformática/
Instituto de Computação da Unicamp) e
a João Meidanis (Laboratório de Bioinformática/Instituto de Computação da Unicamp). Agradecem também a leitura
crítica de Anamaria Aranha Camargo e
também a André Luiz Vettore de Oliveira
(Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o
Câncer) e a Felipe Rodrigues da Silva
(Cenargen - Embrapa) pela elaboração
da Figura 1 desse artigo.
Referências
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Pesquisa
Tratamento de grãos por
técnica de plasma a frio
Fotos e ilustrações cedidas pelos autores
Alteração do comportamento hidrofílico para preservação e controle de germinação
Introdução
Alexsander T. Carvalho &
Rodrigo. A. M. Carvalho,
Bolsistas do Depto de Sistemas
Eletrônicos
Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo – USP
São Paulo, SP.
[email protected]
Maria Lúcia P. Silva, Dra.
Pesquisadora do Depto de Sistemas
Eletrônicos
Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo – USP
São Paulo, SP
[email protected]
Nicole R. Demarquette, Dra.
Professora assistente do Depto de Eng.
Metalúrgica e de Materiais
Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo – USP
São Paulo, SP
[email protected]
A afinidade por água de uma superfície orgânica, em especial a superfície
de uma semente ou grão, é fundamental para a subsistência de microorganismos e para o início e desenvolvimento
de sua degradação e germinação (Warren & Bennett, 1997). Essa afinidade
pode ser definida pela molhabilidade,
que é uma característica energética de
uma superfície e que atua em facilitar
ou dificultar o espalhamento de um
líquido sobre essa superfície (Shimizu
& Demarquette, 2000), favorecendo
ou não a adsorção e hidratação interna,
cujas condições são necessárias à germinação e manutenção de vida de
uma semente. Ou seja, as características de hidrofobicidade ou hidrofilicidade da superfície de um grão podem
definir, de certa forma, a facilidade e a
taxa com que se estabelece sua germinação.
A possibilidade de manipular essas
Odilio B. G. Assis, Dr.
características superficiais por meio do
desenvolvimento de uma barreira de
proteção pela implantação de radicais
ou grupos hidrofóbicos permanentes,
permitiria criar condições desfavoráveis ao início da germinação, o que
pode ser consideravelmente vantajoso no que diz respeito à preservação
para o transporte, tempo de estocagem e venda de grãos.
Tratamentos para a alteração das
características superficiais ou para a
formação de filmes em superfícies orgânicas e inorgânicas vêm já há algum
tempo, sendo realizados via química
úmida convencional por meio de reações, unitárias ou seqüenciadas, com
compostos ácidos ou alcalinos diversos. Essas reações promovem a quebra
parcial das cadeias poliméricas que
constituem a superfície incluindo novos grupos funcionais. Em particular, a
potencialização das características hidrofóbicas é conseguida pela formação de radicais alcanos do tipo CH3,
Pesquisador da Embrapa
Instrumentação Agropecuária CNPDIA
São Carlos, SP
[email protected]
Figura 1. Esquema de um reator de plasma a frio e principais
espécies reativas geradas durante o processo
22
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
crescimento de filmes relaciCH2-CH 2 ou fluoralcanos,
onam-se com o tempo de
como CF3 e das hidrofílicas,
exposição de superfícies no
com radicais de OH e COOH.
ambiente reativo e da comA presença e a inserção desposição do substrato.
ses grupos em uma superfíDiversos radicais ou grucie tem tido aplicações intepos polares podem ser imressantes em diversos camplantados ou “crescidos” sopos da biotecnologia e da
bre superfícies sólidas por
agrociência (Assis & Martin,
plasma a frio. Em particular, a
2001; Carvalho et al, 2002).
incorporação por ligações
No caso de interação, sucovalentes de funcionalidaperfícies constituídas por esdes de grupos organo-silanos
truturas de polissacarídeos,
pode ser facilmente consecomo madeiras e grãos, o
guida a partir da ionização de
emprego de reações por via
uma série de gases precursoúmida nem sempre é aproFigura 2. Espectro de espectroscopia no
res ricos em Si. Radicais do
priado. O baixo controle soinfravermelho do filme de HMDS obtido nas
tipo SiCH3, SiCH2 e Si confebre reações secundárias indecondições de depósito com os picos identificados
sejáveis e seus produtos, a
rem uma maior hidrofobiciadsorção de reagentes e o
dade a uma superfície, reduvolume de espécies a serem
zindo, por conseguinte, sua
tratadas freqüentemente dificulta o uso te reativo (Lieberman & Lichetenberg, molhabilidade ou adesão de microoreficiente de processos úmidos, muitas 1994).
ganismos. Além do mais esses radiais
Na prática, o plasma a frio é conse- são de baixa toxicidade e ambientalvezes inviabilizando as modificações
almejadas. Nesse caso, uma técnica guido por meio de uma câmara, a qual mente não agressivos.
promissora no tratamento de superfíci- é previamente evacuada e o gás de
Essa tecnologia tem vários campos
es orgânicas é o plasma a frio e suas interesse, a ser ionizado, é controlada- de aplicação, mas é particularmente
combinações (Tan et al., 2001; Pon- mente inserido até atingir pressões interessante no caso específico de grãos
entre 0,1 a 2 torr. Nessas condições, a de feijão, embora possa ser aplicado a
cin-Eppaillard et al.,1992).
tensão externa é imposta ao sistema demais cultivares. O Brasil é o maior
por meio de placas condutoras (eletro- produtor mundial de feijão e a estocaPlasma a frio
dos). Energia é transferida aos elétrons gem desses grãos tem-se tornado um
O plasma é o estado de manuten- livres, que irão colidir com as molécu- grande problema, considerando que
ção de um gás parcialmente ionizado las do gás, iniciando um processo de esses sofrem um rápido processo deconfinado em um volume definido. fragmentação molecular e gerando generativo em condições de conservaNessas condições, ocorre geração de uma nuvem uniforme de espécies no ção não adequada. Em ambientes com
espécies e de radicais que podem ser estado ionizado. Essas espécies são relativa umidade e sob temperaturas
direcionalmente acelerados, provocan- aceleradas em função da polaridade flutuantes, pode ocorrer a germinação
do a incidência, com certa energia, dos eletrodos, bombardeando a super- indesejável dos grãos estocados, além
sobre uma amostra, e alterando, por fície de interesse.
de que o ataque por fungos e demais
Ao se trabalhar em baixas pressões, microorganismos são favorecidos, inviconseguinte, sua estrutura superficial
ou gerando a formação de um filme é estabelecido um relativo “vazio” den- abilizando os grãos rapidamente para
por deposição. Genericamente falan- tro da câmara, ou seja, um maior cami- consumo humano.
do, o plasma pode ser assumido como nho livre para que os elétrons e os íons
Neste trabalho, apresentamos os
um ambiente constituído pela mistura se movimentem em direção aos ele- resultados preliminares sobre a aplicade elétrons, demais partículas negati- trodos. Nessas condições, poucas coli- bilidade da técnica de plasma a frio
vas e positivas e espécies associadas a sões ocorrem no percurso, fazendo sobre grãos comerciais, com formação
átomos e moléculas no estado neutro. com que as partículas neutras mante- de filmes com radicais hidrofóbicos,
O plasma tem sido considerado o “quar- nham-se em temperaturas próximas à avaliando as variações provocadas na
to estado” da matéria, onde dois tipos ambiente, permanecendo assim as re- taxa de germinação e conservação em
podem ser gerados: aquele em altas ações em baixas temperaturas, daí o condições úmidas.
temperaturas, cuja ionização se dá em nome plasma a frio. As principais espéfunção de colisões em altas velocida- cies que ocorrem em um reator de
Metodologia
des, e em baixas temperaturas, onde o plasma a frio estão ilustradas no esqueestado ionizado torna-se possível pela ma da Figura 1.
O tratamento por plasma empreExperimentalmente, a intensidade gado neste estudo foi realizado em um
excitação do gás, ou combinação de
gases, por indução via radiofreqüência das reações por plasma está relaciona- reator rotativo, de câmara cilíndrica, no
ou por outra fonte variável de potên- da com a energia necessária para a qual lotes com 200 grãos foram aleatocia. No plasma, o ambiente formado é manutenção das espécies no estado riamente dispostos. Esse reator é um
inerentemente instável e extremamen- ionizado, assim como a formação e o equipamento não comercial, disponíBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
23
vel no Departamento de Engenharia
Metalurgia e de Materiais da Escola
Politécnica da USP em São Paulo, SP
(Tan, et al.,1999). O sistema rotativo
permite a circulação constante dos
grãos no interior da câmara, durante a
aplicação de carga, expondo suas diversas faces à ação reativa do plasma.
As amostras depositadas foram grãos
de feijão tipo jalo (Phaseolus vulgaris
L.), classificação 1.
O gás empregado foi obtido a partir
do estabelecimento de uma atmosfera
saturada de vapor de HMDS - hexametildissilazana C6H19NSi2 –inserido de
forma controlada no interior da câmara.
A ionização deu-se sob pressões próximas a 0,3 torr com potência imposta
aos eletrodos de 400 W por um período de 5 minutos para uma completa
deposição. A identificação dos radicais
gerados no filme foi conduzida por
espectroscopia no infravermelho. Foram realizados também testes de resistência à umidade e do envelhecimento sob exposição à radiação ultravioleta. O acompanhamento da germinação em condições controladas de temperatura e umidade foi realizado em
bancada montada na Embrapa Instrumentação Agropecuária, em São Carlos, SP. A germinação foi estabelecida
estatisticamente através da medida in
loco do comprimento da radícula.
Alterações superficiais
Os organosilanos são compostos de
baixa toxicidade, baixos custos e ambientalmente não agressivos (Nogueira,
2000). A polimerização do HMDS sobre uma superfície à base de celulose,
como grãos e sementes, possibilita
formar uma rede de terminais do tipo
CH3, que são tipicamente hidrofóbicos.
Os principais compostos obtidos com
o uso de HDMS sobre feijão estão
identificados no espectro da Figura 2.
Os compostos formados, como esperado, são ricos em Si e apresentam
radicais não polares e hidrófobos. A
polimerização desses compostos ocorre pela interação entre as espécies
ativas e os grupos hidroxilas da superfície da casca dos grãos com liberação
de produtos na forma gasosa. Na Figura 3, temos a representação de um
fragmento estrutural da celulose, que é
o constituinte básico da casca do feijão,
que vemos ser rica em grupos OH, ou
24
Figura 3. Fragmento da estrutura da celulose, constituinte
principal da casca de grãos
seja, uma superfície polar e altamente
reativa (Dumitriu, 1998). O que ocor- ra alteração (aumento de brilho) nos
re como resultado do uso do HDMS é grãos tratados. Os grãos com depósito
uma reação de superfície que substitui resistem à ação de ácidos e bases por
uma camada, inicialmente com alta períodos superiores a 20 minutos e
afinidade por água, por uma película não permitem a permeação de água
que não apresenta essa afinidade.
em meio aquecido em até 100 oC.
A estabilidade da implantação des- Simulação ao envelhecimento por exses radicais sobre a superfície de grãos posição à radiação ultravioleta por dedepende, evidentemente, da compo- zoito dias indicou alterações no caráter
sição química real da casca e da pureza de polimerização do filme, contudo,
dos gases empregados para a forma- sem interferência nas características
ção do ambiente de plasma. Contudo, hidrofóbicas dos depósitos formados.
o bombardeamento pode gerar a queTestes de resistência à umidade
bra de ligações da estrutura de polissa- por manutenção dos grãos em ambicarídeo, expondo radicais livres que ente de atmosfera saturada de vapor
venham a recombinar ou a reagir com
a atmosfera da
câmara, gerando
assim ligações fortes. Espécies ativas de silício podem formar ligações covalentes
com a superfície
devido à grande
energia de ligações Si-O. Na Figura 4, temos, em
forma esquemática, os tipos de estruturas que constituem o filme formado, tendo por
base as identificações obtidas por
espectroscopia.
As estruturas e
malhas formadas
pelo depósito reFigura 4. Estruturas hidrofóbicas polimerizadas sobre
sultam em filmes
a superfície do feijão pelo uso de plasma de
transparentes que
hexametildissilazana
introduzem ligei-
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
manutenção do tratamento, validando
assim a técnica, o que, certamente, trará
benefícios significativos com respeito a
estocagem e preservação fisiológica dos
grãos, principalmente em condições de
baixa ou relativa umidade e/ou para
conservação em depósitos por longos
períodos.
Bibliografia
Figura 5. Aspecto dos grãos de feijão Jalo, após uma semana em
ambiente saturado com vapor d´água. Diferenças significantes no estado
de conservação são observadas com relação às amostras tratadas e não
tratadas
d´água resultaram em significativa alteração na textura superficial, corrugado e disforme para os grãos não tratados, com início de ataques por fungos
e pouca alteração, com manutenção
do brilho e aparência inicial, para as
amostras submetidas ao depósito,
melhor visualizados na Figura 5. Esse
resultado é de extrema importância e
confirma o caráter hidrofóbico, protetor dos filmes à base de silício formado
pelo sistema empregado.
A eficiência dos depósitos para manutenção do estado inerte dos grãos é
confirmada em ensaios de germinação
sob condições controladas. Lotes imersos em meio úmido foram acompanhados em condições de laboratório,
através da medida do surgimento e
desenvolvimento da radícula, por um
período de 10 dias. A germinação resultante pode ser visualizada pelos
histogramas apresentados na Figura 6.
Para a referência (amostras não tratadas), no final do período, a amostragem apresentava uma proporção próxima a 55% de grãos germinados. Já o
material tratado com plasma teve uma
total ausência de germinação dentro
do período de avaliação.
Esses resultados são significativos e
confirmam essa técnica como potencialmente importante em aplicações de
revestimento de grão para manutenção do estado latente. O conjunto de
análises realizado indica a manutenção
das características do depósito por
períodos indeterminados. Contudo,
deverão ser realizados testes adicionais para constatar a permanência e
Figura 6. Variação da fração germinada de grãos tratados e
não-tratados sob condição de laboratório
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
25
Terapia Gênica do Câncer
Pesquisa
Fotos e ilustrações cedidas pelos autores
O caminho entre a bancada do laboratório e a clínica médica
Eugênia Costanzi-Strauss, PhD
Instituto de Ciencias Biomedicas
Universidade de São Paulo
[email protected]
Bryan Eric Strauss, PhD
Instituto do Coração
Faculdade de Medicina, USP
[email protected]
26
tecnologia de transferir
genes sadios para células
somáticas de um paciente com o objetivo de alterar o curso de uma doença é chamada Terapia Gênica. O racional da terapia gênica está no conhecimento das bases moleculares das
doenças humanas e nas estratégias de
introdução de material genético (na
forma de um ou mais genes) nas células alvo. Tipicamente, os estudos no
campo da terapia gênica são iniciados
em laboratórios de pesquisa básica e só
após um longo período de validação
experimental, é que os conhecimentos gerados nas bancadas dos laboratórios são transferidos para a clínica médica. O caminho entre o laboratório de
pesquisa e o primeiro teste clínico em
humanos de um protocolo de terapia
gênica (Fase I) é rigoroso e está marcado por dois importantes passos: o
primeiro passo é a definição da doença, do gene terapêutico e do sistema
de transferência gênica que serão utilizados. O segundo passo é a validação
da estratégia terapêutica experimental. Os resultados gerados nas fases de
definição e de validação são pré-requisitos para a submissão e aprovação ou
não de uma nova proposta de tratamento experimental. Esses dados serão analisados e considerados pelos
órgãos reguladores competentes, incluindo comitês de ética institucionais,
locais e federais, como indicadores da
garantia de relevância, eficiência e segurança do novo tratamento.
