PARÂMETROS OPERACIONAIS DO PROCESSO DE BIOESTABILIZAÇÃO
ANAERÓBIA DE RESÍDUOS SÓLIDOS ORGÂNICOS
Maria Luciana Dias de Luna(*)
Mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente pelo PRODEMA – UFPB / UEPB
Valderi Duarte Leite
Professor Titular do Departemento de Química da UEPB
Shiva Prassad
Professor Titular do Departamento de Química da UFPB
Wilton Silva Lopes
Professor Titular do Departemento de Química da UEPB
Salomão Anselmo Silva
Professor Titular do Departamento de Química da UFPB
José Vanderley do Nascimento Silva
Graduando do Curso de Química Industrial da UEPB
(*)
Bacharel em Química Industrial – Departamento de Química / Centro de Ciências e Tecnologia / UEPB
Endereço para correspondência: Rua: Gonçalves Dias, 373 – Bairro: Monte Castelo – CEP: 58103 - 430 / Cidade:
Campina Grande – PB / Fone: (83) 322 – 6507 / E-mail: [email protected]
RESUMO
A fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos urbanos pode ser aproveitada através do processo de tratamento
anaeróbio de resíduos sólidos orgânicos realizados com substrato contendo em média cerca de 5% (percentagem em
peso) de sólidos totais. A matéria orgânica vai gerar como produtos o biogás contendo em sua composição um
considerável percentual de gás metano e material bioestabilizado que pode ser utilizado como agente condicionador
de solos. O presente trabalho objetiva avaliar os parâmetros operacionais pH, AGV e AT no processo de
bioestabilização anaeróbia de resíduos sólidos orgânicos. O reator anaeróbio tinha capacidade unitária de 2200
litros, sendo 1850 litros destinados ao substrato afluente e o restante ao biogás produzido. O reator foi alimentado
diariamente com resíduos sólidos orgânicos frescos e com tempo de detenção de 90 dias. Após atingir o estado de
equilíbrio dinâmico, o biogás apresentava cerca de 60% de gás metano e a relação AGV/AT decresceu
gradativamente ao longo do período de monitoração.
Palavras – chave: Reator anaeróbio; resíduos sólidos; pH; ácidos graxos voláteis.
INTRODUÇÃO
A grande quantidade de resíduos sólidos produzidos atualmente associado à variabilidade da composição tem
trazido sérias conseqüências a saúde da população como também ao ambiente (Sisinno, 2000).
Segundo a legislação vigente, a coleta, disposição final e tratamento dos resíduos sólidos municipais constituem
uma obrigação das prefeituras. Torna-se necessário vencer o desafio de coletar, tratar e dispor de forma adequada a
grande quantidade de resíduos sólidos gerados diariamente. Segundo Bidone e Povinelli (1999), a natureza
qualitativa dos resíduos sólidos tem mudado. No início dos tempos, sua composição era de origem natural, causando
poucos impactos ao ambiente. Com a evolução da população e a industrialização, os resíduos foram se modificando,
podendo citar como exemplo os biodegradáveis, os não biodegradáveis, os recalcitrantes ou xenobióticos, os quais
podem deteriorar o meio ambiente e comprometer a qualidade de vida do homem.
1
Segundo dados de IBGE (2000) no Brasil são produzidos em média 125 mil toneladas de resíduos sólidos
domiciliares por dia. Deste total cerca de 20% não são coletadas regularmente e dos 80% coletados, que corresponde
a 100 mil toneladas, apenas 28 mil toneladas são destinadas de forma racional, sendo a maior fração disposta em
aterro sanitário e uma pequena parcela tratada em usina de compostagem. Das 72 mil toneladas de resíduos sólidos
domiciliares lançados em lixões, logradouros públicos, canais, margens de rios, ou outro qualquer agente receptor,
50% em média (36 mil toneladas), corresponde à matéria orgânica putrescível.
A fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos urbanos pode ser reaproveitada através do processo de tratamento
anaeróbio de resíduos sólidos orgânicos com baixa concentração de sólidos, onde a matéria orgânica vai gerar como
produtos o biogás, que apresenta um considerável percentual de gás metano (composto com alto poder calorífico), e
material bioestabilizado que pode ser utilizado como agente condicionador de solos. A principal vantagem do
processo de tratamento anaeróbio está relacionada com a produção de biogás, que tem em sua composição o gás
metano.
Durante o processo de bioestabilização anaeróbia da fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos orgânicos,
existem vários parâmetros que podem ser monitorados para verificar a eficiência do processo em termos de
produção de metano. Os mais utilizados no monitoramento de reatores anaeróbios são: pH, alcalinidade total (AT),
alcalinidade a bicarbonato (AB), ácidos graxos voláteis (AGV).
O pH representa as condições de acidez ou alcalinidade de um meio. Segundo Sawyer e Mccarty (1967), a
concentração do íon H* é um dos fatores mais importantes que influencia a velocidade das reações bioquímicas.
Valores de pH baixos podem significar uma concentração alta de ácidos graxos voláteis e conseqüentemente uma
inibição da metanogênese. Alguns pesquisadores têm sugerido como faixa de pH ideal o que fica entre 6,5 a 7,5
(Brock, 1970). Mas, segundo Perreira (1984), já foram reportados valores entre 1,2 e 7,8 no tratamento de despejos
complexos.
Esse trabalho objetiva avaliar os parâmetros operacionais de um reator anaeróbio tratando a fração orgânica
putrescível dos resíduos sólidos urbanos com baixa concentração de sólidos.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho experimental foi realizado nas dependências da Estação Experimental de Tratamento Biológico de
Esgotos Sanitário (EXTRABES), localizada no Bairro do Tambor na cidade de Campina Grande estado da Paraíba
no Nordeste do Brasil. O sistema experimental é constituído por dispositivo para preparação dos resíduos sólidos
orgânicos, de uma caixa de alimentação e de um reator anaeróbio compartimentado com capacidade unitária de
2200 litros. O reator anaeróbio compartimentado foi construído de fibra de vidro e assentado em uma base metálica
móvel. O reator possui configuração geométrica retangular e é dividido internamente por três câmaras de iguais
dimensões. Em cada câmara foi colocado um ponto de amostragem na base inferior e superior da lateral do reator,
objetivando realizar o acompanhamento do perfil de distribuição do material sólido ao longo do sentido longitudinal
do reator. Do volume total do reator, uma fração em torno de 300 litros foi destinada para armazenamento do biogás
produzido.
Na Figura 1 apresenta-se o esquema geral do reator anaeróbio compartimentado.
Alimentaçã
Coleta
biogás
o do
de
Efluente
Coleta de amostras para análise
FIGURA 1 – Esquema geral do reator anaeróbio compartimentado.
2
O reator possuía um volume total de 2,2m3, sendo que deste volume, 1,85m3 era destinado ao substrato e o restante
armazenamento de biogás. O reator foi operado com tempo de detenção de sólidos de 90 dias o que forneceu ao
reator uma carga orgânica aplicada de 8,90kg.m-3.dia-1. O reator foi monitorado durante um período de 170 dias. A
estabilidade do processo foi avaliada tomando-se como referencial o material afluente, efluente e acumulado no
reator.
Os resíduos sólidos orgânicos utilizados para alimentação do reator eram constituídos de resíduos sólidos vegetais e
de lodo de esgoto sanitário na proporção de 80 e 20% respectivamente. A mistura destes dois tipos de resíduos
origina o substrato, o qual após a correção da umidade para 95% (percentagem em peso) era adicionado ao reator.
A monitoração do sistema experimental consistiu na coleta dos resíduos sólidos orgânicos, na preparação do
substrato e alimentação do reator diariamente, além do acompanhamento sistemático do perfil da distribuição de
resíduos nas câmaras internas do reator.
