REVISTA EDUCARE ISEIB - MONTES CLAROS - MG V. 1 2005
HOMEM E NATUREZA NOS GERAIS DE MINAS
Antônio Maurílio A. Feitosa*
Rômulo Soares Barbosa**
RESUMO: Este texto pretende reunir e analisar informações acerca do processo histórico-ambiental ou da relação
homem / natureza, vivenciado no espaço geográfico dos Gerais de Minas O texto está estruturado em cinco partes,
buscando-se, com isso, compreender as transformações ocorridas nesta região, bem como as implicações socioambientais para os grupos humanos que habitaram e habitam esse ambiente.
Palavras-Chave: Cerrado, Meio Ambiente, População.
Apresentação
Este texto pretende reunir e analisar informações acerca do processo históricoambiental ou da relação homem / natureza, tendo como espaço geográfico os Gerais de
Minas. Busca-se, com isso, compreender as transformações ocorridas nesta região, bem
como as implicações socioambientais para as populações locais. Dividiu-se o texto em
sete momentos: i) período do Pleistoceno, abordando a ocupação humana no continente
americano e no Brasil; ii) o Homem de Lagoa Santa, enfatizando este dado arqueológico
como fundamental para a compreensão da ocupação humana em Minas; iii) o Homem
nos Gerais de Minas, enfocando sua relação com o Homem de Lagoa Santa, e a
importância dos Rios São Francisco e Rio das Velhas para tal intercâmbio; iv) A
agricultura, tratando das características da agricultura no Cerrado e nos Gerais de
Minas; v) a Agricultura/Pecuária no Período Colonial, apontando a especificidade da
pecuária nessa região; vi) a Modernização Conservadora e as Transformações nos
Agroecossistemas Familiares, destacando que implicações esse processo trouxe para a
agricultura familiar regional, e, por fim, vii) a Perspectiva da Sustentabilidade,
apontando a importância deste debate atualmente.
A Ocupação Pleistocênica
* Professor do Depto de Geociências da UNIMONTES e do Núcleo de Geociências do ISEIB-Faculdades
Ibituruna.
**
Sociólogo, Doutorando em Desenvolvimento e Agricultura – CPDA/UFRRJ. Prof. do Depto de
Ciências Sociais da UNIMONTES.
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O pleistoceno, há cerca de 40.000 anos, é considerado o período onde ocorre a
ocupação humana no continente americano (Chonchol, 1994). Dentre as hipóteses
acerca da rota feita pelos grupos humanos para a chegada às Américas, destacamos as
seguintes: a) via Austrália-Tasmânia-Antártica-América do Sul; b) via dispersão
transpacífica, onde teriam alcançado diversas partes do continente americano por meio
de viagens pelo pacífico em embarcações; c) os continentes eram unidos anteriormente,
sendo a América do Sul e África um mesmo continente, possibilitando dispersão por
diversas áreas; d) vindos da Ásia via Estreito de Bering. (Campos, 1983)
A hipótese mais aceita pelos especialistas é a chegada às Américas pelo
Alaska, por meio do Estreito de Bering. Descobertas arqueológicas corroboram esta
hipótese. Nos Estados Unidos: o Homem de Folson – 40 mil anos; no Panamá: o
Homem de Sandia – 16/24 mil anos; na Venezuela: grupos humanos – 17 mil anos; no
Brasil: o Homem de Lagoa Santa – 8/12 mil anos; no litoral brasileiro: o Homem dos
Sambaquis – menos de 8 mil anos. (Campos, 1983)
É então no final do pleistoceno, há cerca de 14 mil anos, quando ocorre a
última glaciação quaternária, onde houve uma redução da temperatura em torno de 4oC,
que se criam as condições climáticas favoráveis à vida humana na América do Sul.