Levantamento realizado em 2001
revelou que, em 12 anos de terapia
gênica (o primeiro protocolo clínico de
terapia gênica aconteceu em 1990)
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
foram realizados 600 testes de Fase I e
cerca de 4.000 pacientes receberam
genes terapêuticos. As principais patologias tratadas foram câncer, anomalias
genéticas monogênicas (fibrose cística, hemofilia, entre outras), doenças
infecciosas (como AIDS) e anomalias
cárdio-vasculares.
(1) Definição da doença, do
gene terapêutico e do sistema de
transferência gênica que serão
utilizados: Terapia gênica é um tratamento experimental e, como tal, a
escolha da doença e do grupo de
pacientes deve considerar riscos e
benefícios. Por exemplo, quimioterapia é eficiente no tratamento de alguns
tipos de leucemias e linfomas, não
justificando o uso de procedimentos
ainda em fase experimental, como
terapia gênica. Em contraste, portadores de glioblastoma, um tumor de cérebro, possuem baixa sobrevida e altíssima mortalidade. Tratamentos convencionais, incluindo cirurgia, rádio e
quimioterapia são ineficientes, portanto, os pacientes com glioblastoma necessitam de novas opções e são considerados como candidatos a protocolos
clínicos de terapia gênica do câncer.
A premissa da terapia gênica é
corrigir a doença pela raiz – tratar o
gene anormal. Essencialmente existem várias formas de se tratar um gene
defeituoso (doente). As principais e
mais utilizadas são: (a) transferência de
uma cópia normal do gene defeituoso.
Por exemplo, o gene supressor de
tumor p53 é freqüentemente perdido
em células transformadas. Nas células
normais, esse gene controla a proliferação e monitora a integridade do ge-
noma celular, devido a essas propriedades, p53 é chamado de guardião do
genoma. A transferência do gene p53
é capaz de inibir o crescimento tumoral e aumentar a sensibilidade do tumor
ao tratamento quimio e radioterápico;
(b) transferência de genes tóxicos ou
suicidas, com o objetivo de matar células do câncer. O gene tk (timidina
quinase derivado do vírus Herpes simplex) é o melhor exemplo nessa cate-
tégia funciona de forma similar a uma
vacina gênica, porquê tem como objetivo imunizar o organismo contra a
presença de células tumorais; (d) transferência de genes inibidores da proliferação de células dos vasos sangüíneos.
A meta desse tratamento é bloquear o
suplemento sangüíneo tumoral, através da redução da formação de novos
vasos sangüíneos (angiogênese) ao
redor do tumor.
e não-virais têm sido amplamente utilizados como vetores em ensaios de
terapia gênica. Vírus possuem extraordinária capacidade de atingir e transferir parte de seu genoma para células
alvo e essa propriedade tem sido explorada na criação de inúmeros sistemas virais de transferência gênica.
Vetores virais de transferência gênica
são construídos a partir de modificações em vírus naturais, com o objetivo
goria. A estratégia é relativamente simples: apenas as células tumorais que
receberam o gene tk exógeno são
eliminadas após a administração da
droga quimioterápica ganciclovir. A presença do gene tk nas células confere
sensibilidade ao ganciclovir e o resultado esperado é a eliminação do tumor;
(c) transferência de genes ativadores
do sistema imunológico, tendo como
alvo despertar a resposta imune contra
as células tumorais. Esse tipo de estra-
O grande desafio da terapia gênica
está no sistema de transferência gênica. O gene terapêutico deve ser transferido e expresso na célula alvo de
forma eficiente e segura. O corpo
humano possui diversas defesas naturais contra material genético estranho;
assim a administração de um medicamento, onde um gene é o remédio, é
um problema especial. A terapia gênica depende da tecnologia de transferência gênica, diversos sistemas virais
de ganhar eficiência e segurança. Hoje,
70% dos protocolos de terapia gênica
utilizam vírus recombinantes como
veículo para transferência e expressão
do gene terapêutico, sendo que 38%
dos protocolos aplicam retrovírus, 26%
adenovírus e os restantes 6% utilizam
adenovirus associado, herpes simplex
virus ou pox virus. O processo de
criação dos veículos de transferência
gênica é contínuo e ainda não existe
um sistema ideal e capaz de satisfazer
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
27
a todos os requisitos de um vetor
perfeito.
Com os elementos doença, gene e
vetor defenidos, o pesquisador ínicia
o trabalho na bancada do laboratório,
produzindo pequenas quantidades do
vírus portador do gene terapêutico de
interesse, com vistas a demonstrar
experimentalmente o mérito e a relevância da nova estratégia. No caso da
terapia gênica do câncer, esse processo involve experimentos básicos realizados in vitro e in vivo (veja a
Figura, por exemplo). Com a obtenção de resultados positivos, o pesquisador está pronto para dar o segundo
passo, ou seja, validar a nova estratégia de terapia gênica. Nessa fase, o
trabalho deve ser realizado sob condições que permitam documentação e
controle de qualidade dos procedimentos, reagentes e equipamentos
utilizados.
(2) Validação da estratégia terapêutica experimental. Os ensaios pré-clínicos têm como objetivo
demonstrar a eficácia e a segurança da
nova proposta de terapia gênica. Seguindo o exemplo do sistema adotado nos EUA, esse processo é muito
rigoroso e representa um grande passo do caminho até a clínica. Os ensaios
pré-clinicos podem ser divididos em
três áreas gerais: 1) Modelos animais
relevantes capazes de demonstrar não
apenas a eficácia, mas, principalmente, o mecanismo da ação e a segurança da transferência do material genético recombinante para o animal; 2)
Estudos toxicológicos direcionados
para a análise da resposta do organismo contra o tratamento gênico. Freqüentemente, esses ensaios são iniciados em animais de pequeno e médio
porte e concluídos em primatas nãohumanos; 3) Estudos de biodistribuição, com o fim de avaliar a permanência e distribuição do vetor terapêutico
no corpo de animais de laboratório.
Ensaios de PCR (reação de polimerização em cadeia) são utilizados para
detectar o material genético exógeno
(vírus terapêutico) em todos os tecidos e líquidos do corpo do animal (não
apenas no tecido alvo). Esses estudos
são complexos, longos e requerem
múltiplas coletas de material realiza28
das em diferentes tempos após a
administração do vetor terapêutico.
As condições nas quais os ensaios
pré-clínicos descritos acima são feitos
são igualmente importantes como os
resultados em si. A execução dos
testes pré-clínicos exige condições
especiais de trabalho, capazes de garantir um rigoroso controle de qualidade, documentação e análise dos
dados. Ou seja, todo o trabalho de
validação de um ensaio de terapia
gênica pré-clínico deve obedecer às
normas descritas nas boas práticas do
laboratório (Good Laboratory Practices, GLP) e nas boas práticas de
manufaturação (Good Manufacturing
Practices, GMP). As normas de GLP
têm como alvo a documentação dos
experimentos, que deve ser feita com
altissímo padrão de qualidade, incluindo os instrumentos, reagentes, análise estatistica dos dados gerados e
supervisão de pessoal treinado.
A alma dos ensaios pré-clinicos de
terapia gênica é a produção do vetor
terapêutico sob condições GMP internacionalmente normatizadas. Em outras palavras, produzir vírus terapêuticos com nível de qualidade similar a
de um produto farmacêutico. Todo o
processo de produção de vírus terapêutico com qualidade GMP é cuidadosamente supervisionado e controlado, garantindo consistência entre os
diferentes lotes de vírus e ausência de
contaminantes nas preparações virais. A segurança e qualidade de cada
lote de produção é determinada por
meio de testes de esterilidade, presença de micoplasma, vírus com competência para replicar e ausência de
agentes pirogênicos ou outros agentes oportunistas. Assim, a potência e
a pureza do vírus podem ser demonstradas antes do ínicio de ensaios préclinicos.
Em última análise, a producão de
vírus terapêuticos em condições GMP
garante qualidade igual à de uma
droga farmacêutica para o medicamento gênico. Isso implica a validade
dos resultados obtidos nos modelos
animais com os vírus de padrão GMP,
que podem, então, ser transferidos
para testes clínicos de fase I em
humanos.
A grande maioria (95%) dos 600
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
protocolos clínicos de terapia gênica
foram e estão sendo realizados na América do Norte e na Europa. Curiosamente, protocolos de terapia gênica em fase
I já foram concluídos no continente Africano e na América Central. Até hoje,
nenhum protocolo foi iniciado no continente Sul-americano. Apesar do Brasil
possuir conhecimentos e dominar tecnologias nas áreas de transferência gênica, normas de produção de produtos
farmacêuticos e experiência em testes
clínicos de drogas convencionais (não
gênicas), apenas após a implementação
de um laboratório dedicado a produção
de virus terapêuticos com qualidade
GMP será possível para o Brasil percorrer todo o caminho da terapia gênica, ou
seja, da bancada do laboratório de pesquisa até e produção e aplicação de virus
terapêuticos.
Leituras recomendadas
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Engenharia metabólica de
Pesquisa
Ácido Fólico
Ilustrações cedidas pelos autores
Engenharia metabólica em Lactococcus lactis para aumentar a produção de ácido fólico
Resumo
Ana Carolina Sampaio Dória
Chaves, Dra.
Doutora em Tecnologia de Alimentos
Bolsista da Fapesp (Fundação de amparo
à pesquisa do estado de São Paulo)
Faculdade de Engenharia de Alimentos UNICAMP Campinas, SP
[email protected] ou
[email protected]
Jeroen Hugenholtz, Dr.
Pesquisador do NIZO food research e
Wageningen Centre for Food Science
(WCFS) EDE - Holanda
[email protected]
Alda Luiza Santos Lerayer, Dra.
Pesquisadora do Tecnolat / ITAL (Instituto de
Tecnologia de Alimentos)
Campinas, SP
[email protected]
Neste trabalho a engenharia genética foi utilizada para elucidar a importância da via metabólica da enzima
serina hidroximetil transferase (SHMT)
proveniente de duas bactérias lácticas,
Streptococcus thermophilus e Lactococcus lactis, na formação de ácido
fólico. O gene glyA (que codifica a
enzima SHMT) teve sua expressão
otimizada no sistema NICE e, conseqüentemente, observou-se um aumento na produção da enzima SHMT, proporcional ao nível de indução com
nisina. Esta superprodução da enzima
foi observada de duas maneiras: em
gel de poliacrilamida (no qual visualiza-se um claro aumento na banda com
46kDa) e pelo aumento da atividade
Figura 1. Plasmídeo pNZStglyA, derivado do vetor pNZ8148 (NIZO Food
Research), construído para promover o
aumento da expressão do gene glyA de
S. thermophilus B130 sob controle do
PNIS, em L.lactis NZ9000. Onde: repA =
origem de replicação; repC = repressor;
cm = gene de resistência ao antibiótico
cloranfenicol, T = terminador de transcrição e em azul o PNis = promotor da
nisina
30
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
enzimática. Cultivando-se as linhagens
de L. lactis com superexpressão do
gene glyA em meio GM17, foi observado um aumento significativo da produção de ácido fólico, proporcional ao
nível de indução com nisina, confirmando desta maneira o envolvimento
da SHMT no metabolismo de ácido
fólico.
Introdução
O ácido fólico é uma importante
vitamina do complexo B (B9) que
contribui no combate à anemia, na
regeneração celular e melhora a insuficiência cardiovascular (devido à substancial queda no teor de homocisteína
no plasma). A suplementação de ácido
fólico durante a gravidez foi associada
ao baixo risco de defeitos no tubo 2000). Segundo Blakley (1969), essa purinas, de novo timidilato, metionina,
neural favorecendo, assim, o desen- enzima é essencial na regeneração do lipídeos e outros compostos especiais
volvimento saudável do bebê. Esta composto tetrahidrofolato, a partir da (Blakley, 1969).
vitamina possui um importante papel sua forma metilada (5,10-metileno teA engenharia genética vem sendo
na redução da incidência de câncer, trahidrofolato) e catalisando a síntese utilizada para a obtenção de linhagens
devido a sua atuação como cofator em de glicina e 5,10-metileno tetrahidro- microbianas com diferentes caracterísreações envolvendo transferência de folato, a partir de serina e tetrahidrofo- ticas, com o objetivo de melhorar,
carbonos primários (Lin & Young, 2000). lato (THF).
intensificar ou conferir propriedades
O ácido fólico pode ser encontrado
em diversos alimentos, tais como: folhas verdes, carnes, aves e produtos
lácteos. O leite e os leites fermentados
representam uma importante fonte de
ácido fólico, porém a pasteurização
Esta reação é muito importante, desejáveis aos alimentos, levando ao
pode reduzir o teor desta vitamina no pois é a maior fonte dos grupos de desenvolvimento de novos produtos,
leite (Scott, 1989). As bactérias lácticas carbonos primários (C1), fundamentais de acordo com as necessidades dos
podem ser utilizadas em fermentações para diversas reações. O composto consumidores. As bactérias lácticas,
para aumentar o conteúdo desta vita- 5,10-metileno tetrahidrofolato e as suas largamente utilizadas na indústria alimina. Além de S. thermophilus, outras formas reduzida e oxidada são reque- mentícia e, em especial, no setor de
bactérias lácticas também são capazes ridos em reações nas quais existe a laticínios, constituem um alvo ideal
de produzir elevados teores de ácido necessidade de transferência de carbo- para a utilização de engenharia metafólico, como por exemplo, Lactobaci- nos primários, como por exemplo: na bólica uma vez que possuem: (1) um
llus acidophilus (Lin & Young, 2000). biossíntese de compostos contendo metabolismo relativamente simples,
Enquanto no leite existe de 20 a grupos metil, anéis biossintéticos de basicamente convertendo o açúcar em
60µg/L de ácido fólico,
ácido láctico; (2) vias metabóem leites fermentados,
licas relativamente bem cocomo por exemplo o ionhecidas; (3) genomas de algurte, os níveis podem
gumas espécies já seqüenciados e vários outros em andachegar a 200µg/L, demento e (4) uma longa histópendendo das condições
ria de uso seguro na indústria
de armazenamento e das
de alimentos (Kleerebezem
linhagens utilizadas. O
et al, 2000).
teor final de ácido fólico
O mercado dos alimentos
depende principalmenfuncionais tende a crescer cada
te da linhagem de Lactovez mais, assim como a busca
bacillus delbrueckii
por alimentos nutritivos e sausubsp. bulgaricus (L. buldáveis. A produção de leites
garicus) utilizada, uma
fermentados com teor elevavez que essa bactéria condo de ácido fólico é muito
some o ácido fólico prointeressante para esse mercaduzido durante a fermendo e as bactérias lácticas utilitação pela outra bactéria
zadas na fermentação podem
láctica do iogurte, S. theraumentar o valor nutricional
mophilus (Wouters et al.,
destes produtos. O objetivo
2002).
deste trabalho foi construir liA enzima serina hinhagens de L. lactis com sudroximetil transferase
perexpressão do gene glyA
(EC.2.1.2.1.), também
(que codifica a enzima SHMT)
chamada de treonina alpara estudar o envolvimento
dolase (Weeb, 1992),
Figura 2. Plasmídeo pNZLlglyA, derivado do
dessa enzima no metaboliscodificada pelo gene glyA
vetor pNZ8148 (NIZO Food Research), construído
mo de ácido fólico.
