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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
MODOS DE VIDA E INTEGRAÇÃO SOCIAL DO IMIGRANTE:
libaneses em Teófilo Otoni
Alyne Rachid Ali Scofield
Belo Horizonte
2011
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Alyne Rachid Ali Scofield
MODOS DE VIDA E INTEGRAÇÃO SOCIAL DO IMIGRANTE:
libaneses em Teófilo Otoni
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Dr. Tarcísio Botelho
Belo Horizonte
2011
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
S42m
Scofield, Alyne Rachid Ali
Modos de vida e integração social do imigrante: libaneses em Teófilo
Otoni / Alyne Rachid Ali Scofield. Belo Horizonte, 2011.
120 p.
Orientador: Tarcísio Botelho
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.
1. Imigração Síria. 2. Imigração. Libanesa. 3. Desiderabilidade social. 4.
Interação social. 5. Integração social. 6. Estilo de vida. I. Botelho, Tarcísio.
II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Curso de PósGraduação em Ciências Sociais. III. Título.
CDU: 325
.
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Alyne Rachid Ali Scofield
MODOS DE VIDA E INTEGRAÇÃO SOCIAL DO IMIGRANTE:
libaneses em Teófilo Otoni
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Ciências Sociais.
_________________________________________
Tarcísio Botelho (Orientador) – Puc Minas
_________________________________________
Weber Soares - UFMG
_________________________________________
Léa Guimarães Souki – Puc Minas
Belo Horizonte, 31 de março de 2011
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À minha família.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais Wagner e Soraya, pelo incentivo e cumplicidade.
Seus esforços foram importantíssimos para a conclusão desse trabalho e dessa
etapa da minha vida.
À minha irmã, Anna Sílvia, por estar ao meu lado sempre, e me nutrir com seu
amor.
À minha querida Pepé, pelo apoio incondicional.
Aos meus avós, Rachid, Tete e Hala. Sem vocês este trabalho não teria
sentido.
Aos meus tios e tias, pelo acolhimento nas horas incertas.
Ao meu amigo Leo, o presente que o mestrado me deu.
Aos meus colegas da turma 2009/2010, que com união, alegria, cumplicidade
e apoio, deixaram o processo do mestrado mais leve e humano.
Aos professores e funcionários do curso de Pós-graduação em Ciências
Sociais, pelo carinho, respeito e atenção.
Ao meu orientador, Tarcísio, cujas palavras me faltam para agradecer!
Ao meu marido, Joca, pela paciência e amor!
À Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Geirais)
pelo auxílio financeiro à presente pesquisa.
E a todos os entrevistados, que confiaram suas memórias a mim.
Obrigado a todos!
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“Chegaram com o vento
Pendurados nas proas dos navios
Em meio às tempestades em alto mar.
Deixaram para trás pedaços de uma vida
Pais, irmãos, amigos, amores, quem sabe, filhos.
Mas eles chegaram”.
Seme Handeri citado em Folheto... (2010)
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RESUMO
A presente dissertação foi norteada pelo objetivo de conhecer e discutir as formas de
integração dos imigrantes sírios e libaneses no nordeste de Minas Gerais, ao longo
do século XX. Para tanto, foram investigados a formação e a relevância das redes
sociais, a sociabilidade e os modos de vida desses indivíduos que vieram de tão
longe reconstruir suas vidas em terras desconhecidas. Foram realizadas onze
entrevistas com imigrantes e descendentes residentes na cidade de Teófilo Otoni,
como também análise do material documental, alguns produzidos pelos próprios
imigrantes. Em sua conclusão, tornou-se evidente o papel fundamental das redes
sociais tanto no processo migratório, quanto na manutenção do constante ir e vir
desses imigrantes, mantendo laços fortes com seu país de origem. O trabalho,
predominantemente, no comércio, a família, a religião e as associações foram
ressaltados como formas de sociabilidade específicas em que os modos de vidas
desse grupo se revelam em sua singularidade, mas também, como forma de
adaptação a um novo território.
Palavras-chave: Imigração. Sírios e Libaneses. Sociabilidade. Modos de vida.
Redes Sociais.
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ABSTRACT
This dissertation aimed to meet and discuss the ways of integrating the Syrian and
Lebanese immigrants in northeastern of Minas Gerais, during the twentieth century.
Thus, we investigated the social networks formation and relevance, these
individuals sociability and the lifestyles of who came from so far to rebuild their lives
in unfamiliar lands. Eleven interviews were carried out with these immigrants and
descendants living in the city of Teófilo Ottoni, Minas Gerais, Brazil, as well as we
proceeded the documentary material analysis, some of them produced by the own
immigrants. In the conclusion, it became evident the social networks fundamental
role both in the migration process as the maintenance of the immigrants’ constant
goings and comings, maintaining strong ties with their origin country. The work,
predominantly in the trade, the family, the religion, and the associations were
highlighted as sociability specific forms, in which that group’s lives modes reveal
their uniqueness, but also as an adapting way to a new territory.
Keywords: Immigration. Syrians and Lebaneses. Sociability. Lifestyles. Social
Networks.
8
LISTA DE FOTOGRAFIA
Fotografia 1 - Imigrantes Libaneses: no centro de terno branco com dois meninos
Rachid Almeida .......................................................................................................112
Fotografia 2 - Imigrantes Libaneses reunidos da primeira sede do Clube Libanês de
Teófilo Otoni ............................................................................................................112
Fotografia 3 – Imigrantes Libaneses e suas famílias na cidade de Poté.................113
Fotografia 4 – Imigrantes Libaneses reunidos na Associação Beneficente Libanesa
da cidade de Poté ...................................................................................................113
Fotografia 5 – Imigrantes libaneses e suas famílias num momento de lazer em um
circo na cidade de Pote ...........................................................................................114
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LISTA DE MAPA
Mapa 1 – Líbano .....................................................................................................120
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Características gerais dos sujeitos entrevistados ..................................110
11
LISTA DE SIGLAS
SAARA - Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega
12
LISTA DE ABREVIATURAS
Ed. – Editora
Org. - Organizador
Sr. - Senhor
13
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 14
2
HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO DOS SÍRIOS E LIBANESES PARA TEÓFILO
OTONI ................................................................................................................................ 26
2.1 Migrações: suas teorias ............................................................................................... 26
2.2 A diáspora síria e libanesa ........................................................................................... 33
2.3 A imigração síria e libanesa para o Brasil .................................................................... 44
3
O PAPEL DAS REDES SOCIAIS: UNIVERSO ÉTNICO E INTEGRAÇÃO
SOCIAL.............................................................................................................................. 51
3.1 O que são redes sociais? .............................................................................................. 51
3.2 Redes sociais na imigração síria e libanesa: o caso de Teófilo Otoni............................ 67
4
MODOS DE VIDA E SOCIABILIDADE EM NOVO SOLO .................................. 76
4.1 Modos de vida e estilos de vida ................................................................................... 76
4.2 Modos de vida e sociabilidade em Teófilo Otoni ......................................................... 82
4.2.1 O comércio ................................................................................................................. 83
4.2.3 As associações ............................................................................................................ 90
4.2.4 A família ..................................................................................................................... 92
5
CONCLUSÃO........................................................................................................... 97
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 101
APÊNDICE ...................................................................................................................... 107
ANEXO............................................................................................................................. 111
14
1
INTRODUÇÃO
O tema desta pesquisa é a imigração, aqui entendida como um processo que,
segundo Sayad (1998), é “um fato social completo”, um deslocamento de pessoas
no espaço, em especial no espaço físico, mas também no espaço social, econômico,
político e cultural. Portanto, esta pesquisa está relacionada às ciências que buscam
conhecer as relações sociais, a população e as formas de ocupação dos territórios.
Já o seu objeto é a imigração sírio-libanesa para o Brasil, mais
especificamente, para o nordeste de Minas Gerais. Há mais de 140 anos os
primeiros imigrantes sírios e libaneses começaram a chegar ao Brasil em busca de
trabalho e melhores condições de vida e encontraram condições econômicas e
sociais que favoreceram a adaptação e a permanência da maioria dos que aqui
chegaram. Como e por que estes imigrantes escolheram e se fixaram no nordeste
de Minas Gerais, mais especificamente em Teófilo Otoni, são perguntas para as
quais este trabalho busca respostas. Por meio da pesquisa qualitativa, com
instrumentos como entrevistas semiestruturadas e pesquisa documental, pretendese analisar e conhecer a história da imigração árabe para a região, os modos de vida
dos imigrantes no novo território, como também o papel das redes sociais nesse
processo.
Assim sendo, muitas são as explicações para os motivos pelos quais as
pessoas migram. Segundo Klein (2000), um dos principais pontos é a junção e
intensidade dos fatores de expulsão e atração dos países, associados à
necessidade de encontrar novos e mais eficazes meios de sobrevivência O Brasil foi
um país que recebeu imigrantes de várias nacionalidades. As migrações europeias,
por exemplo, tiveram vários motivos. O alto valor da terra na Europa e a mão de
obra extremamente barata fizeram com que a América se tornasse sedutora para
sua população, já que nela, a realidade se apresentava de maneira oposta: terra
abundante e barata e mão de obra cara e escassa. Dessa forma, a possibilidade de
obtenção de terra se tornou um atrativo para grande parte dos imigrantes,
principalmente os dos países da Europa (KLEIN, 2000).
Klein (2000) afirma que, com o significativo crescimento econômico, o Brasil
se tornou um potencial centro para a migração de brancos livres. Novas levas de
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imigrantes europeus chegaram ao país, estimulados pela presente mudança salarial,
consequência do crescimento da economia na América.
Dessa forma, o Brasil, antes de 1880, recebeu uma significativa migração de
colonos, trabalhadores rurais, originários principalmente da Alemanha e da Itália.
Mas, nas últimas décadas do século XIX, o volume de imigrantes aumentou em
grande proporção devido às notícias sobre as condições de emprego no Brasil e
mais o incentivo do governo brasileiro. A navegação a vapor, o telégrafo
transatlântico e as primeiras ferrovias nos países tanto da Europa quanto da América
tornaram possíveis comunicações rápidas entre os países europeus e a América
(KLEIN, 2000).
Já na migração síria e libanesa, um dos fatores que alavancaram o processo
migratório para o Brasil foi o exemplo de alguns pioneiros que, bem sucedidos na
nova terra, estimularam a vinda de seus compatriotas. A possibilidade de se fazer
dinheiro numa dimensão impensável para os padrões locais foi um forte estímulo à
migração, em especial de homens solteiros, quase sempre apoiados e incentivados
por suas famílias. Ao contrário dos europeus, estes chegaram sem o incentivo do
governo brasileiro, ou dos donos de grandes lavouras e, em sua maioria, eles
escolheram o comércio como forma de trabalho. Como mascates, conseguiram se
estabelecer financeiramente, acolher os seus compatriotas, e se adaptar à
sociedade brasileira, quase sempre como homens de sucesso (TRUZZI, 2000).
Sendo a migração um estruturado processo social que, a partir do seu início,
já se apresenta cumulativo e mantido por meio do movimento de ir e vir dos
migrantes entre as comunidades de origem e o país de destino, é possível afirmar
que tal movimento é fortalecido por diferentes tipos de ligações sociais, sendo os
laços familiares e de parentesco um dos mais significativos pilares da organização
social da migração. Dessa forma, as conexões familiares são um dos mais seguros
laços da rede social. Para Massey et al (1987)1 citado por Dias (2005) a questão da
presença e do fortalecimento de redes sociais é tão decisiva e importante quanto a
oferta de trabalhos no estímulo para a migração. Segundo Portes (1999), as redes
sociais estão entre os mais relevantes tipos de estrutura social em que as
transações econômicas estão enraizadas. Tais redes são conjuntos de associações
1
MASSEY, Douglas S. et al. Return to Aztlan: the social process of international migration from
Western Mexico. Los Angeles: University of California Press, 1987. 335p.
16
recorrentes entre grupos de pessoas unidas por vínculos ocupacionais, culturais,
familiares, ou afetivos.
Outros aspectos investigados ao longo da pesquisa são as relações de
sociabilidade e os modos de vida construídos no processo de (re)significação do
novo solo. Aqui, o que se compreende como modos de vida é “a maneira como
grupos e indivíduos vivenciam o mundo, numa cadeia de acontecimentos e práticas
em que objetividades e subjetividades são inseparáveis”. Portanto, “os modos de
vida seriam efeitos reveladores de uma multiplicidade de vetores históricos, políticos,
econômicos, sociais, culturais, psíquicos etc. que se entrecruzam e em dado tempo
e espaço se atualizam” (PENZIM, 2001, p. 18)
Tem-se, então, o que propõem Bourdieu (2003) e Giddens (2002) acerca de
estilos de vida. Para Bourdieu (2003), “às diferentes posições no espaço social
correspondem estilos de vida, sistemas de desvios diferenciais que são a retradução
simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência”
(BOURDIEU, 2003, p.71). Neste sentido, as práticas cotidianas seriam a expressão
de tais condições de existência, “não só porque essas práticas preenchem
necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de
autoidentidade” (GIDDENS, 2002, p.79)
Vale, portanto, lembrar a voz canônica de Park (1967), para quem a cidade é
um tanto mais que um aglomerado de homens individuais e de convergências
sociais, não somente um mecanismo físico e uma construção artificial; é um estado
de espírito, um corpo de costumes e tradições, de sentimentos e atitudes
organizados, próprios desses costumes e transmitidos por essa tradição. A cidade
está envolvida nos processos vitais das pessoas que a habitam. Diferentemente da
vida em aldeia e nos campos abertos, estrutura e tradição são aspectos diferentes
de um complexo cultural comum que determina o que é característico e próprio da
cidade. (TEOFILO OTONI, 2009)
A pesquisa empreendida tem como lugar a cidade de Teófilo Otoni, nordeste
de Minas Gerais. Fundada em 1853, por Theophilo Benedicto Ottoni, que, após
renunciar ao seu mandato de deputado, deu início à colonização do Vale do Mucuri.
Com a intenção de marcar o encontro de duas expedições que partiram em direções
diversas, estabeleceu-se um núcleo pioneiro, em princípio com pequenas lojas e
hospedarias, à margem do rio Todos os Santos. Este núcleo foi denominado
Filadélfia, em referência à cidade homônima nos EUA, considerada o berço da
17
democracia nas Américas. No início do século XX, a então jovem cidade recebeu
grande parte dos imigrantes sírio-libaneses de religião drusa, que passaram, ali, a
trabalhar, principalmente, com o comércio de secos e molhados e de pedras
preciosas, como também, os imigrantes alemães que foram convidados pelos
políticos e fazendeiros da época a vir para a região com o objetivo de trabalhar nas
lavouras. (TEOFILO OTONI, 2009).
Na atualidade, Teófilo Otoni é reconhecida como cidade polo da região
nordeste mineira. Apresenta um acelerado crescimento socioeconômico e se
destaca pelo comércio de gemas preciosas e semipreciosas, e artesanato mineral,
sediando feiras internacionais e frequentemente referida como "A Capital Mundial
das Pedras Preciosas" (TEOFILO OTONI, 2009).
Entretanto, por que a região de Minas Gerais, em especial a cidade de Teófilo
Otoni, foi escolhida pelos imigrantes sírios e libaneses? O que existia ali que
favoreceu a sua escolha? Qual o papel das redes sociais ali presentes? Enfim, qual
a história da imigração síria e libanesa na cidade de Teófilo Otoni? Essas são
algumas questões que dão norte e conduzem o presente estudo. A cultura libanesa,
com suas peculiaridades, desperta interesse em muitos daqueles que convivem com
seus traços e marcas. Mas não é só isso. É relevante ressaltar o importante papel
que o Brasil desempenhou, ao acolher milhares de vidas, simultaneamente
marcadas por grande sofrimento, mas também pela esperança ante o novo território
a ser adentrado. Dentre muitas vidas, estão os sírios e libaneses que encontraram
no nordeste de Minas Gerais um território favorável para seus objetivos econômicos,
principalmente, com o desenvolvimento de redes sociais, de laços profissionais,
familiares, afetivos.
Cada imigrante, ao trazer consigo traços da sua territorialidade original, no
processo de re-territorialização aqui vivido, de alguma forma, contribuiu para que a
cultura síria e libanesa, seus costumes e práticas se misturassem à cultura
brasileira, deixando aqui suas marcas e traços na dinâmica urbana e nos modos de
vida presentes nas cidades por eles escolhidas.
O debate acadêmico em torno da imigração síria e libanesa no Brasil é
bastante rico. Sabe-se que, em meados do século XIX, os primeiros imigrantes
árabes chegaram ao nosso país. De acordo com Cabreira (2001), os motivos mais
significativos que levaram esses povos a imigrar foram a ocupação da Síria e do
18
Líbano pelo Império Turco-Otomano e a desagregação financeira motivada pela
entrada da França e da Inglaterra naqueles países, após a Primeira Guerra Mundial.
A primeira geração de imigrantes pisou em solo brasileiro no período entre
1880 e 1920, quando se iniciava intenso êxodo internacional naqueles países. À
época, a imigração tinha um caráter livre e era formada, em grande parte, por
indivíduos que não escolheram o Brasil como destino final. Assim, os primeiros sírios
e libaneses a desembarcar no porto de Caravelas, Bahia,  os quais vieram a se
deslocar para as cidades de Poté e Teófilo Otoni  datam daquela época.
Já a segunda geração de imigrantes sírios e libaneses, chegada ao Brasil
entre 1920 e 1940, teve como característica principal o fato de ser uma migração em
massa, incentivada por notícias enviadas à região pelos imigrantes pioneiros. Tal
geração contou com uma rede estruturada, composta por conhecidos e parentes,
que já se encontravam mais inseridos no meio social e econômico do Brasil
(FÍGOLE; VILELA, 2004).
Entre 1940 e 1975, chega a estas terras a terceira geração de imigrantes,
consequente ao êxodo de cristãos e muçulmanos, em sua maioria de origem urbana.
Tais grupos vinham sofrendo com a falta de oportunidades profissionais acentuada
pela depressão econômica posterior à Segunda Guerra Mundial e por conflitos de
origem religiosa e política.
Uma quarta geração de imigrantes (1975-2000) teve como causa imediata o
conflito militar que se instalou no Oriente Médio ao início da década de 1970. Suas
implicações para a população libanesa, tais como insegurança e medo
generalizados, queda da atividade econômica com consequente desemprego,
perseguições políticas e sectárias, estimularam a saída de centenas de síriolibaneses de seus países. (GATTAZ, 2005)
Igualmente como os imigrantes oriundos de outros países que vieram para o
Brasil, muitos sírios e libaneses chegaram à “nova terra” com o objetivo de superar
suas dificuldades, em especial as econômicas, e retornar ao seu país de origem.
Não foi diferente daqueles que se estabeleceram no nordeste de Minas Gerais. O
trabalho apresentava um forte apelo econômico, sendo visto como fonte de
acumulação e enriquecimento, mas principalmente, como uma maneira de
conquistar dignidade e (re)construir a identidade no novo país. Para Sayad (1998), o
imigrante é em sua essência uma força de trabalho, entretanto, temporária,
provisória, em movimento, em transição. A autorização de estadia do país que
19
recebe o imigrante em seu solo está inteiramente vinculada ao trabalho, única razão
de ser pelo qual ele é reconhecido. O imigrante sírio-libanês chegou ao Brasil com o
objetivo de vencer e superar suas dificuldades e isso se deu, principalmente, por
meio do seu trabalho, especialmente como comerciantes e mascates.
Souza (2007) lembra que, após a entrada da França e da Inglaterra em
alguns países do Oriente Médio, ocorreu um processo de industrialização, e o
cotidiano das aldeias do Líbano e da Síria sofreu intensas transformações, o que
veio também a impulsionar o processo migratório. Além disso, o impacto na questão
demográfica com o aumento da população jovem, que não via na agricultura diluída
e nos solos quase desérticos uma possibilidade de melhor qualidade de vida, foi,
também, elemento decisivo a influenciar o êxodo.
Ao chegarem, os primeiros sírio-libaneses, a se fixar no Brasil, contribuíram
para a formação de núcleos ou colônias que, posteriormente, vieram a servir de
referência e base para os que viessem a partir de então.
Parentes, conterrâneos, amigos, provenientes da mesma aldeia ou região,
de acordo com os padrões identitários prevalecentes no local de origem,
encontravam nesses núcleos formas de solidariedade e cooperação. Os
pioneiros formaram assim uma rede social vital, que oferecia todo tipo de
ajuda aos novos viajantes, amenizando o custo da acomodação à nova
situação, fornecendo informações indispensáveis para a sobrevivência e
entrada no mercado de trabalho. (FÍGOLE; VILELA, 2004, p. 9)
Enfim, o que leva a pensar ser relevante o estudo da imigração síria e
libanesa para Teófilo Otoni é o fato de que ali as redes sociais podem ter
influenciado no sucesso e na continuidade da migração síria e libanesa, como
também, para a continuidade da sua ligação com seu país de origem. Para tanto, é
necessário conhecer a história e analisar os modos de vida, a sociabilidade e a
função das redes sociais existentes na cidade referida onde este povo e esta cultura
compõem a singular organização social.
Dessa maneira, o objetivo geral da presente pesquisa é conhecer e discutir as
formas de integração dos imigrantes sírios e libaneses no nordeste de Minas Gerais,
ao longo século XX, investigando as redes sociais, a sociabilidade, os modos de
vida que garantiram e permitiram ali a continuidade da migração sírio e libanesa até,
praticamente, os dias atuais.
Já os objetivos específicos empreendidos na pesquisa se referem a:
investigar o histórico da imigração síria e libanesa em direção à região de Teófilo
20
Otoni, buscando conhecer suas características e especificidades; compreender o
papel das redes sociais na imigração síria e libanesa, discutindo e analisando o seu
universo étnico ao longo do processo de integração na sociedade que os acolheu; e
identificar e caracterizar os modos de vida de tal grupo pelo conhecimento de suas
práticas cotidianas e relações de sociabilidade.
Assim, segundo Pereira (2001), os estudos e pesquisas sobre imigração no
Brasil têm crescido na medida em que se quer buscar a própria identidade, sempre
tão fragmentada e marcada pela pluralidade de origens, principalmente, no mundo
contemporâneo. Para a autora, a nação brasileira é uma “comunidade imaginada”,
um caleidoscópio multicolorido e multiforme, sempre num movimento à procura de
uma unidade, em sua contradição fluida.
Dada a relevância das pesquisas sobre imigração, há de se constatar que
poucas são as pesquisas sobre a imigração estrangeira para as cidades do interior
no contexto do século XX em Minas Gerais. Essa escassez de trabalhos sobre o
assunto torna o campo de pesquisa necessário e próspero, sobretudo pela
relevância histórica, cultural e social do tema. Assim, numa soma de histórias
individuais, será possível elucidar não somente a história da imigração sírio-libanesa,
mas os modos de vida e as formas de integração e apropriação do território de
muitos que o habitam, num tempo promissor para o estudo das cidades, quando se
compreende que a sua composição é entrecortada pela multiplicidade étnica, caso
de outras cidades brasileiras.
A migração árabe para a região de Teófilo Otoni, por vários motivos, se deu
num processo contínuo marcado pelo ir e vir dos sírio-libaneses para a região de
origem, ao contrário da migração alemã, ocorrida de forma pontual durante o período
de atração exercida pelo trabalho nas lavouras, o que é característico da migração
europeia. Dessa forma, a cultura árabe, por meio dos imigrantes, deixou marcas na
cidade e na região. Há, inclusive, uma demanda popular neste sentido, na forma de
um movimento atual protagonizado pelos descendentes sírios e libaneses, que visa
a delimitar, datar e preservar a história, o caminho e os motivos que trouxeram a
Teófilo Otoni os primeiros imigrantes do Líbano e da Síria.
Portanto, no presente trabalho, a temática proposta inspira a realização de um
estudo empírico com ênfase qualitativa. Assim sendo, segundo Goldemberg (1999,
p.14):
21
na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a
representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o
aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização,
de uma instituição, de uma trajetória etc. (GOLDEMBERG, 1999, p.14)
Portanto, a pesquisa qualitativa tem como objetivo entender e interpretar os
sentidos e as significações que o indivíduo dá aos fenômenos em questão. Para
tanto, deve-se utilizar um instrumental técnico que possibilite a construção de um
conhecimento amplo e profundo acerca do grupo pesquisado, valorizando-se o
contato pessoal, os elementos dos lugares naturais do sujeito e as significações que
as coisas ganham, e que um indivíduo em particular ou um determinado grupo
atribui aos fenômenos que lhe dizem respeito (TURATO, 2003).
Inicialmente, foi empreendida uma pesquisa documental, durante a qual se
buscou levantar todo tipo de registro que permitiu investigar o histórico da imigração
síria e libanesa para Teófilo Otoni. Foram consultados memórias e arquivos
pessoais, familiares e de instituições como o Clube Libanês de Teófilo Otoni,
biografias, fotografias, cartas, certidões, censos, passaportes, que contribuíram para
revelar o processo histórico da cidade, e os caminhos da imigração na região.
Segundo May (2004), a pesquisa documental é capaz de localizar os depoimentos
atuais em um contexto histórico, o que possibilita realizar comparações entre as
interpretações dos fatos feitas pelo observador e aquelas escritas em seus
documentos. Do mesmo modo, tais fontes podem ser legitimadas por seu próprio
valor, já que são capazes de informar como os eventos são construídos, suas
justificativas,
como
também
fornecer
materiais
que
possibilitam
sustentar
investigações profundas e intensas (MAY, 2004).
Para o autor, “os documentos, lidos como as sedimentações das práticas
sociais, têm o potencial de informar e estruturar as decisões que as pessoas tomam
diariamente e em longo prazo; eles também constituem leituras particulares dos
eventos sociais” (MAY, 2004, p. 205). Atualmente, nas pesquisas históricas, a
biografia e/ou o estudo das biografias vêm sendo considerados fontes relevantes de
conhecimento do ser humano, pois possibilitam entrar em contato com sua
multiplicidade e sua história, em espaços e tempos diferentes (BORGES, 2005).
Sobre a pesquisa em fontes históricas, Grespan (2005) afirma que ter
expectativas em relação ao que será descoberto nos documentos pode não só ser
inevitável como desejável, pois são as conjecturas que norteiam a pesquisa ao
22
possibilitar a seleção do acervo, orientar onde buscar as informações indispensáveis
e estabelecer os critérios da coleta, reunião e análise do material.
Por conseguinte, juntamente com outros métodos e técnicas, a pesquisa
documental
pode
produzir
importantes
e
significativas
compreensões
das
sociedades num determinado tempo, como também, das dinâmicas da vida social
(MAY, 2004), o que foi fundamental para a realização desta pesquisa.
Uma das principais fontes de informação deste trabalho foi a entrevista.
Sendo assim, foram realizadas entrevistas até se atingir o critério de saturação,
sendo os entrevistados imigrantes sírios e libaneses, homens e mulheres, que
chegaram ao Brasil até a primeira metade do século XX na região de Teófilo Otoni, e
também seus filhos e filhas. O objetivo da entrevista com a segunda geração dos
imigrantes foi compreender o processo de imigração dos seus pais, como ocorreu a
continuidade dos laços com a população de origem, enfocando o papel das redes
sociais neste processo. Já a entrevista com os próprios imigrantes teve como foco
investigar e conhecer o processo da imigração, a integração com o Brasil e com a
região pesquisada.
Segundo May (2004), as entrevistas podem ser empregadas na compreensão
de como os indivíduos interpretam e agem no seu mundo social, já que para ele o
ato de entrevistar e o da entrevista são fundamentados nos métodos para gerar e
sustentar conversações com indivíduos sobre um tema específico ou uma gama de
assuntos, juntamente com os sentidos e interpretações que os pesquisadores
realizam do material coletado. Um dos pontos fortes da entrevista como técnica é
proporcionar valiosas compreensões das histórias de vida, experiências, opiniões,
valores, anseios, atitudes e sentimentos dos indivíduos (MAY, 2004). Já Bourdieu
(1999) fala sobre as dificuldades e os problemas práticos e teóricos que podem
surgir na interação entre o pesquisado e aquele(a) que ele entrevista. Segundo o
autor, a relação de pesquisa, como relação social, provoca consequências sobre os
resultados alcançados. Porém, tais efeitos ou distorções introduzidos na estrutura da
relação de pesquisa podem e devem ser reconhecidos e superados. Afirma, ainda,
ser fundamental reduzir ao extremo a violência simbólica exercida pelo pesquisador
se ele ocupar um lugar superior ao pesquisado, principalmente na hierarquia das
distintas espécies de capital, em especial, o capital cultural.
Para Bourdieu (1999), a familiaridade do pesquisador com seus entrevistados
pode proporcionar garantias contra a violência simbólica, ou seja, contra a ameaça
23
de reduzir razões subjetivas narradas pelo entrevistado a causas objetivas. Para
ele, “a entrevista pode ser considerada uma forma de exercício espiritual, visando a
obter, pelo esquecimento de si, uma verdadeira conversão do olhar que lançamos
sobre os outros nas circunstâncias comuns da vida” (BOURDIEU, 1999, p.704).
No
presente
trabalho,
as
entrevistas
realizadas
foram
do
tipo
semiestruturadas, ou seja, foram compostas por técnicas dos métodos estruturados
e focalizados. Deste modo, as perguntas geralmente foram específicas, porém o
entrevistador se encontrava com liberdade para ir além das respostas. Segundo May
(2004), esse tipo de entrevista autoriza os entrevistados a responder com a sua
própria maneira de falar, seus próprios termos, o que proporciona um maior
arcabouço de comparação do que nas entrevistas livres ou não estruturadas.