Grupos humanos chegaram à região do Cerrado brasileiro por meio do “istmo do
Panamá, chegando às savanas colombianas, onde se implantaram entre 15 e 14 mil anos
atrás perseguindo os grandes mamíferos do pleistoceno”. (Ribeiro, 1999:08)
Essas mudanças climáticas afetaram a fauna pleistocênica, com conseqüente
extinção da mesma. Entretanto, os grupos humanos que chegaram à região do Cerrado
encontraram uma nova fonte de recursos naturais, com uma diversidade de fontes
vegetais e de animais de pequeno porte, ocorrendo um aperfeiçoamento da extração
vegetal, bem como uma maior generalização da caça. (Ribeiro, 1999)
Mudanças climáticas permitiram a expansão da floresta amazônica sobre áreas
do Cerrado. Isso provocou a divisão do tronco lingüístico Jê-Pano-Caribe, sendo que as
famílias Pano e Caribe ficaram no norte da América do Sul e as Jê se concentraram na
região central, principalmente no Cerrado. Configurou-se na região do Cerrado a
Tradição Itaparica e os grupos lingüísticos do tronco Jê. A Tradição Itaparica pode ser
definida por constituir-se de pequenos grupos migrantes, utilizando-se de grutas e
abrigos, onde possuíam água potável e um ambiente rico em recursos minerais, vegetais
e animais. (Ribeiro, 1999)
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O Homem de Lagoa Santa
Na região central de Minas Gerais, próximo a Belo Horizonte, se encontram os
sítios arqueológicos de Lagoa Santa, que compreende, também, outros municípios, tais
como Pedro Leopoldo, Matozinhos e Sete Lagoas. Nesta região, chegou, em 1836, o
naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund, que fez escavações, encontrando restos
esqueletais.
Segundo Campos (1983), em 1976), Annette Laming-Empaire, em expedição
à Lapa Vermelha, região de Pedro Leopoldo, participante da Missão Franco-Brasileira,
comprovou, com testes de Carbono 14, a datação de um crânio humano de pelo menos
12 mil anos.
Estas descobertas configuram-se no que é chamado Homem de Lagoa Santa,
sendo que os materiais arqueológicos eram, até aquele momento, os mais antigos
encontrados no Brasil. (Campos, 1983)
O Homem nos Gerais de Minas
As informações sobre os sítios arqueológicos de Lagoa Santa até a Bahia
indicam, segundo Campos (1983:47), a “dispersão do homem primitivo pelas
imediações de rotas aquáticas”. Com isso, aponta-se para a importância de rios como o
São Francisco e o Rio das Velhas, tanto para o deslocamento de grupos humanos da
região de Lagoa Santa para os Gerais1, quanto para o intercâmbio entre estes.
Descobertas arqueológicas feitas na Lapa Pequena, região de Montes
Claros/MG, corroboram esta tese, sendo que foram datadas de cerca de 8 mil anos atrás,
no mesmo período de existência do Homem de Lagoa Santa. (Campos, 1983)
Conforme este autor, o homem dos Gerais era exímio artesão de pedra, sabia
escolher bem os minerais, tais como: sílex, quartzo, calcário, arenito, quatzito, além de
ossos e madeira, para a fabricação de artefatos. Eram comumente utilizados machados,
machadinhas, raspadeiras, martelos, amoladores, pedras-bigornas, arcos, lanças, flechas,
escavadeiras, dentre outros.
1
Utilizamos aqui a noção definida por Dayrell (1999): “Os Gerais é um termo regional que refere-se às
áreas localizadas nos planaltos e serras, onde se predomina a formação vegetal denominada de cerrados
(que é um tipo de savana). Segundo Gonçalves (1999), a denominação Gerais comporta a noção de um
modo de uso e apropriação comum, geral, das terras e outros recursos naturais pelas populações locais.
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Pela variedade de oferta de vegetais e animais, o homem dos Gerais
desenvolveu um vasto conhecimento botânico, além de grande habilidade para a caça,
notadamente o veado. Formavam a sua dieta alimentar, raízes diversas, coco-macaúba,
frutas silvestres, mel, paca, tatu, aves, jacaré, dentre outros. A expectativa média de vida
girava em torno de 40 a 50 anos. Os falecidos eram enterrados dentro das cavernas.