(Liu et al., 1998), está
para promover o aumento da expressão do gene
envolvida no metabolisglyA de L. lactis sob controle do PNIS, em L.lactis
Material & Métodos
mo de ácido fólico em
NZ9000. Onde: repA = origem de replicação;
todos os organismos
repC = repressor; cm = gene de resistência ao
Os genes glyA da linhacomo, também, na biosantibiótico cloranfenicol, T = terminador de transgem B130 de S. thermophilus
síntese de glicina em anicrição e em azul o PNis = promotor da nisina
e da linhagem MG1363 de L.
mais, plantas e microrgalactis foram obtidos diretanismos (Ogawa et al.,
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
31
Figura 3. Gel de poliacrilamida (SDS-PAGE) mostrando o aumento
da produção da enzima SHMT em L. lactis NZ9000 contendo o gene
glyA de S. thermophilus sob controle do promotor da nisina e determinação da atividade SHMT (conversão de serina em glicina) nos
diversos níveis de indução. Uma unidade da atividade SHMT
corresponde à formação de um ηmol de glicina por minuto de reação
por miligrama de proteína no extrato enzimático
mente a partir do DNA cromossômico
por meio de uma reação de PCR (Polymerase Chain Reaction). Estes genes
foram clonados no vetor comercial
pGEM-T (Promega, Madison/EUA)
gerando os plasmídeos pLlglyA (glyA
da linhagem MG1363 de L. lactis) e
pStglyA (glyA da linhagem B130 de S.
thermophilus). Subseqüentemente, as
seqüências destes genes foram determinadas utilizando-se o seqüenciador
automático ALFred (Automatic Laser
Fluorescent DNA Sequencer da Phamacia Biotech). As reações de seqüenciamento foram realizadas com um Kit
comercial (Autoread Sequencing, Phamacia Biotech), de acordo com as
instruções do fabricante.
O sistema NICE (NICE SYSTEM®)
desenvolvido e patenteado pelo NIZO
Food Research (Ruyter et al., 1996) é
um sistema de expressão de proteínas
induzido por nisina. Os genes glyA de
S. thermophilus e de L. lactis presentes nos plasmídeos pLlglyA e pStglyA,
foram obtidos por meio de digestão
com as enzimas XbaI e BspHI e inseridos no vetor pNZ8148, sob controle
do promotor da nisina, resultando nos
plasmídeos: pNZLlglyA (Figura 1) e
pNZStglyA (Figura 2). Células competentes de L. lactis (linhagem NZ9000)
foram transformadas por eletroporação, com estes dois plasmídeos, geran32
do as linhagens mutantes LlglyALl (com
superexpressão do gene glyA de L.
lactis) e LlglyASt (com superexpressão
do gene glyA de S. thermophilus).
A expressão do gene glyA foi regulada por meio da indução com diferentes concentrações de nisina (0; 0,1ng/
ml; 0,6ng/ml e 3ng/ml). Após indução, foram preparados extratos enzimáticos nos quais verificou-se a superexpressão do gene glyA pela (1) determinação da atividade enzimática de
SHMT, por meio da conversão de serina em glicina (Schirch & Gross, 1968)
e (2) aplicação destes extratos em géis
de poliacrilamida SDS-PAGE (Laemmli,
1970).
A concentração de ácido fólico foi
determinada por método desenvolvido pelo Nizo Food Research segundo
Moloy & Scott (1997); Horne & Patterson (1988) e Phillips & Wrigth (1982 e
1983). Este método consiste em ensaio microbiológico, no qual utiliza-se
uma linhagem de Lactobacillus casei
auxotrófica para ácido fólico. A concentração de proteína dos extratos
protéicos foi determinada utilizandose um kit Bio-Rad GmbH (Alemanha),
baseado no método de Bradford (Bradford, 1976).
Resultados & Discussão
Com o experimento NICE, após
indução com nisina, foi constatada a
superexpressão do gene glyA, com
conseqüente superprodução da enzima SHMT de S. thermophilus e L.
lactis, que foi observada de duas maneiras: em gel de poliacrilamida (no
qual visualiza-se um claro aumento na
banda com 46kDa) e pelo aumento da
atividade enzimática de SHMT, determinada por meio da conversão do
aminoácido serina em glicina (Figura
3).
Cultivando-se as linhagens de L.
lactis com superexpressão do gene
glyA em meio GM17, foi observado um
aumento significativo da produção de
ácido fólico, proporcional ao nível de
indução com nisina (Figura 4) confir-
Figura 4. Produção de ácido fólico pela linhagem LltglyASt,
nos diferentes níveis de indução com nisina
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
Figura 5. Ilustração do gene glyA no NICE SYSTEM (NIZO Food
Research), sob o controle do PNis com aumento da produção da enzima
serina hidroximetil transferase e de ácido fólico
mando, desta maneira, o envolvimento da SHMT no metabolismo de ácido
fólico, como já havia sido indicado por
Cossins & Chen (1997) e Ogawa et al.
(2000).
Sumarizando os resultados obtidos
neste trabalho, os genes glyA de S.
thermophilus e de L. lactis foram isolados, seqüenciados e clonados em
linhagens de L. lactis. Nas linhagens de
L. lactis com superexpressão do gene
glyA foi observado um incremento na
produção de ácido fólico (Figura 5).
Os conhecimentos obtidos ao longo deste trabalho podem contribuir
para melhorar as características tecnológicas de linhagens de L. lactis, assim
como também de S. thermophilus,
visando a produção de leites fermentados e/ou iogurtes com teor de ácido
fólico elevado, aumentando, deste
modo, o valor nutricional deste produto. Para que os conhecimentos adquiridos com este estudo possam reverter
em benefícios para a indústria alimentícia, os genes glyA de S. thermophilus
e de L. lactis devem ser clonados em
um vetor de grau alimentício (Food
grade), ou seja, sem o gene de resistência ao antibiótico e contendo somente seqüências de DNA proveniente destes microrganismos.
Agradecimentos
Este trabalho teve o apoio financei-
ro da Fapesp (bolsa de doutorado de
Ana Carolina S. D. Chaves), assim como
também do Professor Willem de Vos
diretor do centro de pesquisas Wageningen Centre for Food Science (WCFS)
em Wageningen na Holanda.
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
33
PESQUISA
PRODUÇÃO BIOTECNOLÓGICA DE
XILITOL A PARTIR DA PALHA DE ARROZ
Ilustrações cedidas pelas autoras
Aproveitamento de resíduo agrícola para geração de um edulcorante de elevado valor agregado
Solange Inês Mussatto
Engenheira Industrial Química, Mestre
em Biotecnologia Industrial
Professora do Departamento Básico
da Faculdade de Engenharia Química
de Lorena – FAENQUIL – Lorena – SP
[email protected]
Inês Conceição Roberto
Doutora em Tecnologia BioquímicoFarmacêutica pela USP
Professora e Pesquisadora do Departamento de Biotecnologia da Faculdade
de Engenharia Química de Lorena –
FAENQUIL –Lorena – SP
[email protected]
Figura 1. Composição da palha
de arroz (%)(Mussatto, 2002)
34
arroz é um dos alimentos mais consumidos não
só no Brasil como em
quase todos os países
do mundo. Entretanto,
sua plantação só pode ser feita em
locais com condições adequadas de
clima e de solo, condições estas que
podem ser encontradas em quase todas as regiões do Brasil.
No mundo todo, mais de 50 países
contribuem com uma produção de
cerca de 100 milhões de toneladas de
arroz anualmente (Kadam et al., 2000).
No Brasil, segundo dados do IBGE, a
produção de arroz com casca na safra
2000/2001 foi de, aproximadamente,
11,1 milhões de toneladas, quantidade suficiente para gerar um resíduo de
cerca de 15 milhões de toneladas de
palha de arroz (Mussatto, 2002).
O acúmulo de grandes quantidades
desse resíduo no solo pode causar
mudanças no ecossistema (Sun et al.,
2000), e, segundo alguns médicos, a
prática de queimadas como forma de
sua eliminação pode provocar ataques
de asma, não somente em crianças,
mas também em adultos, durante um
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
período de vários anos (Jacobs et al.,
1997). Uma forma de contornar esses problemas é a retirada desse
resíduo dos campos e sua utilização
na geração de produtos que sejam
benéficos para o homem. Isso é possível devido à palha de arroz ser um
material lignocelulósico fibroso, de
elevado valor nutritivo. Em sua composição, a palha de arroz apresenta
um teor de cinzas de 11,4 % (Mussatto, 2002), e essas cinzas geralmente
contêm (%): SiO2 (75), K2O (10),
P2O5 (3), Fe2O3 (3), CaO (1,3) e
pequenas quantidades de Mg, S e Na
(Kadam, 2000). Contudo, seus principais componentes orgânicos são a
celulose, a hemicelulose e a lignina,
nas proporções (%) apresentadas na
Figura 1.
A fração hemicelulósica desse resíduo é composta basicamente por
polímeros heterogêneos com cadeias lineares que apresentam ramificações laterais, sendo constituídas, principalmente, por pentoses (D-xilose
e L-arabinose) e, em uma menor
proporção, hexoses (D-glicose, Dmanose e D-galactose), ácidos Dglucurônicos e grupos acetilas (Kuhad
e Singh, 1993). Uma estrutura típica
da hemicelulose encontrada na palha
de arroz está apresentada na Figura
2.
Por ser um material lignocelulósico fibroso, a palha de arroz pode ser
utilizada na geração de energia, alimentação animal, produção de combustíveis domésticos (gás metano) e
produção de fibras de papel e celulose. Além de todas essas aplicações,
esse resíduo pode ser também utilizado como matéria-prima para a produção biotecnológica de xilitol, devido ao seu elevado conteúdo de pentosanas (fração hemicelulósica) for-
Tabela 1. Valores de pH, concentração (g/L) de glicose, xilose, arabinose, furfural, hidroximetilfurfural (HMF) e ácido
acético, e estimativa dos produtos derivados da lignina (PDL), do hidrolisado de palha de arroz em sua forma original,
concentrado e tratado
Caracterização
Glicose
Xilose
Arabinose
Furfural
HMF
Ácido Acético
PDL*
pH
* absortividade a 280 nm
Original
3,29
18,33
3,40
0,10
0,17
1,05
0,16
1,22
necer um hidrolisado susceptível à
ação de microrganismos (Roberto et
al., 1996; Silva e Roberto, 1999).
O xilitol é um poliálcool de estrutura aberta e fórmula molecular C5H12O5
(sua estrutura molecular pode ser observada na Figura 3).
Esse poliálcool de valor calórico
igual a 2,4 Kcal/g apresenta características relevantes que permitem seu uso
na manufatura de alimentos, em produtos farmacêuticos e em cosméticos.
O xilitol é considerado ainda como um
adoçante perfeitamente capaz de substituir com vantagens a sacarose. Isso
porque, além de poder adoçante, apresenta propriedade anticariogênica e
possui várias aplicações clínicas que o
Hidrolisado
Concentrado
19,80
119,90
22,90
0,07
0,32
2,28
0,52
0,40
indicam no tratamento de pessoas com
diabetes, desordem no metabolismo
de lipídeos, lesões renais e parenterais,
na prevenção de otite, infecções pulmonares e osteoporose (Mäkinen,
2000).
O xilitol pode ser encontrado na
natureza em muitas frutas, vegetais e
cogumelos, porém, em quantidades
inferiores a 900 mg/100 g, o que torna
sua extração um processo antieconômico e impraticável (Parajó et al.,
1998b). Uma alternativa à extração do
xilitol diretamente dessas fontes naturais é a sua obtenção pela hidrogenação da D-xilose presente na matéria
vegetal, seja por via química, seja por
via biotecnológica.
Tratado
18,75
117,39
21,78
0,00
0,11
1,97
0,38
0,40
O processo químico é o único atualmente utilizado para produção de
xilitol em larga escala. Esse processo é
realizado em várias etapas, e entre
essas, a purificação da xilose presente
no hidrolisado é considerada a mais
crítica, pois, além de requerer uma
elevada eficiência (para que não ocorram problemas posteriores na produção), é a etapa mais dispendiosa de
todo o processo. De uma forma geral,
quando comparada à produção de sacarose ou sorbitol, a produção de xilitol
por processo químico apresenta um
custo cerca de 10 vezes maior (Heikkilä et al., 1992).
Na tentativa de desenvolver uma
técnica menos dispendiosa e que tam-
Figura 2. Estrutura da hemicelulose (Software ACD / ChemSketch vs.4.55)
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
35
Tabela 2. Fatores de Conversão: Substrato em Produto (YP/S), Substrato em
Células (YX/S), Células em Produto (YP/X), Produtividade Volumétrica (QP), e
eficiência (η, em % do máximo teórico que pode ser alcançado) obtida para
o processo fermentativo de produção de xilitol, a partir de hidrolisado de
palha de arroz
fração hemicelulósica da biomassa vegetal, já se encontra em fase avançada, apresentando resultados promissores.
Parâmetros Fermentativos
Hidrolisado Tratado
YP/S (g/g)
0,72
QP (g/L.h)
0,57
YP/X (g/g)
6,08
YX/S (g/g)
0,11
η (%)
79
Fator de Conversão de Substrato em Produto - Máximo Teórico = 0,917 g/g
Para ser utilizada como substrato
na produção de xilitol, a palha de
arroz (obtida localmente) foi submetida a um processo de hidrólise ácida
(H2SO4 1% p/v) sob condições brandas (120 oC, por 30 minutos) visando
à recuperação de uma fração hemicelulósica contendo xilose como maior
constituinte. O hidrolisado obtido foi
submetido a um processo de concentração sob vácuo a uma temperatura
de 70º ± 5 oC, com vistas a aumentar
a concentração de xilose, pois esse é
um dos principais fatores que afetam
o rendimento em xilitol por leveduras.