O ato de entrevistar e o produto de boas entrevistas estão, intimamente,
ligados à memória da trajetória de vida dos entrevistados. Para Delgado (2006), a
memória ativa é um recurso importante para a transmissão de experiências
consolidadas ao longo de diferentes temporalidades, constituindo um diálogo do
presente com o passado. Já Portelli (2005) afirma que, como todas as atividades
humanas, a memória é social e pode ser compartilhada, motivo pelo qual cada
indivíduo tem algo a contribuir para a história social. Deste modo, as entrevistas
foram realizadas levando-se em conta a importância de se estabelecer uma franca
interação com os entrevistados, para que pudessem ser alcançados os objetivos
pretendidos.
Para esta pesquisa, foram conduzidas onze entrevistas, seis delas com
imigrantes libaneses e cinco com filhos de imigrantes. Todos se mostraram
disponíveis a dar entrevistas e nenhum se opôs a fornecer dados e respostas a
qualquer questão. Desses entrevistados, somente um não reside no momento em
Teófilo Otoni, tendo todos eles chegado à região entre o segundo e o terceiro quartel
do século XX.
Os motivos que estimularam tanto o início, quanto a continuidade do processo
migratório sírio e libanês para o Brasil e, especialmente, para Teófilo Otoni
apareceram de forma redundante em todas as entrevistas. Já o papel e a
importância fundamental das redes sociais que, ao longo do tempo, mantiveram
firmes os elos da corrente migratória para a região, foram ressaltados na fala de
cada um dos entrevistados, principalmente quando questionados sobre os fatores
que fizeram com que o Brasil e Teófilo Otoni fossem escolhidos como ponto final de
24
uma viagem rumo ao não tão desconhecido assim, novo solo. Todos afirmaram ou
terem sido convidados por parentes bem sucedidos ou ter amigos e conhecidos
aqui, que lhes enviavam notícias tanto da prosperidade econômica, como também
da estabilidade política e social do país.
No segundo capítulo da dissertação “História da imigração dos sírios e
libaneses para Teófilo Otoni”, são apresentados o histórico da imigração síriolibanesa em direção à região de Teófilo Otoni, suas características e especificidades,
como também os fatores que contribuíram para a imigração tanto para o Brasil,
quanto para a cidade em especial. Na discussão das teorias sobre migração, são
explorados os principais autores que contribuíram para a análise da imigração síria e
libanesa para Teófilo Otoni. Em relação à diáspora síria e libanesa, são discutidos os
motivos que levaram grande parte da população libanesa a se aventurar em outras
terras. Quais os principais fatores que alimentaram o processo imigratório dos sírios
e libaneses para outros países? O que contribuiu para o sucesso e a manutenção de
tal movimento durante tantas décadas? Aqui são também revistas as fases que
marcam o processo migratório sírio e libanês. Tratando-se especificamente da
migração sírio e libanesa para o Brasil, a discussão se concentra nas seguinte
questões: o que levou um número tão significativo de imigrantes sírios e libaneses a
escolher o Brasil como destino? Que estímulos e fatores favoreceram a permanecia
da grande parte dos imigrantes que aqui chegaram? Como e por que a região de
Teófilo Otoni foi escolhida como novo território? O que, além das pedras preciosas,
existia ali que beneficiou os imigrantes? Como e por que a vinda para Teófilo Otoni
teve início e continuidade?
No terceiro capítulo, intitulado “O papel das redes sociais: universo étnico e
integração social”, será analisado e problematizado o papel das redes sociais na
imigração sírio e libanesa, da chegada do imigrante ao país ao processo de
integração na sociedade que os acolheu. As teorias que analisam o papel e a
importância das redes sociais no processo migratório são problematizadas nessa
etapa do presente trabalho. Segundo Soares (2002), a relevância dada às redes
sociais nos estudos sobre migração se originou da necessidade de considerar
processos sociais concretos que lançassem luz sobre o estilo seletivo da dinâmica
migratória e que ajudassem a encontrar repostas para duas importantes perguntas:
por que um indivíduo migra? E por que determinadas pessoas de um mesmo
segmento populacional, sob as condições econômicas, sociais ou políticas, optam
25
por migrar e outras não? Tais processos sociais podem ser explicados com base nos
estudos sobre o papel das redes sociais na migração. Na compreensão específica
do caso da cidade de Teófilo Otoni, é analisado o papel das redes sociais no
processo imigratório rumo a novas terras e como essas redes se solidificaram ao
longo do tempo. Como se estabeleceram os primeiros elos da rede social? Que
fatores a alimentavam? Aqui são analisadas as relações de solidariedade e a
formação das redes sociais no processo migratório sírio e libanês em direção à
cidade de Teófilo Otoni. Como tudo começou e que elementos alimentavam tal
rede? Qual o papel e a relevância das redes sociais na manutenção da imigração
síria e libanesa para a região ao longo do século XX?
O quarto capítulo, “Modos de vida e sociabilidade em novo solo”, contém a
descrição, identificação e caracterização dos modos de vida e das relações de
sociabilidade dos imigrantes ao longo do processo de reintegração e adaptação ao
novo solo. Para compreender e analisar o processo de imigração da população síria
e libanesa para cidade de Teófilo Otoni, é importante conhecer os modos de vida
que esse povo estabeleceu no novo solo. Aqui, o que se compreende como modos
de vida é “a maneira como grupos e indivíduos vivenciam o mundo, numa cadeia de
acontecimentos e práticas onde objetividades e subjetividades são inseparáveis”.
Portanto, “os modos de vida seriam efeitos reveladores de uma multiplicidade de
vetores históricos, políticos, econômicos, sociais, culturais, psíquicos etc. que se
entrecruzam e, em dado tempo e espaço, se atualizam” (PENZIM, 2001, p. 18). Pela
análise das entrevistas com os imigrantes e seus descendentes, são estudadas e
descritas as formas de viver, os costumes, as práticas, os hábitos, que, juntos,
compõem os modos de vida dos sírios e libaneses na cidade de Teófilo Otoni. Como
os imigrantes sírios e libaneses se relacionavam entre si e com os cidadãos
brasileiros? Quais foram suas maiores dificuldades nessa interação social? O que
torna singular a sociabilidade desse povo? Tais perguntas, dentre outras, nortearam
a análise das entrevistas em busca de dados sobre como se caracterizava a
sociabilidade dos imigrantes árabes em Teófilo Otoni.
26
2
HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO DOS SÍRIOS E LIBANESES PARA TEÓFILO
OTONI
2.1 Migrações: suas teorias
Por que os seres humanos migram? Esta é uma interrogação clássica que
ocasionou inúmeros debates e publicações acadêmicas. Segundo Klein (2000), a
questão central dos processos migratórios está relacionada ao peso e à importância
dos fatores de expulsão ou de atração de uma determinada sociedade e à forma
como esses mesmos fatores se equilibram.
Para Klein (2000), o desejo da grande parte dos migrantes não é abandonar
suas casas, muito menos sua terra natal. Se tivessem como escolher, a maioria dos
indivíduos que migram permaneceria em seus locais de origem com poucas
exceções que possivelmente podem almejar aventuras e mudanças. Portanto, a
migração somente tem início quando as pessoas constatam que não poderão se
manter com os meios tradicionais de trabalho e renda existentes em suas cidades ou
comunidades de origem. Entretanto, em alguns casos, a migração das pessoas pode
ocorrer pela existência de formas de perseguição causadas por diferentes
nacionalidades, ou credos religiosos, que podem ser ameaçadas e atacadas pelos
grupos religiosos mais fortes e dominantes (KLEIN, 2000, p. 13).
Um dos fatores de expulsão que para Klein (2000) teria mais força e
importância são as condições econômicas de uma determinada sociedade. Segundo
o autor, é fundamental conhecer os motivos pelos quais as condições econômicas
mudam e os fatores responsáveis pelo agravamento da situação crítica que afeta a
habilidade dos emigrantes de enfrentá-las e vencê-las. Tal questão é composta por
três importantes fatores: a possibilidade de ter acesso a terra e então, ao alimento, a
alteração do nível de produtividade da terra, e ainda, o número de membros da
família que precisam ser alimentados e sustentados. As questões relativas à
mudança dos direitos sobre a terra, que surgem em decorrência da variação da
produtividade das colheitas provocada, em especial, pela modernização da
agricultura em resposta ao crescimento da população, ocupam a primeira categoria
(KLEIN, 2000). Assim, durante as grandes migrações dos séculos XIX e XX, período
27
em que chegaram ao continente americano grande parte dos migrantes, que
compõem ainda hoje a sua população, o que promovia e estimulava de fato o
processo migratório era a combinação desses três principais fatores (KLEIN, 2000).
O autor afirma ainda que a questão demográfica influenciou de forma
acentuada as grandes migrações. Ou seja, a chamada transição demográfica, que
começou na Europa ocidental no início do XVIII, na qual, pela primeira vez na
história do mundo, as taxas de mortalidade se tornaram estáveis durante décadas e
começaram a decrescer de maneira lenta, mas progressiva, até chegar aos atuais
níveis baixos que marcaram a história. A explicação para a causa desses índices de
mortalidade estabilizados ainda não foi totalmente encontrada, mas alguns fatores
como a descoberta e a utilização da vacina contra a varíola, o movimento higienista,
que provocou significativas mudanças em relação às ideias sobre o saneamento, e o
início do cultivo de novos alimentos em grande escala nas Américas, podem ter
influenciado. Grande parte dos países levou muitas décadas para tomar consciência
desses índices estáveis de mortalidade e, em contraponto, ao longo desses
períodos, eles prosseguiram com suas tradicionais altas taxas de natalidade (KLEIN,
2000).
Assim sendo, uma das principais consequências desse crescimento
populacional foi a enorme pressão sofrida pelo setor agrícola desses países, que,
com o objetivo de atender às crescentes exigências da demanda por alimentos,
tiveram que modificar os procedimentos de arrendamento, cultivo e produção. Nessa
conjuntura, o Hemisfério Ocidental passou a oferecer maiores possibilidades de fugir
das crescentes limitações nos mercados de trabalho tanto europeus, quanto
asiáticos (KLEIN, 2000).
Nesse período, a América passou a oferecer intensos fatores de atração, pois
nela a terra era abundante e facilmente disponível. Todavia, a mão de obra
permanecia escassa e, consequentemente, bastante cara. De tal modo, a
possibilidade de obter facilmente terra e trabalho se tornou uma forte atração para
todos os imigrantes (KLEIN, 2000).
Assim, Klein (2000) afirma que a partir de 1880 o Brasil recebeu um número
expressivo de imigrantes italianos, espanhóis, portugueses, poloneses, russos e
grandes grupos de cristãos do Império Turco-Otomano, como os sírios e libaneses, e
mesmo os gregos. A maior parte desse contingente de imigrantes apresentava
características tradicionais, ou seja, foi composta em sua maioria de jovens adultos
28
do sexo masculino à procura de empregos temporários ou permanentes no país que
os receberam. Portanto, “fazer a América” era a intenção de praticamente todos os
indivíduos que cruzavam o Atlântico como imigrantes. A prioridade básica para eles
consistia em acumular bens e poupar dinheiro com o qual esperavam conseguir
gozar de uma vida melhor e mais digna em sua terra natal (KLEIN, 2000).
Porém,
segundo
Klein
(2000),
para
metade
dos
imigrantes
que
permaneceram nos países que os acolheram a exclusiva preocupação em juntar e
acumular riquezas começou a se modificar, ao passo que assimilavam as novas
culturas, os diferentes hábitos e economias. Com a esperança de alcançar a
mudança social na América, os imigrantes começaram a considerar investimentos
em educação e um sacrifício mesmo que temporário dos rendimentos para os filhos
em idade escolar. Foram esses mesmos homens que almejaram um lugar diferente
na escala social do país receptor, que mandaram buscar suas famílias ou suas
noivas, se estabeleceram e se enraizaram na América. Essa primeira leva de
imigrantes era praticamente endogâmica em seus arranjos matrimoniais, já que
praticamente a maioria deles se casou com mulheres de sua mesma etnia. Porém,
esse panorama se modificou na segunda geração à medida que começaram a
assimilar mais fortemente a cultura e o ambiente americano. No mais, uma vez
estabelecidos, o desequilíbrio sexual da primeira geração que fora dominada pelos
homens, diminuiu significativamente, como também as taxas de fecundidade entre
as mulheres imigrantes no momento em que as mulheres orientais e também
europeias adotaram o espaçamento entre uma gravidez e outra ao utilizar métodos
contraceptivos aprendidos, muitas vezes, com os próprios nativos (KLEIN, 2000).
Dessa maneira, segundo Klein (2000), tanto o desenvolvimento, quando o
crescimento econômico das Américas estão fortemente calcados nos muitos
imigrantes estrangeiros que a elas recorreram. Portanto, as condições de trabalho e
geração de renda nas Américas produziram os fluxos da imigração estrangeira e
seus padrões finais de êxito.
A imigração pode ser compreendida como um “fato social total”, inclusive
sendo essa a única característica com a qual concorda toda a comunidade científica.
Dessa forma, toda trajetória do imigrante passa a ser uma trajetória também
epistemológica que se realiza de certa maneira no encontro das ciências sociais com
muitas outras disciplinas, tais como a história, a geografia, a demografia, economia,
o direito, a sociologia, a psicologia e a psicologia social, estando presentes inclusive
29
as ciências cognitivas, como também a antropologia em suas diferentes formas,
como a cultural, econômica, social, jurídica, política, entre outras, as ciências
políticas, a linguística e sociolinguística etc.
De certo modo, segundo Sayad (1998), a imigração é um deslocamento de
pessoas no espaço e, antes de tudo, no ambiente físico. Porém, o espaço do
deslocamento não se resume somente ao campo físico, geográfico, pois ele também
é um espaço caracterizado por diversos e diferentes sentidos, ou seja, sociológica,
política, econômica e culturalmente. Assim sendo, diante da complexidade do tema,
cada uma dessas particularidades e de suas variações pode se tornar objeto de uma
ciência particular e tema de uma pesquisa especifica (SAYAD, 1998).
O autor afirma que o imigrante somente passa a existir, de fato, na sociedade
que assim o nomeia, a partir do momento em que ele atravessa suas fronteiras e
pisa em seu solo. O imigrante então “nasce” como imigrante para a sociedade que
dessa forma o designa a partir desse momento (SAYAD, 1998).
Ao passo que a presença do imigrante é sentida como uma presença
estrangeira na sociedade que os acolheu, as “ilusões” e idealizações que estão
associadas a ela que até a compõem, podem ser qualificadas como, em primeiro
lugar, a ilusão de uma presença que apresenta em sua essência a provisoriedade,
mesmo quando tal presença, dada por direito de forma provisória, se verifica na
realidade sempre a posteriori, como uma presença duradoura, ou até mesmo
definitiva. A segunda é a ilusão de que tal presença é totalmente justificável pelo
motivo ou pelo álibi que se encontra em sua base e que é o trabalho ao qual ela
está, ou deveria estar, lógica e completamente, dependente. Finalmente, a ilusão da
existência de uma neutralidade política, não só a neutralidade que se ordena ao
imigrante, mas da maneira como ela se confere ao próprio fenômeno da imigração e
também da emigração, cujo caráter intrinsecamente político é disfarçado, ou quando
não negado, em conveniência com o seu papel econômico (SAYAD, 1998).
Segundo Sayad (1998), uma das características fundamentais do fenômeno
da imigração é que, excluindo algumas situações excepcionais, tal fenômeno
colabora para disfarçar para si mesmo sua verdade. Ou seja, por não conseguir
sempre colocar em concordância o direito e o fato, a imigração condena-se a
produzir uma determinada situação que parece destiná-la a uma eterna contradição
dupla. Assim, passa a não mais existir a certeza de que se trata de um estado
provisório que se deseja prolongar de forma indefinida ou, pelo contrário, se a
30
imigração trata de um estado mais permanente e/ou duradouro, mas de que se
gosta e se acostuma vivê-lo com um forte sentimento de provisoriedade. Por se
encontrar dividida entre essas duas representações contraditórias, todo o processo
ocorre como se a imigração precisasse, para conseguir se perpetuar e se reproduzir,
de se desconhecer a si mesma e se ignorar como temporária e, ao mesmo tempo,
não se confirmar como uma mudança definitiva (SAYAD, 1998). Portanto, Sayad
(1998) afirma que no momento em que o crescimento econômico, grande
consumidor da imigração, necessitava de mão de obra imigrante constante e
estável, sempre em maior número, tudo convergia para concordar e fazer com que
todos os imigrantes partilhassem a grande ilusão coletiva que se localiza na base do
fenômeno da imigração.
Enfim, o que é um imigrante então? Um imigrante, segundo Sayad (1998), é
em sua essência uma força de trabalho, uma força de trabalho transitória, temporária
e em movimento. Como consequência desse princípio, um trabalhador imigrante,
mesmo se for convocado a trabalhar durante praticamente toda a sua vida no país
receptor, mesmo se estiver destinado a falecer como imigrante, permanece sendo
um trabalhador tratado e marcado como temporário, ou seja, revogável a qualquer
tempo. Assim, o tempo de permanência no novo solo permitido e autorizado ao
imigrante está absolutamente sujeito ao trabalho, única razão para qual ele é
reconhecido. Primeiro, ser e estar como imigrante, mas também como homem,
apesar de sua qualidade de homem se encontrar sempre subordinada à sua
condição de imigrante, pois foi somente o trabalho que proporcionou o nascimento
do imigrante e que o faz existir. Portanto, quando o trabalho finaliza, este término faz
com que o imigrante “morra”, decreta então sua negação e o impele para o não-ser.
É o trabalho que condiciona toda a vida e existência do imigrante, mas este não é
qualquer trabalho, não se localiza em qualquer lugar. Ele é o trabalho que o
“mercado de trabalho para imigrantes” designa e impõe, sendo imigrantes para
determinado tipo de trabalho que se tornam, desse modo, trabalho exclusivamente
para os imigrantes (SAYAD, 1998).
Ainda, segundo Sayad (1998, p. 66-67),
“exportam-se” ou “importam-se” exclusivamente trabalhadores, mas nunca –
ficção esta indispensável e compartilhada por todos – cidadãos atuais ou
futuros. Aliás, seria possível que fosse diferente? Assim, semelhante
dissimulação acrescentada a muitas outras da mesma natureza aparece
31
como a própria condição, a condição absolutamente necessária para que
existam emigração e imigração. (SAYAD, 1998, p. 66-67)
Já Portes (1999) afirma que sendo a sociologia da imigração um campo
empiricamente fundamentado, esta ciência se conservou durante um longo tempo
numa feliz indiferença às muitas controvérsias teóricas existentes. Para o autor, o
campo de estudos sobre a imigração é dono do seu próprio núcleo analítico, que diz
respeito às origens norte-americanas da disciplina que fora alterada, nos últimos
anos, por meio do reencontro com os autores clássicos.
No entanto, a convergência com os atuais desenvolvimentos em sociologia
econômica derivou da exigência de correção das análises neoclássicas sobre as
origens da imigração e sobre a adaptação econômica dos imigrantes e dos seus
descendentes ao novo solo. Neste ponto, encontra-se um evidente paralelo entre os
aparelhos conceituais que se desenvolvem em ambos os campos. Assim sendo, o
conhecimento da influência das relações de centro-periferia e de desequilíbrio
estrutural, de modos de incorporação, de nichos ocupacionais, enclaves étnicos,
minorias intermediárias e economia informal pode ser explicado como sendo
amostras e manifestações específicas dos processos mais universais, que são
abrangidos e compreendidos pelas categorias conceituais da sociologia econômica.
Portanto, como muitas hipóteses derivadas da observação e análise do campo da
sociologia da imigração são compatíveis com conceitos gerais desenvolvidos de
forma independente, fica comprovada a utilidade destes conceitos (PORTES, 1999).
Assim, Portes (1999, p. 40) afirma que:
para além do seu interesse intrínseco, o estudo da imigração pode
desempenhar um importante papel na presente conjuntura teórica, dada a
importância das estruturas sociais na determinação das origens, da
dimensão e da adaptação econômica das populações étnicas que surgem
com a imigração. (PORTES, 1999, p. 40)
Ainda segundo Portes (1999), a sociologia da imigração desde seu
surgimento no início do século XX desenvolveu uma tradição teórica independente
que buscou esclarecer, responder a questões e fenômenos como a existência de
taxas significativamente mais altas de doença mental entre os sujeitos nascidos no
estrangeiro e os diversos estágios de integração na sociedade de acolhimento.
Dessa forma, conceitos como marginalidade, estresse de aculturação,
“etnoclasse”, assimilação e amalgamento foram elaborados ao passo que tal campo
32
de investigação evoluía ao longo da primeira parte do século XX. Entretanto, a
sociologia da imigração, em estreita união com o padrão funcionalista, passou por
uma significativa transformação ao longo das décadas de 1970 e 1980, ao passo
que seu arcabouço conceitual original foi sendo analisado e então considerado
escasso e insuficiente para lidar com a realidade das atuais vagas de estrangeiros
(PORTES, 1999).
A então crescente complexidade da imigração moderna e o mosaico de
grupos compostos por diversas etnias que a sustentaram estabeleceram um desafio
específico, ao passo que o outro era exigido pela necessidade de constituir uma
posição diante das explicações desenvolvidas pela escola neoclássica para elucidar
os mesmos processos. Assim sendo, os conceitos evoluíram no transcorrer de um
diálogo travado entre a tradição original deste campo e as visões neoclássicas
modernas (PORTES, 1999).
Portes (1999) afirma em seu estudo que o pensamento econômico
hegemônico fornece um exame linear das razões e dos motivos da imigração,
compreendendo-a como produto de diferenças no campo internacional na busca e
na oferta de mão de obra. Dessa maneira, a nível individual, a migração é
determinada com base em cálculos de custos e benefícios dos distintos índices de
produtividade e de remuneração de capital humano entre vários países. De tal
modo, os padrões de migração internacional tendem a refletir, com uma exatidão
considerável, as ações dominantes praticadas no passado pelas potências
econômicas mundiais (PORTES, 1999).
Assim, os conceitos de relação centro-periferia e de desequilíbrio estrutural
foram desenvolvidos com objetivo de refletir esta explicação alternativa para o
fenômeno migratório. De acordo com tais conceitos, o surgimento de fluxos
regulares de mão de obra em direção ao exterior, com um volume estável e destino
conhecido, estaria significativamente sujeito à expansão e ao crescimento anterior
dos Estados-nação mais poderosos em direção às áreas periféricas mais
evidentemente emissoras de mão de obra. Tanto as instituições sociais, quanto as
econômicas e culturais dos países emissores seriam então lapidadas até a
emigração para o centro de atração hegemônico aparecer como uma opção
plausível de sobrevivência (PORTES, 1999)
Em outro ponto, o autor afirma que a migração espontânea é, especialmente,
um fenômeno do século XX. Tal fenômeno corresponderia à crescente integração
33
das sociedades periféricas na economia global e à ampliação da consciência e do
conhecimento, por parte das suas populações necessitadas, das oportunidades e
possibilidades existentes nos países estrangeiros (PORTES, 1999).
Porém, segundo o autor, ao nível microestrutural, a sociologia das migrações
não desenvolveu um sistema conceitual significativamente sofisticado para explicar
as singularidades da tendência para a migração entre indivíduos e comunidades no
interior de cada país. Em contraponto, utilizou exaustivamente o conceito de rede
social, já que a migração é determinada como um processo fundador de redes que
desenvolvem uma teia cada vez mais forte de contatos entre os locais de origem e
de destino. Assim, uma vez constituídas, estas redes possibilitam que o processo de
migração se torne autos sustentado e impenetrável a alterações de curto prazo aos
estímulos econômicos (PORTES, 1999).
Finalmente, do ponto de vista da sociologia das migrações, Portes (1999)
afirma que a emigração de indivíduos isolados é um evento excepcional. Na grande
parte das vezes, o processo é mediado por um grupo específico, tal como a sua
organização e o seu destino são decididos pela força dos laços sociais
estabelecidos, ao longo do tempo, por meio de fronteiras nacionais, como pode ser
verificado no caso da imigração síria e libanesa para o Brasil.
2.2 A diáspora síria e libanesa
“Do mundo, somos vizinhos e parentes”
Said Akl citado em Salem (1969)
Para compreensão dos motivos e das caudas do fenômeno migratório dos
sírios e libaneses, faz-se necessário conhecer um pouco mais sobre tal região e sua
cultura. Assim, segundo Salem (1969), a composição humana do Líbano e as
características que constituem sua personalidade compõem o enredo de um
processo histórico de amálgamas culturais de complexidade extraordinária, e que,
ao longo do tempo, provocou estranheza, admiração ou puramente controvérsias.
Durante cada século de ocupação estrangeira, cada linha de pensamento penetrou
no semblante intelectual, cultural e moral do povo libanês. Isso cooperou, por meio
34
das constantes trocas, aliadas a fenômenos de retraimento e de rejeição, de
emigração e imigração, para lapidar sua essência e sua singularidade, reconhecível
com facilidade, como também, na pluralidade dos laços e vínculos que a aproximam
de muitos outros povos e nações (SALEM, 1969).
Geograficamente falando, com seus 10.400 km², o Líbano ocupa um espaço
muito pequeno no mundo. Seu território representa em torno de 1/55 do tamanho da
França e ¼ da superfície da Suíça. Tal característica diferencia o Líbano da grande
parte dos países do Próximo e Médio Oriente, os quais podem chegar a possuir
médias e grandes reservas de terras, ainda que parte significativa dessas terras
dificilmente possa vir a ser cultiváveis, ou exploráveis. No entanto, a complexidade
do território sírio-libanês não compõe em si mesmo um obstáculo intransponível
como podem comprovar alguns exemplos vindos da Europa e de outras partes do
planeta. Assim sendo, mesmo situado na fronteira de interseção de dois campos
culturais, ou seja, a Europa mediterrânea e cristã e o mundo árabe-muçulmano, o
Líbano é provavelmente o único ambiente onde elas se definem, convivem e
realmente se “partilham” (SALEM, 1969).
Baseado em tal conjuntura, Salem (1969) afirma que o Líbano é também
tanto um país de imigração ou de emigração, já que, para o autor, eles dizem
respeito a um fenômeno com aspectos mais sociais do que econômicos. Pelo
estímulo e atração de uma vida relativamente mais fácil, por suas livres instituições
políticas, a uma economia liberal até certo ponto mais próspera, o Líbano tornou-se
para muitos habitantes dos países mais próximos e conflituosos um asilo e, também,
um refúgio. Portanto, os grupos que para lá foram em número maior eram
constituídos por indivíduos procedentes dos países árabes e em especial os
palestinos e os sírios. Assim sendo, os primeiros desistiram das suas casas
motivados pela guerra árabe-israelita de 1948, vivendo durante muito tempo em
condições precárias, ou seja, amontoados em campos e sobrevivendo do auxílio
que as Nações Unidas lhes destinavam (SALEM, 1969).
Dessa maneira, existiram dois fatores principais cujas consequências
conduzidas em direções contrárias lapidaram as muitas fácies do povo do Líbano.
País de refúgio, por um lado, o Líbano foi campo duma importante combinação de
raças e povos, juntando aos intensos vínculos semíticos compostos por árabes,
fenícios e os primeiros cristãos maronitas, aos significativos contingentes de
indivíduos de outras etnias, em especial, os indo-europeus, os gregos, os romanos,
35
os persas, os armênios bizantinos. Por outro lado, as sínteses desses muitos
elementos foram, repetidas vezes, obstruídas pela divisão do país e pela pluralidade
religiosa e cultural que atuou como fator de oposição ao amalgamento e à
assimilação desses diversos traços e culturas. O produto desse processo resultou
em uma população de características físicas e psíquicas misturadas e contraditórias,
consequentemente, facilmente reconhecível, provida de certa maneira de um
denominador comum ainda que em seus contrastes e em suas formas conflituosas
(SALEM, 1969).
Ainda segundo Salem (1969), no mundo todo existem, dispersos, muito mais
do que 1.100.00 libaneses de origem. Os países que receberam um número maior
de imigrantes durante o final do século XIX e a primeira metade do século XX foram
os Estados Unidos, o Brasil, a Argentina e os países da África negra. Também
ocorreu acentuada emigração para a Austrália e o Canadá. Através do trabalho que
executavam nesses países, os serviços oferecidos pelos sírios e libaneses de alémmar à terra natal foram diversos, quer sejam eles de solidariedade quanto às
questões políticas, de incentivo e projeção intelectual e moral, ou de auxílio
financeiro e/ou material aos parentes que permaneceram no Líbano (SALEM, 1969).
Truzzi (2001) afirma também que durante as últimas décadas do século XIX
até os anos 1920, uma quantidade progressiva de sírios, em grande parte composta
por cristãos vindos da Síria, aportaram no Brasil e nas Américas, impulsionados
especialmente por pressões demográficas e problemas econômicas existentes em
sua terra de origem, como também, seduzidos por relatos de imigrantes bemsucedidos que a ela retornavam ou se comunicavam. Já em terras americanas, as
afinidades culturais, a identidade e a adaptação desses imigrantes às sociedades
que os acolheram foram constantemente bastante influenciadas por suas origens,
reveladas por meio da religião, da naturalidade, da ocupação profissional e ainda
pelos laços familiares. Pelo fato de muitos imigrantes terem vindo para a nova terra
com a intenção de permanecer provisoriamente, acumular uma quantia razoável de
dinheiro e retornar aos seus países, muitos deles começaram suas atividades
econômicas em novo território como mascates ou comerciantes informais (TRUZZI,
2001).
