Limite espacial para manifestações públicas a prédios oficiais
A Constituição Brasileira, em seu artigo 5º, lócus privilegiado dos
direitos fundamentais, protege o direito de associação, mesmo em hipóteses de
manifestações políticas. Devem tais manifestações, porém, ser realizadas pacificamente,
em locais públicos e com aviso prévio à autoridade competente, para que essa possa
viabilizar o trânsito, desviando rotas, e mobilizar aparato policial. É o teor do texto
constitucional:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao
público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra
reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido
prévio aviso à autoridade competente;
Assim, partindo-se do texto constitucional, poderíamos concluir que há uma
proibição geral à limitação infraconstitucional dos espaços em que se poderiam realizar
manifestações públicas. A própria Carta foi incisiva ao conformar os limites espaciais
expressamente, exercendo eficácia regulamentar imediata, qual seja, que o local da
manifestação deve ser aberto ao público.
Há, no Brasil, precedente jurisprudencial da Corte Constitucional que muito bem
trata da questão. Na ADI 1969 puderam os Ministros analisar os limites da questão,
quando, por Decreto, o Governador do Distrito Federal tentou limitar as manifestações
não-silenciosas nas proximidades das sedes dos poderes Judiciário, Legislativo e
Executivo federais e da sede do governo distrital, por poderem “causar incômodos à
população em geral, em especial àqueles que se encontram exercendo atividade
laboral”. Assim, houve, tal qual o caso croata, tentativa de limitação espacial a tal
direito fundamental.
No referido writ, foi reconhecida a inconstitucionalidade de Decreto Distrital,
tendo em vista que a limitação dada fora desproporcional e inadequada. Em parecer,
acatado pelo voto do Relator, defendeu-se que “as restrições só seriam plausíveis se
tivessem sido postas para tutelar bem jurídico de igual relevância”.
Houve, entretanto, dissenso entre os Ministros quanto ao fato de a referida
limitação constitucional ser absoluta ou não. Não há, no entanto, qualquer
regulamentação infraconstitucional no Brasil quanto a tal matéria.
No quesito da limitação espacial, porém, é certo que no Brasil não há de se
estabelecer proibição a manifestações em frente a órgãos político-administrativos.
Afinal, é em frente a esses órgãos, quando em operação, que as manifestações públicas
podem efetivamente atingir maior repercussão.
O argumento do incômodo à atividade laboral não foi acatado, visto que tal
turbação seria limitada no tempo. Foi, também, considerado o motivo de somenos
importância quando contrastado com a liberdade de manifestação, enquanto pilar do
regime democrático. Segue trecho do voto do Ministro Ricardo Lewandowski:
Ora, como se sabe, a liberdade de reunião e de associação para fins lícitos
constitui uma das mais importantes conquistas da civilização, enquanto
fundamento das modernas democracias políticas, encontrando expressão, no
plano jurídico, a partir do século XVIII, no bojo das lutas empreendidas pela
humanidade contra o absolutismo monárquico.
Recaséns Siches, estudando o tema, ressalta que essas liberdades, de caráter
instrumental, possuem um duplo alcance: de um lado, asseguram a expressão de
uma das mais importantes liberdades individuais; de outro, garantem
espontaneidade à atuação dos distintos grupos sociais. [3]Não é por outra razão
que Jean Rivero classifica a liberdade de reunião como uma das mais
elementares de todas as liberdades coletivas. (ADI 1969/DF, Relator Ministro
Ricardo Lewandowski, julgada em 28.06.2007).
O Brasil é signatário de tratados e convenções internacionais que tutelam o
direito de reunião pacífica, a obrigarem sua obediência como norma supralegal. Assim,
em face da Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo XX), da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Art. 15) e do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos (artigo 21), está o Brasil vinculado à defesa de tal direito, somente
oponível em face de outros direitos fundamentais. A limitação territorial somente se
justifica enquanto óbice ao exercício de outros direitos de elevado status, o que
inocorreria no caso. Complementarmente, o texto do International Covenant on Civil
and Political Rights deixa mais claros os limites ao exercício regular de tal direito:
Article 21 - The right of peaceful assembly shall be recognized. No restrictions
may be placed on the exercise of this right other than those imposed in
conformity with the law and which are necessary in a democratic society in the
interests of national security or public safety, public order (ordre public), the
protection of public health or morals or the protection of the rights and freedoms
of others.
Assim, a jurisprudência constitucional brasileira não possibilita limitações a
manifestações públicas em frente a órgãos políticos dos poderes Judiciário, Executivo e
Legislativo. Tais limitações são inconstitucionais, vistas as manifestações públicas
como meio de realização democrática e como meio de concretização do direito de
expressão.
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