Em processos de hidrólise de materiais lignocelulósicos, além da liberação dos açúcares, é comum ocorrer
a formação de compostos provenientes da degradação da glicose, da xilose (hidroximetilfurfural e furfural, respectivamente) ou da lignina (aromáticos, fenólicos e aldeídos). Também
é comum ocorrer a liberação de substâncias provenientes da própria estrutura lignocelulósica (extrativos e ácido acético) ou dos equipamentos de
hidrólise (íons ferro, cromo, níquel e
cobre). Todos esses compostos atuam como potentes inibidores da ação
microbiana, interferindo negativamente no rendimento do processo fermentativo (Palmqvist e Hahn-Hägerdal, 2000). Dessa forma, para tornar o
hidrolisado obtido mais susceptível à
ação do microrganismo, esse foi tratado com carvão ativo em pó, na proporção: 1 grama de carvão : 40 gramas
de hidrolisado, nas condições: pH 2,0,
agitação 150 rpm, tempo 60 minutos
e temperatura 45 °C (Mussatto, 2002).
Após a etapa de tratamento, o hidrolisado obtido já pode ser utilizado
como meio de fermentação para a
produção de xilitol.
O microrganismo empregado nesse trabalho foi a levedura Candida
guilliermondii (FTI 20037), proveniente da coleção de culturas do Grupo
de Processos Fermentativos do Departamento de Biotecnologia da Fa-
bém possa ser utilizada em escala industrial, a Faculdade de Engenharia
Química de Lorena (Faenquil) vem potencialmente estudando o processo biotecnológico de produção de xilitol,
aproveitando resíduos agrícolas e florestais como a palha de arroz (Mussatto,
2002), o bagaço de cana-de-açúcar
(Marton, 2002), a palha de trigo (Canilha, 2002), e a madeira de eucalipto
(Cannettieri, 2001), que são encontrados facilmente e em grandes quantidades no Brasil. Esses resíduos apresentam uma fração hemicelulósica rica em
xilose, que pode ser convertida em
xilitol, através da ação de microrganismos (processo biotecnológico).
O processo biotecnológico tem-se
mostrado, por diversas razões, uma boa
alternativa ao processo químico, pois,
além de dispensar a purificação da
xilose, pode utilizar enzimas ou microrganismos específicos que atuam somente na conversão de xilose em xilitol, o que leva a um maior rendimento
em produto e, conseqüentemente facilita a sua separação. Vale a pena destacar que, entre os microrganismos, as
leveduras (especialmente as que pertencem ao gênero Candida) têm sido
consideradas mais aptas que as bactérias e os fungos para produzir esse edulcorante (Mayerhoff et al., 1996). A
Figura 4 apresenta um esquema geral
de como ocorre o metabolismo de
xilose no processo biotecnológico de
produção de xilitol .
A obtenção de xilitol por via biotecnológica está associada à capacidade
dos microrganismos em sintetizar a
enzima xilose redutase (XR). Inicialmente, essa enzima catalisa a redução
de xilose a xilitol com a participação
36
dos cofatores NADPH ou NADH (Roseiro et al., 1991). O xilitol, composto
relativamente estável, ou é excretado
da célula, ou é oxidado a xilulose pela
enzima xilitol desidrogenase (XDH),
cuja atividade requer os cofatores NAD
ou NADP.
A fosforilação da D-xilulose a Dxilulose-5-fosfato é catalisada pela enzima xilulose quinase e envolve gasto
de energia na forma de ATP. A Dxilulose-5-fosfato formada, pode, subseqüentemente, ser convertida a piruvato, através da conexão da via das
Figura 3.
Estrutura química do xilitol
(Mäkinen,
2000)
fosfopentoses (onde é gerado o NADH
necessário nas vias biosintéticas) com
a via Embden - Meyerhof - Parnas
(EMP) (Webb e Lee, 1992; Nolleau et
al., 1993). O piruvato obtido pode ser
descarboxilado e reduzido a etanol, ou
pode entrar no ciclo dos ácidos tricarboxílicos que, acoplado com a cadeia
de transporte de elétrons, regenera
NAD+ e ATP.
Atualmente o processo biotecnológico de produção xilitol por leveduras,
a partir de hidrolisados oriundos da
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
Metodologia
Tabela 3. Fator de Conversão de Substrato em Produto (Y P/S) e Produtividade Volumétrica em Xilitol (QP), em processos fermentativos a partir de hidrolisado de diferentes matérias-primas
Matéria-prima
Farelo de cevada
Sabugo de milho
Sabugo de milho
Bagaço de cana-de-açúcar
Folhas de milho
Madeira de eucalipto
Madeira de eucalipto
Palha de arroz
YP/S (g/g)
0,61
0,71
0,52
0,79
0,64
0,63
0,04
0,72
enquil, selecionada por Barbosa et al.
(1988), para produção de xilitol.
Inicialmente foi preparado um inóculo da levedura cultivada em meio
contendo xilose, extrato de farelo de
arroz, sulfato de amônio e cloreto de
cálcio, em frascos incubados a 30 °C,
em agitador rotatório a 200 rpm, por
QP (/L.h)
0,33
0,60
0,26
0,52
0,36
0,41
0,02
0,57
24 horas. Após esse período, as células
foram separadas e inoculadas no meio
de fermentação contendo o hidrolisado de palha de arroz tratado com
carvão ativo. A fermentação foi conduzida em frascos Erlenmeyer de 125
mL, contendo 50 mL do meio de fermentação, inoculados com uma con-
Referência
Cruz et al., 2000
Kim et al., 1999
Cruz et al., 2000
Alves et al., 1998
Cruz et al., 2000
Converti et al., 2000
Cruz et al., 2000
No presente trabalho
centração celular de 3 g/L, e incubados a 30 °C em agitador rotatório a 200
rpm, durante 116 horas. Durante a
fermentação, foram retiradas amostras, periodicamente, para acompanhamento do processo.
As concentrações de glicose, xilose, arabinose, xilitol, furfural, hidroximetilfurfural e ácido acético foram
determinadas por Cromatografia Líquida de Alto Desempenho (HPLC). A
determinação dos produtos derivados
da lignina foi feita de acordo com a
metodologia descrita por Rocha
(2000), baseada na leitura de absorbância em espectrofotômetro em um
comprimento de onda de 280 nm. O
pH foi determinado por potenciometria em um aparelho com correção de
temperatura. Os cálculos dos fatores
de conversão e produtividade do processo fermentativo foram feitos de
acordo com Moser (1985).
Resultados e Conclusões
Figura 4. Metabolismo de xilose em leveduras (adaptado de Parajó et al., 1998a)
O hidrolisado hemicelulósico de
palha de arroz obtido nesse trabalho
foi caracterizado físico-quimicamente,
em suas formas original, concentrado
e tratado, para determinação dos teores de glicose, xilose, arabinose, furfural, hidroximetilfurfural e ácido acético, e absortividade a 280 nm (estimativa dos produtos da degradação da
lignina - PDL). Os dados referentes a
essas determinações estão apresentados na Tabela 1.
A análise desta tabela mostra que o
processo de hidrólise foi capaz de
promover o fracionamento seletivo
dos açúcares presentes na fração hemicelulósica da palha de arroz, libe-
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
37
Figura 5. Processo fermentativo de produção de xilitol por Candida
guilliermondii, em hidrolisado hemicelulósico de palha de arroz:
A-) Consumo de Açúcares (%); B-) Produção de xilitol e Células (g/L)
durante o decorrer do processo fermentativo
rando dentre estes, a xilose, como
principal constituinte.
Em respeito às concentrações de
ácido acético, furfural e hidroximetilfurfural, pode-se dizer, com base em
dados da literatura, que os teores
desses compostos presentes no hidrolisado de palha de arroz concentrado, encontram-se abaixo dos níveis
capazes de inibir o metabolismo da
levedura Candida guilliermondii. Já
os compostos provenientes da degradação da lignina (PDL) só se enquadraram nesses níveis após o tratamento do hidrolisado com carvão ativo,
devido à remoção parcial ocorrida.
Contudo, pode-se afirmar que as propriedades físico-químicas desse hidrolisado apresentam características
favoráveis à sua utilização no processo de bioconversão de xilose em
xilitol. A confirmação disso só pôde
ser obtida após a fermentação desse
hidrolisado.
Na Figura 5, nota-se que o microrganismo foi perfeitamente capaz de
produzir xilitol a partir da xilose presente no hidrolisado de palha de arroz, confirmando que esse hidrolisado
hemicelulósico pode ser empregado
em processos de bioconversão, atingindo resultados satisfatórios. Durante o processo fermentativo, observou-se um consumo simultâneo da
glicose e da xilose presente no hidrolisado. Entretanto, a glicose por estar
em uma concentração cerca de 6,5
vezes menor, foi totalmente esgotada
38
até as primeiras 24 horas do processo,
estando seu consumo relacionado com
o aumento da concentração celular.
Ao contrário da glicose, a xilose é a
fonte de carbono utilizada principalmente para a bioconversão em xilitol.
A eficiência desse processo de
bioconversão pode ser melhor observada através dos valores dos parâmetros fermentativos mostrados na Tabela 2. Nota-se nessa tabela que o
hidrolisado de palha de arroz mostrou
ser um meio perfeitamente favorável
à ação do microrganismo, que foi
capaz de produzir xilitol com uma
elevada eficiência.
É importante ressaltar que o hidrolisado utilizado nesse trabalho foi empregado como meio de fermentação
sem a adição de nutrientes, ou seja, o
hidrolisado de palha de arroz foi capaz
de promover ao microrganismo todos
os compostos necessários para o seu
crescimento e bioconversão.
Dentre as matérias-primas normalmente empregadas na produção de
xilitol (bagaço de cana-de-açúcar, palha de trigo, madeira de eucalipto,
sabugo de milho...) a palha de arroz é
a única que tem sido capaz de gerar
um hidrolisado com características nutricionais que suprem a necessidade
de suplementação adicional, para que
possa ser empregado em processos
de bioconversão. Esse fato é de extrema importância pois acarreta uma
redução no custo global do processo.
As pesquisas de produção de xili-
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
tol realizadas até hoje com outras
matérias-primas têm apresentado resultados similares ou até inferiores aos
obtidos nesse trabalho, contando sempre com um meio de cultivo adicionado de nutrientes. Alguns exemplos de
trabalhos de produção de xilitol a
partir de outros resíduos lignocelulósicos são dados na Tabela 3. Em todos
esses casos foram, adicionados nutrientes para que o processo de bioconversão ocorresse com maior eficiência.
Com base nos resultados obtidos
nesse trabalho, podemos concluir que,
além de contribuir na solução de possíveis problemas ambientais, a utilização da palha de arroz no processo de
bioconversão de xilose em xilitol surge como uma alternativa interessante
de produção desse edulcorante, pois
apresenta resultados promissores e
que podem ser ainda melhorados.
Estudos de outras variáveis de grande
efeito em processos fermentativos,
como a transferência de oxigênio em
biorreator, por exemplo, estão sendo
realizados no Departamento de Biotecnologia da Faenquil, e esperamos,
em um futuro próximo, aumentar
ainda mais os resultados dessa bioconversão, e estabelecer, de uma forma
geral, a melhor tecnologia para produção desse edulcorante, que, cada
vez mais, vem apresentando propriedades e efeitos benéficos para a saúde do homem.
Agradecimentos
Os autores agradecem à FAPESP e
ao CNPq pelo apoio financeiro concedido para execução deste trabalho.
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
39
Biologia molecular do
desenvolvimento reprodutivo em Pinus
Pesquisa
Fotos cedidas pelos autores
Biotecnologia da reprodução em pinheiros
Reprodução em pinheiros
Cristiano Almada Lobo, Dr.
[email protected]
Escola Superior de Agricultura “Luiz de
Queiroz”, Depto. de Ciências Florestais
Marcelo Carnier Dornelas, PhD
[email protected]
Escola Superior de Agricultura “Luiz de
Queiroz”, Depto. de Ciências Florestais
A maior parte dos pinheiros utilizados comercialmente para a produção de madeira para lápis e polpa de celulose para a fabricação de
papel e papelão é do gênero Pinus
e pertence ao grupo das coníferas.
As coníferas evoluíram das prógimnospermas no final do período
Devoniano e constituíam um dos
grupos de plantas terrestres mais
norte e alguns tipos de formações
florestais do hemisfério sul, como
as florestas de araucárias. As sementes das gimnospermas são
“nuas”, ou seja, não estão envoltas
em outra estrutura protetora como
as sementes das angiospermas, que
são incluídas nos frutos. Uma característica marcante das coníferas
é o arranjo dos órgãos reprodutivos de maneira espiralada, formando um cone, também chamado de
Figura 1: A: Nuvem de pólen liberada por cones reprodutivos (estróbilos) masculinos de
Pinus, durante a fase reprodutiva. B: Estróbilos masculinos de Pinus em diferentes fases de
desenvolvimento. C: Grãos de pólen de Pinus vistos em microscopia eletrônica de varredura.
Note as estruturas em forma de “bóias” denominadas “sacci” (setas) que auxiliam na dispersão
pelo vento e no processo de fecundação. Barras: B: 4cm; C: 30µm
abundantes durante a era Mesozóica (Miller, 1978). Atualmente, espécies de coníferas dominam as florestas temperadas do hemisfério
40
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
estróbilo. Há estróbilos masculinos, produtores de pólen (Figura
1), e estróbilos femininos, compostos de brácteas, que contém um ou
dois óvulos (Figura 2).
Uma mesma árvore de
Pinus pode conter estróbilos masculinos e femininos; no entanto, em
alguns gêneros (como
em Araucaria, por exemplo), há árvores masculinas e árvores femininas (Figura 3). A maior
parte das espécies do
gênero Pinus são monóicas, ou seja, possuem cones masculinos e
femininos na mesma
planta (Figura 4).