Em contrapartida, a conjuntura em que a imigração ocorreu atuou na mesma
direção. Tendo pouco ou nenhum auxílio, aqueles que tomavam a decisão de
emigrar o praticavam por conta própria, na maior parte das vezes escondidos das
36
autoridades turcas que dominavam a região. Permaneciam, dessa forma, nas mãos
dos sujeitos intermediários que exerciam o tráfico e embarque dos imigrantes
clandestinos (TRUZZI, 2001).
A emigração poderia ainda ocorrer por etapas, que incluiriam, por exemplo, o
Egito, a Itália ou a França. Os imigrantes que chegavam a Alexandria, Gênova ou
Marselha esperavam, muitas vezes, durante semanas pelos navios que os
conduziriam à América. Eles ficavam ainda, nos portos de embarque, sujeitos a toda
espécie de mentiras e trapaças. Havia a exploração dos donos das pensões onde
dormiam e se alimentavam, como também, pelos negociantes de roupas que os
convenciam de que não poderiam chegar à América vestindo qualquer traje
(TRUZZI, 2001).
Segundo Truzzi (2001), até o começo da Primeira Guerra Mundial, a região
denominada de Grande Síria, ou somente Síria, fazia parte do Império Otomano, que
também incluía o Líbano em suas fronteiras territoriais. Posteriormente à derrota
sofrida pela Turquia, a França adquiriu o domínio político da região e instituiu o
regime de protetorado, que conferia determinada autonomia ao Líbano. Assim
sendo, tanto a Síria, região povoada, em grande parte por muçulmanos, cuja capital
é denominada Damasco, quanto o Líbano, constituído por uma faixa estreita de terra
colada ao mar Mediterrâneo, povoada naquele tempo em sua maioria por cristãos
maronitas,
sendo
sua
capital
Beirute,
conquistaram
terminantemente
e
respectivamente sua independência do Império Turco-Otomano em 1946 e 1943.
Tanto do Líbano quanto da Síria, chegaram ao Brasil levas mais significativas de
imigrantes a partir das duas últimas décadas do século XIX (TRUZZI, 2001).
Portanto, embora os sírios e libaneses tivessem aportado em alguns países
da América aproximadamente na mesma época, é possível afirmar, segundo Truzzi,
(2001), que o papel acentuado que eles conquistaram no Brasil, em especial em São
Paulo, foi ocasionado, em grande parte, pelo pioneirismo de suas atividades
comerciais, sua fixação claramente urbana e dispersa ao longo de várias cidades do
interior do país e pela conjuntura de terem chegado, mesmo que ocasionalmente, ao
lugar certo no tempo certo (TRUZZI, 2001).
É sabido que o Líbano foi dominado pela Turquia durante muitos anos, mais
precisamente, no período de 1880 a 1920. Porém, mesmo fazendo parte dos países
árabes que compunham o Império Otomano, o Líbano sempre teve destaque como
um lugar singular. Aqui se trata, especificamente, do Monte Líbano, ou seja,
37
conjunto formado por montanhas localizado a leste da capital Beirute, caracterizado
pela existência de grupos religiosos drusos e maronitas, que fugiram para aquele
local das perseguições que as ortodoxias islâmicas e católicas realizavam contra
eles (TRUZZI, 2001).
Já Gattaz (2005) afirma que para compreender os motivos dos problemas que
afligem até hoje o Líbano, entre os quais um dos mais graves é a emigração crônica
de seus jovens, é necessário conhecer, desde meados do século XIX, o processo
histórico do desenvolvimento desta região, que se tornou o Estado libanês depois
que as áreas ao sul e ao norte foram anexadas em 1920. Dessa forma, durante o
término do século XVIII, a região que pertencia o Império Otomano, denominada
Síria, local onde se encontrava o Monte Líbano, se partia em quatro províncias, ou
seja, Damasco, Alepo, Trípoli e Saída, cada uma delas governada por pashas
(líderes turcos). As famílias que se encontravam no poder gozavam, de certa
maneira, de total independência, sendo exigido delas somente o pagamento de um
tributo aos otomanos. Assim, Istambul, capital do império turco, impunha sua
autoridade e força exclusivamente quando achava isso importante. Volta e meia, os
pashas guerreavam contra os outros governantes, tanto por motivos pessoais,
quanto políticos ou comerciais (GATTAZ, 2005).
O Líbano apresentou, no final dos anos 1850, um momento de intensa
convulsão, ocasionado, principalmente pelo fato de, ao norte, os camponeses
maronitas terem atacado e expulso as famílias nobres, tomando posse de suas
propriedades e de seus bens. Tal movimento atingiu toda a região e se transformou
em um forte conflito entre os camponeses maronitas e os lordes drusos, episódio
que se tornou conhecido como a “guerra civil de 1860”, o que na verdade era uma
mistura de conflito entre comunidades e luta de classes. Assim, sob o regulamento
que fundamentou a organização do país no sistema que veio a ser chamado de
confessional, e também, aproveitando o apoio europeu conquistado ate então, o
Líbano viveu relativo período de paz até a primeira década do século XX,
apresentando significativo progresso social e econômico (GATTAZ, 2005).
Gattaz (2005) afirma que, como elemento de um processo comum a
praticamente todo o Oriente Próximo2, as potências europeias adversárias
2
Segundo Gattaz. (2005), a expressão Oriente Próximo refere-se especificamente à orla
mediterrânea da Ásia (regiões históricas da Síria e Palestina, atuais Líbano, Síria, Israel, Jordânia e
Territórios Palestinos). Por Oriente Médio, está designado todo o sudoeste asiático, o que engloba as
38
buscavam fundar suas bases com objetivo de constituir grupos das elites nativas que
se lhes tornassem favoráveis, com a criação e instituição de universidades e
escolas. A região libanesa foi onde ocorreu tal processo de forma mais evidente e
intensa por causa da existência de uma maior concentração de cristãos. O
pensamento da Igreja e dos países europeus era de que existia a necessidade de
proteger e aparelhar, inclusive de maneira educacional, a população cristã do
Líbano, que então resistiria ao desenvolvimento islâmico, impedindo assim a criação
de um ambiente plenamente islâmico-árabe. A então função de educar as elites
nativas estava designada às missões religiosas, predominantemente católicas e
protestantes, vindas da Europa, que além de muitas escolas3, também criaram boas
universidades, tais como a Universidade St. Joseph de Beirute, formada por jesuítas
franceses, ou a Universidade Americana de Beirute, instituída por missionários
presbiterianos (GATTAZ, 2005).
As províncias árabes que compunham o Império Otomano sofreram durante o
século XIX respeitáveis transformações em seu cenário econômico. Parte
significativa de todas as mudanças ocorria de modo geral no desenvolvimento de
praticamente todo o Oriente Médio, pois o aumento da agricultura e a diminuição do
pastoreio, ocasionados pelos lucros menores dos produtos da estepe em relação às
safras de exportação e ao maior domínio do governo, tornavam preferidos os
camponeses assentados, sujeitos a impostos e recrutamento militar, a pastores
nômades que existiam na região. Não bastasse um crescente processo de
urbanização que tomou toda a região, houve ainda a presente mudança na
produção econômica (GATTAZ, 2005).
Dessa forma, Gattaz (2005) afirma que também os portos marítimos, em
particular os da costa mediterrânea, passaram a viver um período de intenso e
acelerado crescimento, sobretudo depois da abertura do Canal de Suez em 1869, o
queproporcionando amplas modificações nas rotas que ligavam o comércio da
Europa ao Oriente. A presença de indústrias e empresas vindas do continente
europeu, com o objetivo de administrar e implantar os serviços públicos, os
regiões históricas da Anatólia, Síria, Palestina, Mesopotâmia e Pérsia (atualmente o conjunto dos
Estados árabes asiáticos: Líbano, Síria, Jordânia, Territórios Palestinos, Arábia Saudita, Bahrein,
Catar, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Iraque e Kuwait, além de Israel, Turquia e Irã, em alguns
autores e na mídia ocidental, os limites do Oriente Médio deslocam-se até o Rio Indo, englobando
também Afeganistão e Paquistão.
3
Em 1913, o Monte Líbano tinha 330 escolas, com 20.000 alunos, o que tornava o índice de
analfabetismo significativamente baixo para um país localizado fora da Europa ou América do Norte.
39
transportes e o tratamento e distribuição de água, eletricidade e gás, também
provocou significativas transformações, pois tais investimentos fizeram com que os
governantes locais se tornassem dependentes do capital vindo do ocidente.
Quanto ao aspecto social, segundo Gattaz (2005), o crescimento da
urbanização e a decadência das epidemias e da fome contribuíram para provocar
um acentuado crescimento populacional. Porém, o padrão de vida não apresentava
melhoras, exceto para as classes superiores das populações urbanas, que se
mantinham unidas ao governo ou à esfera que apresentava intensa expansão da
economia. Assim sendo, até nas regiões que proporcionavam as melhores
condições, a probabilidade de conquistar um melhoramento ou progresso na vida
dos camponeses era restringida pelo aumento sucessivo da população e pela
alteração na estabilidade do poder social, que favorecia aqueles que possuíam ou
dominavam as terras (GATTAZ, 2005).
Mesmo nesse ambiente tanto de crescimento econômico quanto de escassez
de oportunidades, a Síria e mais precisamente o Líbano viveram um progresso
socio-econômico até certo ponto louvável, porém com a característica de ser, em
sua base, descontínuo e desigual entre as diferentes regiões, classes sociais e
grupos religiosos, tendo então como consequência muito descontentamento por
parte dos seus cidadãos (GATTAZ, 2005).
Durante esse período, Gattaz (2005) defende que em nenhum outro lugar do
Oriente Médio o desenvolvimento econômico se traduziu com mais força do que no
Líbano, sobretudo em Beirute, que mesmo tendo sua administração separada,
mantinha ainda intensas ligações com o Monte Líbano. Assim, pode-se dizer que,
naquele tempo, era total a relação, como também a conexão da cidade com o
mercado mundial por meio do comércio, dos transportes, das comunicações e
finanças. Juntamente com o crescente movimento do seu porto, Beirute, que tinha
6.000 habitantes em 1800, passou a 60.000 em 1860 e a 150.000 em 1914
(GATTAZ, 2005).
Portanto, o Líbano recebeu grandes investimentos após 1860 de países
estrangeiros à medida que ocorria uma relativa pacificação nos anos depois da
criação e implantação do regime especial para o país, e ainda com o processo de
criação de infraestrutura financiada por crédito e empréstimos originados de países
europeus para incentivar o crescimento dos países não industrializados. Durante o
ano de 1861, foi inaugurado o telégrafo Beirute-Damasco. Logo, em sequência, em
40
1863, foi concluída a primeira estrada de rodagem que ligava as duas cidades. Já
em 1893 foram concluídos o aumento e o aperfeiçoamento do porto de Beirute e, em
1895 foi inaugurada a linha férrea entre Beirute e Damasco (GATTAZ, 2005).
Dessa forma, Beirute também se transformava em sede dos mais importantes
e poderosos bancos no Oriente Próximo, levando seus habitantes a se inserir na
economia monetária antes mesmo dos moradores das outras áreas da mesma
região. Formou-se, assim, com o incremento do comércio e dos serviços urbanos
básicos, uma burguesia urbana sem precedentes em outros países árabes. Segundo
Gattaz (2005), nas demais regiões do Líbano podia ser observado um
desenvolvimento considerável do espaço cultivado, com a divulgação e propagação
da pequena propriedade e o uso de terraços que permitiam o cultivo nas partes
montanhosas. Porém, tal crescimento ficou centralizado na produção da seda e no
cultivo de tabaco e vinho para exportação, o que fez parte da base dos períodos de
fome que aconteceram a partir da metade do século XIX (GATTAZ, 2005).
Segundo o autor, a população do Líbano apresentou um crescimento maior
do que a de qualquer outro país da região ao longo do século, o que ocasionou, em
1900, uma elevada densidade demográfica no Monte Líbano, de 159 hab/km², a
maior de toda a grande Síria. Entretanto, em contraposição ao que ocorria no Brasil,
local onde a população rural residia em sítios e fazendas em sua grande parte, bem
afastados dos centros urbanos, no Líbano os indivíduos que trabalhavam na terra
residiam em pequenas cidades ou vilas e cultivavam as terras ao seu redor. Estas
terras ainda não possuíam cercas e eram reconhecidas com base nas
características naturais do terreno, o que provocava conflitos, mesmo sendo
cultivadas familiarmente e não coletivamente. Grande parte dessas propriedades
não possuía o tamanho dos pequenos sítios localizados no sudeste do Brasil, sendo
ainda frequentemente fragmentadas. Dessa forma, a produção era quase sempre
insuficiente e sobrava pouco depois do sustento das famílias para a comercialização
(GATTAZ, 2005).
Portanto, devido ao encurtado tamanho, à elevada densidade demográfica e à
ampla ocupação do país, praticamente nenhum libanês habitava um lugar que ficava
a mais de um ou dois dias de caminhada de qualquer cidade, e a grande maioria
residia a dois ou três dias de distância da capital Beirute. Um dos mais significativos
fatores na raiz do processo de emigração libanês e que ao longo do tempo teve um
importante papel, são o conjunto de imperativos e necessidades econômicas e
41
materiais provocados pela relação entre a baixa produção agrícola e a alta
densidade populacional que desde meados do século XIX caracteriza tal país. Assim
sendo, como exposto acima, o intenso crescimento populacional impediu a região
das montanhas libanesas de produzir o suficiente para prover os meios econômicos
necessários à sobrevivência de seus habitantes, o que conduziu a um importante
movimento migratório de aldeões na direção norte-sul (GATTAZ, 2005).
A maioria dos pesquisadores da imigração síria e libanesa para o Brasil divide
esse processo em fases com base nas conjunturas sociais, políticas e históricas da
região e do mundo. Segundo Gattaz (2005), as principais fases são:
Fase 1: Domínio do Império turco-otomano (1880-1920)
Essa primeira fase apresentou como característica principal a emigração de
cristãos que se encontravam descontentes com as regras impostas pelo domínio
otomano e ainda com a ausência de perspectivas econômicas causada pela relação
entre a elevada densidade demográfica, a baixa urbanização, a industrialização
quase inexistente e a agricultura deficiente. O movimento migratório foi então
reforçado pela ambição de riqueza fácil que poderia vir a ser conquistada na
América, que foi de fato alcançada por grande número desses pioneiros. Os
principais grupos que imigraram nesse período foram a população rural, em sua
maioria cristãos do Monte Líbano, de Zahle, do Vale do Bekaa e do Sul do Líbano.
As motivações mais significativas estão nas necessidades econômicas das
populações rurais, na oposição ao domínio otomano e no desejo de enriquecimento,
estimulado pelas noticias enviadas pelos pioneiros. Já as motivações secundárias
foram o acompanhamento de pais, irmãos mais velhos ou cônjuges, crianças e
mulheres (GATTAZ, 2005).
Fase 2: O período do entre guerras (1920-1940)
Fase caracterizada principalmente pela emigração de cristãos e muçulmanos
que
procuravam
melhores
perspectivas
econômica,
por
se
encontrarem
descontentes com a nova configuração do Estado libanês após o final da Primeira
Guerra Mundial. Nesta etapa ainda está presente de forma significativa o papel do
desejo de enriquecimento rápido, porém isto já não é garantido àqueles que foram
42
trabalhar como mascates no Brasil. Assim, os principais grupos de imigrantes foram
a população rural (cristãos e muçulmanos) do Monte Líbano, do Vale do Bekaa, do
Sul do Líbano e os cristãos de Zahle, Beirute, Trípoli e cidades do Sul. Já as
principais motivações estiveram na carência de perspectivas para os setores
urbanos da população, como também nas necessidades econômicas da população
rural, sendo as motivações secundárias, a ambição pessoal, juntamente com o
desejo de enriquecimento e o acompanhamento de pais, irmãos ou cônjuges
(crianças e mulheres), como também, a oposição ao domínio francês.
Fase 3: A independência do Líbano (1940-1975)
Etapa é caracterizada pela saída de cristãos e muçulmanos, especialmente
de origem urbana, em função da falta de oportunidade profissional, acentuada pela
depressão econômica após a Segunda Guerra Mundial e pelos conflitos de origem
religiosa e política que ameaçavam a ordem e a integridade do país a partir de 1958.
Principais grupos que imigraram: muçulmanos e cristãos de Zahle, Beirute, Trípoli e
cidades do Sul; população rural do Monte Líbano, do Vale do Bekaa e do Sul do
Líbano. Nesta época ocorreu um aumento expressivo na proporção dos muçulmanos
emigrantes, tanto de origem urbana como rural. Já as principais motivações estão na
deficiência de perspectivas econômicas para a população urbana, nos conflitos
sectários, sendo as motivações secundárias, o acompanhamento de pais, irmãos
mais velhos ou cônjuges (crianças e mulheres).
Fase 4: Guerra do Líbano (1975-2000)
Provocada pelo conflito militar que ocorreu a partir do início da década de
1970 e suas consequências, tais como insegurança e medo generalizados, queda
da atividade econômica com consequente desemprego, perseguições políticas e
sectárias, busca de nacionalidade brasileira. Principais
grupos imigrantes:
muçulmanos sunitas e xiitas do Vale do Bekaa e do sul do Líbano; cristãos do Monte
Líbano, Beirute, e cidades do norte do país. As motivações mais importantes foram a
falta de perspectiva econômica provocada pela duração e intensidade da guerra, a
fuga temporária da guerra devido a atentados, bombardeios etc. Já as motivações
43
secundárias estão entre a busca de nacionalidade estrangeira, o acompanhamento
de pais, irmãos mais velhos ou cônjuges (crianças e mulheres).
É importante ressaltar que, segundo Gattaz (2005), a sobreposição das
comunidades libanesas e sírias transforma diferentes comunidades em uma grande
colônia sírio-libanesa, ou mesmo árabe, que abrange diversos grupos heterogêneos
tanto de cunho religioso, quanto ideológico e regional. Portanto, quando é utilizado o
termo comunidade libanesa, fala-se na verdade em uma modalidade conceitual, já
que na realidade, sobretudo para os demais cidadãos brasileiros, mas também para
os que são de origem árabe, torna-se praticamente impossível diferenciar a
comunidade libanesa da síria, ao contrário da facilidade que existe em identificar o
árabe e seus costumes (GATTAZ, 2005).
Ainda assim, as diferenças mais claramente identificadas entre os imigrantes
árabes ainda não se localizam nem mesmo entre os sírios e os libaneses, mas nos
muitos grupos religiosos das duas nações. Para buscar entender a comunidade
libanesa como um todo e sua relação com a colônia árabe, é preciso, portanto,
encontrar uma separação entre os vários grupos religiosos, regionais e etários que a
formam e ainda analisar suas singularidades, diferenças e afinidades (GATTAZ,
2005).
Gattaz (2005) afirma que ao levar em conta as causas da emigração, pode-se
afirmar que os fatores econômicos foram os que, durante todo o tempo, se tornaram
o maior estímulo para a expulsão dos libaneses em direção a países tão distintos
como Brasil, Austrália, Argentina, Egito e Estados Unidos. Porém, juntam-se a este
motivo aqueles de caráter político, passando ainda a existir, muitas vezes, aspectos
de caráter simplesmente pessoal e que oferecem à emigração uma coloração épica
Assim sendo, quanto às questões relacionadas às religiões, os motivos da
emigração têm sido os mesmos tanto para muçulmanos, quanto para drusos e
cristãos nos diferentes momentos durante o século. O que se pode destacar é
somente a maior proporção de cristãos emigrando na primeira metade do século,
pela sua oposição ao domínio do império otomano, e sua maior urbanização,
educação e mesmo possibilidades financeiras. Em contrapartida, durante a segunda
metade
do
século,
a
emigração
dos
libaneses
muçulmanos
aumentou
significativamente, tanto devido à sua crescente urbanização e educação, como por
serem avessos ao regime confessional que assegurava a supremacia política aos
cristãos (GATTAZ, 2005).
44
2.3 A imigração síria e libanesa para o Brasil
“Deixei meu País,
Rompi laços maternos,
Preferi ´paus brasis`,
Aos meus ´cedros eternos`”.
A. B. citado em Salem (1969)
O processo migratório dos sírios e libaneses rumo ao Brasil teve seu início na
segunda metade do século XIX, perpetuando-se ao longo do século XX. Segundo
Knowlton (1961), a grande parte dos que imigravam era composta mais por
libaneses do que por sírios e bem mais cristãos do que não-cristãos, como os
mulçumanos e os drusos, entre outros. As últimas décadas do século XIX e as
primeiras do século XX foram um momento de intensa saída das populações síria e
libanesa em direção aos cinco continentes, em especial, África, América, Europa,
Ásia Ocidental e ilhas do Pacífico. Knowlton (1961, p. 37) afirma que:
a data de 1871 é aceita como um consenso nas estatísticas oficiais para a
entrada dos primeiros sírios e libaneses no país, inicialmente no Rio de
Janeiro. Já a tradição oral afirma que eles entraram no Brasil em data
anterior, uma vez que emigraram do Líbano para a Espanha e Portugal,
inicialmente, e de lá para o Brasil, já nas primeiras expedições
colonizadoras.
Um ponto importante desse processo, segundo o autor, é o fato de que os
primeiros imigrantes sírios e libaneses emigraram para o Brasil por não terem obtido
visto para os Estados Unidos ou por não corresponderem às imposições e condições
impostas para a entrada em solo americano. Assim, para evitar o retorno à terra
natal, muitos imigrantes desembarcavam no Rio de Janeiro, uma vez que também
fazia parte do continente americano. Outros grupos acabavam desembarcando no
porto de Santos, muitas vezes convencidos de que estavam finalmente chegando os
Estados Unidos da América, sendo vários deles enganados por agências de
navegação. Por fim, existem aqueles que buscaram o Brasil exatamente por já terem
45
alguns parentes no país ou por confiarem que no Brasil conquistar fortuna seria mais
fácil e rápido.
Naquele tempo, a Síria era uma região de pequenas proporções, de modo
que os estímulos para a emigração alcançaram toda a população de maneira
relativamente homogênea. Assim, a vontade de emigrar, de fazer a América, de
conquistar um progresso antes inimaginável, onde quer que fosse, antecedia a
determinação por um destino específico. Por toda a então Síria, relatórios de
missões presbiterianas apontaram que, ao longo da última década do século XIX, a
febre imigratória chegou a se tornar uma mania. Ou seja, um analfabeto vai para a
América e após seis meses envia aos seus familiares um cheque de $300 ou $400
dólares, o que representa uma quantia maior do que o salário de um professor ou de
um pastor em mais de dois anos. Quase todo o dinheiro que é enviado para o seu
pais de origem é utilizado para a quitação de velhas dívidas, hipotecas, e para
buscar outros imigrantes para o além-mar. Dos relatos e mensagens enviadas pelos
imigrantes só se ouviam louvores irrestritos à América (TRUZZI, 2001).
Porém, Knowlton (1961, p. 35) afirma que:
saber precisamente como se deu a imigração sírio e libanesa para o Brasil é
uma tarefa bastante difícil, uma vez que as autoridades brasileiras não
mantinham estatísticas precisas, tampouco uma definição exata sobre o
conceito de imigrante. Até 1934, imigrante era todo estrangeiro que
desembarcasse em portos brasileiros, vindos de terceira classe, pois os
passageiros de primeira e segunda classe eram considerados turistas e
visitantes. (KNOWLTON,1961, p. 35)
Já com a proclamação do Decreto Federal nº 24.215, de 9 de maio de 1934, e
o de nº 34.358, de 16 de maio do mesmo ano, o conceito do que seria então um
imigrante é redefinido. E o imigrante passa a ser compreendido como o indivíduo
que vem ao Brasil para desempenhar um ofício ou profissão por mais de 30 dias.
Porém, por ainda ser uma definição insatisfatória, quatro anos após tal decreto, a
legislação se modifica novamente com o acréscimo de novos termos, tais como
“permanente e temporário.” Aqueles que eram classificados como temporários
recebiam o visto de turistas, ou seja, viajantes em trânsito. Já os denominados
permanentes, seriam aqueles que constituíam um lar definitivo no país. Entretanto,
um outro fator que provocava certo conflito diz respeito à identidade, pois após o
término do conflito de 1860, os sírios e libaneses que emigraram eram todos
portadores de um passaporte fornecido e carimbado pelas autoridades do domínio
46
turco.
Assim,
mesmo
sendo
revelada
a
verdadeira
nacionalidade,
foram
denominados de “turcos”, por ser justamente o Império turco-otomano que lhes
fornecia a autorização oficial para viajar. Assim como os sírios e libaneses, era
também conhecido como turcos qualquer migrante proveniente da região oriental,
mesmo sendo egípcio, palestino ou persa (SIQUEIRA, 2002)
É público que São Paulo foi um dos maiores e mais importantes centros de atração
para os imigrantes sírios e libaneses no Brasil. Porém, é extremamente árdua a
busca de elementos que de fato precisem exatamente esses dados, já que muitos
deles se deslocaram de São Paulo para outras regiões e vice-versa. O perfil do
indivíduo que se aventurava na imigração, em sua grande parte, era o adulto,
solteiro e do sexo masculino, em geral cristão praticante, de diferentes igrejas, como
a maronita e a greco-ortodoxa. Assim, ao se adentrarem a terras brasileiras, os
primeiros imigrantes sírios e libaneses já em 1871 constituíram na cidade uma
pequena colônia, como também no caso da cidade de Rio de Janeiro (SIQUEIRA,
2002).
A autora afirma que, geralmente, a trajetória é a mesma, pois praticamente
todos os imigrantes deram início a suas atividades profissionais como mascates,
para somente depois passarem ao comércio de varejo, com suas lojas, e ainda mais
tarde ao atacado, chegando finalmente à indústria. Somente na segunda geração,
os filhos dos imigrantes se dedicaram às profissões liberais, por sempre evitarem os
serviços ligados à agricultura e ao operariado. Ao passo que o capital aumentava,
acompanhavam então o processo e a evolução econômica do país ao levar em
conta as oportunidades que surgiam e, em busca do crescimento e progresso,
procuravam mudar para centros mais urbanizados e importantes no Brasil.
Entretanto, cerca de trinta anos após o início da imigração para terras brasileiras, o
censo de 1940 apontou um decréscimo na entrada de imigrantes sírios, libaneses e
grupos afins no país. Porém, de maneira geral, os imigrantes trouxeram consigo
pouco ou nenhum capital, o que fez do comércio um lugar de trabalho que oferecia
retorno financeiro mais rápido do que a agricultura, para a qual era necessária a
aquisição de terras e significativos investimentos iniciais. Em contraponto, a
mercadoria para o comércio podia ser obtida a crédito, e o retorno do investimento
era bem mais acelerado e vantajoso, uma boa maneira de conquistar capital
desejado (SIQUEIRA, 2002).
47
A imigração para o Brasil, segundo Truzzi (2001), compõe o quadro geral dos
movimentos de populações europeias e orientais rumo ao continente americano. No
mais, como já citado, a combinação entre o crescimento populacional, uma
composição agrária pulverizada e solos quase desérticos constituíam severos limites
à inclusão dos filhos e respectivas famílias no trabalho e na economia rural, o que
acabava incentivando os mais jovens a adentrarem a aventura da emigração.
Incidiram sobre esses fatores também, mesmo em menor grau, outros motivos como
os de natureza político-religiosa, acarretados pelo esfacelamento do império
otomano ou por brigas e desavenças promovidas entre os grupos religiosos. Os
Estados Unidos, Brasil e Argentina foram os principais países escolhidos como
destino para a emigração, mesmo sendo os números que envolvem esses fluxos
bastante discutíveis, pois o território que hoje se conhece como Líbano não
dispunha ainda da sua independência, o que fez com que um número apreciável de
saídas tenham sido clandestinas (TRUZZI, 2001).
O autor afirma que a imigração de libaneses e sírios no Brasil começou a
crescer às vésperas do século XX, e chegou ao seu auge no período do pré-guerra,
já que o ano de 1913 marcou o pico de 11.101 entradas, somente interrompendo as
entradas no momento do conflito. A imigração só se foi estabilizou ao longo dos
anos 20, chegando em torno de 5.000 entradas anuais, diminuindo ainda mais no
início da década de 1930, abatida pela depressão econômica no País e pelo sistema
de cotas adotado pelo governo brasileiro com base no sistema americano (TRUZZI,
2001).
No Brasil, ao longo de muitos anos, todas as estatísticas de entradas de
imigrantes vindos do Oriente Médio eram nomeadas com sendo pertencentes ao
grupo “outras nacionalidades”, sendo exclusivamente no estado de São Paulo, que
implantou um dos serviços migratório mais organizado a partir de 1908, que esses
imigrantes foram registrados tanto como turcos, turco-asiáticos, quanto como
libaneses ou sírios. No período entre 1908 e 1941, o contingente formado por esses
imigrantes chegou a 4% (48.326 indivíduos) do total de indivíduos que entraram em
São Paulo, atrás dos portugueses, espanhóis, italianos, japoneses e alemães. Um
fato muito importante é que após as últimas décadas do século XIX, o exemplo de
sucesso e conquista de alguns pioneiros bem sucedidos instigou exponencialmente
o fenômeno da imigração (TRUZZI, 2001).
48
Segundo Truzzi (2001), não há no país estatísticas confiáveis sobre a
distribuição de libaneses no território Brasileiro no começo do século. Único dado
confiável é que, ao longo dos primeiros anos de 1900, existiam três principais e mais
importantes centros de atração de imigrantes árabes no Brasil - a Amazônia, São
Paulo e Rio de Janeiro.