(Campos, 1983)
A Agricultura
A agricultura é um sistema de produção de alimentos, que, segundo Mario
Sanoja (citado por Chonchol, 1994), articula três componentes: a) ambiental ou
ecológico, b) tecnológico, e c) econômico e social. Sendo que a) consiste na base física,
solos, vegetação, clima, relevo, fauna, etc.; b) instrumentos e meios de produção,
técnicas e métodos; e c) formas de organização social da produção, distribuição e
consumo, tipos de relação com a terra e entre os membros do grupo, entre outros.
(Chonchol, 1994)
É entre 6500 e 4000 mil anos atrás, no período chamado Arcaico Recente, que
se atinge o denominado “ótimo climático”, quando ocorre um aumento na temperatura e
o ambiente, de forma geral, torna-se úmido, “as florestas se expandem mais e o Cerrado
se desloca e se dilata, reduzindo a Caatinga em limites próximos aos atuais”. (Ribeiro,
1999:10)
Isso provocou mudanças nas condições de habitação. Por exemplo, na região
central de Minas, em Lagoa Santa, houve melhorias nas condições naturais dos abrigos.
“Além de dividir o espaço em ambientes especializados, houve a construção de valetas e
muros de pedra para desviar a água da enxurrada e o alinhamento de postes, sugerindo a
instalação de paredes, possivelmente para proteger do sol.” (Ribeiro, 1999:10)
Escavações indicam aparecimento de grãos de milho, pertencentes a este
período (4 mil anos atrás), tanto na região central de Minas (Santana do Riacho) quanto
no noroeste/norte (Unaí / Varzelândia). Também foram encontrados restos de
amendoim e de abóbora. (Ribeiro, 1999)
Segundo Campos (1983), é no município de Varzelândia que se encontrou a
espiga de milho mais antiga do mundo, datada de 5 mil anos, indicando que a
agricultura, já neste período, era praticada nos Gerais de Minas.
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Para Ribeiro (1999), a agricultura veio para complementar um complexo
sistema alimentar, ou seja, não se trata de uma revolução no sistema de abastecimento,
mas, sim, de um mecanismo utilizado em articulação com a caça e a coleta.
Barbosa e Schmitz (citado por Ribeiro, 1999:12) sustentam que, em linhas
gerais, pode-se propor o seguinte “diagrama de abastecimento” das populações do
Cerrado no período do Arcaico Médio:
Estação chuvosa, onde havia maior variedade de alimentos:
- coleta de frutas (setembro a fevereiro) desenvolvida, principalmente, no
ambiente campestre, mas, também, em áreas de mata e ribeirinhas;
- cata de insetos, representadas, principalmente, por larvas de espécies
voadoras e tanajuras (fêmeas de Atta sp.), realizada no início da estação
(setembro a novembro), restrita, particularmente, aos espaços campestres;
- extração de mel silvestre e coleta de moluscos (outubro a fevereiro)
- caça de mamíferos campestres (setembro a fevereiro), aves (setembro a
dezembro) e répteis de pequeno porte (outubro a fevereiro)
Estação seca, marcada por uma sobrevivência ligada aos recursos
faunísticos:
- pesca (maio a setembro), em áreas ribeirinhas mais espraiadas e nas
lagoas e lagos;
- coleta de ovos (junho a setembro) tanto de aves campestres, em especial, a
ema, como de grandes répteis ribeirinhos como a tartaruga e o jacaré;
- caça de mamíferos e répteis ribeirinhos (junho a agosto).