Semelhante a muitas
angiospermas, o “floresFigura 2: A: Ramos contendo estróbilos femininos maduros de Pinus, que já
cimento” em pinheiros
liberaram as sementes. B: Estróbilo feminino de Pinus na fase em que o mesmo
do gênero Pinus iniciase encontra receptivo aos grãos de pólen. C: Uma das escamas ovulíferas do cone
se com a transformação
feminino mostrado em B, visto em microscopia eletrônica de varredura. As setas
de um meristema indeapontam para os óvulos. Barras: B: 0,5 cm; C: 150µm
terminado (de uma gema
axilar), em um meristema determinado, que formará um ção da fase vegetativa, durante a detalhadamente em plantas angiestróbilo. Os estróbilos tornam-se qual o meristema produz órgãos ospermas. De maneira geral, a exanatomicamente diferenciáveis com vegetativos (folhas), para a fase pressão de LFY durante a fase vegeo desenvolvimento de brácteas. reprodutiva, durante a qual o me- tativa, é inicialmente baixa, mas
Complexos constituídos de esca- ristema da inflorescência produz aumenta com a idade da planta. Os
mas e brácteas ovulíferas são dife- os meristemas florais. Estes, por níveis de expressão são mais altos
renciados na periferia do eixo dos sua vez, produzem os órgãos re- na entrada da fase reprodutiva, sumeristemas das gemas reproduti- produtivos, em estruturas especi- gerindo que a concentração do provas femininas (Figura 2). Já nas alizadas, as flores. Em plantas gim- duto de gene LFY pode ser crítica
gemas reprodutivas masculinas, nospermas, como o pinheiro, não para a transição para o floresciiniciais dos microsporângios são há produção de ¨flores¨ propria- mento. Essa evidência tem sido conproduzidos na periferia do eixo mente ditas, mas dos cones mascu- firmada com a demonstração de
que, em plantas transgênicas supedos meristemas das gemas repro- lino e feminino.
Durante a fase reprodutiva de rexpressando o gene LFY, há uma
dutivas masculinas. No decorrer
do desenvolvimento, os óvulos angiospermas, os genes de identi- redução do tempo necessário para
contendo o saco embrionário são dade do meristema floral, em sua a formação da primeira flor (Blázdiferenciados pelas brácteas ovulí- maioria codificadores de fatores de quez et al., 1997; Peña et al., 2001).
Em contraste com o que ocorre
feras e pelos grãos de pólen que transcrição, promovem a iniciação
são produzidos pelas estruturas que de flores individuais. Na planta com as angiospermas, a nossa comcompõem o estróbilo masculino (Fi- modelo Arabidopsis thaliana (uma preensão dos processos moleculaplanta da família da mostarda), os res que governam o desenvolviguras 1 e 2).
principais genes de identidade do mento reprodutivo de gimnospermeristema floral são LEAFY (LFY) e mas é bastante limitada. Genes coBases moleculares do
APETALA1 (AP1; Weigel, 1998). dificadores de fatores de transcridesenvolvimento
Estes genes não só são necessários ção da família MADS, que se exreprodutivo em Pinus
para a iniciação das flores, mas são pressam nos órgãos reprodutivos
Estudos de genética e de biolo- suficientes para a indução do flo- de gimnospermas, têm sido isolagia molecular têm mostrado que os rescimento quando a superexpres- dos em Pinus (Mouradov et al.,
mecanismos controladores do de- são dos mesmos é induzida em 1999). Esses genes mostraram uma
senvolvimento reprodutivo são lar- plantas transgênicas (Mandel & Ya- alta similaridade com os genes de
gamente conservados entre as an- nofsky, 1995; Weigel & Nilsson, angiospermas, evidenciando a conservação evolutiva do papel biológiospermas (Weigel, 1998; Dorne- 1995).
A indução da expressão de ortó- gico dos mesmos. Em angiosperlas, 2000). O primeiro passo do
desenvolvimento floral é a transi- logos de LFY tem sido estudada mas, esses genes são responsáveis
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
41
ospermas perdeu o homólogo correspondente a NLY durante sua
evolução (Frohllich & Parker, 2000).
Os padrões de expressão de NLY
e PrFLL em meristemas reprodutivos de Pinus são semelhantes aos
observados para os seus homólogos de angiospermas, sugerindo
uma conservação evolutiva da função desse elemento-chave na iniciação do desenvolvimento reprodutivo (Mouradov et al., 1998). Apesar das análises das seqüências
deduzidas de aminoácidos das proteínas PrFLL e NLY terem mostrado
que estas possuem uma estrutura
ligeiramente diferente dos seus
homólogos de angiospermas, plantas transgênicas de Arabidopsis que
superexpressam NLY apresentaram
florescimento precoce quando comparadas com controles não transgênicos (Mouradov et al., 1998).
Essa observação indica que os homólogos de LFY de Pinus comportam-se de maneira similar ao gene
LFY endógeno de Arabidoposis, atuando em uma rede regulatória responsável pela entrada na fase reprodutiva.
Perspectivas biotecnológicas
do controle da reprodução
em pinheiros
Figura 3: A: Planta masculina de Araucaria, com estróbilos produtores de pólen. B: Planta feminina de Araucaria, com estróbilos
produtores de óvulos
pela formação de sépalas, pétalas,
anteras e carpelos. O papel desses
genes em coníferas é desconhecido.
Igualmente, homólogos ao gene
LFY de Arabidopsis têm sido isolados e caracterizados em Pinus (Mouradov et al., 1998; Mellerowics et
al., 1998). O genoma de Pinus possui dois homólogos do gene LFY,
denominados NEEDLY (NLY) e PrFLL. Surpreendentemente, a proteína PrFLL mostrou uma maior simi42
laridade de seqüência (cerca de
70%) em relação aos homólogos de
angiospermas como LFY, do que
em relação a NLY (cerca de 50%),
indicando que a divergência entre
os dois genes de Pinus não ocorreu
com a mesma velocidade. Recentemente, outros homólogos de LFY
foram clonados de gimnospermas
e angiospermas em nosso laboratório (Dornelas et al., dados não
publicados) e há evidências de que
a linhagem que deu origem às angi-
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
Uma aplicação óbvia para os
genes responsáveis pela passagem
da fase vegetativa para a fase reprodutiva em plantas é o florescimento
precoce. Isso já foi demonstrado
em plantas de interesse agrícola,
como citrus (Peña et al., 2001).
Plantas transgênicas de citrus que
superexpressaram o gene LFY floresceram precocemente (antes de 1
ano) e, portanto, produziram frutos mais cedo.
O florescimento precoce é particularmente importante em espécies florestais, pois o melhoramento
genético de plantas arbóreas é altamente prejudicado pelo longo tempo de geração. Em alguns casos, o
melhorista de árvores precisa esperar algumas décadas, até que as
árvores recém-plantadas atinjam a
maturidade reprodutiva para realizar novos cruzamentos. Dessa for-
o desenvolvimento reprodutivo
precoce ou tardio.
Referências
Figura 4: Presença de estróbilos masculinos (setas amarelas)
e femininos (setas brancas) em uma mesma planta de Pinus
ma, plantas arbóreas que apresentem florescimento precoce acelerariam enormemente os programas
de melhoramento. Uma vez que os
genes responsáveis pela passagem
da fase vegetativa para a fase reprodutiva já foram isolados em pinheiros (Mouradov et al., 1998; Dornelas et al., dados não publicados),
espera-se que plantas transgênicas
que superexpressem esses genes
apresentem florescimento precoce.
Por outro lado, plantas de pinheiro transgênicas que tiverem os
homólogos de LFY silenciados também são igualmente interessantes.
Se esse silenciamento resultar na
repressão da fase reprodutiva, a
energia que seria gasta pela planta
para a produção de estruturas reprodutivas, seria canalizada para a
produção de estruturas vegetativas
(inclusive materiais de interesse
comercial, como madeira e resina).
Como a aceitação de plantas
transgênicas ainda é variável em
algumas partes do mundo, o conhecimento dos genes responsáveis pela reprodução em pinheiros
também pode ser aproveitado para
a geração de marcadores moleculares para a seleção precoce. Dessa
forma, a variabilidade natural da
expressão e a seqüência gênica dos
homólogos de LFY em Pinus pode
ser aproveitada para a seleção (ainda no viveiro) de plantas que apresentem uma tendência genética para
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
43
Pesquisa
Escape Gênico e
Impacto Ambiental
Foto cedida pelos autores
O caso do milho no Brasil
Aluízio Borém
Eng. Agrônomo, M.S., Ph.D., Professor da
Universidade Federal de Viçosa
[email protected]
Magno Antônio Patto Ramalho
Eng. Agrônomo, M.S., D.S., Professor da
Universidade Federal de Lavras.
[email protected]
transformação gênica tem potencial para
melhorar a produtividade, resistência, qualidade nutricional e
outras características
das plantas cultivadas. As técnicas
moleculares utilizadas na transformação gênica consistem basicamente na introdução e integração de
pequenos fragmentos de DNA isolados e clonados a partir de genes
de outros organismos, no genoma
da espécie receptora.
Apesar dos benefícios evidentes das cultivares geneticamente modificadas, a preocupação de que
estas possam apresentar algum impacto negativo ao meio ambiente,
como o escape dos transgenes, tem
sido alvo de estudos por pesquisadores em diversas instituições.
Um dos argumentos contra o
44
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
emprego de cultivares transgênicos é o fluxo gênico, isto é, a passagem do gene para outras cultivares
da mesma espécie ou para algum
parente silvestre e até mesmo para
espécies não aparentadas. A passagem para parentes silvestres tem
recebido maior atenção, porque
segundo alguns ambientalistas este
fato poderia mudar as propriedades genéticas das espécies nativas,
com reflexo na biodiversidade.
É preciso desde logo, comentar
que o fluxo gênico nada mais é que
um processo migratório de
alelos que é encontrado
nos compêndios de genética de populações. Como
se sabe, o efeito da migração entre populações da
mesma espécie depende da
proporção de indivíduos
migrantes e da diferença
nas freqüências do alelo
nas duas populações (Falconer e Mackay, 1996). No
caso dos transgênicos,
como a população receptoras não possui ainda o
gene, não é como a transferência de alelos que normalmente
ocorre entre populações. Contudo,
ela pode ser tratada do mesmo
modo. Deve ser salientado também
que genes uma vez introduzidos no
parente silvestre, poderá por meio
da recombinação, ser disseminado. É evidente que a seleção natural, irá atuar e, assim ele só perma-
Tabela 1: Porcentagem de pólen acumulada provenientes de diferentes distâncias em sete campos de milho Bt em
Ontário.
Porcentagem de pólen acumulada nas distâncias
Campo
0m
1m
10 m
25 m
50 m
100 m
1
46
75
91
97
99
100
2
43
70
88
94
96
100
3
46
73
88
95
96
100
4
47
81
92
96
98
100
5
35
69
88
93
98
100
6
41
76
90
97
98
100
7
38
72
84
96
98
100
Média
43
74
Fonte: Eastham e Sweet, 2002
89
95
98
100
necerá na população se conferir
alguma vantagem seletiva. Em realidade o fluxo gênico entre espécies relacionadas, que sobrevivem
em um mesmo ambiente por milhares de anos, deve ocorrer com freqüência e mesmo assim podem
permanecer com suas propriedades genéticas particulares. Como
esse assunto tem sido muito comentado na atualidade, é importante que alguns aspectos do fluxo
gênico sejam discutidos e quando
necessário adotar medidas para
atenuar o seu efeito. O fluxo gênico
pode ocorrer por meio de semente
ou por dispersão de pólen. Nessa
publicação a ênfase será a discussão do pólen como veículo do fluxo gênico. É também necessário
salientar que o fluxo gênico pode
ser vertical, quando envolve cultivares e/ou populações da mesma
espécie, ou horizontal, quando
envolve a hibridação entre espécies diferentes, aparentadas ou não.
Nesse aspecto é preciso ressaltar
que embora o termo híbrido seja
utilizado em diferentes conotações,
sob ponto de vista, de genética de
populações, ele é utilizado quando
envolve o cruzamento entre espécies. Já a expressão recombinação é
restrita para os cruzamentos entre
populações de mesma espécie (fluxo gênico vertical).
Considerando o conceito de espécie (Ramalho et al., 2001) não é
esperado que ocorram hibridações.
Contudo, em casos esporádicos,
com a interferência do homem ou
não, ela pode ocorrer. Foi esse
fenômeno que deu origem a um
grande número de novas espécies,
entre elas o trigo cultivado Triticum aestivum L., o algodão Gosypium hirsutum e várias outras. É
importante salientar, que esses casos ocorreram a milhares de anos e
em realidade o fluxo gênico envolveu o genoma inteiro, e não apenas
alelos ou genes.
Fatores que Afetam a Dispersão
de Pólen e Conseqüentemente a
Taxa de Fluxo Gênico
Tipos de espécie. As espécies
cultivadas diferem na taxa de fecundação cruzada. Inclusive são
classificadas em autógamas–quando há predominância de autofecundação e, alógamas, quando há
predominância de fecundação cruzada, além das intermediárias.
Como espécies autógamas típicas
pode-se citar, a soja, trigo, feijão,
alface cuja freqüência de fecunda-
ção cruzada é inferior a 5%. Como
alógamas tem-se o milho, girassol,
cebola e eucalipto, entre outras, a
fecundação cruzada é alta, normalmente acima de 90%. Já nas espécies intermediárias como o algodão,
a taxa de autofecundação é superior a 5% das alógamas, mas inferior
aos 95% das autógamas.
Diferença entre cultivares da
mesma espécie. Há diferença entre os cultivares com relação à cor e
tamanho das flores, atraindo mais
ou menos polinizadores, e a produção de pólen, os quais afetam a
taxa de fecundação cruzada. No
milho, por exemplo, há grande diferença no tamanho do pendão
entre cultivares e por conseqüente
na produção de pólen.
A taxa de fecundação cruzada
entre espécies ou entre cultivares
da mesma espécie depende da produção e dispersão de pólen (Raybould e Gray 1993). Modelos matemáticos têm sido utilizados para
simular os padrões de dispersão de
pólen em milho e outras espécies.
O Caso do Milho
Para se entender o fluxo gênico
é necessário conhecer informações
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
45
sobre a biologia floral da espécie.
O milho é uma gramínea monóica,
isto é, tem órgão masculino (pendão) e feminino (espiga) separados, porém na mesma planta. A
inflorescência masculina (pendão)
se localiza na parte terminal do
colmo, enquanto as inflorecências
femininas (espigas) se localizam
nas axilas foliares. A quantidade
de pólen produzida é muito acima
da necessidade da planta. Há estimativas que para cada óvulo que se
desenvolve em um grão, a planta
produza de 9.000 a 50.000 grãos de
pólen (Weatherwax, 1955). Depreende-se então que se for considerado uma espiga que tenha em média
500 grãos, tem-se cerca de 4,5 a 25
milhões de grãos de pólen por planta (Eastham e Sweet, 2002).
A duração da antese varia entre
as cultivares, porém de um modo
geral ela ocorre, em geral, durante
5 a 8 dias. A longevidade do pólen
é variável com as condições ambientais, dependendo especialmente
da temperatura e umidade relativa
do ar. Há relatos de viabilidade
após24 horas até alguns dias (Emberlin, 1999). Contudo, Luna et al.
(2001) obtiveram dados que nas
condições de San Jose Del Valle, no
México, não ultrapassou duas horas. O conhecimento da longevidade do pólen é fundamental para se
acessar o fluxo gênico.