Assim sendo, o primeiro e mais respeitável centro de atração durante esse
período no Brasil foi a Amazônia, provocado pelo surto de prosperidade que a
borracha proporcionou, iniciado logo após a vinda dos primeiros libaneses. Como
também as grandes levas de brasileiros, outros grupos de pessoas entravam nos
vales do Amazonas em busca de crescimento econômico e trabalho. Porém, a
diferença está no fato de que o mascate sírio ou libanês não tinha interesse, como
os demais, somente na borracha, mas também na venda de variadas mercadorias.
Poucos anos se passaram, e o comércio da bacia amazônica ficou praticamente
todo concentrado em mãos “árabes”. A partir dos mais importantes centros da região
como Manaus, cidade onde a colônia se concentrou nos arredores da Igreja Nossa
Senhora dos Remédios, como também em Belém do Pará, o mascate saía de barco
para negociar com os habitantes mais diversos e distantes (TRUZZI, 2001).
Entretanto, ao término da Primeira Guerra Mundial, e com o final do ciclo da
borracha, ocorreu a mudança de muitos libaneses para outros centros, em especial
São Paulo e Rio de Janeiro, mas muitos deles também continuaram ali até hoje e
fundaram as bases que dão suporte a todo o comércio da região. Outra região que
recebeu a colaboração dos imigrantes árabes foi o estado de Minas Gerais, local
onde suas minas de pedras preciosas e as zonas agrícolas florescentes também
atraíram os sírios e libaneses. E eles se fixaram por todo o Estado, desempenhando
significativos papéis no avanço do comércio e da indústria. Em diversos lugarejos e
cidades, praticamente todo o comércio a varejo e as mais importantes lojas de
alimentos e roupas estavam em suas mãos. Muitos imigrantes, ao enriquecer,
compravam terras e tornavam-se fazendeiros e criadores de gado, entre outras
criações, e os demais investiram suas economias em máquinas de beneficiar
algodão, armazéns e outras formas de empresas industriais numa região
praticamente agrícola (TRUZZI,2001).
Ainda segundo Truzzi (2001), uma das características centrais da colônia
libanesa no Brasil é a capacidade que ela teve de se distribuir, de certa forma, em
todo o território nacional. Iniciando sua vida profissional como mascates, estendiam
49
suas rotas a locais extremamente distantes, dificilmente acessíveis pela rede de
transporte existente. Já na região do sul do país, os primeiros libaneses chegaram
por volta de 1880, vindos de locais como Chiká, Djoune, Sarba, Barsa, Zouk Mickael,
Daroun, Anfi, entre outras. Grande parte desses imigrantes desembarcou no Uruguai
e entrou no Brasil por via terrestre, através da cidade fronteiriça de nome Jaguarão.
A cidade de Porto Alegre também acolheu muitos imigrantes árabes tendo as ruas
General Andrade Neves e Voluntários da Pátria como as escolhidas da colônia,
tanto para o comércio como para estabelecer suas residências. Outro ponto
respeitável de concentração desses imigrantes era, obviamente, a cidade do Rio de
Janeiro, que, até 1960, foi sede da capital federal. Ali a colônia se concentrou nos
arredores das ruas da Alfândega, Senhor dos Passos e Buenos Aires. Vários
imigrantes eram alojados no Hotel Boueri, um prédio de dois andares que se
localizava na Praça da República. Ao buscarem seus parentes ou conterrâneos já
estabelecidos na região, eles recebiam logo a orientação para que encomendassem
rapidamente a um marceneiro seu armarinho ambulante com objetivo de dar início à
pratica da mascateação (TRUZZI, 2001).
Com isso, no começo dos anos 60, foi criada a associação Sociedade de
Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega, conhecida até hoje como SAARA,
sigla que designava a sociabilidade e a vida dessa região do centro da cidade do Rio
de Janeiro, e que atualmente acabou se popularizando e ganhando vida entre os
cariocas. Ali a mistura de etnias faz com que coexista e conviva no SAARA. uma
grande variedade de religiões. Já os sírios e libaneses presentes naquela região
são, em sua maioria, cristãos maronitas ou greco-ortodoxos e em menor quantidade
muçulmanos (TRUZZI, 2001).
No estudo sobre a sociabilidade dos libaneses residentes no Brasil, Gattaz
(2005) relata que as maiores desavenças e separações dentro da própria colônia
ocorrem pela origem religiosa, existindo, assim, dois grandes grupos, cristãos e
muçulmanos, que comumente conservam poucas relações entre si, mesmo não
sendo incomuns os contatos em vários momentos da vida cotidiana, como no
comércio ou mesmo nas relações entre familiares, ocorrendo ainda vários registros
de casamentos inter-religiosos.
Porém, a regra mesmo é que a convivência mais acentuada e os laços mais
firmes ocorram entre os praticantes da mesma religião. Tal situação pode ser
compreendida em parte pelo motivo de os grupos muçulmanos, pela sua vinda
50
posterior para o Brasil, se encontrarem atualmente na fase em que os cristãos
libaneses viviam há cerca de 50 anos, pois há ainda alta taxa de endogamia, sendo
sua comunidade ainda limitada a certos espaços geográficos pela possibilidade de
praticar seu culto na mesquita. Em contraponto, o maior tempo de imigração dos
cristãos libaneses fez com que tal grupo já se ache praticamente integrado à vida
nacional. Porém, a segunda e a terceira gerações têm perdido suas origens étnicoculturais no caldeirão de imigrantes em que o país se transformou, principalmente
o Estado de São Paulo e sua capital. Assim, pode ser verificado entre os imigrantes
cristãos que chegaram nas décadas de 1920 e 1930 uma batalha quase improdutiva
para manter vivas as tradições culturais por meio dos clubes da colônia. Para o
autor, a tendência desses clubes é desaparecer pelo descaso e falta de interesse
dos descendentes, inteiramente integrados à vida brasileira e pouco estimulados em
manter uma identidade étnica estrangeira (GATTAZ, 2005).
Em contrapartida, segundo Gattaz (2005), as associações instituídas e
conservadas por muçulmanos se encontram em plena atividade e em crescimento,
pois são formadas por jovens recém-chegados de países árabes que precisam
destes espaços de sociabilidade e de ajuda mútua. No Brasil, os mais significativos
grupos religiosos que vieram a ser representados foram os cristãos melquitas, os
ortodoxos e os maronitas, havendo ainda a presença de católicos, protestantes e
outras seitas menores, como os drusos. Já os muçulmanos são mais unidos ao
redor da ortodoxia sunita, porém existem os xiitas, que imigraram nas duas últimas
décadas do século XX e que vivem principalmente no Estado do Paraná. Há ainda a
presença de grupos minoritários de libaneses drusos, religião derivada do islamismo
e cuja seita é praticada secretamente (GATTAZ, 2005).
Os imigrantes pertencentes à religião drusa se estabeleceram de forma
concentrada na cidade de Teófilo Otoni, devido às redes sociais que ali se formaram.
A relevância da formação das redes sociais e o seu papel na imigração síria e
libanesa para a região serão analisados no próximo capítulo. Já os modos de vida e
a sociabilidade desse grupo de imigrantes árabes serão mais bem explorados no
quarto capítulo.
51
3
O PAPEL DAS REDES SOCIAIS: UNIVERSO ÉTNICO E INTEGRAÇÃO
SOCIAL
3.1 O que são redes sociais?
Os fenômenos migratórios existem desde os primórdios das sociedades.
Muitos estudiosos voltaram seus olhares e esforços para a compreensão desse
fenômeno, buscando elucidar sua instigante complexidade. Ao refletir sobre a
migração de indivíduos utilizando o ponto de vista dos regimes demográficos, é
possível afirmar que os deslocamentos de pessoas são como acontecimentos
fundamentais para a regulação, ou ainda a integração, das estruturas populacionais
que se atrelam a uma estrutura social historicamente construída. Deste modo, essa
interatividade de situações e fatos promoveria a coesão interna de um regime
demográfico exclusivo, ao expor os padrões e impactos dos eventos migratórios
sobre a estrutura das sociedades e populações (KREAGER, 19874 apud FAZITO,
2010).
Como exemplo dessa afirmação, Fazito (2010) relata que um indivíduo ou
uma família que se encontrem fora de seu país de origem, presente em outras
terras, revelaria muito mais do que uma corriqueira mudança e um deslocamento
comum. O que ocorre, portanto, é a transfiguração de um fenômeno vital em algo
particular na estrutura da sociedade na qual se insere tal indivíduo ou família. Isto
provocaria mudanças sociais profundas tanto na terra de origem como no lugar de
destino. O autor conclui então que tal duplicidade constituída de ausência e
presença revela um rombo profundo na organização social, ocasionada por
fenômenos populacionais reguladores (FAZITO, 2010).
Assim sendo, Portes (1999) afirma que as redes sociais se localizam entre as
mais significativas formas de estrutura em que os acordos e ajustes econômicos
estão encastoados. As redes sociais seriam, deste modo, formas de associações
recorrentes entre grupos de pessoas que se encontram ligadas pelas relações
4 KREAGER, Philip. Demographic regimes as cultural systems. In COLEMAN D.; SCHOFIELD, R.
(Eds.) The state of population theory: forward from Malthus. Oxford: Basil Blackwell, 1987. p. 131155.
52
profissionais, familiares, afetivas ou culturais. Segundo o autor, o tamanho e a
densidade de tais redes diferem em distintas dimensões, com implicações diretas no
desempenho econômico. Seu tamanho diz respeito à quantidade de indivíduos que
compõem uma rede e da densidade ao número de laços e relações entre eles.
Portanto, as maiores redes sociais, em densidade e tamanho, são ainda mais
eficazes na criação de normas, regras e na exigência de um comportamento que
inclua a noção de reciprocidade (PORTES, 1999).
As teorias que analisam o papel e a importância das redes sociais no
processo migratório são fundamentais para a análise e compreensão do fenômeno
da imigração síria e libanesa rumo a Minas Gerais. Segundo Soares (2002), a
relevância dada às redes sociais nos estudos sobre migração se originou como
necessidade de considerar processos sociais concretos que lançassem luz sobre o
estilo seletivo da dinâmica migratória e que ajudassem a encontrar respostas para
duas importantes perguntas: por que um indivíduo migra? Por que determinadas
pessoas de um mesmo segmento populacional, sob as mesmas condições
econômicas, sociais ou políticas, optam por migrar e outras não? Tais processos
podem ser elucidados por meio dos estudos sobre o papel e função das redes
sociais no fenômeno da migração.
Em busca dessas explicações, Portes (1999), em seus estudos sobre o tema,
afirma que há um tipo de redes, nomeada de multiplex, com alto grau de distinção
em clusters, sendo este último formado por meio de laços de família no qual existem
diversos laços ocupacionais, religiosos e recreativos, solidários com as relações de
parentesco. Já as cliques familiares estão intimamente ligadas entre si pela
localização residencial próxima e pelo trabalho e religião. Nessas conjunturas, em
que todas as pessoas se conhecem, as regras da comunidade tendem a se
multiplicar e as transgressões sob a lei da reciprocidade provocam sérias
consequências. Como apontam esses modelos, as redes sociais apresentam a
capacidade de ligar pessoas entre si, ou dentro de organizações profissionais e de
comunidades. No entanto, as redes não são as exclusivas estruturas sociais em que
a ação se encontra intimamente associada. Elas, em geral, compõem a conjuntura
imediata que influenciam os objetivos dos indivíduos como também o ambiente e os
constrangimentos com que eles irão se deparar. Assim, os indivíduos que fazem
parte das redes podem mobilizar uma quantidade expressiva de recursos, driblar um
controle muito limitado de seu comportamento, ou o contrário, podem se ver quase
53
completamente condicionados pelas expectativas exigidas pelo grupo, o que
depende das características de suas redes e do lugar que ocupam no interior delas
(PORTES, 1999).
Outro ponto importante explorado por Portes (1999) para compreensão do
processo migratório está relacionado ao capital social. Segundo o autor, o capital
social está associado à aptidão dos indivíduos para mobilizar recursos escassos
pelo fato de pertencerem a redes ou estruturas sociais ainda mais vastas. Esses
recursos abarcam bens econômicos palpáveis (por exemplo, descontos e
empréstimos sem juros), ou intangíveis, como indicações de negócios, informações
sobre empregos e certa “boa vontade” nas transações de mercado em geral. Porém,
os recursos propriamente ditos não são o capital social, pois este conceito está
ligado somente à capacidade do indivíduo para mobilizá-los quando for preciso.
Dessa forma, a principal característica conceitual destes recursos se encontra no
fato de serem gratuitos para os beneficiários, do ponto de vista mercadológico.
Deste ponto de vista apresenta a natureza de “ofertas” ao passo de não estão
atrelados ao pagamento por meio de certa quantia em dinheiro ou de outros valores,
num prazo pré-determinado (PORTES, 1999).
De tal modo, está implicada nos recursos e no auxílio adquiridos através do
capital social, na maioria das vezes, a exigência de reciprocidade entre os indivíduos
em algum momento no futuro. Mas em contraposição às expectativas existentes nas
transações do mercado econômico comum, as primeiras buscam constituir um
horizonte de tempo longo, como também difuso, sem estabelecer datas para a
quitação do “débito”, pois se trabalha com um caráter de pagamento bem flexível
(PORTES, 1999).
Segundo o autor, a habilidade de conseguir tais ofertas, ou seja, o capital
social, não se encontra no próprio indivíduo, como, por exemplo, a posse de dinheiro
como capital material, ou a conquista da educação ou capital humano, mas sim no
conjunto de relações que o indivíduo estabelece com os demais componentes da
rede. Do mesmo modo, o capital social pode se expressar por meio dos indivíduos
que compreenderam que o consentimento de tais recursos é o comportamento mais
correto a se ter, seja pelo dever moral, seja por meio da solidariedade para com um
determinado indivíduo ou grupo de pertença (PORTES, 1999).
O autor afirma ainda que a concentração de certos grupos étnicos em
determinados ramos de atividade (caso do comércio na cidade de Teófilo Otoni) é
54
ocasionado pelo processo chamado de causalidade acumulativa. Isto ocorre por
meio do acesso fácil e dos bons desempenhos que os “primeiros” a chegar a
determinados setores ocupacionais tiveram, e da consequente indicação de
familiares e coétnicos para o preenchimento de outras vagas. Assim, aquele que
tiver chegado há mais tempo a um novo território carrega a obrigação de trabalhar
incessantemente para cumprir seus compromissos particulares, como também com
as pessoas que lhe arranjaram o emprego, sob os olhares vigilantes de toda a
comunidade étnica, ou seja, a confiança exigível. Tais empregados abrem caminhos
na nova sociedade para os demais que chegarem, até o ponto em que o ambiente
do local de trabalho conquiste as características da cultura do grupo em questão.
Após tal acontecimento, pode se tornar ainda mais complicado para os agentes de
fora vencer e transpor as barreiras e dificuldades à sua entrada, ao contrário dos
membros de redes co-étnicas que passam a ter então um acesso facilitado a esses
espaços (PORTES, 1999).
Torna-se relevante para a análise do processo migratório o conhecimento de
que a maior parte das migrações internacionais em função do trabalho tem a sua
origem em países que se encontram num estágio médio de desenvolvimento
econômico e social, e não nos países subdesenvolvidos. Além disso, não são nem
os mais pobres nem os desempregados os primeiros a migrar nestes países em
desenvolvimento. Em contraponto, são os indivíduos que possuem certo grau de
recursos, como os donos de pequenas propriedades rurais, artesãos da cidade e
trabalhadores com alguma qualificação, que, quase sempre, dão início e apoiam o
movimento de migrar. É fato que nem todos partem em direção a tal aventura, já que
a migração é um fenômeno bastante seletivo. Determinadas áreas da cidade e
comunidades agrícolas, com características específicas, se transformam em
ambientes que alimentam o movimento, ao passo que outras áreas com
semelhanças socioeconômicas se conservam intactas. (PORTES, 1999)
Assim, com base na questão microestrutural, a sociologia das migrações
ainda não criou um aparelho conceitual tão sofisticado e desenvolvido que consiga
esclarecer a singularidade na tendência à migração entre indivíduos e comunidades
no interior de cada país. Ao contrário, utilizou exaustivamente as possibilidades de
explicação que o conceito de rede social oferece. Assim sendo, a migração é
concebida como um processo que dá origem às redes ao passo que articula uma
teia cada vez mais carregada de relações sociais que comunicam os locais de
55
origem e de destino. Tais redes, assim que estabelecidas, possibilitam que o
processo de migração seja autossustentado e impenetrável a mudanças de curto
prazo nos estímulos financeiros de cada país. As despesas e os riscos que se corre
ao mudar para o estrangeiro são minimizados por estas pontes sociais criadas entre
as fronteiras nacionais, que consentem também que mulheres e crianças se unam
aos seus companheiros e famílias emigrados. Em consequência das redes, os
indivíduos passam a se movimentar entre os países por variados motivos, desde
estímulos econômicos originais do ato de migrar, para se ligar aos membros da
família
antes
fragmentada,
como
também
para
cumprir
as
normas
de
comportamento impostas como “corretas” para os jovens em idade profissional
(TILLY, 19905 apud FAZINO, 2010; PORTES, 19786 apud SOARES, 2002; MASSEY
et al, 19877 apud SOARES, 2002).
Outro ponto relevante para o entendimento do conceito de redes sociais,
apontado por Sayad (2000), diz respeito à questão relacionada ao “retorno”. Ele
afirma que os sistemas empíricos de migrações só podem ser representados por
modelos de redes sociais exatamente porque há uma condição do “retorno”. Para
tanto, essa condição torna essencial o fenômeno migratório, pois lhe atribui uma
razão fundamental e singular. Dessa forma, a ideia de deslocamento passa a ter
sentido somente se o ciclo que constitui a migração se fechar no retorno ao país de
origem, isto é, um princípio simbólico que registra a condição circular nas migrações
(SAYAD, 2000). O imigrante Aref El Auar revelou em seu depoimento o sentimento
que nutria pela sua terra natal e o quanto a ideia do retorno esteve presente ao
longo da sua vida no além solo. Porém, esteve duas vezes no Líbano ao longo da
sua vida, confirmando a forma singular com o qual os imigrantes libaneses lidam
com a questão do retorno ao seu país (APÊNDICE B):
Eu saí do Líbano com vinte e poucos anos, isso tem setenta anos, foi no dia
primeiro de dezembro no Rio de Janeiro. Duas vezes fui pro Líbano depois
que voltou, uma com Rachid quando ele tinha 10 anos. Rachid não queria
voltar. Falava com sua tia do Líbano e ela dizia: o que você veio caçar aqui?
Eu falava: pergunta seu pai, se o seu pai não tivesse me chamado eu não
teria vindo, mas chamou pra vir tomar conta do que é dele e eu vim atender
ao pedido dele, por isso é que eu vim. O Líbano mil vezes melhor que isso
5
TILLY, C. Transplanted networks. In: MCLAUGHLIN, Virginia (Ed.) Immigration
reconsidered:history, sociology and politics. Nova York: Oxford University Press, 1990.
6
PORTES, 1978.
7
MASSEY, Douglas S. et al. Return to Aztlan: the social process of international migration from
Western Mexico. Los Angeles: University of California Press, 1987. 335p.
56
aqui. O Brasil é muito bom, mas milhões de vezes melhor o Líbano. Quando
ele foi para lá não queria voltar mais, queria ficar lá. Você pode encher
daqui até aqui de joia e ninguém olha, pode ter o que tiver, e ninguém pede
um centavo na rua de esmola, Você vê cada paisagem, aqui não tem. Olha,
só morro, morro, lá cada paisagem mais bonita que a outra, mais linda do
que tudo (Aref El Auar, 94 anos8).
Em contraponto, segundo Fazito (2010), este princípio simbólico do retorno
também se cumpriu convencionalmente por meio das condições formais que
estruturam e constituem o sistema de migração. Do mesmo modo, na representação
formal do processo migratório, é possível analisar a forma como se dá a criação e
organização de fluxos e polos de origem e destino num círculo integrado, que opera
ainda por meio de modelos relacionais das redes sociais. Em compensação, o
retorno dado como fundamental também ativa e agiliza as migrações.
Assim,
seguindo essa
direção,
o
“retorno”
no
processo
migratório
desempenha duas funções básicas. A primeira é que ele traz fundamentação
simbólica a todo e qualquer projeto migratório. E a segunda, ele realiza uma função
de estruturar a topologia, ou seja, as estruturas invariantes universais de um sistema
de migrações que na maioria das vezes se torna particular em meio a um contexto
específico (FAZITO, 2010).
O autor, portanto, defende o fato de os sistemas de migrações necessitarem
do “retorno”, tanto no nível dos discursos como no nível das práticas, para a
concretização de um sistema migratório que apresente estabilidade e expansividade.
Dessa forma, o retorno dos imigrantes tem o sentido estrutural elementar na
organização e no desenvolvimento dos fluxos migratórios. O destaque especial está
na participação daqueles que retornam, e então, passam a possuir a função de
intermediação na passagem do lugar de origem para o de destino (FAZITO, 2010).
No caso da imigração síria e libanesa, há uma singularidade em relação à
ideia do retorno. Estes imigrantes possuem uma relação muito íntima e nostálgica
com a terra natal, o que ocorre com, praticamente, quase todos os indivíduos que
migram. Porém, os sírios e libaneses, em muitos casos, retornam ao seu país
algumas vezes ao longo da sua vida. Passam alguns meses lá, visitam a família,
matam a saudade e depois voltam para a sociedade hospedeira. Esse fato é
também presente nos imigrantes residentes em Teófilo Otoni. Dos onze
entrevistados, sete são imigrantes e chegaram ao Brasil até o início da segunda da
8
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 03/04/2010.
57
metade do século XX (APÊNDICE B). Todos eles retornaram pelo menos uma vez
ao Líbano, após terem imigrado. Os relatos abaixo indicam essa peculiaridade:
Vim para o Brasil de navio. A viagem durou trinta e um dias. Um sofrimento!
Mas não repeti mais não. Depois disso, já fui duas vezes ao Líbano, mas
não de navio, de avião. Voltei lá duas vezes, uma até com meu filho.
Quando nós chegamos lá tinha mais de cem pessoas nos esperando. E na
9
hora que nós saímos pra cá, a mesma coisa. (Salim Ali El Auar, 87 anos )
Assim, as redes sociais começam a se desenvolver a partir do instante em
que o imigrante dá início à sua peregrinação para novos territórios. Em pouco tempo,
ele passa a compreender que estar fora do seu ambiente de origem requer o
desenvolvimento como também o cumprimento de políticas extremas de negociação
tanto com aqueles que permaneceram, quanto com os que já estão estabelecidos
em seu novo e ainda desconhecido solo (FAZITO, 2010).
No caso extremo da impossibilidade de viver o tão esperado retorno, resta
aos imigrantes ou vivê-lo de maneira praticamente inconsciente, ou em uma forma
alternativa a isso, mas socialmente estruturada, ou seja, por meio de uma espécie
de dissimulação. Assim sendo, o imigrante realiza um manejo simbólico de suas
experiências no dia a dia ao criar subjetivamente suas fantasias sobre o momento
em que, enfim, retornará às suas origens. Nesse sentido, este procura dar uma
explicação para sua realidade, que muitas vezes é extremamente desconfortável,
pois ele se encontra na sociedade praticamente fora do lugar e sem classificação
(FAZITO, 2010).
Em contraponto, segundo o autor, a migração, como uma experiência
singular, tem a capacidade de transformar o ciclo de vida de um só indivíduo ou de
um grupo, seus significados, suas relações, como também a inclusão do imigrante
na estrutura social, tanto da sociedade de origem como na de destino. Estas
relações são então significativamente modificadas, o que traz complexidade a todo o
sistema. Pode ser por tal motivo que as redes sociais da migração são concebidas
como metáforas adequadas à descrição do fenômeno migratório, pois são capazes
de conectar pessoas, ações, objetos e categorias em um só regime demográfico
(TILLY, 199010 apud FAZITO, 2010). No entanto, as redes sociais têm a capacidade
de fundar as bases dos projetos de migração, já que, muito mais que metáforas, elas
9
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 10/09/10.
TILLY, C. Transplanted networks. In: MCLAUGHLIN, Virginia (Ed.) Immigration
reconsidered:history, sociology and politics. Nova York: Oxford University Press, 1990.
10
58
desempenham um constrangimento estrutural por meio da distribuição e disposição
no novo território das relações sociais entre os indivíduos que formam a coletividade
possível de ser mensurado (SOARES, 2002; FAZITO, 2005a11 apud FAZITO, 2010).
Em outro ponto, faz-se necessário analisar o papel da família quanto ao tema
do retorno no fenômeno migratório. É possível afirmar que geralmente a questão da
impossibilidade do retorno não se encontra somente vinculada a uma experiência de
“sucesso” ou de “fracasso” econômico quanto ao trabalho. Em relação a tal ponto,
entre as estratégias utilizadas, as mais significativas recorrências ou padrões estão
ligadas ao papel das redes familiares nos deslocamentos, na justificativa do retorno,
como na própria legitimação da migração. Por conseguinte, as mudanças estruturais
na reprodução da organização familiar em todo o processo de migração e do retorno
se transformam no fator fundamental da determinação dos fluxos migratórios.
(BOYD, 198912 apud FAZITO, 2010; TILLY, 199013 apud FAZITO, 2010)
O presente autor também constatou que tanto as famílias quanto os
indivíduos retornados exercem uma função estrutural parecida, quando não
totalmente compartilhadas e interdependentes, em relação à manutenção, como
também na sustentação das redes de apoio social dos migrantes. Essa função
aparece também no processo de intermediação da travessia entre o lugar de origem
e o destino (FAZITO, 2010).
Uma questão bastante interessante, revelada pelo olhar antropológico, se
encontra na ideia da existência de certo ritual de passagem que compõe a
experiência dos migrantes. Esse ritual ocorreria em determinadas conjunturas, em
que as migrações tomam a dimensão de estratégias sociais integradas e
multiplicadoras na sociedade local ou mesmo em um determinado país. Assim,
ocorre o desenvolvimento do que os teóricos vêm nomeando de “cultura migratória”.
Tal conceito é referente aos deslocamentos que se inserem, dessa forma, em uma
matriz cultural que tanto os legitima, como lhes atribui autonomia, ao passo que os
projetos migratórios não necessitam totalmente de um resultado determinado como
o “sucesso econômico” tradicional (FAZITO, 2010). Esse é o caso do Líbano, um
11
FAZITO, Dimitri. Reflexões sobre os sistemas de migração internacional: proposta para uma
análise estrutural dos mecanismos intermediários. 2005a. Tese (Doutorado em Demografia) - Centro
de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Universidade Federal de Minas Gerias, Belo
Horizonte.
12
BOYD, Monica. Family and personal networks in international migration: recent developments and
new agendas. International Migration Review, [s.l.], v. 23, n. 3, p. 638-670, 1989.
13
TILLY, C. Transplanted networks. In: MCLAUGHLIN, Virginia (Ed.) Immigration
reconsidered:history, sociology and politics. Nova York: Oxford University Press, 1990.
59
país que tem entranhado em sua cultura a tradição de ver seu povo emigrar por
vários motivos, tais como: escassez de vagas de trabalho, instabilidade política e
econômica e área geográfica extremamente pequena. É também, por esse motivo,
que parte significativa dos que dali migram, sentem-se impossibilitados de retornar
completamente para a terra natal.
Assim, o imigrante Salim Ali El Auar relata que:
O libanês gosta muito de migrar. Lá quando tem cinco homens numa casa
ou fica um ou fica dois no máximo. Porque não vai todo mundo embora. Não
vem só por falta de trabalho. Por muitos motivos. (Salim Ali El Auar, 87
14
anos )
Desse modo, as migrações passam a ser legitimadas socialmente por meio
de um código de normas e valores particulares de cada sociedade, e os
deslocamentos ganham a conotação de um processo que busca o reconhecimento
social e o pertencimento à comunidade. Segundo Fazito (2010), em geral, é possível
afirmar que um sistema de migração é determinado pela junção e sobreposição de
distintas “redes migratórias”, em especial pelas “redes de fluxos” e “redes sociais”.
Assim, ao passo que a rede de fluxos se refere à estrutura topológica bruta e
abstrata de um sistema migratório, a rede social corresponde à topologia sensível e
correlativa à conjuntura histórica e social na qual se encontra.
Enfim, o autor afirma que:
em se tratando de um sistema de migrações, embora a rede de fluxos e a
rede social se configurem a partir de pessoas (nós) e suas relações (laços),
deve-se pensar em dimensões analíticas diversas, mas complementares. A
rede de fluxos refere-se ao agregado estatístico da população de indivíduos
que se deslocam entre duas regiões distintas (é o simples somatório dos
deslocamentos que representam os vínculos entre duas regiões tomadas
como nós da rede). A rede social refere-se não ao agregado, mas à
estrutura social composta das relações sociais cotidianas entre diversas
pessoas, migrantes e não migrantes, de uma dada comunidade (FAZITO,
2010, p. 97).
Uma outra contribuição para o entendimento do processo migratório e suas
redes foi oferecida por Carleial (2004). Esta autora relata que tal processo de forma
geral é marcado pelas relações de interesse entre os indivíduos que chegam e os
demais que já residem no novo território. Ela se refere às redes de um tipo
específico de sociabilidade, pautada na reciprocidade, que possibilitam a
14
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 10/09/10.