Pode-se observar uma lacuna de dois meses (março e abril) deixada no período
de transição entre a estação chuvosa e a seca. De acordo com Ribeiro (1999), neste
período, conforme observado entre indígenas e agricultores atuais, realiza-se a colheita
de milho e abóbora, sendo que estes produtos foram encontrados em sítios
arqueológicos. Esta afirmação corrobora a tese de que a agricultura, para os povos dos
Gerais, é uma estratégia de complementação alimentar, dentro de um sistema
agroalimentar muito complexo.
A Pecuária
No período de chegada dos portugueses ao Brasil, uma diversidade de
formas de agricultura era praticada nessa região. Para Ribeiro (1999), os principais
grupos indígenas encontrados pelos colonizadores nos Gerais de Minas foram:
Cataguás, Kayapó do Sul, Guayaná, Akroá e Xakriabá. Esses povos pertencem ao
tronco lingüístico Macro-Jê. Esses grupos foram identificados pelos portugueses como
Tapuia, que é um termo de origem tupi, que significa inimigo. Os grupos indígenas do
litoral eram identificados como Tupi, e se transformaram em aliados dos portugueses e
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inimigos dos Tapuias. O abastecimento alimentar Tapuia era complexo, conforme já
relatado anteriormente, mantendo uma rica relação com a vegetação nativa, a fauna e a
agricultura.
As grandes transformações ocorridas na relação de uso dos recursos naturais
pelas populações indígenas e tradicionais, derivadas da miscigenação entre europeus,
escravos africanos e indígenas, foram as atividades de mineração e de criação de gado.
Os bovinos chegaram ao Brasil trazidos pelos portugueses, por volta de 1870, vindos da
costa ocidental da África – Madeira, Açores, Cabo Verde. A pecuária se somou às
práticas milenares de agricultura, pesca, caça e coleta. (Ribeiro, 1999)
A descoberta do ouro se deu de forma mais intensa na região central de Minas
(Ouro Preto, Sabará) e em menor escala nos Gerais, em cidades como Grão Mogol,
Itacambira, dentre outras.
A intensificação da atividade mineradora no centro-mineiro fez com que a
região incorporasse um imenso contingente demográfico, demandando produtos
alimentícios de outras regiões. Dos Gerais recebiam, principalmente, a carne bovina,
sendo esta atividade intensificada nesta região, tendo a bacia do Rio São Francisco
como corredor de escoamento e intercâmbio entre as regiões. (Ribeiro, 1999)
Um dos fatores que colaboraram para a expansão da atividade pecuária foi a
forma de estruturação fundiária da região. Essa atividade, operada de forma extensiva, é
grande demandante de terras, e foi potencializada pelo processo de divisão da região em
grandes sesmarias. Segundo Barbosa (1971), citado por Ribeiro (1999:250), “o
Governador da Capitania só concedia sesmaria grande – três léguas de comprimento por
três léguas de largura ou três de largura por uma de comprimento”. Pode-se observar
que a atividade de pecuária extensiva nos Gerais é praticada, principalmente, pelos
grandes fazendeiros.
Soma-se a esse fator, os tipos de solos e o de vegetação da região dos Gerais.
A grande quantidade de “pastos nativos” favoreciam a atividade pecuária, sendo
formados por gramíneas e pequenos arbustos. Conforme Saint-Hilaire (1975), citado por
Ribeiro (1999:21):
o que torna muito preciosos os terrenos salitrados do sertão, é que eles
substituem, para o gado, o sal que se é forçado a dar aos animais nas outras
zonas da Província de Minas Gerais e na de São Paulo. A essa vantagem, a
região acrescenta, ainda, como já vimos, a de possuir pastagens imensas;
por isso, os gados bovino e cavalar podem ser considerados como sua
principal riqueza.
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Pode-se observar, segundo Matos (1979), citado por Ribeiro (1999:22):
entre as exportações da Capitania de Minas Gerais, no período de julho de
1818 a junho do ano seguinte, 580 couros de veado, custando cada um
$300,00, ou seja metade do valor de um boi, que totalizavam, no mesmo
período, 877 peças.