O grão de pólen de milho é,
relativamente, muito grande, em
média com 90 a 125 µm, e o principal veículo de polinização é o vento. Estudos teóricos apontam que
pelo vento ele pode ser levado até
alguns kilometros. Contudo, há inúmeros relatos que apontam que a
dispersão do pólen se concentra a
poucos metros da fonte. A tabela 9,
mostra a dispersão do pólen em
experimentos conduzidos em Ontário, utilizando como marcador genético o gene Bt, em sete campos
diferentes (Sears e Stanley-Horn,
2000). Observa-se que mais de 96%
do pólen em todos os campos, situou-se a 25 m da fonte de pólen.
46
Em função de resultados como este,
tem sido proposto o isolamento em
campos de produção de sementes
de 200 m para se ter 99,9% de
pureza (Ingram, 2000 e Luna et al.,
2001).
Associando o isolamento espacial de 200 a 300 m, com o temporal,
isto é, intervalo na semeadura superior a 30 dias, a chance de ocorrer fluxo gênico vertical, por meio
do pólen é nula.
Fluxo gênico horizontal
para parentes silvestres
por meio do pólen
Os parentes silvestres mais próximos do gênero Zea, pertencem
ao gênero Tripsacum, os quais não
se cruzam com o milho. As espécies
sexualmente compatíveis com o
milho possuem distribuição geográfica restrita ao México e
Guatemala e não há relatos de outros parentes sexualmente compatíveis com o milho no Brasil. Portanto, por meios convencionais não
é esperado a ocorrência do fluxo
gênico horizontal envolvendo o
milho no Brasil.
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
47
Estudos de
PESQUISA
Fitotoxicidade
Ilustrações cedidas pelos autores
Estudos de toxicidade em aterros de resíduos sólidos urbanos
Resumo
Marcio Camargo de Melo
Bioólogo, Mestrando em Engenharia Civil –
Universidade Federal de Pernambuco- Recife –
PE – Brasil
[email protected]
Veruschka Escarião Dessoles
Monteiro, MSc
Doutoranda em Engenharia Civil –Universidade Federal de Pernambuco
Recife – PE – Brasil
[email protected]
Marcio Luis Neves, MSc
Pesquisador assistente, Depto. de Antibióticos –
Universidade Federal de Pernambuco
Recife – PE – Brasil
Janete Magali de Araújo, DSc
Professora Adjunta, Depto. de Antibióticos –
Universidade Federal de Pernambuco
Recife – PE – Brasil
José Fernando Thomé Jucá, DSc
Professor Adjunto, Depto de Engenharia Civil –
Universidade Federal de Pernambuco
Recife – PE – Brasil
[email protected]
48
Aterros de Resíduos Sólidos Urbanos, por apresentarem lixo procedente de muitas fontes, apresentam agentes tóxicos, além de serem uma fonte
de inúmeros microrganismos patógenos, que podem ser nocivos aos seres
vivos e ao meio ambiente. Por isso,
verificar o grau de contaminação por
agentes tóxicos é um importante critério, assim como analisar a biota microbiana dos resíduos depositados no aterro, a fim de serem avaliados os danos
que podem ser causados à saúde pública e ao meio ambiente. Um outro
aspecto a ser avaliado é que os agentes
tóxicos podem influenciar na própria
biota microbiana de aterros de resíduos
sólidos urbanos, interferindo, portanto,
na evolução do processo degradativo
dos resíduos. Uma outra finalidade para
o desenvolvimento dessas pesquisas é
o possível manuseio desses resíduos
após a bioestabilização e a reutilização
desse material para diversos fins. Neste sentido, com o material proveniente
do Aterro da Muribeca, foram realizados testes de fitotoxicidade, determinação de microrganismos patógenos,
além de ensaios complementares
como: teor de umidade, sólidos voláteis, teor de metais, temperatura e pH.
1. Introdução
Os resíduos depositados em aterros
de resíduos sólidos procedem, na maioria das vezes, de fontes domiciliares,
industriais e comerciais, tendo uma
composição bastante diversificada
como: alimentos, podas de árvores,
jardim, fraldas descartáveis: rejeitos industriais, pilhas etc. Esses produtos são
constituídos por diferentes macromoléculas, as quais serão hidrolizadas por
enzimas extracelulares, chamadas hidrolases, que são secretadas por diversos microrganismos. Essa composição
variada permite o desenvolvimento
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
de diversos microrganismos, em decorrência da elevada concentração de compostos orgânicos, além de elevado índice de metais pesados e outros constituintes tóxicos, inclusive subprodutos do
metabolismo microbiano.
O comportamento dos resíduos depositados em aterros é semelhante a um
biorreator e, em condições ótimas, o
biorreator provê uma quebra completa
da fração biodegradável do lixo. Do
ponto de vista da engenharia, a quebra
acelerada dos compostos, através do
controle das condições ambientais, conduz a uma estabilização mais rápida,
maiores recalques e eventual reutilização do local (McDougall et al. 2001).
O campo experimental foi o Aterro
de Resíduos Sólidos da Muribeca, localizado na região metropolitana do Recife,
no município de Jaboatão dos Guararapes, costa nordeste do Brasil; possui uma
área de 60 hectares e recebe diariamente 3.000 toneladas de resíduos domésticos e industriais, sendo cerca de 60% do
lixo composto de material orgânico, 15%
de papéis, 8% de plásticos, 2% de metais, 2% de vidros e 13% de outros
materiais; desde 1985, funciona como
depósito de resíduos. O aterro está passando por uma fase de reestruturação,
passando de lixão para aterro sanitário.
O aterro é constituído por células de
idades variáveis. Sendo que os estudos
foram realizados na Célula 1, a mais
antiga do aterro, com idade de 17 anos.
Essa célula tem dimensões 200mx200m
e uma espessura média da camada de
lixo de 20m (Jucá et al 2002).
O objetivo deste trabalho é verificar
o grau de contaminação de agentes
tóxicos como um importante critério
para avaliar a evolução do processo de
biodegradação dos resíduos depositados
no aterro, bem como os danos à saúde
pública e ao ambiente.
2. Material e Métodos
Os ensaios realizados na Célula 1
envolveram a coleta de amostras líquidas (chorume) e sólidas (resíduo sólido) obtidas a partir de sondagem a
percussão (SPT) em diferentes profundidades, tendo como objetivo a análise dos agentes tóxicos por meio de
testes de fitotoxicidade e teor de metais; análises microbiológicas, além de
outros parâmetros medidos durante os
ensaios. O teste de fitotoxicidade consiste em semear sementes de diferentes espécies de plantas e analisar o
crescimento e o tamanho da raiz (Tíquia et al. 1996). Paralelamente a esses ensaios, realizou-se também a identificação e a quantificação de microrganismos patógenos presentes na
massa de lixo. Estes ensaios foram complementados com a determinação de
testes físico-químicos como: teor de
metais, temperatura, pH, teor de umidade, sólidos voláteis.
2.1. Análises Físico-Químicas e
Microbiológicas
Análises físico-químicas e microbiológicas do chorume e do resíduo sólido em diferentes profundidades foram realizadas a fim de determinar o
grau de contaminação do lixo depositado na Célula 1. Essas análises permi-
tiram verificar com detalhes como evoluiu o metabolismo microbiano nas diferentes profundidades.
A metodologia empregada para essas análises foi segundo a APHA, 1992,
e a Portaria nº 829, de 15 de fevereiro
de 2001 do Diário Oficial nº 35-E. De
acordo com WHO (1979), foram realizados os ensaios de umidade, sólidos
voláteis e pH.
As amostras foram coletadas por
meio de ensaios SPT, de acordo com a
NBR 6484 / NBR 7250, e segundo a
técnica de coleta e conservação da CETESB, (1986). Para a coleta de microrganismos anaeróbios utilizou-se equipamento desenvolvido no Laboratório
de Solos e instrumentação da UFPE.
2.2. Fitotoxicidade e Metais
O ensaio de fitotoxicidade consistiu em semear duas diferentes espécies de plantas. As plantas escolhidas
foram tomate (Lycopersicon lycopersicum) e repolho (Brassica oleraceae). Essas duas espécies de plantas são
recomendadas para teste de fitotoxicidade (USEPA,1982;FDA,1987) Nesses ensaios foi observada a quantidade de sementes germinadas e o comprimento da raiz, e, então, calculado o
índice de germinação (%) e o crescimento médio da raiz (%), segundo
Tíquia et al. (1996).
Os ensaios de fitotoxicidade e metais foram realizados para avaliar o nível de toxicidade nas diferentes profundidades, e quais eram os seus efeitos na biota microbiana. Além do mais,
o teste de fitotoxicidade é um critério
que pode ser utilizado para avaliar o
níveis de toxidez antes de o resíduo
ser reutilizado para diversos fins, e assim evitar acidentes ambientais.
Segundo Wang & Keturi (1990), a
germinação de plantas e o comprimento da raiz tem sido um teste bastante
usado por ser uma técnica simples,
rápida, segura e reproduzível, para
avaliar os danos causados pelas combinações tóxicas presentes em vários
compostos.
3. Resultados e Discussão
3.1 . Análises Físico-químicas
e Microbiológicas
Os resultados das análises físicoquímicas são apresentados na Tabela
1. Esses resultados sugerem uma bioestabilização que pode ser ilustrado
pelos índices de DBO e DQO, que são
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
49
bastante baixos (333 e 4.941, respectivamente). Esses valores condizem
com a baixa atividade microbiológica
(Figura 1) nas diferentes profundidades, onde houve quantificação e qualificação de microrganismos do grupo
coliforme totais e fecais. Espécies como
Pseudomonas aeruginosas, Streptococcus fecaes, Staphylococcus aureus
e Clostridium perfringens indicam essa
baixa atividade, pois encontrou-se valores de NMP (Número Mais Provável)
na ordem de grandeza de 103 a 105, o
que representa valores baixos. Contudo, essa contagem mostrou-se praticamente constante ao longo da profundi50
dade, indicando uma constância nas
condições do meio (massa de lixo).
Outros parâmetros monitorados (Figura 2) comprovam o estágio de bioestabilização dos resíduos depositados
na Célula 1. Isso pode ser evidenciado pelo teor de sólidos voláteis dos
resíduos da Célula 1, que, nos últimos
ensaios realizados (2001), variaram em
torno de 5% (constante ao longo da
profundidade), sendo um indicativo de
que a quantidade de matéria orgânica
existente na Célula é bastante reduzida. Nos ensaios realizados em 1999,
esses teores eram de 10%. Isso pode
indicar uma possível mineralização do
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
material depositado na Célula 1.
Contudo, o teor de umidade dos
resíduos da Célula 1 mostra uma
faixa de variação ao longo da profundidade de 20% a 40%, sendo
essa faixa favorável para o processo de biodegradação do lixo (Palmisano & Barlaz, 1996). Apesar de
o estágio de degradação estar bastante avançado, os teores de umidade se mantêm na faixa ótima.
Isso poderia ser explicado pelos
elevados níveis de precipitação
anual, o que deixa os resíduos com
uma taxa de umidade elevada.
A temperatura da massa de lixo
foi um outro parâmetro monitorado,
que serve de indicador da evolução do
processo de degradação. A temperatura da massa sólida é bastante uniforme
ao longo da profundidade, com valores
oscilando em torno de 30oC a 35oC, o
que corresponde à temperatura ambiente no Aterro da Muribeca. A faixa de
variação do pH também é bastante
pequena, oscilando em torno de pH 8,
valor típico de resíduos na fase de
maturação final.
chorume, uma vez que o NMP de
microrganismos foi, de uma maneira
geral, inferior ao NMP obtido no resíduo sólido. O ensaio de fitotoxicidade
pode ser um parâmetro que comprova
essas análises. O fato de o ambiente ser
menos tóxico no resíduo permite um
melhor desenvolvimento da biota mi-
crobiana, como também para o crescimento e germinação das sementes. Os
resultados dos ensaios de quantificação de metais (Tabela 2) coincidem
com os resultados dos testes de fitotoxicidade, havendo uma diminuição dos
níveis de metais com o aumento da
profundidade e, conseqüentemente,
3.2 Fitotoxicidade e Metais
A análise dos resultados dos ensaios
de fitotoxicidade (Figura 3) permitiu
verificar que, com o aumento da profundidade, o índice de germinação
para o chorume e o resíduo sólido
aumentou gradativamente, indicando
um material menos tóxico em profundidades mais elevadas. Também foi
observado que o chorume é mais tóxico que o resíduo, uma vez que o
crescimento da raiz e a germinação foi
maior para o resíduo sólido. Esse resultado possivelmente é devido ao chorume carrear consigo os elementos
tóxicos. Isso também reflete no número de microrganismos presentes no
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
51
maior germinação e, comprimento da
raiz.
Segundo Tíquia et al. (1996) o aumento na germinação de sementes e
no crescimento da raiz coincide com
o decréscimo no NH 4 + N , Cu e Zn do
lixiviado. O que foi observado nos testes realizados no Aterro da Muribeca
(Tabela 2). O desaparecimento da toxicidade dos resíduos com o aumento
da profundidade pode ser indicador da
maturidade da massa de lixo depositada na célula.
Entretanto, o número baixo de microrganismos possivelmente seja devido mais à idade avançada da célula
que à concentração de metais pesados.
4. Considerações Finais
Os estudos de fitotoxicidade aliados a outros ensaios físico-químicos e
microbiológicos, mostraram-se eficientes na avaliação do comportamento
dos aterros de lixo urbano. Esses ensaios são capazes de indicar o comportamento dos resíduos depositados no
aterro e o estágio de degradação desses resíduos em função do tempo, a
fim de verificar o grau de contaminação de agentes tóxicos, podendo ser
avaliados danos à saúde pública e ao
ambiente. Também esses estudos representam um indicativo do nível de
contaminação no caso de um possível
manuseio de resíduos após a sua provável bioestabilização, em caso de reutilização desse material para diversos
fins.
Os estudos realizados na Célula 1
sugerem uma bioestabilização do material depositado, já que os parâmetros
físico-químicos como a DBO, DQO e o
teor de sólidos voláteis apresentam
valores baixos. O NMP da biota microbiana também apresentou valores bem
reduzidos, indicando também uma
pequena concentração de matéria orgânica. A ordem de grandeza de NMP
foi de 104, sendo inferior a uma célula
em plena atividade, que apresenta
uma ordem de grandeza da ordem de
108. Além do mais, o NMP manteve-se
constante, sugerindo uma massa de
52
lixo homogênea e bioestabilizada.
Em relação aos ensaio de fitotoxicidade da Célula 1, verificou-se que houve uma diminuição da toxicidade com
o aumento da profundidade, possivelmente devido à diminuição das concentrações de metais, os quais inibem o
crescimento celular vegetativo e bacteriano. Essa diminuição é conseqüência
da lixiviação e dissolução da matéria
orgânica, bem como da degradação
biológica da massa de lixo. Vale salientar que a massa de lixo que se encontra
na base da célula é mais antiga, sendo
evidente que o substrato ali depositado
está mais degradado do que o resíduo
sólido encontrado nas camadas superficiais. Estudos mais detalhados estão
sendo desenvolvidos, o que permitirá
entender melhor o comportamento de
resíduos sólidos urbanos, além de consolidar esse tipo de estudo para avaliar
o nível de contaminação presente em
células de resíduos depositados.