60
ressignificação das ações sociais dos migrantes, e ainda reterritorializam os grupos
sociais, por meio de parcerias, tanto na passagem, quanto na fixação e manutenção
do imigrante, ao auxiliá-lo em sua integração, adaptação ou redefinindo sua situação
no lugar que escolheu como destino.
Várias dessas relações são claramente políticas, outras mais comerciais, são
raras as estabelecidas pelo governo, mas muitas são de natureza familiar, como
também religiosas. É difícil reunir numa só rede todas essas origens e
características, mas quase sempre é composta por mais de uma delas ao mesmo
tempo. Todavia, o que se generaliza é o fato de todas as redes apresentarem uma
natureza alternativa e complementar à economia formal do novo território, o que
constitui formas produtivas típicas da migração (CARLEIAL, 2004).
Assim, como afirma Fazito (2010), as redes sociais no processo migratório,
quando inseridas nas relações econômicas e sociais, se transformam em estratégias
de sobrevivência e de sustentabilidade dos migrantes no local de destino. Elas
auxiliam na adaptação e, ao mesmo tempo, subordinam o estrangeiro às condições
de vida do lugar.
Em contraponto à ideia de benefício quase gratuito e da comunhão
espontânea que as redes sociais podem transmitir, sua análise mais apurada revela
que também existem relações de dominação dentro delas. Esta estrutura de
dominação não seria, entretanto, violenta, nem muito menos forçada, ficando mais
localizada na divisão social do trabalho. A dominação surge nas relações em que é
formado um grupo que possui mais poder e que então dirige aqueles que se
submetem ao sistema produtivo e à autoridade. Há uma forma de submissão que se
baseia na hierarquia estabelecida por um determinado grupo, quer seja formado por
lideranças religiosas, pelos proprietários dos negócios e pelos representantes
municipais, que, então, orienta e coordena os outros tantos participantes da rede.
Constitui-se com isso uma espécie de intelectual orgânico das conexões da rede
social como define Carleial (2004), o que fornece homogeneidade e consciência à
rede como tal. Como resultado disso, é criado um agrupamento identificado (como,
por exemplo, uma colônia libanesa), ao passo que a rede é idealizada e também
funciona com forma de disciplina e controle sutil dos migrantes (CARLEIAL, 2004).
61
Do mesmo modo, Tilly (1990)15 citado por Soares (2002), defende que, ao
contrário da forte ênfase que tem sido dada à relação de solidariedade nas redes
sociais, quando se levam em conta os fluxos migratórios, é necessário expor o fato
de que as redes também guardam discórdia e conflito. Isso ocorre em virtude de os
membros de grupos imigrantes quase sempre explorarem os compatriotas, por
serem impedidos a agir assim com os nativos. Somado à questão, está o fato de que
cada inclusão também constitui uma exclusão, o que pode ter como consequência
uma notável espacialização do trabalho pela etnia.
Assim, Santos (2005, p. 56) afirma que:
ao deslocar-se para outro país, o migrante defronta-se com outra cultura,
com uma língua desconhecida, e seus referenciais simbólicos (gestados no
seu lugar de origem) apresentam-se limitados para interpretar regras,
hábitos e comportamentos de uma sociedade diferente da sua. As redes se
tornam portadoras de uma identidade construída entre dois lugares, e é
pertencendo à rede que o migrante encontra um espaço criativo, no qual
essa identidade pode ser compartilhada entre os demais membros.
(SANTOS, 2005, p. 56)
Para tanto, é relevante, segundo Petrus (2005), na análise das redes sociais,
afirmar que os vínculos que são constituídos no ambiente de imigração são
seletivamente incorporados, reforçados e ou redefinidos na presente realidade da
imigração, ao desempenhar diferentes papéis nas áreas referentes à moradia e ao
trabalho, como em outras estratégias de sobrevivência.
Já Soares (2004, p. 4), em sua importante pesquisa sobre redes sociais,
redes migratórias e migração nacional e internacional, defende que as populações
humanas se encontram conectadas por extensas e complexas redes sociais, que se
revelam de muitas maneiras. Uma dessas formas está relacionada ao fato de “as
redes funcionarem como circuitos de tráfego no ambiente social como trajetórias
relacionais possíveis que ligam certos atores/nós e fornecem, a um só tempo,
oportunidades e constrangimentos”.
Para ele, o empenho em teorizar sobre o fenômeno da migração
internacional, ultimamente, tem se voltado sobre os seguintes interesses: 1)
encontrar os motivos e razões dos fluxos populacionais dessa natureza; 2) as
15
TILLY, C. Transplanted networks. In: MCLAUGHLIN, Virginia (Ed.) Immigration
reconsidered:history, sociology and politics. Nova York: Oxford University Press, 1990.
62
categorias que a esses fluxos promovem estabilidade e continuidade; e 3) os fatores
que envolvem a adaptação dos migrantes à sociedade de destino (SOARES, 2002).
Entretanto, o presente trabalho não tem como objetivo realizar uma análise
profunda das redes sociais na imigração, pois isso demandaria uma metodologia
específica que exigiria a utilização de uma minuciosa reprodução da configuração
formada entre as relações sociais desses imigrantes. Ele visa a realizar uma análise
teórica sobre o que vem a ser redes sociais, qual a sua relevância no processo
migratório e seu papel, especificamente, no fenômeno da imigração síria e libanesa
para Teófilo Otoni.
Assim, segundo Soares (2002), atualmente o mais completo arcabouço
conceitual sobre os motivos que levam as pessoas a migrar entre os países, é
conhecido como teoria da atração e expulsão, que consiste na junção de fatores
econômicos, sociais e políticos que obrigariam os indivíduos a sair do seu país de
origem. Diversas interpretações teóricas, de neoclássicos a estruturalistas, difundem
esse arcabouço, ao relacionar como causadores dos fluxos migratórios: o alto e
acelerado crescimento demográfico que ocorre nos países em desenvolvimento; a
pobreza, como escassez econômica estrutural; o desequilíbrio no valor da renda per
capita; a estagnação da economia do país; e as transgressões aos direitos
humanos, fruto de embates políticos e sociais, que acabam provocando uma
desestabilização na sociedade, acarretando a necessitada de migrar (NACIONES
UNIDAS, 199716 apud SOARES, 2002).
Em contraponto, o autor afirma que, se as explicações teóricas sobre os
motivos da migração internacional forem checadas com base no que a experiência
tem apontado sobre os deslocamentos humanos desse caráter, é possível aceitar a
indicação de que as pessoas são impulsionadas a migrar mais
na proximidade das relações sociais do que na proximidade física [...] segue
as rotas que foram seguidas por parentes e amigos antes dele. Vai com
conhecidos, ou à procura de conhecidos, que sabe estar em tal ou qual
lugar. Os lugares que ele conhece são aqueles que fazem parte da
experiência passada da sua comunidade e são relações pessoais que
servem de ponto de apoio à movimentação espacial. A não ser
excepcionalmente, o imigrante não se aventura no desconhecido, mas se
orienta por notícias, por informações, por relações (DURHAM, 1984, p.
17
138 apud SOARES, 2002).
16
NACIONES UNIDAS. Migración internacional y desarrollo. Nueva York: Sección de
Reproducción de las Naciones Unidas, 1997.
17 DURHAM, Eunice R. A caminho da cidade. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, 1984. 245p.
63
Tal afirmação pode ser confirmada no depoimento do imigrante libanês K.
Kassim Elawar, morador de Teófilo Otoni, que ao ser questionado sobre os motivos
que o levaram a escolher a cidade em questão, respondeu que:
Desde que eu nasci eu escuto falar de Teófilo Otoni, Poté, Montes Claros,
porque os primeiro parentes nossos vieram pra essa região. Sempre tinha
uma correspondência e algumas fotos. A minha tia que me criou, irmã da
minha mãe, ela tinha casado e veio pra cá. Eu cheguei a Teófilo Otoni e
tenho muito amor por essa terra aqui, por mais que a gente fala da nossa
raça, tem que valorizar a raça que nos acolheu. (K. Kassim Elawar, 73
18
anos )
Com base nessas evidências é vital para uma rigorosa e produtiva análise
dos processos migratórios utilizar teoricamente, como na presente pesquisa, a linha
de investigação que leva em conta a análise das redes sociais, sem, no entanto,
excluir as outras contribuições. Assim, com base nas proposições de Tilly (1990)19
citado por Soares (2002), as unidades essenciais da migração não seriam nem
pessoas nem suas famílias, mas, sim, grupos de indivíduos unidos por meio das
relações de conhecimento, de amizade, familiares e de trabalho. Entretanto, sem
reduzir as características e intenções particulares, a migração poderia ser
compreendida como uma estrutura comunitária que se desloca. Dessa forma, os
movimentos levam para outros lugares os mais importantes segmentos existentes
das redes sociais, ou seja, as “redes migram”.
Sendo assim, nas redes sociais percorrem preciosas informações que
contribuem para tomar a importante decisão de migrar. Estas informações
desempenham um papel fundamental no deslocamento de possíveis migrantes,
como também na sua inclusão na dinâmica econômica do lugar de destino, ou seja,
colaboram para diminuir os riscos e ameaças associadas à migração (SOARES,
2002). No depoimento do filho de imigrante Magid M. Ali Modad, a função das redes
sociais tanto na decisão de migrar, quando no estabelecimento em novo solo, fica
evidenciada.
Papai por exemplo chegou durante o início do século XX. Chegou ao Brasil
em 1913. Então foi no início do século. Seu Abel foi o pioneiro de todos. A
18
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/07/2009.
TILLY, C. Transplanted networks. In: MCLAUGHLIN, Virginia (Ed.) Immigration
reconsidered:history, sociology and politics. Nova York: Oxford University Press, 1990.
19
64
raiz está em seu Abel que foi o pioneiro de todos e praticamente orientou,
chamou todo mundo, orientou todo mundo pra cá. O senhor Abel foi o
pioneiro, e deve ter chegado alguns anos antes de papai. Papai chegou em
1913 e acredito que os árabes daqui chegaram quase todos nessa época,
porque quando se reuniam lá em casa estavam todos com praticamente a
mesma idade. Aqui na região tinha os Abu Kamel, os Ali Ganem, Ali Modad,
os Alchaar, os Zandim, Rafael Zandim é o pai deles, os Salmam Siridim,
que é Rachid, Safhia, ainda tem mais... os Lauar, e muitos outros. Eles se
ajudavam, acolhiam quem chegava. (Magid M. Ali Modad, 66 anos, filho de
imigrante20).
Dessa forma, a análise realizada da dinâmica migratória, com base no ponto
de vista oferecido pelas redes sociais, coloca em evidência o fato de que os
migrantes vivenciam não só uma série de transformações particulares rumo ao
encontro de uma cultura dominante, mas a possibilidade que têm de negociar novas
relações e categorias no interior por meio das redes. Com isso, as trajetórias se
transformam e tendem a se alterar bastante, de corrente para corrente migratória, já
que a mudança se manifesta numa dimensão coletiva e não somente pessoal
(SOARES, 2002).
Por outro lado, a rede migratória é formada pela teoria de relações sociais
interligadas, que se sustenta através de um conjunto de desejos e expectativas
recíprocas e de certos comportamentos que amparam o movimento de indivíduos,
bens e informações, conectam migrantes e não migrantes e que atrelam a sociedade
de origem a determinados lugares nas comunidades de destino. A rede migratória
tem a tendência de se transformar em autos-suficiente com o passar do tempo, pelo
capital social que torna mais fácil para os candidatos a migrantes estabelecer
contato com familiares, amigos ou mesmo conterrâneos. Esta rede apresenta aos
migrantes tanto a facilidade para conseguir emprego, quanto, hospedagem e auxílio
financeiro no seu destino final. Ao passo que as conexões entre as pessoas se
estendem e se tornam mais sofisticadas, a oferta do capital social fica ainda mais
facilitada ao migrante, o que intensifica a espera dos retornos líquidos nas
comunidades de origem e ainda diminui paulatinamente o capital gasto e os custos
físicos da migração (MASSEY et al, 198721 apud SOARES, 2002).
20 Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 15/07/2009.
21 MASSEY, Douglas S. et al. Return to Aztlan: the social process of international migration from
Western Mexico. Los Angeles: University of California Press, 1987. 335p.
65
Já Abad (2001)22 citado por Soares (2002), apoia o fato de que as redes de
parentesco, mais do que possibilidade de mediação entre os integrantes da família
nuclear e as instituições do Estado também desempenham outras funções em
relação aos processos migratórios, ou seja: difusão de informações, sendo que a
maior parte daqueles que migram têm conhecimento do seu destino e, de certo
ponto, o que acharão pela frente; efeito multiplicador, pois cada novo migrante dá
origem a ampla reserva de aspirantes a migrantes; manutenção das relações na
origem e no destino antes e após a migração, através das relações familiares, de
envio de dinheiro, vínculos de solidariedade e ainda de migrações de retorno; e
mudança do padrão migratório, já que as redes apresentam a habilidade de
promover a manutenção da migração, independentemente dos fatores que a
motivaram.
Dessa forma, segundo Bauer, Epstein e Gang (200023) citado por Soares
(2002), as redes migratórias influenciam nas escolhas dos lugares que os migrantes
escolhem como destino de três maneiras. A primeira está no fato de que elas enviam
notícias sobre o mercado de trabalho das regiões de interesse. A segunda maneira
diz respeito ao aumento das vantagens dos migrantes em relação ao volume de
bens étnicos oferecidos no local de destino. E a terceira é que os novos migrantes
desejam ser auxiliados por migrantes já estabelecidos até que se estabeleçam e se
instalem na nova sociedade.
Soares (2002) defende então que não é mais possível questionar a relevância
do papel das redes sociais no entendimento do fenômeno das migrações
internacionais. Todavia, é importante ir mais a fundo nesse entendimento no sentido
de apontar a maneira como se constitui o alicerce inicial do ponto de vista teórico
desses conceitos em decorrência das imprecisões existentes na literatura sobre os
temas das redes sociais, pessoais e migratórias.
Portanto, é admissível aceitar que:
1) redes sociais consistem no conjunto de pessoas, organizações ou
instituições sociais que estão conectadas por algum tipo de relação. Uma
rede social, em virtude do processo em torno do qual ela se organiza, pode
22 ABAD, Garcia Rocio. Las redes migratórias: una propuesta metodológica para descubrirlas y medir
su importancia en los procesos migratorios. Trabalho apresentado no VI Congreso de la ADEH,
Portugal, 2001. Disponível em <http://www.ucm.es/info/adeh/VI_Congreso/congreso.htm.> Acesso
em: 3 jan. 2002.
23
BAUER, Thomas, EPSTEIN, Gil, GANG, Ira N. What are migration networks? Bonn, 2000.
Disponível em: <http://www.iza.org>. Acesso em: 12 dez. 2001.
66
abrigar várias redes sociais; 2) rede pessoal representa, então, um tipo de
rede social que se funda em relações sociais de amizade, parentesco etc; 3)
rede migratória não se confunde com redes pessoais, já que estas redes
precedem a migração e são adaptadas a um fim específico: a ação de
migrar; 4) redes migratórias, cujas singularidades dependem da natureza
dos contextos sociais que elas articulam, são também um tipo específico de
rede social que agrega redes sociais existentes e enseja a criação de
outras, como no caso da migração internacional...; consiste, portanto, em
rede de redes sociais; 5) rede migratória implica origem e destino e a
compreensão do retorno como elemento constitutivo da condição do
migrante, o que põe em xeque alguns padrões de análise: assimilação,
esforço individual – no limite, a assimilação absoluta representa a negação
da própria condição de migrante. É, portanto, a noção de retorno que
concede status ontológico à dinâmica migratória; é a nostalgia/saudade da
origem que confere a uma pessoa sua condição de migrante (SOARES,
2002, p.24).
Com base nessa diferenciação teórica das distintas redes, é necessário
compreender que as relações entre os indivíduos que compõem uma rede
apresentam tanto forma, quanto conteúdo. Este último é oferecido pela natureza dos
laços, como relações de parentesco, poder, amizade, afetivas, troca de bens
simbólicos ou materiais, entre outras. Já a forma envolve dois principais aspectos:
um está na intensidade ou na força das relações entre dois atores; e o outro na
frequência e no grau de reciprocidade com que tal ligação se revela. É possível, em
termos do conceito, que dois desses laços, mesmo que apresentem conteúdos
diferentes, apresentem formas iguais (KNOKE; KUKLINSKI, 198224 apud SOARES,
2002).
O presente autor expõem ainda que a análise de redes leva em conta que as
relações estabelecidas entre os atores sociais são como tijolos da edificação da
estrutura social e que o ambiente social é a expressão dos padrões ou regularidades
existentes nessas relações. Portanto, essa maneira de analisar as redes estaria
direcionada para a regularidade no padrão das relações entre os lugares que os
indivíduos ocupam na estrutura social e para os fluxos relacionais que produzem e
indicam a posição estrutural de cada um dos migrantes no interior da rede
(SOARES, 2002).
Soares (2002) afirma que as redes sociais são de extrema relevância para a
compreensão do fenômeno das migrações, sendo instituído, assim, como um
princípio heurístico. No entanto, os discursos teóricos não deixam de ser uma
representação metafórica de redes sociais. Existe uma determinada sinonímia entre
o que se concebe como sendo rede social e rede pessoal. Ou seja, a rede social é
24 KNOKE, David, KUKLINSKI, James. Network analysis. Beverly Hills: Sage, 1982. 96p.
67
entendida como uma espécie de manifestação de redes pessoais cotidianas que são
baseadas em relações sociais familiares e fraternas. Além do mais, a circulação
desses conceitos, tanto de rede pessoal quanto de rede migratória, ocorre,
diretamente, nesses mesmos discursos. Tal coincidência de definições se
desenvolve à mercê da repetição na forma como as relações de parentesco e de
amizade são assinaladas. Essas relações são tratadas como sendo tanto as causas
ou o que intensificam os fluxos migratórios (já que os indivíduos migram em razão do
suporte oferecido por redes pessoais), quanto como responsáveis pela conservação
dos vínculos que conectam o lugar de origem e de destino, o que se refere à
orientação que os fluxos migratórios adquirem, à movimentação de recursos
materiais e simbólicos etc. Por fim, o autor constata que, apesar de todos os
esforços teóricos, ainda predomina uma determinada indefinição em relação aos
limites conceituais de rede social, rede pessoal e rede migratória, pois há, em seu
ponto de vista, uma certa “promiscuidade” no emprego desses importantes
conceitos.
As redes sociais são elementos vitais para o fenômeno migratório. A seguir,
serão analisadas as relações de solidariedade e a formação das redes sociais no
processo migratório sírio e libanês em direção à cidade de Teófilo Otoni.
3.2 Redes sociais na imigração síria e libanesa: o caso de Teófilo Otoni
Eu tinha dois tios aqui, irmãos da minha mãe e tinha um cunhado, irmão da
minha senhora. Viemos para ficar um ano, para conhecer. Viemos eu e
minha senhora. Eu trouxe ela junto para conhecer, para passear. Um ano e
voltar. Tenho sessenta anos de Brasil. E de Teófilo Otoni.
25
Salim Ali El Auar, 87 anos .
Como teve início a imigração síria e libanesa para a região de Teófilo Otoni?
Como se estabeleceram os primeiros elos da rede social nesse processo? Quais
fatores a alimentavam? Qual o papel e a relevância das redes sociais na
manutenção da imigração síria e libanesa para a região ao longo do século XX? Tais
perguntas fazem parte das questões que forneceram direção à presente pesquisa.
25
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 10/09/2010.
68
As entrevistas e o material teórico analisado possibilitam a montagem de algumas
peças desse quebra-cabeça.
Assim, com base na obra de Khoury (2002), estudioso da histórica de Teófilo
Otoni e filho de imigrante libanês, foi possível conhecer a história do primeiro
imigrante que chegou á cidade, vindo do Líbano. Principal elo da rede social, Abas
Hussein Ghanem, atraído pelas notícias da América do Sul, desembarcara no Rio de
Janeiro no ano de 1884, vindo de sua cidade de origem: Bzebdin. Antes de se fixar
em Teófilo Otoni, aventurou-se nas regiões de Cachoeira do Itapemirim e São
Mateus, no Espírito Santo. Com a intenção de conhecer a “Nova Filadélfia”, dois
anos depois, em 1886, Abas chegou ao porto de Caravelas e prosseguiu pela extinta
ferrovia Bahia e Minas (por onde chegaram muitos imigrantes durante a primeira
metade do século XX), até a cidade de Bias Fortes. Após dois dias, em seis de
dezembro de 1886, Abas chegou, enfim, a Teófilo Otoni.
Khoury (2002) afirma ainda que, um tempo depois, ele abrasileirou o seu
nome para Abel Jacinto Ganem, e abriu a “Casa Abel”, em 1887. Este
empreendimento, que começou modesto, prosperou rapidamente, contribuindo muito
para o desenvolvimento da cidade, para o acolhimento e suporte de muitos
imigrantes. A Casa Abel com o lema de “manter o melhor e o mais variado estoque à
disposição dos consumidores” existiu durante 101 anos, até 31/12/1998, e ao longo
desse tempo foi um ícone do sucesso da imigração síria e libanesa para a cidade.
Abel enviou muitas notícias sobre o Brasil e a região, sendo responsável pela
construção de uma sólida rede social ao estabelecer fortes relações de
solidariedade e acolhimento para os que ali chegavam.
Ele se casou com uma brasileira em 1903, com a qual teve 11 filhos. Na
comunidade, ele foi responsável pioneiro e admirado realizador. Foi então o primeiro
libanês, do qual se tem registro, a pisar o solo de Teófilo Otoni, a naturalizar-se
brasileiro, tornando-se um comerciante de relevo, inclusive de gemas preciosas. Sua
religião era a drusa, o que explica o número significativo de imigrantes pertencentes
a essa religião/seita na cidade e região. Faleceu aos 106 anos, em 1978 (KHOURY,
2002).
O nome Abel Ganem aparece em praticamente todas as entrevistas. Ele é
citado ora como o mais velho libanês na cidade, ora como o responsável pela vinda
de muitos libaneses para a região. Com o seu comércio e suas relações, ajudou
muitos patrícios a se estabelecer, tanto fornecendo mercadorias para o início da vida
69
como mascates quanto abrigando e orientado muitos daqueles que adentravam o
solo mineiro. Peça fundamental da rede social da imigração síria e libanesa para a
região, ele teve uma função indiscutível na história de Teófilo Otoni. Alguns dos
relatos que se seguem, expressam e confirmam essa questão:
Quando eu cheguei aqui eu comprei uma loja, que minha esposa sempre
me visitava pra fazer compras, e existia um senhor chamado Abel Ganem, o
finado Abel Ganem que passava quase todos os dias por lá. Já estava com
quase 83 anos e parava lá pra tomar um copo de café, um copo d`água e
sentar um pouquinho. Aí, chegou um amigo meu que tinha ido para Brasília,
que naquela época era o auge, e me convidou para ir trabalhar com ele. Um
dia ele passou, o finado Abel, e eu falei com ele que tinha essa pretensão
de ir para Brasília e ele falou comigo: que vergonha! E eu falei: mas por
quê? Ele falou comigo: o homem faz a terra, a terra não faz o homem. Você
não é cigano, chegou aqui tem que provar que você é homem. (K. Kassim
26
Elawar, 73 anos )
O Abel Ganem, foi o primeiro imigrante a chegar aqui, era de uma cidade
chamada Bzebdin, colada com Karnaei. Uma fica em baixo e a outra em
cima colada mesmo, você consegue ir a pé. Assim, o que aconteceu é que
o Abel Ganem se comunicava com seus parentes lá em Bzebdin e a notícia
foi se alastrando, porque as cidades eram muito próximas principalmente
Karnaei e Bzebdin. Por exemplo, o seu avô e o meu pai eram de Karnaei, e
vieram para cá logo no início do século, meu pai chegou em 1914. (Chamel
Lauar, 74 anos27)
Deste modo, principalmente nesse último relato, alguns pontos singulares da
imigração síria e libanesa para a região de Teófilo Otoni são explicados. O imigrante
Nagib Nasser relata também que a concentração maior de drusos no Líbano fica
localizada na região das montanhas. As cidades de Bzebdin e Karnai são próximas
umas das outras e ficam nessa região. Abel desenvolveu uma rede social a partir
das notícias enviadas por cartas para seus familiares e conhecidos, o que fez com
que a primeira geração de imigrantes fosse praticamente toda drusa e dessa região.
Nesse sentido, Truzzi (1997) afirma que entre os sírios e libaneses o
sentimento nacional, apesar de nostálgico, como evidenciado em alguns relatos dos
entrevistados, não se mantinha extremamente forte, pois eles eram obrigados a
tolerar, se escolhessem permanecer na região, o sofrimento causado por muitas
dominações. Assim, a grande identidade religiosa e regional era sustentada pelos
laços de família formada pela união de três gerações, os avós, os pais e os filhos, o
26
27
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/07/2009.
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/09/2010.
70
que constituía uma rede de compromisso e solidariedade com um número
expressivo de indivíduos que possuíam o mesmo sangue.
A opção por buscar melhores condições de trabalho e vida em outras terras
só veio aumentar o sentimento de responsabilidade para com os familiares, já que
os que partiam depositavam nos parentes que ficavam uma carga emotiva bastante
forte, o que os tornava uma forma de apoio e ligação com a terra de origem. Isso os
ajudava a dar sentido e suportar as dificuldades no processo de adaptação e
construção de uma nova vida em solo estranho. Tal cumplicidade possibilita
caracterizar os imigrantes sírios e libaneses como pessoas comprometidas por laços
de parentesco (TRUZZI, 1997). Isso reforça a construção da rede social, pois ao se
sentirem minimamente estabelecidos, eles buscavam alguns dos seus familiares,
convidavam amigos e conterrâneos para conhecer ou se estabelecer no
novo
território. Também voltavam para matar a saudade, ou até mesmo, se casar. O
relato da imigrante Munira Salha El Auar, que veio para o Brasil na companhia do
seu marido, expressa essa relação:
Eu recebi meu sobrinho, que veio do Líbano. E um outro amigo da família,
mas ele voltou pro Líbano. Era casado, tinha a mulher de lá, voltou. Ia
buscar a mulher. E recebi, também, o irmão do meu marido. Eu já tinha dois
filhos, os três do meu marido e tinha ainda o irmão do meu marido morando
lá em casa. Eu conheci ele quando me casei no Líbano. Chegou ele, a
mulher e dois filhos. Eram dez meses morando lá em casa. Até o meu
marido ajudá-lo a comprar a casa pra morar, loja para trabalhar. A mulher
dele falava: Munira, nunca vi pessoa igual a você. Eu morei dez meses em
sua casa e nunca vi você de cara fechada, mal humorada. Já meu marido
ajudava muito a família dele e eu nunca ajudei minha família. Mas também
28
nunca falei nada. Nunca reclamei. (Munira El Auar, 80 anos )
Os imigrantes que se encontravam na região, formando os elos da rede, na
maioria das vezes acolhiam os que chegavam com festa e atenção. Ajudavam uns
aos outros a conhecer os novos costumes, a lidar com as dificuldades do lugar, a
aprender o português, a encontrar moradia e trabalho. Entre as mulheres imigrantes,
desenvolvia-se uma relação de solidariedade, elas se visitavam e, entre outras
coisas, conversavam sobre o Líbano, sobre aqueles que ficaram lá e sobre as
novidades e diferenças da nova cidade, entre outras coisas. Assim, Munira El Aouar
conta que:
28
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 05/11/2010.
71
Vim de ônibus, do Rio para cá. Essa estrada toda era terra. Daqui pra cá era
terra. Poeira, poeira. Nunca viajei tanto, o país é muito grande. Nunca
chegava. Aí quando cheguei, tinha um monte de libaneses me esperando.
Na época tinha muitos libaneses aqui. Muitos. Nós dormimos na casa de um
deles e a casa encheu de libaneses. No outro dia, nós fomos para Poté.
Meu marido fretou um táxi. Mas a estrada de Poté era pior ainda. Então,
cheguei lá, o mercado era na praça, aberto. Sabe, gente descalça. Os
homens abraçavam meu marido, eles gostavam muito dele. Não tinha nem
onde a gente ficar. Não tinha hotel. Ficamos na casa de um patrício, que
conhecia meu marido, era amigo. Ficamos três, quatro dias até
conseguirmos uma casa. Nunca reclamei, nunca falei nada. Com um ano
29
meu marido fez a casa. (Munira El Auar, 80 anos )
Outro ponto relevante para a compreensão do papel das redes sociais na
imigração para a região está no trabalho. Fígole e Vilela (2004) afirmam que os
imigrantes pioneiros, ao chegarem ao Brasil, se depararam com poucas
possibilidades de trabalho. Num primeiro momento, eles se defrontaram com uma
estrutura agrícola fundamentada em grandes fazendas, com lavouras enormes. Por
um lado, isso tornava impossível o acesso a terra, por outro, era para eles
extremamente diferente, pois em sua cultura estavam acostumados com a
agricultura familiar de pequeno porte, praticamente para subsistência. Num segundo
ponto, como a grande parte dos imigrantes não dispunha de um volume significativo
de dinheiro, transformar-se em donos de terras logo em sua chegada, era
praticamente impossível. E um terceiro ponto se referia ao fato de que, para se
tornarem trabalhadores nas grandes fazendas, necessitavam entrar em uma disputa
com os imigrantes europeus, já escolhidos pelos grandes fazendeiros para substituir
a mão de obra escrava.