Dessa maneira, deve-se assinalar que as demais atividades, tais como caça,
pesca, coleta e agricultura, não foram subsumidas pela pecuária.
Modernização Conservadora e Transformações nos Agroecossistemas Familiares
O mundo rural norte-mineiro é composto por um complexo de populações e de
formas de relação homem-natureza, co-evoluindo e produzindo saberes, como os
geraizeiros (habitantes das áreas de Cerrado, onde esta se encontra com a Caatinga),
caatingueiros (habitantes da Caatinga, onde esta se encontra com o Cerrado),
vazanteiros (habitantes das vazantes do Rio São Francisco), dentre outros (Dayrell,
1998). Com a modernização do campo norte-mineiro, vivenciou-se um processo de
amplos investimentos, desenhando um novo cenário para esta região.
O Norte de Minas possui uma área de 120.701 km2, correspondendo a 20,7%
do território do Estado. Sua população em 1996 era de aproximadamente 1.387.865
habitantes, distribuídos por 86 municípios. A população rural desta região é bastante
significativa, sendo cerca de 40% da população total2. Os dados de 1985 mostram que
cerca de 45% da população eram agricultores familiares, convivendo com uma realidade
de alta concentração fundiária, pois representavam, naquele momento, cerca de 84% dos
estabelecimentos rurais e ocupavam apenas 16% da área total3.Segundo Delgado (1985)
esse processo de modernização do campo, no Brasil, não altera a estrutura agrária, de
caráter latifundiário, denominado “modernização conservadora”.
A partir de 1965, quando a região é inserida dentro da área de atuação da
SUDENE, inicia-se um processo de modernização do campo, sob a égide daquele
organismo do Estado, principalmente através das linhas de financiamento como FINOR
(Fundo de Investimento no Nordeste) e FISET ( Fundo de Investimento Setoriais).
Podem-se verificar 4 (quatro) principais pilares desse processo: agricultura/fruticultura
irrigada, monocultura de eucalipto, pecuária extensiva e monocultura de algodão.
2
IBGE. Contagem da População. Rio de Janeiro, 1996.
Fundação João Pinheiro. Anuário Estatístico da Região Mineira do Nordeste. Belo Horizonte: FJP,
1994.
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Destaca-se a instalação de grandes projetos de fruticultura irrigada como o
caso do Projeto de Colonização do Jaíba, em que, segundo Rodrigues (1998:270), foram
investidos recursos da ordem de US$ 471.275.419,03 pelos Governos Federal e
Estadual. A utilização dos maciços homogêneos de eucalipto para o fornecimento de
carvão do quadrilátero ferrífero. O investimento de agentes financeiros, como o Banco
do Nordeste (BNB) e Banco do Brasil, na pecuária extensiva, ocupando milhões de
hectares; e a monocultura do algodão, notadamente, nos municípios da microrregião da
Serra Geral (Porteirinha, Mato Verde Azul e Espinosa). É importante ressaltarmos que
esses eixos de modernização rural no Norte de Minas se apresentaram com maior ou
menor intensidade em alguns municípios e microrregiões.
Esse modelo de desenvolvimento rural do Norte de Minas, baseado nos
princípios da “Revolução Verde”, com uso intensivo de mecanização e pacotes
agroquímicos, se, por um lado, provocou a “modernização do campo”, por outro,
implicou no empobrecimento dos agricultores familiares, na degradação dos recursos
naturais e na manutenção da concentração fundiária. Fenômenos denominados “viúvas
da seca”, “comunidades fantasmas” e “escravos do carvão”, ficaram nacionalmente
conhecidos devido, sobretudo, ao deslocamento sazonal de agricultores familiares para
trabalharem nas lavouras de café e cana-de-açúcar, no sul de Minas Gerais e interior de
São Paulo, respectivamente, bem como através da utilização da mão-de-obra familiar
regional em condições subhumanas pelas reflorestadoras, nos seus fornos de produção
de carvão.