5. Referências Bibliográficas
1. APHA - American Public Health Association. 1992. Standard Methods for
the Examinations of Water and Wastewater. Washington, DC.
2. Bendix et al Anaerobic digestion
Elsevier Science Amsterdan .1996.
30: 171-180.
3. CETESB, (1986). “Guia de coleta e
conservação de amostras de água”.
4. Diário Oficial nº 35-E. (2001). “Portaria nº 829 de 15 de Fevereiro de
2001”.
5. Jucá, J.F.T, Monteiro, V.E.D.,Melo,
M.C., (2002), “Monitoreo ambiental
de la recuperación del Vertedero de
resíduos sólidos de Muribeca, Brasil
– 1a parte.”, Residuos – Revista
Técnica Medio Ambiente. Ategrus –
Asociación Técnica para la Gestión
de Residuos y Medio Ambiente,
Año XII, No 64 Enero-Febrero 2002,
pp. 100-106. España.
6. Jucá, J.F.T, Monteiro, V.E.D.,Melo,
M.C., (2002), “Monitoreo ambiental
de la recuperación del Vertedero de
resíduos sólidos de Muribeca, Brasil
– 2a parte.”, Residuos – Revista
Técnica Medio Ambiente. Ategrus –
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
Asociación Técnica para la Gestión de
Residuos y Medio Ambiente, Año XII,
No 65 Marzo - Abril 2002, pp. 68-76.
España.
7. Kinman, R.,J. Richabaugh, J. Donelly, J.
Nutini, And M. Lambert. 1986. Evaluations and disposal of waste materials
within 19 teste lysimeters at Center
Hoill. EPA- 600/2-86-035.U.S. Environmental Pretection Agency, Cinicinnati, OH.
8. McDougall J.R. & Philp J.C. (2001),
“Parametric Study of Landfill Biodegradation Modelling: Methanogenesis &
Initial Conditions”, In Proc. Sardinia
2001, 8th Intl. Waste Man. & Landfill
Symp. Eds. Christensen TH, Cossu R &
Stegmann R, CISA, Cagliari, Vol. 1, pp
79-88.
9. Monteiro, V.E.D., Melo, M.C, .Jucá, J.F.T.,
(2002), “Biological Degradation Analisis in Muribeca Solid Waste Landfill
Associated with Local Climate – Recife, Brazil”, Fourth International Congress on Environmental Geotechnics
4ISEG, Rio de Janeiro, RJ, Brazil.
10. NBR 6484, ( 1979). “Execução de
Sondagens de Simples Reconhecimento nos Solos”.
11. NBR 7250, (1980). “Identificação e
Descrição de Amostras de Solos Obtidos em Sondagens de Simples Reconhecimento”.
12. Palmisano, A.C. & Barlaz, M.A. 1996.
Microbiology of Solid Waste, In Anna C.
Palmisano, Morton A. Barlaz (eds), 1224.
13. Pahren, H. Microorganisms in municipal
solid waste and public health implications, CRC Crit. Environ. Control.. 1987.
17:187-228
14. Tíquia S.M., Tam N.F.Y.& Hodgkiss I.J.,
(1996), “Effects of Composting on Phytotoxicity of Spent Pig-Manure Sawdust
Litter”, Enviromental Pollution, Vol. 93,
pp. 249-256. Elselvier Scince Ltd. Great
Britain.
15. USEPA (US Enviriomental Protection
Agency). 1982. Seed Germination/Root
Elongation Toxicity Teste. EG – 12.
Office of Toxic Substances, Washington D.C., USA
16. Wang, W.& Keturi, P.H. (1990). Comparative Seed Germination Tests Using
Ten Plant Species for Toxicity Assessment of a Metal Engraving Effluent
Sample. Wat. Air Soil Pollut., 52, 369 –
376.
17. WHO - International Reference Center
for Wastes Disposal, (1979), “Methods
of analysis of sewage sludge solid wastes and compost”, Switzerland.
maior germinação e, comprimento da
raiz.
Segundo Tíquia et al. (1996) o aumento na germinação de sementes e
no crescimento da raiz coincide com
o decréscimo no NH 4 + N , Cu e Zn do
lixiviado. O que foi observado nos testes realizados no Aterro da Muribeca
(Tabela 2). O desaparecimento da toxicidade dos resíduos com o aumento
da profundidade pode ser indicador da
maturidade da massa de lixo depositada na célula.
Entretanto, o número baixo de microrganismos possivelmente seja devido mais à idade avançada da célula
que à concentração de metais pesados.
4. Considerações Finais
Os estudos de fitotoxicidade aliados a outros ensaios físico-químicos e
microbiológicos, mostraram-se eficientes na avaliação do comportamento
dos aterros de lixo urbano. Esses ensaios são capazes de indicar o comportamento dos resíduos depositados no
aterro e o estágio de degradação desses resíduos em função do tempo, a
fim de verificar o grau de contaminação de agentes tóxicos, podendo ser
avaliados danos à saúde pública e ao
ambiente. Também esses estudos representam um indicativo do nível de
contaminação no caso de um possível
manuseio de resíduos após a sua provável bioestabilização, em caso de reutilização desse material para diversos
fins.
Os estudos realizados na Célula 1
sugerem uma bioestabilização do material depositado, já que os parâmetros
físico-químicos como a DBO, DQO e o
teor de sólidos voláteis apresentam
valores baixos. O NMP da biota microbiana também apresentou valores bem
reduzidos, indicando também uma
pequena concentração de matéria orgânica. A ordem de grandeza de NMP
foi de 104, sendo inferior a uma célula
em plena atividade, que apresenta
uma ordem de grandeza da ordem de
108. Além do mais, o NMP manteve-se
constante, sugerindo uma massa de
52
lixo homogênea e bioestabilizada.
Em relação aos ensaio de fitotoxicidade da Célula 1, verificou-se que houve uma diminuição da toxicidade com
o aumento da profundidade, possivelmente devido à diminuição das concentrações de metais, os quais inibem o
crescimento celular vegetativo e bacteriano. Essa diminuição é conseqüência
da lixiviação e dissolução da matéria
orgânica, bem como da degradação
biológica da massa de lixo. Vale salientar que a massa de lixo que se encontra
na base da célula é mais antiga, sendo
evidente que o substrato ali depositado
está mais degradado do que o resíduo
sólido encontrado nas camadas superficiais. Estudos mais detalhados estão
sendo desenvolvidos, o que permitirá
entender melhor o comportamento de
resíduos sólidos urbanos, além de consolidar esse tipo de estudo para avaliar
o nível de contaminação presente em
células de resíduos depositados.
5. Referências Bibliográficas
1. APHA - American Public Health Association. 1992. Standard Methods for
the Examinations of Water and Wastewater. Washington, DC.
2. Bendix et al Anaerobic digestion
Elsevier Science Amsterdan .1996.
30: 171-180.
3. CETESB, (1986). “Guia de coleta e
conservação de amostras de água”.
4. Diário Oficial nº 35-E. (2001). “Portaria nº 829 de 15 de Fevereiro de
2001”.
5. Jucá, J.F.T, Monteiro, V.E.D.,Melo,
M.C., (2002), “Monitoreo ambiental
de la recuperación del Vertedero de
resíduos sólidos de Muribeca, Brasil
– 1a parte.”, Residuos – Revista
Técnica Medio Ambiente. Ategrus –
Asociación Técnica para la Gestión
de Residuos y Medio Ambiente,
Año XII, No 64 Enero-Febrero 2002,
pp. 100-106. España.
6. Jucá, J.F.T, Monteiro, V.E.D.,Melo,
M.C., (2002), “Monitoreo ambiental
de la recuperación del Vertedero de
resíduos sólidos de Muribeca, Brasil
– 2a parte.”, Residuos – Revista
Técnica Medio Ambiente. Ategrus –
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
Asociación Técnica para la Gestión de
Residuos y Medio Ambiente, Año XII,
No 65 Marzo - Abril 2002, pp. 68-76.
España.
7. Kinman, R.,J. Richabaugh, J. Donelly, J.
Nutini, And M. Lambert. 1986. Evaluations and disposal of waste materials
within 19 teste lysimeters at Center
Hoill. EPA- 600/2-86-035.U.S. Environmental Pretection Agency, Cinicinnati, OH.
8. McDougall J.R. & Philp J.C. (2001),
“Parametric Study of Landfill Biodegradation Modelling: Methanogenesis &
Initial Conditions”, In Proc. Sardinia
2001, 8th Intl. Waste Man. & Landfill
Symp. Eds. Christensen TH, Cossu R &
Stegmann R, CISA, Cagliari, Vol. 1, pp
79-88.
9. Monteiro, V.E.D., Melo, M.C, .Jucá, J.F.T.,
(2002), “Biological Degradation Analisis in Muribeca Solid Waste Landfill
Associated with Local Climate – Recife, Brazil”, Fourth International Congress on Environmental Geotechnics
4ISEG, Rio de Janeiro, RJ, Brazil.
10. NBR 6484, ( 1979). “Execução de
Sondagens de Simples Reconhecimento nos Solos”.
11. NBR 7250, (1980). “Identificação e
Descrição de Amostras de Solos Obtidos em Sondagens de Simples Reconhecimento”.
12. Palmisano, A.C. & Barlaz, M.A. 1996.
Microbiology of Solid Waste, In Anna C.
Palmisano, Morton A. Barlaz (eds), 1224.
13. Pahren, H. Microorganisms in municipal
solid waste and public health implications, CRC Crit. Environ. Control.. 1987.
17:187-228
14. Tíquia S.M., Tam N.F.Y.& Hodgkiss I.J.,
(1996), “Effects of Composting on Phytotoxicity of Spent Pig-Manure Sawdust
Litter”, Enviromental Pollution, Vol. 93,
pp. 249-256. Elselvier Scince Ltd. Great
Britain.
15. USEPA (US Enviriomental Protection
Agency). 1982. Seed Germination/Root
Elongation Toxicity Teste. EG – 12.
Office of Toxic Substances, Washington D.C., USA
16. Wang, W.& Keturi, P.H. (1990). Comparative Seed Germination Tests Using
Ten Plant Species for Toxicity Assessment of a Metal Engraving Effluent
Sample. Wat. Air Soil Pollut., 52, 369 –
376.
17. WHO - International Reference Center
for Wastes Disposal, (1979), “Methods
of analysis of sewage sludge solid wastes and compost”, Switzerland.
ANÚNCIO
COBRAFI
Conselho Brasileiro de
Fitossanidade
(Repete fotolito pág 45 ed. 22 de setembro/outubro de 2001)
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
53
Expointer 2002 premiou
soro que cura o botulismo
A parceria entre a Embrapa Gado de
Corte e os Laboratórios Vencofarma do
Brasil Ltda é premiada. No último domingo, dia 1º de setembro, o soro hiperimune contra o botulismo bovino (Botulin C-D) recebeu o prêmio destaque
Expointer 2002 na categoria “insumo
agropecuário”. O medicamento é único
no País para o tratamento de animais já
doentes. Até então, só havia no mercado
nacional as vacinas preventivas. O tratamento do botulismo bovino é fruto de
uma pesquisa inédita no Brasil.
No ano passado o mesmo pesquisador da Embrapa, o médico-veterinário
Pedro Paulo Pires, foi premiado com a
tecnologia da identificação eletrônica de
bovinos por meio de um chip. A tecnologia é a base de um sistema eficaz de
rastreamento e gerenciamento de rebanhos proposto pela Embrapa de Campo
Grande, MS.
Fonte: Thea Tavares - (MTb 3207 - PR)
OBS: A Embrapa possui um serviço
gratuito de atendimento (SAC) que pode
ser acessado também através do email
geral sac @ embrapa. br - Nota do editor.
Vacina apresenta bons resultados
na luta contra o câncer
Pedro Biava
Uma pesquisa realizada pelo Instituto
de Ciências Biomédicas (ICB) da USP em
parceria com o Hospital Sírio Libanês, e
com o apoio da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), vem analisando a eficácia de uma
vacina no combate a tumores de pacientes com câncer de rim e de pele (melanoma). A vacina é resultado de um alto
investimento em tecnologia feito pelo
Sírio Libanês e pela Fapesp e já apresenta
alguns resultados que permitem aos
médicos sonharem com a cura desses
tipos de câncer.
A idéia central é explicada pelo coordenador do projeto, o imunologista e
professor do ICB, José Alexandre Marzagão Barbuto: “A intenção é fazer com
que o sistema imune, inibido pela doença, seja induzido pela vacina e que,
depois, possa continuar sozinho o combate às células cancerosas”. Para desenvolver a vacina, são retiradas células
54
dendríticas (apresentadoras de antígenos) de pessoas sadias e células de
tumores dos pacientes a serem tratados.
A partir de uma fusão feita em laboratório, são criadas células híbridas que
atuarão no combate às células doentes.
A pesquisa já dura um ano e os resultados colhidos têm sido satisfatórios, apesar de ainda pouco conclusivos.
Na pesquisa foram estudados casos
de câncer de rim e de melanoma (pele).
Nos 30 pacientes que receberam a vacina na primeira fase do projeto, foi
possível notar que na maior parte dos
casos os tumores pararam de progredir,
havendo até mesmo regressão, ainda
que pequena. A escolha dos pacientes
foi feita de acordo com a condição
clínica que melhor se encaixava no
estudo. Todos recebem o tratamento
experimental gratuitamente, mesmo porque ainda seria muito caro fazê-lo caso
fosse colocado no mercado. Barbuto
ressalta o caráter experimental da vacina
mas se mostra otimista quanto a resultados futuros. “Não há previsão de quando essa vacina poderá ser disponibilizada, pode ser daqui a três meses, um ano
ou muito mais. O importante é que os
resultados já têm aparecido”, comenta
otimista.
A vacina é preparada no laboratório
de patologia do Hospital Sírio Libanês
ficando para o ICB boa parte do trabalho
instrumental no desenvolvimento e aprimoramento de novas técnicas. A pesquisa em câncer realizada hoje no País é
das mais modernas do mundo e ganhou
um grande reforço com a inauguração
do Centro de Oncologia do Sírio Libanês. “O Centro compete com qualquer
outro do mundo. O grande diferencial é
a abordagem que nós fazemos”, diz
Barbuto que está participando, até domingo (18) do III Congresso Internacional de Cancerologia e Imunobiomodulação em São Paulo.