Contudo, alguns sírios e libaneses se dispuseram a tentar a vida como
colonos, mas sem sucesso. Estes buscaram outras funções em cidades próximas,
motivados pelas dificuldades encontradas para melhorar suas condições de vida em
pouco tempo. Assim, as notícias de insucesso que esses imigrantes tiveram como
colonos ajudaram a desaconselhar os outros tantos que chegavam a trabalhar na
agricultura (FÍGOLE; VILELA, 2004).
Sem encontrar então muitas outras possibilidades, e tendo como companhia o
desejo de retornar ao país de origem rapidamente, os que primeiro chegaram ao
Brasil foram trabalhar como “mascates”, ou seja, comerciantes ambulantes que
cumpriram um papel econômico fundamental, como distribuidores de mercadorias,
no complicado sistema da cadeia produtiva nacional (KNOWLTON,1961; EL KADI,
29
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 05/11/1/2010.
72
1997; FÍGOLE; VILELA, 2004). No relato de Chamel Lauar, filho de imigrantes, o
papel da rede social e o início da vida de trabalho dos imigrantes, principalmente da
primeira geração, como mascates, são evidenciados. Em Teófilo Otoni e Poté,
formou-se uma espécie de cadeia produtiva. Os primeiros a chegar, mascateavam.
Com o reembolso financeiro do trabalho, fixavam-se num ponto, abriam uma loja e
ajudavam os outros que adentravam a região a começar a mascatear com o
fornecimento de mercadorias e orientação. Assim,
Meu pai veio em 1914 com o passaporte otomano. O passaporte foi tirado
em 1913. Ele veio para o Brasil trabalhar. Ele hipotecou a casa do pai dele,
lá no Líbano e veio com o dinheiro para cá. Deu azar que um ano depois
quando quitou a hipoteca o pai dele, meu avô, já não estava mais vivo,
morreu sem ver o pagamento da hipoteca. Então, chegou ao Rio de Janeiro
e pegou um navio, um vapor direto para Caravelas. Chegou a Caravelas
com quarenta centavos no bolso. [...] Quando ele chegou, seu tio já tinha
loja em Poté e forneceu muitas mercadorias para ele mascatear e para
muitos outros que chegavam e precisavam mascatear. [...] Então, meu pai
foi mascatear e se deu muito bem no Brasil. Parece que todos que
chegaram e começaram a mascatear se deram bem. Depois meu pai
montou loja em Poté, mas todos eles que chegavam e precisavam trabalhar
meu pai ajudava. (C ham el Lauar , 74 anos30).
Em consequência desse fenômeno e com a carência existente na região, que
necessitava de um comércio farto, devido às pedras preciosas que atraíam muitas
pessoas para o local, os imigrantes sírios e libaneses ocuparam grande espaço
nesse campo. Chegaram a ser proprietários de mais de sessenta e quatro
empreendimentos comerciais na cidade, fora a região (ANEXO B). A força dos laços
familiares contribuía de fato para a fixação dos novos imigrantes na cidade. Muitos
tinham convites para residir e trabalhar em diferentes regiões. Outros vieram com a
intenção de ocupar distintas funções, como o serviço burocrático, mas a relação com
os familiares muitas vezes tinha o poder de influenciar as escolhas. Assim, o
imigrante Adel revela que:
Os libaneses foram um marco mesmo no comércio de Teófilo Otoni pela
quantidade e pela qualidade. Nós temos firmas aí, além da Magda
Magazim, a Indiana, e outras. O libanês, resumindo, um homem
trabalhador, o homem tem o objetivo sempre de crescer, sempre olha pra
família como bom esposo, como bom pai, um bom patrão, um homem
geralmente humilde, mas tem visão e por isso que estamos aqui, nesta hora
falando. Eu estou com 80 anos, eu já fiz 50 anos de trabalho árduo em
Teófilo Otoni e não estou arrependido. Quando eu cheguei era a fundação
de Brasília, era entre ficar aqui e ir para Brasília. Fiz cinco anos de trabalho
30
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/09/2010.
73
na Guiné Bissau, África, assim também trabalhava no comércio. Eu vim
para o Brasil porque os meus irmãos estavam aqui e tinham parentes.
Como estava preparado para ir para Brasília e também tinha visão, capital
do país, era muito mais futuro pra mim do que ficar numa cidade do interior,
além do comércio melhor, a vida cultural. Mas os meus parentes ficaram
´ah...você tem que ficar, graças a Deus você está com a gente, não vou te
deixar sair`. (Adel El Auar, 83 anos31)
Essa relação estreita que os sírios e libaneses mantêm com o trabalho
voltado ao comércio exige um olhar atento e crítico. A entrada ocupacional em
massa de sírios e libaneses no ramo comercial foi também analisada por Fígole e
Vilela (2004). Esses autores revelam que a justificativa dada pelos próprios
migrantes em relação a tal escolha é compartilhada como o resultado de uma
“inclinação natural”, atividade que, afirmam, “está no sangue”. Porém, em
contraposição, ela não se refere à atividade econômica primordial dos migrantes em
seu país, pois quase sempre se ocupavam da agricultura familiar e das criações. Por
conseguinte, o que é assinalado como uma propriedade natural do grupo, passada
de geração em geração, trazida no sangue, faz parte ao mesmo tempo, de um olhar
etnizado de um fenômeno especial ocorrido pela inserção em uma estrutura
econômica do sistema de ocupações locais, que a colônia síria e libanesa
experimentou no Brasil.
Dessa forma, pode ser atribuída, simbolicamente, uma faculdade de origem
étnica relacionada às praticas econômicas que foram, em certo ponto, o produto de
uma escolha comum a um ramo de atividade comercial. Não há duvida de que,
dessa maneira, se expressam não só as relações econômicas que predominam em
todo processo, vivido pelos imigrantes, de inclusão ao sistema econômico no local
de residência, mas as relações que são de natureza imaginárias, que têm por
identificação as relações reais, de sucesso no trabalho comercial (FÍGOLE; VILELA,
2004). O imigrante Adel revela em sua fala esse fenômeno:
Com a dominação otomana, passaram fome, emigraram, foram pra Síria,
pro mundo, pro Brasil, para Teófilo Otoni Os primeiros comerciantes do
mundo eram os fenícios, foram os habitantes do Líbano na história antiga.
Então os libaneses partiram pro mundo, pra Europa, menos pra Europa
você vê, partiram pros Estados Unidos, pra África, Guiné Bissau, Angola e
vieram até pro Brasil, também. Onde acharam facilidades porque havia
espaço pra trabalhar e ganhar dinheiro, principalmente no comércio. (Adel
El Auar, 83 anos32)
31
32
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/06/2010
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/06/2010.
74
Fica evidente que, sob um sentido étnico, os imigrantes “naturalizam” uma
conduta comum, em parte, resultado de outros condicionantes, como, por exemplo,
as poucas opções de trabalho no período da chegada. Estas opções foram
compreendidas como desvantajosas e inapropriadas para o plano que os imigrantes
traçavam em relação ao novo país. Assim, a naturalização da aptidão para a
atividade comercial desse grupo tende a substituir o arbitrário social do qual ela se
origina. Os fatores históricos e estruturais quando da chegada são substituídos por
um discurso de cunho etnocêntrico que confirma a existência de habilidades
naturais, entendidas como valores próprios do grupo (FÍGOLE; VILELA, 2004)
Portanto, herdeiros das experiências das primeiras levas de imigrantes e
evidentemente de histórias bem sucedidas de correntes migratórias com destinos
como o Brasil, comunicadas pelos rápidos canais das redes sociais, os sírios e
libaneses mergulharam no trabalho comercial, não somente por fatores “naturais” ou
genéticos, como revela muitas vezes o próprio grupo, mas sim, por compor um
retorno adaptativo, característico da cultura migratória que foi desenvolvida por toda
comunidade étnica (FÍGOLE; VILELA, 2004). Ao buscarem explorar uma certa
aptidão, juntamente com o esforço adaptativo do grupo, os imigrantes aproveitaram
as conjunturas sócio-históricas da época e mergulharam na atividade comercial tanto
em todo o país, como em Teófilo Otoni. Em todas as entrevistas, este fato é citado.
Adel expõe desde o processo de integração até os primeiros passos dos imigrantes
no campo profissional.
O cara chega aqui, pega uma carroça vai lá numa cidade, fica fazendo
comércio, numa mão, na outra pra mostrar quanto custa um negócio, ele
compra uma por cinco, vai querer vender por dez. Vai compra a primeira
calça, depois compra a segunda calça e assim pra frente, ele compra coisa
que se vende rápido, depois quando começa a já ganhar a vida melhor um
pouco, fica geralmente hospedado na casa de parentes e compra logo um
burro, cavalos, pra ele pra ele lutar com destaque, tem muito patrício
concorrendo e vai pra outra cidade, ele vai mesmo aí mascateando. (Adel El
Auar, 83 anos 33)
Uma característica singular revelada no estudo da imigração síria e libanesa
está na relação que estes imigrantes mantêm com o seu país. Num ir e vir
constante, muitos imigrantes ou seus descendentes retornam algumas vezes à sua
terra natal para rever os familiares, os amigos, e matar a saudade da cultura e dos
33
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/06/2010.
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ares da saudosa pátria. Porém, poucos são aqueles que retornam definitivamente.
Isso se deve a vários fatores: tanto à instabilidade social e política da região, quanto
à falta de um trabalho que dê o mesmo retorno financeiro de antes. O caso dos
imigrantes de Teófilo Otoni não foi diferente. Seis dos onze entrevistados já
retornaram ao Líbano mais de uma vez. Os demais, em especial os descendentes,
alimentam o desejo de ir, conhecer as origens, ou se lamentam de não terem tido a
chance de retornar pelo menos uma vez. O relato do filho de imigrantes Chamel
Lauar revela:
E ele, meu pai, depois que nos levou para estudar no Líbano, também
estava sentindo dificuldade para montar alguma coisa para ele trabalhar.
Ele tentou montar uma loja de pneus em Beirute. Construiu essa casa em
Karnaei, muito grande a casa. E eu não morei nessa casa, porque quando
eu vim embora ela ainda não estava pronta. [...] Depois, ele voltou no
Líbano em 1967, para passear. Demorou uns 17 anos para voltar lá. Foi só
para passear e vendeu a casa para o primo dele. Então, depois que meu pai
imigrou para cá, ele ainda voltou três vezes ao Líbano. (C ham el Lauar , 74
34
anos )
Finalmente, é possivel afirmar, com esses pressupostos e evidências, que os
elementos simbólicos existentes no processo migratório são forças fundamentais na
promoção e manutenção das redes sociais e laços, de um lado, entre migrantes e,
de outro, destes com suas comunidades de origem, apesar das fortes pressões
vindas da sociedade anfitriã na assimilação dos migrantes (FÍGOLE; VILELA, 2004).
Em Teófilo Otoni, isso não foi diferente. Apesar das diversas pressões e
responsabilidades existentes do processo adaptativo, os imigrantes sírios e
libaneses conseguiram se adaptar e se redescobrir no novo solo. As redes sociais
que se formaram na comunidade receptora tiveram vital importância no “sucesso”
dessa imigração. As marcas da relação dos sírios e libaneses com a cidade em
questão estão fixadas em muitas partes da arquitetura e do seu relevo. Lojas, ruas,
prédios, bairros, hospitais, grande parte tem cravada a marca do oriente em sua
formação.
34
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/09/2009
76
4
MODOS DE VIDA E SOCIABILIDADE EM NOVO SOLO
4.1 Modos de vida e estilos de vida
Dois aspectos relevantes para a compreensão do processo de imigração da
população síria e libanesa para cidade de Teófilo Otoni são as relações de
sociabilidade e os modos de vida que esse povo estabeleceu no novo solo. Aqui, o
que se compreende como modos de vida é “a maneira como grupos e indivíduos
vivenciam o mundo, numa cadeia de acontecimentos e práticas em que
objetividades e subjetividades são inseparáveis”. Logo, “os modos de vida seriam
efeitos reveladores de uma multiplicidade de vetores históricos, políticos,
econômicos, sociais, culturais, psíquicos etc. que se entrecruzam e em dado tempo
e espaço se atualizam” (PENZIM, 2001, p. 18).
Alguns importantes teóricos do campo das Ciências Sociais deram sua
contribuição sobre o estudo do que chamam de “modos de vida” e ou “estilos de
vida”. Um dos primeiros a abordar tal questão foi Georg Simmel. Ele afirma que
existe uma conexão própria entre a teoria do moderno e a filosofia da cultura,
expressa no estilo de vida e no processo da cultura. Todavia, é possível ir mais
fundo no que Simmel entende por “estilo de vida”. Para ele, “estilo de vida é uma
rubrica sob a qual se entende um arranjo histórico, ou melhor, uma configuração
histórica, uma configuração sincrônica, das relações entre indivíduo e sociedade,
entre sujeito e objeto, entre cultura objetiva e cultura subjetiva” (WAIZBORT, 2000,
p.179). Assim, segundo Simmel, estilo de vida é a categoria que melhor “retrata” a
realidade de um determinado momento, embora aqui momento seja compreendido
como um instante em um processo de extensa duração, que nada mais é do que o
processo da cultura, ou seja, a história da humanidade. Dessa forma, o estilo de vida
está relacionado às qualidades, características, tendências, disposições, atmosferas
e afinidades fundamentais dos elementos históricos. Assim sendo, o estilo de vida,
para o autor, é um fenômeno da história (WAIZBORT, 2000).
Simmel assinala que o estilo de vida é também fruto da relação entre as
culturas subjetiva e objetiva, já que o fator que determina o estilo de vida de certo
momento da cultura são a dimensão e as formas como tais culturas se relacionam.
77
Dessa maneira, o principal fator que sintetiza o estilo de vida moderno (do então
momento vivido por Simmel) é o dinheiro. Em seus estudos, ao assegurar que o
estilo de vida é resultado da economia monetária, Simmel buscou sinalizar as
implicações do dinheiro sobre a vida do indivíduo em sociedade. Assim sendo, a
economia monetária, o dinheiro, a extrema especialização, a diferenciação, a
tecnização, a preponderância da cultura objetiva sobre a subjetiva, a urbanização, o
distanciamento e a indiferença são alguns dos vetores que determinadas relações
recíprocas, dependentes e contínuas entre si se concentram na conformação do
estilo de vida como uma “unidade histórica” (WAIZBORT, 2000).
Outro teórico de extrema relevância que explorou o tema estilos de vida foi
Max Weber (1971). Em seu texto “Classe, Estamento e Partido”, ele declara que a
honra estamental é quase sempre expressa pelo fato de que, acima de tudo, um
característico estilo de vida pode ser esperado de todos os indivíduos que procuram
fazer parte de um mesmo círculo social. Como limitações, o autor afirma que um
determinado estilo de vida pode restringir os casamentos normais ao círculo de
status, causando, entre outras consequências, um complicado fechamento
endogâmico (WEBER, 1971, p. 219-220).
Segundo Weber (1971), a organização estamental, tendo como base “estilos
de vida” convencionais, passou a existir, em sua forma característica, nos Estados
Unidos a partir da implementação da democracia tradicional. O autor traz como
exemplo dessa afirmação o fato de que apenas o morador de certa rua, ou seja, a
rua mais valorizada é considerado pertencente à sociedade, passando a se
qualificar para o relacionamento social, sendo então visitado e convidado para os
eventos de relevo social. Acima de tudo, esse processo de distinção e
caracterização se amplia, como também ganha força, de tal maneira que produz
indivíduos com posturas de submissão rigorosa à moda dominante na sociedade
(WEBER, 1971, p. 220).
Assim, conforme afirma Weber (1971), o papel determinante de um “estilo de
vida” na “honra” de um determinado grupo significa que os estamentos são os
portadores exclusivos de todas as convenções sociais. De qualquer forma que se
traduza, toda “estilização” da vida se origina nos estamentos ou é no mínimo
preservada por eles. Em sua conclusão sobre tal questão, Weber (1971) afirma que
“as “classes” se estratificam de acordo com suas relações com a produção e
aquisição de bens; ao passo que os estamentos se estratificam de acordo com os
78
princípios de seu consumo de bens, representados por “estilos de vida” especiais”
(WEBER, 1971, p.226).
Em outro momento histórico, Bourdieu (2003) também oferece relevantes
contribuições teóricas para o entendimento do que seriam estilos de vida. Segundo
Bourdieu (2003), “às diferentes posições no espaço social correspondem estilos de
vida, sistemas de desvios diferenciais que são a retradução simbólica de diferenças
objetivamente inscritas nas condições de existência” (BOURDIEU, 2003, p.71).
Assim, segundo ele:
as práticas e as propriedades constituem uma expressão sistemática das
condições de existência porque são o produto do mesmo operador prático,
o habitus – sistema de disposições duráveis e transferíveis que exprime sob
a forma de preferências sistemáticas as necessidades objetivas das quais
ele é o produto (BOURDIEU, 2003, p. 73).
Sendo assim, para o autor, a aptidão, o gosto, a propensão à assimilação
simbólica e/ou material de um conjunto de objetos ou práticas classificadas que
classificam, é a fórmula que dá origem ao estilo de vida. De tal modo, Bourdieu
(2003) afirma que o conhecimento das características relacionadas à condição
econômica e social possibilita não somente compreender ou ainda prever a posição
de determinada pessoa ou grupo no ambiente dos estilos de vida, como também as
práticas pelas quais este ambiente é marcado ou desmarcado.
Para Bourdieu (2003), ao passo que cresce a distância objetiva com relação à
necessidade, o estilo de vida tende a se tornar cada vez mais o fruto de uma
“estilização da vida”. Dessa forma, ele passa a ser uma decisão sistemática que
orienta e organiza as práticas e os costumes mais variados, como a escolha de
determinados tipos de alimentos e também quaisquer tipos de objetos, desde
roupas, móveis e carros aos artigos de decoração da casa (BOURDIEU, 2003).
Já Giddens (2002) incorpora novas dimensões à compreensão do estilo de
vida. Ele afirma que a tradição ou os hábitos estabelecidos em sociedade por
definição dão ordem à vida dentro de caminhos relativamente rígidos. Em
contraponto, a modernidade coloca o indivíduo em contato com uma complicada
variedade de escolhas ao passo que não lhe oferece o auxílio adequado para
analisar as opções que precisam ser selecionadas, o que, quase sempre, acarreta
variadas consequências. Uma dessas implicações diz respeito à primazia do estilo
de vida e sua natureza inevitável para o indivíduo. Para Giddens (2002), quando se
79
fala em estilo de vida, entende-se esse fenômeno como um tanto banal, já que
muitas vezes ele é pensado somente em termos de um consumismo até certo ponto
ilusório (estilo de vida como aquilo que é sugerido pelas imagens das revistas
ilustradas e pela publicidade em geral). Porém, o autor defende que existe algo
essencial em andamento do que indica tal concepção, pois nas condições da alta
modernidade, não só livremente adquirimos estilos de vida, mas num importante
sentido somos obrigados a fazê-lo, ou seja, os indivíduos se deparam com o fato de
não terem escolha senão escolher algum estilo de vida para sua sobrevivência em
sociedade.
Segundo Giddens (2002), estilo de vida não é um termo muito aplicável a
culturas tradicionais, porque sugere um tipo de escolha dentro de uma infinidade de
possíveis opções, sendo ainda adotado mais do que outorgado. Para ele, os estilos
de vida são práticas que se tornam rotinas incorporadas em hábitos de vestir e de
comer, formas de agir e na escolha de certos ambientes para encontrar os amigos,
colegas e parceiros amorosos. Porém, tais rotinas adotadas estão sempre abertas a
mudanças, em conformidade com a natureza móvel da autoidentidade. Segundo o
autor, cada uma das simples escolhas que cada indivíduo faz todo dia, como que
roupa vestir, qual alimento comer, a forma como se conduzir no trabalho, com qual
amigo se encontrar à noite, colabora para a formação dessas rotinas. Dessa
maneira, todas essas escolhas são decisões não só sobre como se comportar, mas,
além disso, sobre quem deseja ser. Assim, quanto mais pós-tradicionais as
situações enfrentadas pelos indivíduos, mais o estilo de vida vai dizer sobre o
próprio centro da auto-identidade e seu contínuo fazer e refazer na sociedade
moderna (GIDDENS, 2002).
Giddens (2002) defende ainda que, muitas vezes, é entendido que a noção de
estilo de vida somente se aplica ao campo do consumo. Mesmo sendo verdade que
a área do trabalho é regida pelo impulso econômico desenfreado e que os modos de
se comportar no ambiente de trabalho estão menos expostos ao domínio do
indivíduo do que em lugares fora do trabalho. Para o autor, o trabalho tem o poder
de condicionar intensamente as oportunidades de vida dos indivíduos, como afirma
Weber, sendo aqui oportunidades de vida entendido como um conceito que deve ser
lido em termos da variedade e disponibilidade de potenciais estilos de vida.
Entretanto, Giddens (2002) aponta que o trabalho não se encontra de forma alguma
totalmente afastado do campo das escolhas plurais, sendo a opção do trabalho e do
80
seu ambiente um elemento fundamental em relação às orientações de estilo de vida
na complexa divisão moderna do trabalho.
Segundo o autor, dizer sobre a variedade de escolhas não é o mesmo que
julgar que todas essas escolhas se encontram abertas e disponíveis para todos os
indivíduos ou ainda que as pessoas se decidam sobre algumas das alternativas com
total conhecimento da gama de opções existentes. Dessa forma, é natural, conforme
enfatizou Bourdieu (2003), que transformações dos estilos de vida entre os grupos
possam também ser entendidas como características elementares que estruturam a
estratificação, e não somente consequências de diferenças de classe no campo da
produção econômica (GIDDENS, 2002).
Quase sempre modelos genéricos de estilos de vida são menos variados que
a superioridade de opções disponíveis em todas as decisões do dia a dia, mesmo
sendo tais decisões estratégicas e de prazo mais extenso. Conforme Giddens
(2002), um estilo de vida abrange uma gama de costumes e orientações, tendo,
então, uma determinada unidade que é muito relevante para a sensação da
continuidade ontológica, que une as alternativas num só padrão ordenado.
Consequentemente, algum indivíduo que esteja comprometido com certo estilo de
vida basicamente veria algumas alternativas como inapropriadas a ele ou a ela, da
mesma maneira que veria as demais pessoas com quem estivessem interagindo no
momento. Ademais, a preferência, a escolha ou ainda a criação de certos estilos de
vida tendem a ser influenciadas por pressões de grupo e pela exposição de
importantes modelos, como também pelas questões e fatores socioeconômicas
(GIDDENS, 2002).
Portanto, em sua conclusão, Giddens (2002) defende que os estilos de vida
estão tipicamente associados aos ambientes, como também às expensas de
possíveis alternativas. Assim como os indivíduos quase sempre se movimentam
entre ambientes ou locais bastante diferentes entre si no caminho de sua vida
cotidiana, eles podem se sentir menos confortáveis em situações em que, de alguma
maneira, colocam em risco seu próprio estilo de vida. Essa sensação de ameaça foi
revelada por alguns imigrantes libaneses recém chegados ao Brasil, já que em três
depoimentos há relatos sobre a resistência em, por exemplo, aprender a falar a
língua local. Porém, na maioria das entrevistas a adaptação e ao novo solo surge
como uma experiência desejada sem se associar com a ameaça de extinção do
estilo de vida próprio dos libaneses, já que os entrevistados afirmam que os
81
libaneses são um povo preparado culturalmente para a imigração. Isso facilitaria a
adaptação, pois eles afirmam saber a sua importância para o sucesso da imigração
em qualquer que seja o país.
Mas, como é próprio das sociedades e dos estilos de vida transformar-se
continuamente, os modos relatados pelos primeiros imigrantes, com sua reverência
aos costumes, aos hábitos da Terra Natal, também vêm se alterando junto ao
processo de adaptação e assimilação de novos costumes e hábitos no novo
território. Deste modo, a cidade se faz palco e terreno para construção de múltiplas
possibilidades, e seu estudo remete à reflexão sobre os sujeitos sociais que, em sua
diversidade e através de suas experiências individuais e coletivas, vão divulgando os
modos de vida que se mantêm ali em contínuo movimento (PENZIM, 2001).
Para entender os modos de vida e a sociabilidade dos imigrantes sírios e
libaneses em Minas Gerais, mais especialmente em Teófilo Otoni, algumas
dimensões sociais podem ser destacadas.
Em primeiro lugar, há o destaque dado para a atuação comercial. Um ponto
relevante sobre a composição dos modos de vida e da sociabilidade dos imigrantes
em novo território está no o objetivo que os imigrantes buscaram atingir com a
imigração, ou seja, fazer dinheiro (SOUZA, 2007). Por estarem em um lugar
completamente diferente do conhecido, se quisessem sobreviver, tinham que se
adaptar. Assim, existiram três fatores fundamentais para o sucesso dos sírios e
libaneses como comerciantes: necessidade, flexibilidade material e mercado
consumidor (SOUZA, 2007). Ser mascate, a habilidade para fazer negócios e a
capacidade de adaptação foram as primeiras e principais características que
compuseram a imagem, ajudaram a estabelecer a sociabilidade e a compor os
modos de vida dos imigrantes árabes no Brasil.
Outra importante questão relacionada aos modos de vida e a sociabilidade
dos imigrantes sírios e libaneses em nova terra é a religiosidade. Segundo Gattaz
(2005), a importância destinada à origem religiosa do conterrâneo libanês é definida
na colônia pelo nível de participação e envolvimento do imigrante nas instituições de
origem étnica, pela sua implicação nas questões políticas do seu país e pelo seu
tempo de imigração.
O terceiro aspecto peculiar aos imigrantes libaneses no Brasil, mas também
em Teófilo Otoni, se refere à família. Sugere-se que ela tem maior importância para
a preservação da identidade muçulmana do que para a cristã, fato que pode ser
82
explicado pela chegada há mais tempo no Brasil dos imigrantes cristãos. Estes
possuem suas entidades regionais e religiosas distribuídas por praticamente todas
as regiões em que há libaneses, o que alivia a família da responsabilidade de ser o
único núcleo de preservação identitária. Já os imigrantes muçulmanos enfrentam o
problema da escassez de locais de culto, de sociabilização e por praticarem uma
religião marcada por muitos preconceitos na sociedade ocidental, o que faz com que
a família seja um local importante de convivência e fator essencial para a
preservação da identidade étnico-religiosa, e dos modos de vida desse grupo
(GATTAZ, 2005).
Em quarto lugar, a preservação da identidade étnica e dos modos de vida dos
imigrantes sírios e libaneses pode ser investigada por meio da frequência às
instituições culturais, como clubes, associações e outras. Essas associações tiveram
enorme importância na construção de uma sociabilidade específica para os
imigrantes sírios e libaneses. Entretanto, existe uma parte relevante dos imigrantes
que não somente deixou de se aproximar, como tomou distância da colônia e de
suas entidades. Esse grupo é composto principalmente dos jovens que buscavam
ascensão social e econômica por meio de profissões que determinavam a
necessidade de manter uma convivência próxima e assídua com brasileiros. Deste
modo, descendentes da segunda e terceira geração quase nunca participam das
entidades da colônia como desejariam seus pais, uma vez que existe a preocupação
em não se definir como representante de um grupo étnico diferente e que ultrapasse
a necessidade de manter a identidade étnica dos seus descendentes – ou suas
“raízes” (GATTAZ, 2005).
4.2 Modos de vida e sociabilidade em Teófilo Otoni
A cidade de Teófilo Otoni e grande parte do Vale do Mucuri, composto por
diversas cidades, em especial as citadas nas entrevistas (Poté, Malacacheta,
Itambacuri, Água Boa, Nanuque, Carlos Chagas), receberam um contingente
significativo de imigrantes ao longo, principalmente, da primeira metade do século
XX. A primeira geração chegou, em grande parte, pelo porto de Caravelas,
localizado no sul da Bahia, entrando em Minas Gerais pela extinta estrada de ferro
83
Bahia e Minas. Já a segunda e a terceira gerações tinham a alternativa de vir de
ônibus do Rio de Janeiro. Tal região, que tem como polo a cidade de Teófilo Otoni,
apresentava uma conjuntura econômica favorável para o estabelecimento dos
imigrantes. Basicamente rural, mas com a crescente descoberta de minas de pedras
preciosas que enriqueciam parte dos moradores e dos donos da terra, essa região
não possuía um comércio forte que alimentasse os moradores com mercadorias
especializadas e utilidades domésticas.
Na cidade de Teófilo Otoni, a grande maioria dos imigrantes é de origem
libanesa e pertencem à religião drusa. Khoury (2002) afirma que a cidade recebeu
em torno de 260 imigrantes libaneses e 11 imigrantes sírios. Portanto, os sírios e
libaneses chegaram a essa terra e ocuparam a lacuna existente. Grande parte deles
partiram do ofício de mascate e depois, como donos do seu próprio negócio, que
comercializava desde gemas a armas de fogo, artigos para casa, tecidos, alimentos
etc.
Discute-se, a seguir, como a sociabilidade e os modos de vida desses
imigrantes se evidenciam nos quatro principais campos destacados anteriormente:
no comércio, na religião, nas associações e na família.
4.2.1 O comércio
Se queres ofender um árabe, contraria seus interesses econômicos.
(ditado popular árabe)
A grande maioria dos imigrantes sírios e libaneses que fixaram residência em
Teófilo Otoni escolheu o comércio como forma de trabalho. Khoury (2002) listou
sessenta e quatro lojas e empreendimentos comerciais que tinham como donos
exclusivamente sírios ou libaneses na cidade (ANEXO B). Os demais imigrantes
comercializavam pedras preciosas e investiam o lucro em imóveis e fazendas.