Com o processo de “modernização conservadora”, um novo quadro
socioeconômico e ambiental se desenhou para os agricultores familiares, que tiveram
acesso às áreas de chapada, tradicionalmente utilizadas para o extrativismo vegetal e
animal, restringido ou pelos eucaliptos ou pelas cercas das áreas de pastagens destinadas
à pecuária extensiva (Dayrell, 1998). O uso intensivo de agroquímicos e a destruição
das matas ciliares ao longo dos rios e nascentes provocaram a contaminação e escassez
dos recursos hídricos. As políticas de crédito estavam direcionadas para os quatro
pilares do desenvolvimento rural regional anteriormente descritos.
Para Dayrell (1998:45), esse processo de modernização abalou os pilares de
sustentabilidade da agricultura familiar norte-mineira, quais sejam:
restrição no acesso aos recursos naturais: maior concentração das terras;
redução das áreas de vegetação nativa tradicionalmente utilizadas para
coleta extrativista e criação de animais “na solta”. Além disso, secamento
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dos principais rios, córregos e brejos da região que funcionavam como
verdadeiros oásis no meio dos períodos de seca;
difusão em larga escala da uniformização de culturas (monoculturas) e de
variedades de plantas cultivadas geneticamente uniformes, em substituição
das variedades locais, selecionadas secularmente pelos camponeses e
adaptadas às condições de estresses agroambientais;
restrição dos mercados e feiras livres, provocados pelo empobrecimento dos
municípios e pela competição que os seus produtos enfrentam com os
oriundos das agroindústrias, ensacados e enlatados.
Com isso, a agricultura familiar norte-mineira desenvolveu novas formas de
convivência com os agroecossistemas, reorientando suas estratégias produtivas, das
quais, em linhas gerais sugerimos a seguir. Em locais onde predominou a monocultura
do algodão, por exemplo, grande parte dos agricultores familiares transformou suas
propriedades em minifúndios monocultores. Estabeleceram relações com o crédito
oficial, notadamente o Banco do Nordeste, para os investimentos necessários.
Venderam a sua produção para as agroindústrias de beneficiamento do algodão,
instaladas principalmente no município de Porteirinha. Esse intercâmbio causava grande
dependência da agricultura familiar em relação ao crédito oficial, aos insumos
agroquímicos e à agroindústria beneficiadora.
Com o fim do ciclo do algodão nesta região, no início da década de 1990, aos
agricultores familiares restou reorganizar suas estratégias produtivas, em condições de
restrições ambiental (solos desgastados e escassez de recursos hídricos) e
socioeconômica (estavam, em grande parte, endividados e em situação de
empobrecimento ascendente).
Nas regiões onde predominou o monocultivo do eucalipto, como por
exemplo o caso do município de Rio Pardo de Minas, restou aos
agricultores familiares a alternativa de se refugiarem nos estreitos
corredores, próximos ao leito dos córregos. Isso porque as chapadas e
áreas de nascentes estavam ocupadas com, aproximadamente, 1.436.050 ha
de monocultura de eucalipto (Dayrell,1998). Essas são, geralmente, áreas
de terrenos devolutos concedidas pelo Estado e os investimentos foram
feitos, principalmente, através de financiamentos com recursos do FISET
(Fundo de Investimentos Setoriais).
Com relação à pecuária extensiva, estavam destinados, em 1985, cerca de
4.456.745 hectares4. Tem-se como exemplo o município de Varzelândia que, em 1985,
tinha 75% de sua área destinada à pecuária extensiva5
4
Fundação João Pinheiro. Anuário Estatístico da Região Mineira do Nordeste . Belo Horizonte: FJP,
1994.