Mais informações: (11) 3091-7375
Agência USP de Notícias
Ortopedistas poderão cicatrizar
fraturas com laser
O laser de baixa intensidade é muito
usado em tratamentos médicos, mas
ainda não é empregado na ortopedia. A
irradiação funciona como suporte energético para células envolvidas na recu-
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
peração de lesões em tecidos do sistema
locomotor, e o feixe de luz ajuda na
modelagem da cicatriz, o que diminui o
atrito com outras estruturas e facilita a
reabilitação dos movimentos. Isso é o
que indica estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que prevê
uma cicatrização mais rápida e de melhor qualidade.
“Uma fratura que demora dois meses
para cicatrizar, por exemplo, talvez tenha seu período de recuperação reduzido a um mês”, observa o coordenador
do curso de pós-graduação em Ortopedia e Traumatologia da Unifesp, Flávio
Faloppa. Com relação à qualidade da
cicatrização, o laser pode auxiliar no
difícil tratamento das fraturas em pontos
de irrigação sangüínea mais limitada.
“Em algumas pessoas, o osso não se
consolida. O que poderá ser feito é abrir
uma janela no osso e aplicar o laser
especificamente para sua consolidação,
de forma independente de tratamentos
cirúrgicos”, diz Faloppa.
Esses resultados foram obtidos por
meio de testes na estrutura óssea de
ratos. “O laser funciona como um bioestimulante e amplia significativamente a
capacidade do organismo de reparar
essas lesões”, explica o médico. O trabalho foi apresentado em 2001, ano em
que uma equipe de professores ligados
à cirurgia da mão, e alunos de graduação
e pós-graduação da universidade iniciou os estudos.
As pesquisas com os tendões ainda
não foram finalizadas, mas os resultados
parciais são animadores. Os testes sobre
o impacto da irradiação apontam que o
laser apressa o restabelecimento desse
tecido.”O objetivo é diminuir a aderência”, explica Faloppa. Quando há um
dano tendinoso, fibras envolvem o local
e acabam grudando em outros pontos,
como a pele e os ossos. Isso constrange
o deslizamento do tendão e, por conseguinte, a movimentação.
Já os nervos são o maior desafio.
“Precisamos acertar bem a dose de energia do laser porque o nervo é muito
sensível, e se esquentar um pouco, o
trabalho fica prejudicado”, comenta Faloppa. A intenção é também amplificar o
potencial de restauração do tecido. O
coordenador comenta que os testes estão na fase final, e a intenção é apresentar os resultados no 4º Congresso do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica (Pibic), do CNPq, em
outubro próximo, em São Paulo.
“Precisamos ampliar os estudos, mas
o efeito de cicatrização já é comprovado; isso porque o laser tem uma ação
antiinflamatória”, observa Faloppa. Eles
pretendem verificar a eficácia do tratamento em ratos provocando fraturas e
demais lesões. “Várias cobaias já foram
sacrificadas porque a radiação pode
produzir danos, irritações no local e
predispor processos infecciosos. Por esse
motivo, é preciso ter certeza da dosagem
antes de ser aplicada no ser humano”,
completa.
Além de toda essa gama de benefícios, os estudos ainda apontam a ausência
de efeitos indesejáveis, pois o laser age
localmente e apenas facilita um processo natural do organismo. Para Faloppa,
os estudos são animadores porque os
resultados são positivos e o custo benefício é favorável em algumas situações,
como no caso das lesões circulatórias,
uma região com dificuldade de se consolidar.
Radiobrás- Agência Brasil - ABr Cecília Resende
Tabaco mata 100 mil
brasileiros todos os anos
Brasília, 30 (Agência Brasil - ABr) - O
tabaco é responsável pela morte de 100
mil brasileiros, por ano. Apesar de estatísticas tão negativas serem divulgadas,
cada vez mais, com agressividade pela
autoridades públicas de saúde, o apelo
do cigarro continua forte. Tudo por
influência da propaganda subliminar,
aquela que não enfoca diretamente o
produto, mas que o relaciona a benefícios como o bem-estar, o status e o
poder.
“A indústria do tabaco investe pesado na propaganda porque precisa conquistar o jovem, para substituir os que
morrem todo ano e que, portanto, deixam de ser seus consumidores”, afirma
o pneumologista Celso Antônio Rodri-
gues da Silva, coordenador de Câncer e
Tabagismo da Secretaria de Saúde do
Distrito Federal. Médico que já conviveu,
no consultório, com as conseqüências
maléficas do cigarro, Rodrigues disse
que o hábito de fumar é traiçoeiro.
“Aquele companheiro, amigo que o fumante acredita ter, o levará a desenvolver um câncer só 20 anos depois de
instituído o hábito. Se não é o câncer, é
o enfisema pulmonar. Nas mulheres, por
exemplo, ainda tem o inconveniente das
rugas na pele e o desgaste do cabelo.
Cigarro, ainda por cima, envelhece”,
constata.
O tabaco está relacionado a 95% dos
casos de câncer de pulmão. O 5% restantes são casos de trabalhadores de minas
de carvão, que desenvolvem uma doença do pulmão chamada silicose ou das
minas de amianto. Outros tipos de câncer também são altamente relacionados
com o tabaco, segundo Rodrigues, como
o de rim, bexiga, trato urinário, boca,
ânus, intestino e colo uterino. A nicotina,
no ato de fumar, cai na corrente sangüínea, é metabolizada pelo fígado e vai
para diversos órgãos. Esse acúmulo gradual pode causar câncer, fato comprovado por diversos estudos científicos.
A rede pública de saúde do Distrito
Federal oferece tratamento gratuito para
quem quer parar de fumar. Há 7 grupos,
que variam entre 10 e 20 componentes,
sendo acompanhados por profissionais
como psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e médicos em reuniões semanais. Cada grupo passa por quatro meses
de atendimento. “O cigarro causa dependência química, mas é mais fácil de
se livrar dele do que do álcool, por
exemplo”, atesta o médico. Rodrigues
acredita que as reuniões grupais ajudam
a fortalecer o fumante e a convencê-lo
de que os malefícios do tabaco são
maiores do que os benefícios. Quando
alguém não consegue se livrar do cigarro
apenas com o acompanhamento psicológico, usa-se reposição de nicotina com
adesivos e chicletes, e também com
ansiolíticos, remédios que atuam na re-
dução da ansiedade.
O fumante passivo é outra preocupação constante na linha de ação da
Coordenadoria de Câncer e Tabagismo
do DF. Levantamento recente feito entre os pacientes do ambulatório do
maior hospital público de Brasília, o
Hospital de Base, revelou algo surpreendente. Só 34% declararam que não
fumam, nem têm contato com o cigarro
por meio de colegas de trabalho e
outros membros da família. Já 44%
deles afirmaram que convivem com
fumantes. E só 22% dos pacientes fumavam. “Nossa conclusão é de que
66% fumam, porque o fumante passivo
também está passível de sofrer das
doenças relacionadas ao tabaco”, afirma.
Também chamam atenção as estimativas do Instituto Nacional do Câncer
(Inca) de que 21 mil novos casos de
câncer relacionados ao tabaco surjam a
cada ano e que 16 mil óbitos são
registrados como conseqüência da doença. O consumo de cigarro é tido
como a causa mais devastadora e, ao
mesmo tempo, evitável de doenças e
mortes prematuras da história da humanidade. Estima-se que existam no mundo cerca de 1,25 bilhão de fumantes,
sendo que, deste total, pelo menos
metade deverá morrer em decorrência
de doenças provocadas pelo cigarro.
Segundo o coordenador da Câncer e
Tabagismo do DF, há 700 mil fumantes
na capital federal.
O Ministério da Saúde insituiu, em
1986, o dia 29 de agosto como o Dia
Nacional de Combate ao Fumo, justamente para alertar a população sobre
os malefícios do cigarro. O mesmo fez
a Organização Mundial de Saúde (OMS),
ao criar o Dia Mundial Sem Tabaco, em
1988, para combater o tabagismo. A
celebração desse dia é feita sempre em
31 de maio.
Radiobrás- Agência Brasil - ABr - Lana
Cristina (Nota do editor : Sobre tabagismo acesse www.inca.gov.br)
mcz-28168.oeb.harvard.edu/mcztypedb.htm Primary Type Specimen Database contém mais de 28.000
espécimes de referência da coleção do Departamento de Entomologia do Museu de Zoologia Comparada da
Universidade de Harvard.
www.clunet.edu/BioDev/omm/gallery.htm The Online Macromolecular Museum é uma página para o estudo de
macromoléculas. Para a visualização das macromoléculas é necessário ter instalado no computador um dos
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BioDicas é uma colaboração de Marcio O. Lásaro [email protected]
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 28- setembro/outubro 2002
55
Morfina será distribuída
gratuitamente pelo SUS
Brasília, 30 (Agência Brasil - ABr) Os medicamentos para dor que tenham
como princípio ativo a morfina, a
metadona e a codeína serão distribuídos
gratuitamente nos hospitais públicos
cadastrados no Ministério da Saúde
como Centros de Alta Complexidade
em Oncologia (Cacon) ou como
Centros de Referência em Tratamento
em Dor Crônica. A facilidade ao acesso
deve-se a resolução da Agêncial
Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), que retira a exigência da
notificação de receita “A”, de
distribuição restrita, e permite a
prescrição dos opiáceos mediante a
receita de controle especial, de
distribuição mais flexível.
Para o secretário de Assistência à
Saúde, Renilson Rehem, a inclusão dos
opiáceos na lista de medicamentos
gratuitos distribuídos no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS) e a
simplificação da prescrição deverão
beneficiar mais de 30 mil pacientes.
Esse foi o número inicial estimado com
base no número de pacientes
oncológicos atendimentos nos Cacons
de todo o país, hoje avaliado em cerca
de 40 mil. O Ministério baixou as duas
portarias em julho, uma incluindo os
opiáceos no sistema de distribuição e a
outra estabelecendo normas para o
cadastramento dos hospitais como
centros de referência no tratamento da
dor. “É um marco que vai beneficiar
muitas pessoas, dando-lhes qualidade
de vida”, observou.
Haverá um centro para cada milhão
de habitantes inicialmente, mas a meta
é chegar a uma escala de um para cada
200 mil habitantes, segundo João
Augusto Figueiró, coordenador do
Programa Nacional de Educação
Continuada em Dor da Associação
Médica Brasileira (AMB) e também
integrante do grupo técnico nomeado
em janeiro, pelo ministro da Saúde,
para orientar e assessorar as entidades
públicas ou privadas na organização de
serviços e iniciativas na área de dor e
cuidados paliativos. Foi quando a
secretaria de Assistência à Saúde criou
o Programa Nacional de Assistência à
Dor e Cuidados Paliativos.
Para ter acesso aos opiáceos, os
pacientes têm que estar cadastrados
no programa de assistência à dor do
ministério e devem ser acompanhados
nos ambulatórios dos centros de
referência, cuja criação foi normatizada
também em portaria específica. Pode
cadastrar-se como centro de referência
no tratamento à dor qualquer Centro
de Alta Complexidade em Oncologia
de Tipo I, II ou III já cadastrado como
tal pela Secretaria de Assistência à
Saúde (SAS) ou os hospitais gerais,
cadastrados pelo SUS e que tenham
em funcionamento instalações como
centro cirúrgico, farmácia hospitalar,
serviço de anestesiologia, neurologia,
estatística e arquivo médico,
enfermarias de clínica médica ou
pediátrica e de clínica cirúrgica, além
de ambulatório para avaliação e
acompanhamento dos pacientes em
tratamento da dor crônica.
Segundo avaliação da SAS, 174
hospitais gerais se encaixam nessas
condições. Somando-se aos 167 Cacons
já existentes, os pacientes com dor
crônica terão mais de 340 centros
especializados no atendimento à dor.
“Acredito que o Brasil seja o primeiro a
ter um programa dessa natureza no
âmbito público e também pioneiro
nesse serviço. O paciente assim tem
amparo legal para ter acesso a uma boa
assistência, o que certamente se
traduzirá em números. Um tratamento
especializado em dor reduz os dias de
internação hospitalar, o número de
consultas e cirurgias. E, o mais
importante, permite ao paciente voltar
às suas atividades normais com mais
qualidade de vida”, ressalta Figueiró.
Rehem acredita que o número de
pacientes a serem atendidos nos
centros de referência será cada vez
mais crescente. Afinal, não há estatística
exata sobre as pessoas que padecem
do
mal.
Estima-se, por exemplo, que dois terços
dos pacientes que sofrem de dor crônica
sejam oncológicos. Há especialistas,
no entanto, que acreditam que a
proporção seja inversa, entre 60% e
70% dos casos de dor crônica não
seriam oncológicas. Todas essas
iniciativas encontram resposta num
conceito relativamente novo de que
dor não é apenas sintoma, como
sempre se pensou, ela pode ser a
própria doença. É o caso de lesões
nervosas periféricas ou do sistema
osteo-articular, entre outras.
A Organização Mundial de Saúde
vem alertando constantemente que a
dor crônica acomete uma grande parcela
da humanidade e que é uma das
principais causas de incapacitação
física para o trabalho, além de um
limitante na qualidade de vida do
homem moderno. Esse entendimento,
que o Programa de Educação
Continuada em Dor e Cuidados
Paliativos da AMB dissemina há alguns
anos, ganha, com as iniciativas do
Ministério da Saúde, um reforço oficial.
Figueiró acredita que o convencimento
do ministério para a importância desse
quadro colaborará para combater o
mal preventivamente e para criar uma
consciência entre médicos e pacientes
de que a dor pode ser o problema em
si, e não só seu sintoma.
“Estamos tirando um atraso, na
verdade, já podíamos estar oferecendo
esse tipo de atendimento”, admite o
secretário de Assistência à Saúde,
Renilson Rehem. O Brasil, segundo
Rehem, era constantemente criticado
pela Organização das Nações Unidas
(ONU), em fóruns internacionais, pelo
baixo consumo de opiáceos. “A
situação atual, que queremos mudar,
é de controle do consumo, quando
deveríamos flexibiliar o uso adequado”,
afirma. A crítica da ONU se baseia nas
recomendações de um de seus órgãos,
a Junta Internacional de Fiscalização
de Entorpecentes (Jife), para os
governos examinarem os métodos de
avaliação das necessidades de opiáceos
para fins médicos, bem como
revisarem suas legislações sanitárias
de forma a facilitar a disponibilidade
dessas substâncias para tratamento da
dor crônica.
O custo da distribuição dos
opiáceos na rede pública será
absorvido, conforme explicou o
secretário,
pelo
montante
economizado com a retirada do
Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) de
vários medicamentos incluídos na lista
do SUS. O desconto do ICMS foi
negociado diretamente com o
Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz), em julho. A lista
de
remédios
distribuídos
gratuitamente pulou assim de 70 para
100. “Isso resultou numa economia
de aproximadamente R$ 120 milhões
anuais, assim mantivemos o total dos
recursos repassados para estados e
municípios, para que fosse possível
incluir novos medicamentos”, explica
Rehem
Radiobrás- Agência Brasil - ABr Lana Cristina
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