Muitos ajudavam financeiramente as instituições locais, caso do primeiro imigrante a
chegar à cidade. Abas Husseisn Ganem, natural da cidade de Bzebdin localizada
nas montanhas do Líbano, chegou a Teófilo Otoni em 1896. Um tempo depois,
84
mudou o seu nome para Abel Ganem e fundou em 1897 a “Casa Abel”. Segundo
Khoury (2002), Abel cooperou com a Maçonaria ajudando na fundação da loja
maçônica Filadélfia e na construção do seu templo atual, ajudou as instituições
espíritas da cidade que contavam com sua atenção, sua presença e assistência
moral e financeira, sem que isso afetasse suas relações com a igreja católica.
Também colaborou na fundação do maior hospital da cidade e amparou albergues e
escolas com alimentos e auxílio financeiro.
Abel Ganem ajudou muitos imigrantes a se estabelecerem profissionalmente.
Um deles foi o imigrante Assad Ali Abuhassan Modad, nascido na mesma cidade
que ele no Líbano, Bzebdin. Em sua biografia, seu filho Magid Ali Modad relata que
após chegar a Teófilo Otoni por volta de 1913
Fortunato, como passou a se chamar, em Teófilo Otoni, foi acolhido pelo
seu grande benfeitor, Abel Ganem [...] cuidou de arranjar-lhe serviço,
levando-o para trabalhar na lavra de Marambaia. Trabalhou nessa lavra
como braçal durante algum tempo [...] Mais uma vez Abel providenciou novo
trabalho comprou-lhe burros, arreatas e mercadorias para que fosse
mascatear pela região. [...] Abandonando a atividade de mascate, já
sabendo falar um pouco da língua portuguesa e tendo umas economias
financeiras, instalou sua primeira loja em Poté, onde negociou por alguns
anos [...]. Novamente Abel ajudou-o, usando de seu prestígio político e
utilizando seus tropeiros e animais de carga, providenciou a mudança da
loja. Desta vez a cidade de Itambacuri foi escolhida (MODAD, 19--., p. 18).
Já a entrevistada Munira Molaib, filha de pai libanês e mãe descendente,
professora de Música no conservatório da cidade de Teófilo Otoni e atual presidente
do Clube Libanês da cidade, fala em seu depoimento sobre a relação do seu pai
tanto com o país, quanto com a cidade que o acolheu, e o sentimento que ele nutria
pela nova terra. Ela ressalta também o lugar do trabalho na vida desse imigrante,
como as funções que ele ocupou após a sua chegada ao Brasil. Um ponto singular
que aparece na narrativa da entrevistada é o fato de que o seu pai não chegou a
mascatear, por ter sido atraído primeiramente pelas pedras preciosas.
Então eu acho que ele era um autodidata, os valores dele ele conseguiu
preservar bastante e ele conseguiu fazer o seu lugar aqui, adotou o Brasil
como segunda pátria, era apaixonado por Teófilo Otoni, então acho que ele
veio parar aqui pelo comércio de pedras, todos eles falavam que havia
muito comércio de pedras aqui no Brasil e que as pessoas ficavam ricas de
uma hora para outra e é uma cachaça por que realmente vicia.
Acho que mascatear mesmo não, porque o negócio dele era pedra. Então
ele andou viajando muito por esses lugares que produziam muitas pedras, o
sul da Bahia ele tinha uma lavra no sul da Bahia, ou melhor, tem ainda essa
85
lavra, ele sempre trabalhou muito nessa lavra, mantinha uma turma lá. Mas
apesar de ele trabalhar com pedra, ele sempre mantinha outro negócio,
tinha uma loja, um comércio. Ele tinha um hotel, aqui em Teófilo Otoni, tinha
35
lojas.(Munira Molaib, 52 anos )
Já os filhos dos imigrantes, nascidos no Brasil, encontraram um ambiente
social e econômico singular. Francisco (2005) afirma, com base em sua pesquisa
sobre os sírios e libaneses no Rio de Janeiro, que os descendentes da primeira e
segunda geração de imigrantes foram incentivados a estudar e se formar “doutores”.
Era de praxe, em muitas famílias, um dos filhos optar por assumir o comércio do pai,
porém um número significativo partia para outras formas de trabalho que um diploma
oferecia. Engenharia, Medicina e Direito foram, durante muito tempo, as profissões
que despertavam maior interesse nos filhos da colônia.
Dessa forma, para os descendentes o comércio tradicional da família passou
a não ser a única opção. As perspectivas sociais, políticas e econômicas do país,
que dava início ao então “Estado constitucional liberal”, propiciavam ao descendente
a possibilidade de optar por seguir uma carreira liberal apontada como promissora.
Sendo assim, mesmo que alguns patrícios bem sucedidos conduzissem seus filhos,
sobretudo os mais velhos, às escolas técnicas para o aperfeiçoamento comercial ou
para o curso de contador, o encanto da profissão com maior reconhecimento social
se tornava cada vez maior (FRANCISCO, 2005). Tal fenômeno ocorreu praticamente
de forma generalizada, no que diz respeito à imigração síria e libanesa no Brasil, o
que pode também ser comprovado nos modos de vida dos integrantes da colônia
libanesa em Teófilo Otoni. O imigrante Salim El Auar em seu depoimento ressalta
que:
Eu posso falar que não me arrependi de ter vindo para o Brasil. Porque eu
tenho filho médico, tenho dois netos já médicos formados e tenho três que
formam esse ano e no ano que vem. Vou ter seis médicos em casa. Meu
outro filho ficou com a loja e o outro também trabalha no comércio. O que eu
quero mais? Posso me arrepender? (Salim El Auar, comerciante, 83
36
anos ).
Outro ponto relevante que compõe a relação dos imigrantes com o comércio
está na sua preocupação em deixar os filhos resguardados quanto ao trabalho.
Muitos estimulavam seus filhos a estudar e se formar, outros desenvolviam seus
35
36
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 05/07/2010.
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 10/09/2010.
86
negócios de forma que seus filhos pudessem trabalhar e crescer profissionalmente.
Chamel Lauar, filho de imigrantes, fala sobre esse ponto em sua entrevista.
Quando meu pai voltou do Líbano, pra mim, ele tinha o dom de agregar o
pessoal, o que então ele fez, ele viu que se ele voltasse pra mexer com café
e fazenda os filhos ficariam sem trabalhar, então ele comprou a loja e
comprou novamente a casa em que a gente morava aqui, em Teófilo Otoni.
Mas a gente ainda morou um ano em uma casa alugada. Então ele
comprou a loja, “Casa Dragão”. Aí, eu trabalhava na loja e estudava e meus
irmãos também, e outros irmãos foram estudar fora. O mais velho se formou
em medicina. Eu e Iêsser nos formamos em contabilidade, agora os outros,
37
um em engenharia e o outro em economia. (Chamel Lauar, 74 anos )
Outra entrevistada, a imigrante Munira El Auar, conta um pouco da sua
história e como ocorreu parte da trajetória profissional do seu marido. Ele sempre
trabalhou no comércio, tanto em Poté, quanto em Teófilo Otoni. Criou, educou e
estudou os sete filhos com a lida nos negócios de variados gêneros, o que de fato se
tornou comum nos modos de vida dos imigrantes. Assim, ela relata que:
Eu vim casada e cheguei a Poté em 1950. Cheguei três de julho de 1950.
Morei 15 anos em Poté e vim pra cá para os meus filhos estudarem. Meu
marido trabalhava melhor lá. Tinha comércio, mexia com café, com tecido,
fábrica de cal. Depois que eu cheguei. Tinha posto de gasolina. Depois nós
mudamos para cá (Teófilo Otoni) e montamos um supermercado, aqui onde
é a loja Tempus. Vendia de tudo. Assim que estudamos os meninos. E a
loja aqui embaixo é de um deles. (Munira El Auar, 80 anos38)
Portanto, com base nos relatos dos entrevistados, a história, a sociabilidade e
os modos de vida da colônia árabe que se formou em Teófilo Otoni apresentam,
como um dos pontos principais, o trabalho no setor comercial. Eles estiveram
presentes e fizeram diferença num momento importante da cidade e região: a
consolidação desta como polo regional do nordeste mineiro (Vale do Mucuri). Esse
fenômeno laboral ocorreu também em muitas importantes cidades, tais como São
Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Manaus, Juiz de Fora, entre outras. Em
decorrência disso, ocorreu a entrada em massa dos filhos de imigrantes no mercado
das profissões liberais no país (TRUZZI, 1991).
Uma outra questão que está também ligada ao comércio se refere ao fato de
que, além de proporcionar um estágio ou trampolim para atividades no ramo
industrial, também apresentou para alguns famílias e seus descendentes uma
37
38
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/09/2010.
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 05/11/2010.
87
solidificação e patrimonização do capital investido ao longo tempo (FRANCISCO,
2005). No caso de Teófilo Otoni, sólidas empresas comerciais tais como a rede de
farmácias Indiana, Lojas Emporium. Magda Magazine, perfumaria Aladim, entre
outras, foram continuadas pelos filhos dos primeiros donos, consolidando estes
estabelecimentos como empreendimentos sucesso.
Por fim, segundo Francisco (2005, p. 73),
numa sociedade como a brasileira, daquela época, os imigrantes sírios e
libaneses passaram a ocupar um lugar inventado por sua própria
necessidade. Considerados parasitas por alguns brasileiros, rivais
poderosos pelos imigrantes italianos e portugueses, os “patrícios” foram,
aos poucos, impondo sua maneira mestiça por natureza e negociando a
permanência entre os outros grupos. As bases dessa invenção árabe era o
mundo do trabalho, onde o sucesso dependia, em grande medida, da
motivação de cada indivíduo, seu empenho e dedicação eram elos muito
fortes, difíceis de quebrar. (FRANCISCO, 2005, p. 73),
Mesmo que o comércio fosse uma atividade até certo ponto familiar para
estes imigrante, já que outrora seus países foram rotas obrigatórias de comércio
entre o ocidente e o oriente, é indiscutível o fato de que, no Brasil, estes
reinventaram o modo de se fazer comércio e marcaram tanto a sociedade, quanto
este campo, com seu modo peculiar de negociar, vender, divulgar suas mercadorias.
Os modos de vida e a sociabilidade desse grupo são marcados pelo trabalho árduo
e diferenciado no comércio, juntamente com as características étnicas que os
diferenciavam dos demais desse setor.
4.2.2 A Religião
Segundo Khoury (2002), com relação à religião, os libaneses não enfrentaram
grandes dificuldades em Teófilo Otoni, pois os imigrantes católicos eram autorizados
a praticar livremente a sua fé e frequentar as igrejas. Já os não cristãos, em sua
maioria drusos, não tinham como costume transmitir forçadamente a sua crença à
família.
A grande maioria dos imigrantes sírios e libaneses que chegaram à região de
Teófilo Otoni pertencia à religião drusa. Uma das causas dessa unidade está
relacionada ao fato de o primeiro imigrante que se fixou na cidade no final do século
XIX pertencer a tal religião. Dessa forma, e a partir dele, a rede social que se formou
88
foi composta por seus companheiros de fé como também das cidades próximas à
sua, no Líbano. Os autores Fígole e Vilela (2004) afirmam em seu estudo que os
drusos, em sua maioria da cidade de Kornail, no Líbano, se concentraram na cidade
de Teófilo Otoni. Os ortodoxos e Melquitas de Yabraud e Horns, na Síria, se fixaram
em Juiz de Fora e Uberlândia. Já os maronitas de Zahle, no Líbano, e os
mulçumanos acabaram se estabelecendo em Belo Horizonte.
Munira Molaib relembra a relação que seu pai mantinha com a religião. Como
druso, ele não exigia que seus filhos a praticassem ou reproduzissem seus
costumes, mas os transmitia de forma suave através dos seus valores. Assim, ela
afirma que:
A religião era drusa e ela aparecia de certa forma. Ele não impedia a gente
de frequentar a igreja que quisesse, qualquer uma, mas ele, por exemplo,
não batizou nenhum filho, por ele achar que cada um devia ter o livre
arbítrio, conhecer e depois optar. Mas a filosofia dele toda é espírita, porque
os drusos todos são reencarnacionistas. Então aqui ele leu todos esses
livros espíritas, Alan Kardec, André Luiz, isso era o mais próximo da religião
drusa, mas não levava a gente em nenhuma casa espírita, mas a conversa
39
sempre existia (Munira Molaib, 52 anos )
A doutrina drusa é um desdobramento do islamismo acentuado pela filosofia
grega antiga e outras tradições. Pautada no monoteísmo, foi fundada no Egito da
dinastia Fatídima no final do século X. Com o passar do tempo, o centro de sua fé
mudou do Egito para o Líbano e a Síria, chegando também a Israel. Na metade do
século XI, a fé se fechou para novos membros. Até a presente data, a conversão
para a fé drusa não é possível, pois ela somente é transmitida pelo sangue. Eles são
identificados pela família. A família El Auar, por exemplo, é por tradição, drusa. A
imigrante Munira El Auar afirma em seu depoimento que “Nós somos drusos. El
Auar, Salha é tudo família drusa” (ENCICLOPÉDIA ENCYDIA BETA, 2011).
Os drusos são também reencarnacionistas e acreditam que suas almas
continuam a reencarnar continuamente. Magid M. Ali Modad relata na biografia do
seu pai uma passagem, que, como druso, ilustra os modos de vida desse grupo:
Ele acreditava ter vivido várias vidas anteriores. Contava que numa das
suas “passagens” teria caído de cima do telhado da sua casa quando o
consertava. Afirmava também ter sido mulher em uma de suas
reencarnações, tendo seu nome (Zarife), gravado atrás de um armário,
numa casa no alto de uma colina, nos arredores de Bzibdin. A diabetes
39
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 05/08/2010.
89
impedia a cicatrização de uma fistula no seu pé, e já impaciente dizia: “isso
ser braga de uma mulher aleijada que eu ria dela. (MODAD, 19--, p. 51)
Outra característica dos drusos parte do ponto que, para evitar perseguições,
eles compartilham os segredos de sua fé com pouquíssimas pessoas. Dessa forma,
estes indivíduos, homens e mulheres conhecidos como "ukal", são escolhidos pelos
líderes da comunidade baseados, principalmente, em seu estilo de vida moral, para
se aprofundarem e se aperfeiçoarem no conhecimento dos seus livros sagrados. Os
drusos possuem poucas cerimônias, à parte dos eventos em seu ciclo de vida.
Costumam frequentar uma casa de orações, ou hilva, fazem votos a Deus para obter
a cura por alguma enfermidade, como para outras necessidades, e celebram os dias
de peregrinação dos líderes da sua fé. Entre as suas proibições, que caracterizam
os modos de vida dessa comunidade, estão o consumo de álcool e de apostas se
apresentando também bastante leais aos países em que vivem.
Assim, praticamente todos os entrevistados, de origem drusa, falam do
agradecimento e da consideração que têm pelo Brasil e, em especial, pela terra que
os acolheu. É constante a expressão do sentimento de agradecimento e de dever
para com a sociedade receptora. A sociabilidade existente entre os imigrantes dessa
origem com os nativos, em Teófilo Otoni, é marcada pela gratidão, na fala dos
entrevistados. Salim El Auar, imigrante libanês de origem drusa, relata que:
Mas quem bebe dessa água não sai fácil. Eu quando cheguei ao Brasil não
falava nada. Não existe país igual, nem país, nem o povo. A gente não
sente a diferença, porque tratam bem. A gente é muito bem tratada. O
brasileiro fica amigo com pouca conversa. Não tem como não ser
agradecido. Tem que valorizar a terra que nos acolheu. (Salim El Auar, 83
anos40).
De acordo com Knowlton (1961), no Brasil a religião na colônia árabe
determina, em muitos casos, a participação do indivíduo nas organizações culturais,
sociais e políticas, sendo também uma das principais forças divisórias entre os sírios
e libaneses. Porém, mesmo que possam ter ocorrido situações em que a religião
apresentasse este sentido, no caso da colônia existente em Teófilo Otoni não foi
observado nas entrevistas nenhuma relato que apontasse para esse fenômeno. Os
depoimento evidenciam um modo de vida e sociabilidade marcados pelo sentimento
de união, parceria entre os imigrantes sírios e libaneses e gratidão pela terra
40
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 10/09/2010.
90
acolhedora. Claro que existiram conflitos e desentendimentos entre os integrantes
da colônia, experiências de declínio financeiro, roubos, empreendimentos que não
tiveram sucesso, impasses políticos, mas nenhum desses episódios trouxe a religião
como fator principal de desentendimentos ou disputas.
4.2.3 As associações
Além do campo religioso, outro terreno que se mostrou eficaz para a
promoção da união, da identidade e da sociabilidade entre os membros da colônia
síria e libanesa no Brasil foram os clubes e as associações beneficentes
(FRANCISCO, 2005). Teófilo Otoni não foi exceção. Tanto na cidade como na
região, os imigrantes se reuniram para fundar clubes e associais, tais como
Associação Beneficente Libanesa de Poté e o Clube Libanês de Teófilo Otoni.
Como forma de unir e integrar a comunidade síria e libanesa na cidade de
Teófilo Otoni, no dia 03 de janeiro de 1926 foi criada a Sociedade Beneficente Sírio
Libanesa, constituída pelo estatuto assinado pelos imigrantes: Salim Mahmud El
Awar como presidente; Manoel Salmém como vice-presidente; Abel Jacinto Ganem
como conselheiro; José Boali como tesoureiro; Mahmud Salim Ganem como 1°
secretário; Amer Assreuí como 2° secretário, além de cinco outros membros.
Passados vinte e cinco anos, essa pequena sociedade edificada por treze libaneses
residentes na cidade se desenvolveu e em 14 de outubro de 1951 se transformou no
Clube Libanês de Teófilo Otoni, existente e ativo até os dias atuais (KHOURY,
2002).
As entrevistas evidenciaram que a colônia libanesa tinha como característica
uma relação ativa com as questões de ordem pública e política da cidade. Estava
presente, de forma significativa, com as iniciativas em prol de melhorias para a
cidade como a chegada da energia elétrica e da telefonia, abertura de novos bairros,
construção de hospitais e escolas, auxílio às entidades beneficentes, sem falar no
crescimento do comércio. Todos os entrevistados, sem exceção, relataram que
havia na comunidade libanesa uma sociabilidade pautada na ajuda mútua ao
imigrante que chegava, até seu pleno estabelecimento. As esposas se ajudavam,
91
tanto na adaptação, quando no aprendizado da língua local e dos novos costumes.
As associações foram importantíssimas para a consolidação dessa união e para a
realização de obras sociais. Chamel Lauar fala um pouco sobre como seus pais se
empenhavam em ser solidários com os mais necessitados:
Então, nós somos seis irmãos e meu pai sempre quis que nós
estudássemos. A gente morava em Poté e minha mãe e ele faziam parte da
LBA. O pessoal saía para a guerra e era a LBA que tomava conta das
famílias. Para ajudar essas pessoas a LBA fazia festas para arrecadar
dinheiro e era o meu pai que organizava isso em Poté (Chamel Lauar, 74
anos41).
Os clubes, principalmente o Libanês e o Automóvel Clube, serviam de ponto
de encontro da colônia. Por meio desses clubes, as relações se mantinham sólidas.
Além disso, os libaneses se encontravam em suas casas, em reuniões formais ou
informais. Aniversários e festas comemorativas faziam parte da rotina dos libaneses
e suas esposas. Havia também a comemoração das datas oficiais do Líbano,
principalmente no clube Libanês. O relato do descendente Chamel Lauar contribui
para que se compreenda a dinâmica do processo associativo de sírios e libaneses
como também dos seus filhos:
O lazer do meu pai e da minha mãe era o Clube Libanês. Já o nosso,
mudou um pouco, já era o Automóvel Clube, do qual fui presidente e
também já fui secretário do Palmeiras Clube. Mas pai frequentava mais a
colônia árabe. Meu pai tinha um amigo muito caro que era José Boali. Eles
se gostavam muito. Tem até uma avenida com o nome desse amigo aqui na
cidade. Era o que mais frequentava lá em casa. Era libanês também. Ia lá
quase todos os dias, chegava mais à noite, conversava muito, batia papo
42
(Chamel Lauar, 74 anos ).
A mudança do clube que os filhos dos imigrantes preferiam frequentar aponta
para uma significativa transformação nos hábitos e nos modos de vida desses
indivíduos. O Automóvel Clube representa uma fase em que as relações com os
brasileiros já se encontravam consolidadas. Não foi criado com o objetivo de
preservar costumes, mas desenvolver novos hábitos com a marca da integração
cultural. Já o Clube Libanês passou a representar ainda mais um povo, como
também a manutenção dos modos de vida, com a culinária, a música, a forma típica
41
42
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/09/2009.
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/09/2009.
92
de falar, a união da colônia e a sociabilidade, como também, uma maneira de marcar
a singularidade desse grupo num território diferente.
Segundo Francisco (2005), ao passo que a comunidade síria e libanesa
começava a crescer em uma cidade, ela fundava algumas associações que
exerciam diferentes funções, tais como promover os serviços religiosos, incentivar a
prática esportiva e amparar os mais necessitados. Dessa forma, o surgimento
dessas associações, ocorreu principalmente devido à dificuldade dos grupos
familiares para atender às necessidades de seus membros no sentido de enfrentar
as novas e diferentes situações que não existiam em suas terras de origem
(HAJJAR, 198543, apud FRANCISCO, 2005).
Atualmente, em Teófilo Otoni, existe um expressivo interesse por parte dos
descendentes da colônia síria e libanesa em manter o Clube Libanês ativo
cumprindo seus objetivos inicias. Festas temáticas, comemorações de datas
especiais, como a independência do Líbano ocorrida em 22 de novembro de 1943,
jantares com culinária típica, despedidas de imigrantes que ora ou outra retornam ao
seu país, têm sido realizadas com certa frequência. Isso aponta para o fato de que a
sociabilidade e os modos de vida desses imigrantes ainda se destacam, mesmo
após mais de 100 anos do início da imigração para a região.
4.2.4 A família
Segundo Khoury (2002), um dos hábitos que praticamente todos os
imigrantes possuíam se resumia em, no momento das refeições, compartilhar com
os familiares e amigos presentes a realidade do Líbano, a vida em família no país de
origem, seus costumes e valores, com o objetivo de transmitir a cultura e os hábitos
vividos no além solo.
A presença da cultura árabe é expressa na relação da família com o idioma,
nos objetos de decoração das casas e com a comida. A entrevistada Munira Molaib
relembra como os pais utilizavam a língua de diversas formas. Ora como fronteira
entre o mundo infantil e o adulto, ora como ensinamento e disciplina.
43
HAJJAR, C. A imigração árabe: 100 anos de reflexão. São Paulo: Ícone, 1985.
93
Muito interessante porque quando a gente era pequeno, papai viajava
muito, minha mãe falava o árabe, mas falava pouco, aí com papai ela falava
o árabe, mas com a gente ela falava o português. Na hora das brigas e das
discussões entre eles se falava só em árabe. Era muito engraçado. E ele
tinha vez que cismava que a gente tinha que falar em árabe, principalmente
na hora da comida e a gente sentava perto do que queria comer, pra ficar
mais fácil... Só servíamos o que sabíamos falar e o resto nem chegávamos
perto. Era terrível...! (risos). Então a gente não aprendeu falar o árabe, a
gente entendia por ouvir muito, mas não falávamos. A gente ficava lá no
armazém e quando ele tinha alguma coisa mais inconveniente para falar ele
mandava a gente para os fundos. Então entendíamos o que ele queria, mas
não falávamos nada. Mas com o tempo perdemos isso. É tanto que agora
estamos colocando aula de árabe lá no clube. Essa questão da cultura
sempre esteve presente, principalmente na alimentação (Munira Molaib, 52
anos44).
Em relação à sociabilidade e amizade entre as famílias dos imigrantes que
formavam a comunidade árabe de Teófilo Otoni, a entrevistada relata que:
Aqui a gente tinha umas famílias que eram mais chegadas, mais próximas,
chegamos a morar próximas, mas não por uma questão própria, mas
porque era assim, moramos próximos ao senhor Adel da Magda, dona
Nada, tivemos uns libaneses que foram vizinhos nossos, mas mais por
acaso. Fomos também muito ligados ao senhor Salim e dona Hada, seu Ali,
seu Adel, tinha famílias mais chegadas, pelo fato de os filhos crescerem
juntos e a gente continua muito unido. Aqui em casa sempre se faz comida
árabe, sempre tem encontros, isso foi preservado, nos encontramos aqui e
isso faz parte. Se você olhar ali tem quibe assado, coalhada seca, grão-de45
bico. Então sempre tem. (Munira Molaib, 52 anos )
Já a imigrante Munira El Auar fala sobre a experiência de ter vindo para o
Brasil com o seu marido, já que sua família foi para outras regiões do país. Ela foi
recebida pela família do seu marido, os El Auar. A entrevistada conta ainda como foi
recebida no Brasil e sua relação com os brasileiros.
Eu vim pra cá com 19 anos. Não trabalhava lá, porque naquele tempo,
moça não trabalhava, lá. Eu vim casada. Conheci o meu marido lá e vim
com ele. Ele é da família Lauar. Tinha muita gente da família dele aqui.
Quando meu marido veio do Líbano, era casado. Teve três filhos. Eu não
morava na cidade dele, mas era pertinho. Eu conhecia a família dele, Lauar.
Eu não sou Lauar, sou da família Salha. Mas eu não tenho ninguém da
minha família aqui não. Eu tinha, mas morreu. Minha famólia foi mais pro
nordeste (Munira El Auar, 80 anos46).
Quando eu cheguei a Poté, fui recebida muito bem por todo mundo. E eu
nunca gostei muito de sair, pra casa de uma vizinha, só quando precisava,
quando nascia uma criança. Todos os libaneses são gente boa, todos
ajudavam [...] Quando eu mudei pra cá, comecei a conviver com uns
44
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 05/08/2010.
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 05/08/2010.
46
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 05/11/2010.
45
94
italianos, achei todos muito fechados, não se misturam. Os libaneses, não.
Todos se misturam. Quando meu marido morreu, chegou ônibus de Poté. O
comércio fechou. Ele morreu segunda 10 horas e vou enterrado na terça 10
horas, o comércio libanês todo fechou. Minha casa lotou de libanês, eu
47
nunca vi tanta consideração (Munira El Auar, 80 anos ).
Sobre a sociabilidade entre as mulheres da colônia, Chamel Lauar conta
sobre os hábitos da sua mãe. As mulheres costumavam se reunir nas casas uma
das outras para cozinhar, conversar e receber as jovens recém-chegadas.
Minha mãe também se reunia com as amigas, em grande parte as libanesas
esposas dos imigrantes, para cozinhar e conversar. Na casa dos Mattar, por
exemplo. Nos aniversários, nas datas importantes etc. (Chamel Lauar, 74
anos48)
Sobre os modos de vida e sociabilidade dos imigrantes sírios e libaneses, a
entrevistada relata um pouco sobre a personalidade, a formação acadêmica, as
habilidades intelectuais do seu pai e como ele se relacionava com o novo idioma e
com os seus compatriotas.
Papai, apesar de novo, era muito sistemático, muito centrado, tinha um grau
de instrução, penso que primário, sabia ler e escrever, mas não fez nenhum
curso, não terminou o segundo grau, tinha o curso correspondente ao nosso
ensino fundamental. Então, chegando aqui, ele tinha pavor dessa coisa de
falar errado, das pessoas rirem e ensinarem a falar errado. Comprou um
dicionário português/francês porque o francês era mais fácil para eles e
então ia se virando muito bem, e falava muito bem o português, não tinha
quase sotaque nenhum e ele criticava os libaneses que moravam aqui a
vida
inteira
e
não
falavam
quase
nada
de
português.
Então papai lia muito e ele acabou se tornando uma pessoa muito sábia, ele
49
estudou muito, era autodidata. (Munira Molaib, 52 anos ).
Assim, com base na lista de nomes de imigrantes libaneses que chegaram à
cidade de Teófilo Otoni, é possível afirmar que muitas famílias vieram para a região
movidas pelo intuito de se manter unidas e se ajudar mutuamente. As famílias El
Auar, Mattar, Hosn, Handere, entre outras, tinham suas residências em regiões e
cidades próximas no Líbano. As notícias enviadas pelas redes sociais se
espalhavam rapidamente na região formando então a corrente migratória rumo a
Minas Gerais.
47
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 05/11/2010.
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/09/2009.
49
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 05/08/2010.
48
95
Truzzi (1991) afirma que a imigração não ocorreu exclusivamente com
famílias menos favorecidas, mas com famílias bem estruturadas economicamente.