5
Idem
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A agricultura familiar nos Gerais de Minas desenvolveu-se num binômio
latifúndio-minifúndio, em condições de extrema concentração fundiária. (Costa, 1997)
Graziano da Silva (1996), ao analisar a modernização recente da
agricultura brasileira, chama a atenção para uma característica atual, para
além das transformações típicas da “Revolução Verde”, qual seja, a
“terceira revolução agrícola”, isto é, o desenvolvimento da informática,
micro-eletrônica e biotecnologia. Isso permite um aumento da produção
não mais pela ampliação da área plantada e, sim, por ganhos de
produtividade.Ainda conforme este autor, essa “nova dinâmica da
agricultura brasileira” se insere num quadro mais amplo de
desregulamentação e globalização de mercados e tem aumentado a
concentração de renda e a pobreza.
Considerações Finais ou a Perspectiva da Sustentabilidade
A partir de debates acerca das implicações socioambientais da chamada
“Revolução Verde”, entra em cena o debate sobre a sustentabilidade ambiental dos
processos de desenvolvimento. Estão em questão, principalmente, a problemática do
crescimento econômico, dos ganhos sociais ou a busca da equitatividade, os impactos
ambientais e a capacidade de suporte do planeta.
De acordo com Dayrell (1999:09)
nos últimos anos vem crescendo, e não apenas nos meios científicos, a
necessidade de reorientar os sistemas de produção rural, em modelos
ecologicamente factíveis no uso dos recursos naturais e que consigam dar
conta da problemática social e econômica no interior do universo ruralurbano.
Tal perspectiva vem se desenvolvendo, sobretudo, com um forte envolvimento e
impulso de organizações da sociedade civil. A sustentabilidade é uma noção em disputa,
sobretudo no campo político/ideológico, onde são orientadas e implementadas políticas
agrícolas e agrárias. Remete ao sentido de continuidade, durabilidade dos recursos
naturais, culturais, étnicos.
No entanto, há o risco de esvaziamento desta noção ou conceito, na medida em
que os mais diversos atores sociais usam esse termo com sentidos diversos e “muitas
vezes opostos”. (Silva, 1999:02)
Há determinadas ações concretas que denunciam a sua insustentabilidade,
conforme o sentido acima. Por exemplo: o desaparecimento de cursos d´água que antes
eram perenes; processo de desertificação e contaminação dos solos; desequilíbrios de
ciclos hidrológicos, de nutrientes, energéticos, dentre outros. (Silva, 1999)
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Para Toledo (1996), citado por Dayrell (1999:), a agricultura tradicional é
possuidora de uma racionalidade ecológica contrastante com a racionalidade
agroindustrial, podendo-se destacar algumas características: produção para o consumo
versus produção para o mercado; predominância do valor de uso versus predominância
do valor de troca; reprodução dos produtores e da unidade produtiva versus
maximização da taxa de lucro e acumulação de capital; baseado no intercâmbio
ecológico com a natureza versus baseado no intercâmbio econômico com o mercado;
dentre outros.
Tais características permitem à agricultura tradicional, e no caso específico do
Norte de Minas Gerais, à agricultura geraizeira, uma forma de apropriação dos recursos
naturais fundada na lógica de reprodução tanto dos recursos naturais como do homem.
Têm-se desenvolvido atividades que minimizem ou eliminem determinados
impactos e garantam a reprodução socioeconômica e cultural das populações. Pode-se
destacar o trabalho de organizações não-governamentais, pertencentes à Rede Cerrado,
que congrega dezenas de entidades espalhadas pelo bioma Cerrado. Essas ONGs agem
na promoção e fortalecimento da agricultura familiar na perspectiva da sustentabilidade
ecológica dos agroecossistemas de na reprodução social digna das populações.
Nos Gerais de Minas não é diferente, trava-se uma verdadeira batalha na
disputa por lógicas de relação entre o homem e natureza, onde a lógica sustentável
cresce em reconhecimento e credibilidade, mas enfrenta a perspectiva dos megaprojetos
de reflorestamento, pecuária extensiva, perímetros de agricultura irrigada, que, se antes
fundamentavam-se nos princípios da Revolução Verde, hoje apóiam-se na Revolução da
Biotecnologia, por meio da transgenia.
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