Por ser uma situação de instabilidade política, social e econômica, muitos imigrantes
saíram do Líbano em busca de paz, estabilidade e um terreno mais favorável ao
crescimento financeiro e intelectual. Chegou aqui um número significativo de
imigrantes com um nível alto de escolaridade, já que Beirute possuía universidades
bem conceituadas. Dessa forma, estes fizeram a diferença ao chegarem a uma terra
pouco desenvolvida, o que ocorreu também em Teófilo Otoni. O imigrante Adel El
Auar relata que:
A mania do libanês, ele sempre estuda. No meu caso, a primeira leva de
libaneses que veio para Teófilo Otoni, não teve tanta oportunidade por
causa da dominação turca, mas a segunda leva, é porque vai dividir em
três. Eu sou da terceira leva, cheguei na década de cinquenta. No Líbano, o
libanês tem a mania de estudar, especializar são intelectuais, não pro Brasil,
mas pros países árabes que são um tanto atrasados, nós somos mais
voltados pro ocidente, o homem assim tem visão, cultura, vontade de ser
grande. O Líbano tem boas escolas, faculdades. O libanês fala no mínimo
três idiomas. (Adel El Auar, 83 anos50)
As famílias se apresentam quase sempre bastante coesas e possuem muita
força sobre seus integrantes. No caso dos drusos, a instituição famíliar tem
prioridade sobre o indivíduo, o que quase sempre resulta na formação de
verdadeiros clãs que se agrupam para tomar decisões importantes e se ajudar
mutuamente. A vida em comunidade é uma das característica presente no modos de
vida desses imigrantes, seja pela etnia, seja pelo nome que o apresenta como parte
de um grupo familiar. Isso os diferencia dos demais, formando elos firmes que unem
os indivíduos de geração em geração.
Com base na análise dos principais elementos que compõem o modo de ser
dos imigrantes libaneses e seus descendentes, na sociedade em questão, torna-se
relevante retomar o que então seria o conceito de modos de vida e estilo de vida,
como também de sociabiliade. Segundo Andrade, Frúgoli, Peixoto (2006), este
primeiro diz respeito a uma forma de diferenciar um grupo (um estamento ou grupo
de estatus) em relação a outro, uma forma de expressão de individualidade, da
autoidentidade como também das posições sociais (WEBER, 1991; SIMMEL, 1998;
50
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/06/2010.
96
GIDDENS, 2002; BOURDIEU, 200151 apud ANDRADE; FRÚGOLI; PEIXOTO, 2006).
A colônia síria e libanesa foi e continua sendo, apesar das muitas mudanças
ocorridas com a interação ao longo do tempo com os brasileiros, uma comunidade
que se destaca na sociedade de teófilo Otoni pelo modo de vida peculiar que
diferencia seus integrantes dos demais ao marcar diferenças de sociabilidade,
prátricas e costumes.
Já a sociabilidade, revelada na comunidade como forma de diferenciação,
mas também instrumento de união, entre os imigrantes e os brasileiros, é
compreendida por Simmel em Moraes Filho (1983) como um impulso humano. Para
tanto, o autor afirma que a sociedade é o produto das interações entre os indivíduos
que a compõem. Tal interação surgiria com base para determinados impulsos ou em
função de certos propósitos. A relevância dessas interações se encontra no fato de
os indivíduos serem obrigados a formar uma unidade, ou seja, uma sociedade.
Dessa maneira, a associação seria a forma pela qual os indivíduos se agrupam em
unidades que satisfazem seus interesses. Esses interesses, não importa a sua
natureza, formam a base da sociedade humana. Assim sendo, conforme Simmel:
a sociedade propriamente dita é estar com um outro, para um outro, contra
um outro que, através do veículo dos impulsos ou dos propósitos, forma e
desenvolve os conteúdos e os interesses materiais do individuais. As formas
nas quais resulta esse processo ganham vida própria. São liberadas de
todos os laços com os conteúdos; existem por si mesmas e pelo fascínio
que difundem pela própria liberação destes laços. É isto precisamente o
fenômeno a que chamamos de sociabilidade (MORAES FILHO, 1983, p.
168).
Segundo Simmel, a sociabilidade se preserva dos atritos com a realidade
através de uma relação meramente formal com ela e também afasta o homem das
esferas puramente interiores e interinamente subjetivas de sua personalidade
(MORAES FILHO, 1983). Com sua natureza democrática, a sociabilidade surge
então como uma estrutura sociológica muito peculiar, podendo ser vista e analisada
em toda e qualquer sociedade, caso dos imigrantes sírios e libaneses no presente
trabalho.
51
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WEBER, Max. Economia e sociedade. Tradução de Regis Barbosa e Kare E. Barbosa. Brasília:
Editora UnB, 1991.
97
5
CONCLUSÃO
Quais elementos tornaram tão sedutora a aventura da imigração para os
sírios e libaneses? Quais motivos levaram homens e mulheres a sair de suas terras
rumo ao desconhecido, ao novo, ao diferente? Costume, tradição, necessidade,
desespero, falta de perspectivas, desejo do novo, de novos horizontes,
possibilidade, mudança, paz.
O interesse pelo tema da pesquisa me acompanha há muitos anos. Bisneta
de imigrantes libaneses, a história desse povo despertou minha atenção já na
infância. Os hábitos, as práticas, os costumes, a cultura e a história que revelavam
os modos de vida, a mim tão exóticos, fizeram parte do meu imaginário de uma terra
distante, mas da qual, como mágica, eu também fazia parte. O que antes era lúdico,
com o passar do tempo foi se transformando em muitos questionamentos. Alguns
deles estão aqui e deram sentidos a essa pesquisa.
Assim sendo, o presente trabalho buscou responder parte das questões que
também provocam muitos estudiosos das Ciências Sociais. O que leva centenas de
pessoas a sair de seus países, de cultura, língua, modos de vida e sociabilidade
extremamente diferentes em busca de terras tão distantes quanto distintas? Como
tantos sírios e libaneses chegaram a Teófilo Otoni e conseguiram reconstruir suas
vidas? Durante o esforço de pesquisa e com a realização das entrevistas com
imigrantes e descendentes, algumas respostas foram encontradas.
A experiência de ser estrangeiro em uma nova terra e enfrentar o
desconhecido é complexa. Portanto, escolher partir, emigrar não é uma decisão
simples, muitas vezes discutida em família, já que o núcleo familiar quase sempre
tinha ativa participação no processo de emigrar, incluindo o auxílio financeiro para
custear a viagem e os primeiros dias após a chegada no destino final. Viver a dor de
deixar a terra natal, os familiares, amigos, em alguns casos, esposas e filhos foi, e
continua sendo uma opção para evitar dores mais fortes advindas da falta de
perspectivas econômicas, insegurança social e ameaças políticas, principalmente
nos países do Oriente Médio.
Os motivos que levaram tantos sírios e libaneses a viver a experiência da
emigração foram muitos: a dominação turca, que durou centenas de anos, marcando
com violência a história dos seus países e suas subjetividades; as guerras civis
98
motivadas por atritos e disputas entre grupos religiosos, em especial os cristãos e
mulçumanos com consequentes desentendimentos políticos; o desenvolvimento e a
modernização dos meios de transportes, tanto marítimos quanto terrestres,
possibilitou o fácil acesso no Oriente Médio aos bens manufaturados produzidos na
Europa; e a desestruturação do comércio na Síria e no Líbano, provocando a
derrocada de muitos comerciantes e empresários. Advindo desse fenômeno houve a
escassez de empregos devido ao crescimento populacional, fruto, também, da
queda das taxas de mortalidade. Isso levou ao aumento da necessidade de terras
cultiváveis e produtos, sendo um empecilho a dimensão territorial reduzida do
Líbano. Essas informações surgiram nas entrevistas quando os entrevistados foram
questionados sobre os motivos que os levaram a deixar a terra natal.
Já os principais fatores que impulsionaram os imigrantes sírios e libaneses a
seguir em direção ao Brasil, em especial, para Teófilo Otoni, evidenciados pelos
entrevistados, foram: as questões sociais existentes em seus países, como
dificuldades para se estabelecerem profissionalmente, a falta de terras para todos,
os conflitos políticos constantes; a “farta” oferta de trabalho, juntamente com a
promessa de rápido crescimento econômico existente no novo território; as guerras
mundiais e as guerras civis e suas devastadoras consequências como fome e
insegurança; notícias de uma terra mais pacífica e amigável; os casamentos, pois
muitas mulheres vieram acompanhando seus cônjuges que optaram pela emigração;
e o desenvolvimento das chamadas redes sociais.
Ao longo deste trabalho foi dada uma atenção maior ao fenômeno das redes
sociais. Elas foram analisadas com base na relevância e no papel que
desempenharam, principalmente na manutenção do fluxo migratório, durante mais
de um século em direção à cidade. As notícias enviadas desde o primeiro imigrante
aos seus compatriotas no Líbano marcaram o início de uma corrente que teria elos
fortes. Muitos mandaram buscar os parentes e amigos e outros vieram atrás do tão
falado eldorado, encontrado na então “Filadélfia brasileira”. Isso explica os muitos
imigrantes vindos das cidades de Bzibidin e Karnail, pertencentes em grande parte à
religião drusa, pois o primeiro imigrante a chegar a Teófilo Otoni, Abel Ganem, era
da cidade de Karnael como também, druso.
Assim, Soares (2002, p. 170) afirma que:
99
admitiu-se que o ambiente social tenha um papel efetivo no caso da
imigração internacional, porque ela só ocorre de fato se a rede social a que
pertence determinado ator propicia o conjunto de laços/conexões que
permite levá-las a efeito. Rede social essa que abriga várias redes sociais e
adquire a instância de rede migratória em virtude do processo em torno do
qual ela se organiza. A rede migratória internacional é um tipo específico de
rede social – da qual fazem parte certas representações sociais que
constituem o cerne da cultura migratória – que agrega redes sociais [...]. As
redes funcionam como circuitos de tráfego no ambiente social. Como
trajetórias relacionais possíveis que ligam certos atores/nós, remetem ao
fato de que a interação carece de princípios “ordenadores”, de
representações sociais por meio das quais as pautas de conduta possam
ser exercidas e, até mesmo, mudadas. (SOARES, 2002, p. 170)
Outro ponto interessante das redes sociais da imigração síria e libanesa para
a região foi revelado no movimento de ir e vir dos imigrantes aos seus países. Muitos
deles residentes em Teófilo Otoni, assim que se estabeleciam financeiramente,
voltaram a suas terras para matar a saudade, visitar os familiares, fazer negócios,
resolver pendências e, depois de um determinado tempo, retornavam ao Brasil. Isso
podia acontecer uma, duas, três ou várias vezes ao longo da vida. Poucos
retornavam de vez, pois a maioria tinha a certeza de que não conseguiriam mais
viver fora do país que os acolheu, tanto pela questão econômica, quanto pelas
questões políticas e sociais.
Além disso, as recém descobertas minas de pedras preciosas nos arredores
de Teófilo Otoni foram decisivas para a criação de uma atmosfera de possibilidades,
riqueza fácil e ascensão social. A demanda por um comércio que oferecesse bens
de consumo variados, somada ao movimento crescente de pessoas na região,
tornou a cidade um espaço propício para a chegada e a permanência desses
imigrantes, que deram entrada na economia como os conhecidos mascates. Com a
abertura do mercado para diferentes produtos, trazidos e negociados pelos “turcos”
de maneira peculiar, juntamente com um idioma diferente, e hábitos e costumes
exóticos, os sírios e libaneses logo se apropriaram do seu espaço e marcaram a
cidade com seus modos de vida e sociabilidade peculiares.
No comércio, nas instituições como o Clube Libanês de Teófilo Otoni, na
religião drusa, com seus mistérios e espiritualidade, e na família, esses imigrantes
deixaram suas marcas e traços, seus costumes, suas peculiaridades destacados ao
longo da pesquisa como elementos que definiram o modo de ser libanês na cidade
de Teófilo Otoni. Não há como contestar a relevância da imigração internacional na
dinâmica demográfica da cidade em questão, como em todo o vale do Mucuri.
100
Assim sendo, pude comprovar, ao longo da pesquisa, a marca deixada pelos
grupos de imigrantes que chegaram a esta região. Seus modos de vida, sua
sociabilidade e subjetividade deram o tom de uma mistura cultural que, na
atualidade, define a composição social dessas cidades. São histórias que se cruzam
e formam a memória coletiva de um povo e o presente da cidade de Teófilo Otoni.
101
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107
APÊNDICE
APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista .....................................................................108
APÊNDICE B - Características gerais dos sujeitos entrevistados...........................110
108
APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista
Primeira Geração
1)
Onde nasceu? Em que trabalhava? Como era a família no Líbano?
2)
Quando chegou ao Brasil?
3)
O que motivou a imigração?
4)
Por que escolheu o Brasil?
5)
Como se deu a sua chegada ao Brasil?
6)
Qual foi seu caminho, trajetória no Brasil? Como chegou a Teófilo Otoni?
7)
Como se estabeleceu na região?
8)
Como a comunidade libanesa o recebeu?
9)
Em que trabalhava? Por que se envolveu com esse trabalho?
10) Onde morava? Que lugares frequentava na cidade? Por quê?
11) Quem eram os seus amigos?
12) Viveu algum conflito com patrícios ou mesmo com os próprios brasileiros?
13) Recebeu outros imigrantes? Parentes ou não?
14) Já retornou ao Líbano? Por quê? Quantas vezes? Quando?
Segunda geração
1)
Quem imigrou, seu pai ou sua mãe?
2)
Quando ocorreu a chegada dele(a) ao Brasil?
3)
Sabe o que motivou a imigração?
4)
O porquê do Brasil como escolha?
5)
Como a chegada dele(a) ao Brasil, e em Teófilo Otoni?
6)
Qual foi seu caminho, trajetória no Brasil?
7)
Como se estabeleceu na região? Em que trabalha? Por que esse trabalho?
8)
Como a comunidade libanesa os recebeu?
9)
Onde sua família morava? Que lugares frequentava na cidade? Por quê?
10) Quem eram os seus amigos dos seus pais? E os seus?
11) Recebeu outros imigrantes? Parentes ou não? E você, recebeu algum
imigrante?
12) Ocorreu algum conflito trajetória da sua família no Brasil? Se sim, como foi?
109
13) Quais foram as dificuldades que seu pai ou mãe enfrentaram?
14) Seu pai/mãe já retornaram ao Líbano? Por quê? Quantas vezes? Quando?
Você já foi ao Líbano?
110
APÊNDICE B - Características gerais dos sujeitos entrevistados
Tabela 1 - Características gerais dos sujeitos entrevistados
Nome
Aref El Auar
Adel El Auar
Kassim Elawar
Salim Ali El Auar
Munira Molaib
Chamel Lauar
Munira Lauar
Nagib Nasser
Magid Ali Modad
Semir Lauar
José Khoury
Fonte: Autor.
Local de
Nascimento
Líbano
Líbano
Líbano
Líbano
Brasil
Brasil
Líbano
Líbano
Brasil
Brasil
Brasil
Retornou ou visitou
Tempo de
o Líbano?
Imigração
Sim
94 anos
Sim
em torno de 75 anos
Sim
73 anos
Sim
85 anos
Não
54 anos
Sim
70anos
Não
80 anos
Sim
55 anos
Não
68 anos
Não
54 anos
Não
80 anos
111
ANEXO
ANEXO A – Fotos da Colônia .................................................................................112
ANEXO B – Informações de Imigrantes segundo Khoury (2002)............................115
ANEXO C – O Líbano: Dados Gerais......................................................................119
112
ANEXO A – Fotos da Colônia
Fotografia 1 - Imigrantes Libaneses: no centro de terno branco com dois meninos Rachid Almeida
52
Fonte: Acervo particular do Sr. Chamel Lauar, 74 anos, filho de imigrantes libaneses .
Fotografia 2 - Imigrantes Libaneses reunidos da primeira sede do Clube Libanês de Teófilo Otoni
53
Fonte: Acervo particular do Sr. Chamel Lauar, 74 anos, filho de imigrantes libaneses .
52
53
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/09/2009.
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/09/2009.
113
Fotografia 3 – Imigrantes Libaneses e suas famílias na cidade de Poté
54
Fonte: Acervo particular do Sr. Chamel Lauar, 74 anos, filho de imigrantes libaneses
Fotografia 4 – Imigrantes Libaneses reunidos na Associação Beneficente Libanesa da cidade de Poté
55
Fonte: Acervo particular do Sr. Chamel Lauar, 74 anos, filho de imigrantes libaneses
54
55
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/09/2009
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/09/2009.
114
Fotografia 5 – Imigrantes libaneses e suas famílias num momento de lazer em um circo na cidade de
Pote
Fonte: Acervo particular do Sr. Chamel Lauar, 74 anos, filho de imigrantes libaneses56
56
Dados da entrevista. Pesquisa de Campo realizada em 20/09/2009
115
ANEXO B – Informações de Imigrantes segundo Khoury (2002)
Relação de alguns imigrantes e seus empreendimentos 57
1 Casa Abel
2 Casa Moderna
3 Casa Mineira
4 Casa Três Irmãos
5 Casa Blanca
6 Casa Munir
7 Casa Síria
8 Casa Curi
9 Casa Dragão
10 Casa Monte Líbano
11 Casa Tiradentes
12 Casa Santa Terezinha
13 Casa Felipe
14 Casa Damasco
15 Casa Marcel
16 Casa de Saúde Vera Cruz
17 Casa Brasília
18 Casa Libanesa
19 Armazém Oriente
20 Churrascaria Cristal
21 Restaurante Feníncia
22 Torrefação de Cfé Macuco
23 Hotel Brasil América
24 Hotel Atalaia
25 Hotel Nobre Palace
26 Hotel Real Palace
27 Hotel das Palmeiras
28 Hotel Teófilo Otoni
29 Magda magazin
30 Magda Móveis
31 A Princesinha
32 Papelaria Santa Maria
33 Farmácia Brasil
34 Rede de Farmácias Indiana
35 Armarinho Alexandre Mattar
36 Bazar Badim
37 Joalheria Esmeralda
38 Lanchonete Oceano
39 Bar Santa Terezinha
40 Restaurante Prato de Ouro
41 Kalil – K. El Awar
42 Pensão Etelvina
43 Restaurante Tabuleiro da Baiana
44 Max Lanches
45 Bazar Carioca
46 Pensão Tanure
47 Rádio Teófilo Otoni
48 Total Veículos
57
Abel Ganem
Tufic Najar
Amin Saab
Irmãos Rihan
Aziz Curi
Tahan Saab
Rachid El Auar E José Boali
Abdala Khoury
José Turquinho
Mahmed Abu Hosn
Irmãos Lufti
Jorge Mattar
Felipe Helal
Handeri e Kumaira
Sinval Handeri
Aiz Curi (hoje samir Sagih El Auar)
Salim El Auar
Assad El Bácha
Namem Saab
Samir Hálabi
Amim Feres
Aziz Curi
Ali Chain e Manoel Almenida
Karim Doche
Mahmed Abu Hosn
José Mattar
José Mattar
Jorge Chami
Adel El Auar
Adel El Auar
Nacib Salomão
Fahad José Ruschid
Maron Mattar
Elias Mattar
Alexandre Mattar
Nasser Badim
Bady Abu Hosn
José de Said
Abdala Khoury
José Isac
Heled
Rachid Jameledin
Rachid Jameledin
Magid El Auar
Mussaid Laffi
Miguel Tanure
Lourival Pechir
Aziz Curi
Atualmente, parte significativa desses empreendimentos não existe mais. Porém, muitos
descendentes dos primeiros donos expandiram seus negócios, abrindo lojas, entre outros tipos de
comércio, tanto na cidade de Teófilo Otoni, quanto na região.
116
49 Empório Ana
50 Empório Calçados
51 Empório Marx
52 Empório Buana
53 A Noiva Tecidos
54 Expresso Brasileiro
55 Farmácia Simões
56 Lavanderia Lux
57 Alfaiataria da Moda
58 Dancing Tropical
59 Bazar Paulista
60 Posto Duque de Caxias
61 Cachaça Sultana
62 Fábrica de bebidas Damasco
63 Atacado de Armarinho
64 Laila Confecções
Namir El Auar
Namir El Auar
Namir El Auar
Namir El Auar
Alexandre Mattar
Eugem Simões
Elias Simões
Magid El Auar
Amer Assreui
Rachid Abu Hosn
Leão, Salim e Abraão
Benjamin I. Kalil
José Ganem
Chaquib Anderi
Hassein Handan
Tarik El Auar
Relação de Imigrantes libaneses em Teófilo Otoni (até a metade do século)
1 Abas Houssain Ganem (Abel Ganem)
2 Salim Mahmed Kassim El Auar (Salim
Almeida)
3 Ali Chaim El Auar
4 Rachid Hossain El Auar
5 Amin Houssain El Auar
6 Seme Houssain El Auar
7 Amim Assa El Auar
8 Sagih El Auar
9 Rachid Mahmud El Auar
10 Semer Kassim El Auar
11 Nagib Kassim El Auar
12 Nagib Nagib El Auar
13 Hene Assad El Auar
14 Magid Salim El Auar
15 Mahmud Kassim Ganem
16 Said Acli
17 Amim Saab
18 Namem Saab
19 Salomão Abu Hosn
20 Mahmed Abu Hosn
21 Melhin Abu Hosn
22 Farid Assreui
23 Tufic Najar
24 Jorge najar
25 Adel Hossein El Auar
26 Adel Kassen El Auar
27 Salim Ali El Auar
28 Samir Ali El Auar
29 Kalid Kassim El Auar
30 Sallim Nacif El Auar
31 Négi Nagib El Auar
32 Ali Salmem El Auar
33 Afif Nagib El Auar
34 Hossain Salim El Auar
35 Mahmud Raidan
36 Mussaid Laffi
37 Tahan Saab
38 Rachid Anderi
39 Farid Abu Hosn
40 Said Abu Hosn
41 Amer Assreui
42 Iesser Assreui
43 José Najar
44 Iscandar Matar (Alexandre Mattar)
45 Jorge Matar
46 Aziz José Curi
47 Rachid Trudy
48 Mustafa Pechir (Gustavo Pechir)
49 Mahmed Hilel (Felipe Hilel)
50 Feres Masri
51 Aiz Gerdi
52 Ioussif Ganem (José Ganem)
53 Nagib Abu Hosn El Auar
54 Elias Aspahan
55 Antônio Rihan
56 Halim Rihan
57 Nasri Badin
58 Rachid Mahmud Kassim El Auar (Rachid
Almeida)
59 Ali Almedin
60 Hossain Kassim El Auar (Salomão Lauar)
61 Mahmad Ali El Auar (memedinho)
62 Mahmad Kassim El Auar (Mahmad
Salomão)
63 Abés Buzein El Auar (Abel Almeida)
64 Salim Bulkair El Auar (Salinzão)
65 Tufic Trade El Auar
66 Mahmed Trade El Auar
67 Salim Mahmed El Auar
68 Aref Almedim El Auar
69 Salim Daú
70 Cecílio Jorge
117
71 Hassem Abdala Sabah (Napoleão
Sampaio)
72 Amin Hamed Jawhari
73 Ahmad Kamand
74 Hossain Salim El Auar
75 Davi Sreidin
76 Rachid Hahmad El Auar
77 Tufic kassim
78 Nagib Amim El Auar
79 Feres Yuossef El Auar (Felício José)
80 Jorge Mussi
81 Camilo Abu Kamel
82 Jorge Massud Abu Kamel
83 Camil Helel
84 Salim Assad Abu Kamel
85 Salim Assad Buzeen El Auar
86 Anuar Nagib Ganem
87 Kamel Amim Molaib
88 Afif Abu Hosn
89 Assad Ali Modad (Fortunato Modad)
90 Rachid Magid Salmam
91 Ismail Abdo El Samed (Ismael Alves dos
Santos)
92 Nimer Geremeni
93 Rachid mahmed Bukzein El Auar
94 Amadeu Raidan
95 Heni Seredin
96 Said Abu Hosn
97 Mahmed Acroux
98 Mássimo Ali Adri
99 Mahmed Abu Nasser (Mamedão)
100 Abdala Joseph Khoury
101 Raif Abu Hosn
102 José Boali
103 Magid Assad El Auar
104 Feres Abu Hosn
105 Said Kumaira
106 Assad Bácha
107 Amim Jouhri
108 Miled Salemi
109 Michel Aspahan
110 Pedro Rihan
111 Neif Rihan
112 Ali Mahmud Kassim El auar (Ali Almeida)
113 Mahmed Chain Kassim El Auar (Manoel
Almeida)
114 Magid Kassim
115 Suleimen Kassim El Auar (Alfredo
Salomão)
116 Hossain Ali El Auar (José Turquinho)
117 Mohamad Kassim El Auar
118 Feres Buzein El Auar
119 Aref Magid Al Auar
120 Ali Feres El Auar
121 Aref Mahmed El Auar
122 Katar Bachir El Auar
123 Rachid Hamad Said
124 Muniz Daú
125 Miguel Jorge
126 Anwar Nagib Ganem
127 Melhim Kansas (Miguel Kansas)
128 Rachid Salim El Auar
129 Deaíd Sreidin
130 Mhmed Salmem El Auar
131 Rachid Kassim El Auar
132 Ali Feres El Auar (Ali Casado)
133 Davi Mussi
134 Melhi Raslan (Miguel Raslan)
135 Yussef Massud Abu Kamel
136 Kassim Ali Ganem
137 Melhim Musri
138 Afif Magid Al Auar
139 Said Ecli
140 Izef Jurdi
141 Mahmed Ali Ganem (Manoela Ganem)
142 Domingos Ali Modad
143 Cherrel Nafar (Miguel Jorge Najar)
144 Yossef Rafael Zandim
145 Jorge Chame
146 Nagib Mahmed Bukzein El Auar
147 Assad Alchaar (alcino Miguel Achar)
148 Mohmed Mokaren
149 Hassen Handan
150 Mustafá Ali Adri
151 Miguel Tanure
152 Gustavo Chulu
153 Samir Halabi
154 Nasser Badin
153 Jamil Badin
154 Chaquib Handeri
155 José Chalub
156 Maruf Teimeny
157 Afife Saieg
158 Salomão Sabra
159 Nacib Salmem Harmouche (Nacib
Salomão)
160 Salim Gazel
161 Boulos Yossef Fahd
162 Nacif Hilel
163 Jorge Fael
164 Elias Abraão
165 Átala Karam
166 Uossef El Mussri
167 Zuhair Danif
168 Aissan Danif
169 Youssif Said Naaman (José de Said)
170 Deib Dib Issa
171 Nagume Handeri
172 Nagib Nedir
173 Karim Doche
174 Chaim Mamad
175 Riad Danif
176 Fahad José Ruschid
177 Fuad Badin
178 Azat Curi
179 Abraão Chalub
180 Hecmed Saieg
181 Seme Saieg
182 Suleimene Sreidim
183 Sales Gazel
118
184 Gazel Recime
185 Anwar Nagib Ghannam
186 Adib Hilel
187 Tufic Trade
188 Habib Trade
189 Chible Karan
190 Mirheq Helal
191 Nazir Danif
192 Abdo Nacur
193 Walid El Auar
194 Fande Abdo El Helek
195 Rachid Borsain El Auar
196 José Doche
197 Felipe Doche
198 Wadi Zaidan
199 Chafic Abdo El Helek
200 Aref El Auar
Relação de Imigrantes Libanesas em Teófilo Otoni
1 Zahar Armad El Auar
2 Najla Armad El Auar
3 Larife Alimedin El Auar
4 Samira El Auar
5 Hana El Auar
6 Adma El Auar
7 Hala Mamad El Auar
8 Nada Salim Alimedim
9 Paulina Badin
10 Iseme Muquele
11 Iesmin Assreui
12 Rouda Abu Hosn
13 Laurice Rihan
14 Laurice Chame
15 Isabel Mattar
16 Najla Halabi
17 Semira Ali Helel
18 Mureb Mussre
19 Sade Mussre
20 Hiquiméde Chuib
Fonte: Adaptado de KHOURY, 2002.
21 Hada Assad El Auar
22 Faride Ali El Auar
23 Jamel Pechir El Auar
24 Jamel Hossaim El Auar
25 Laila Sabra El Auar
26 Munira Sarla El Auar
27 Jamel Alimedim El Auar
28 Olívia Rihan
29 Alice Helel
30 Bahija Saab
31 Geny Atala
32 Jalile Abu Hosn
33 Jalile Bauham
34 Adélia Abu Hosn
35 Mai Said
36 Samira Hálabi
37 Soed Mussre
38 Suheme Mussre
39 Aida Danife
40 Bahige Mussi
119
ANEXO C – O Líbano: Dados Gerais
LÍBANO: Dados gerais58
Nome Oficial: República Libanesa
Área Geográfica: 10.452 km².
Área Verde: 1.360 km².
População (ano base 2005): 3.6 milhões de habitantes.
Taxa de crescimento anual: 1.0%
População urbana: 60%.
População de emigrantes: 14 milhões (dentre os quais cerca de 7 milhões estão no
Brasil).
Capital: Beirute (800.000 habitantes).
Língua: O Árabe é a língua oficial, mas o Francês e Inglês também são largamente
difundidos. O Armênio também é falado por uma minoria.
Moeda: Libra Libanesa (1 US$ = 1512 Libras Libanesas/ cotado em agosto de 2007)
Divisão Administrativa: O país é dividido em 6 províncias (Mohafazats): Beirute
(capital), Monte Líbano (capital Baabda), Norte do Líbano (capital Tripoli), Sul do
Líbano (capital Saida), Nabatieh (capital Nabatieh) e Bekaa (capital Zahle).
Governo: O Líbano é uma república parlamentarista, possui regime democrático e
sua Constituição é fundamentada sobre a separação dos poderes executivo,
legislativo e judiciário. O Presidente é eleito pelo parlamento. Os deputados são
eleitos pelo Sufrágio Universal. Em 1998, foi eleito através do parlamento libanês o
General Emile Lahoud, Presidente da República, 12º Presidente eleito após a
independência, em 22 de novembro de 1943.
58
BRASIL. Embaixada do Líbano no Brasil. O Líbano: Dados Gerais. Disponível em:
<http://www.libano.org.br/olibano_geografia.htm>. Acesso em: 10 jan. 2011.
120
Mapa 1 – Líbano
Fonte: BRASIL, 2010.
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