O processo de monitoração foi realizado nas frações sólidas, líquidas e gasosas. Na fração sólida, as análises foram
realizadas nos resíduos sólidos vegetais, no lodo de esgoto sanitário e no substrato, sempre antes da alimentação do
reator. Na fração líquida as amostras eram coletadas semanalmente e determinados os seguintes parâmetros: pH, ST
e suas frações, alcalinidade total, ácidos graxos voláteis, DQO, NTK e nitrogênio amoniacal. Para realização das
análises físicas e químicas da fração líquida utilizou-se os métodos preconizados por APHA (1995). Na fração
gasosa, a quantificação do biogás era realizada continuamente, sendo a caracterização qualitativa feita duas vezes
por semana através de cromatografia gasosa.
Neste trabalho serão abordados apenas os parâmetros pH, ácidos graxos voláteis, alcalinidade total e volume de
biogás e gás metano.
RESULTADOS E DISCUSSÃO.
Neste item serão apresentados os dados da caracterização física e química do substrato alimento ao reator, como
também os dados advindos do processo de monitoração, especificamente em relação a pH, ácidos graxos voláteis,
alcalinidade total e produção diária de biogás e metano.
Inicialmente o reator foi alimentado com 1850,0 kg de substrato, o que correspondia ao volume do reator destinado
para tal. Como o reator é constituído por três câmaras de iguais dimensões, em cada câmara ficou retido cerca de
616,6kg de substrato por um período de 90 dias. Completado este período, o reator passou a receber diariamente
20,5kg de substrato.
No Quadro 1 apresenta-se os principais valores dos dados médios referentes à caracterização física e química do
substrato utilizado para alimentação do reator.
Quadro 1 – Dados médios da caracterização física e química do substrato.
Parâmetro
Magnitude
TU (%)
95,0
ST (%)
5,0
STV (%)
76,0
AT ( mgCaCO3.L-1)
6600,0
AGV ( mgHAC.L-1)
7400,0
NTK (%)
3,5
DQO (%)
38,5
PH
5,6
Analisando os dados do Quadro 1, observa-se que o substrato era constituído por apenas 5% ( percentagem em peso)
de sólidos totais. Isto significa dizer que dos 1850kg de substrato inicialmente alimento ao reator, apenas 92,5kg
correspondia aa material sólido. Da fração de sólidos totais, 76,0% em média era constituído de materiais sólidos
voláteis, que apresentam possibilidade de ser mais facilmente biotransformados. Os resíduos sólidos urbanos
utilizados, que eram constituídos basicamente por restos vegetais, apresentaram sempre características ligeiramente
ácidas. Quando da mistura com lodo de esgoto sanitário, a tendência foi sempre haver um acréscimo no pH do
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substrato, haja vista, o lodo apresentar valores de pH sempre superior a 7,0 unidades de pH, mesmo assim, o
substrato preparado e utilizado apresentava valores de pH inferior a 6,0.
A idéia de se trabalhar com reator compartimentalizado está associada a evitar a existência de curto circuito no
interior do reator, além de promover uma maior área de contato entre o substrato e a biomassa, procurando
proporcionar uma maior eficiência de transformação do material carbonáceo e conseqüentemente a otimização do
sistema operacional.
A Figura 2 apresenta o perfil do pH do substrato afluente e do material efluente do reator, enquanto na Figura 3
pode-se observar o perfil do pH do material efluente das câmaras do reator.
10
6
4
pH
pH
8
2
0
0
30
60
90
120
150
180
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
0
Tempo de operação (dias)
entrada
30
60
90
120
150
180
Figura 3 -Tempo
Perfil do
pH do material
de operação
(dias) efluente
das câmaras do P1
reator P2
P3
saída
Figura 2 - Perfil do pH no material
afluente e efluente do reator
Figura 3 - Perfil do pH no material
efluente das câmaras do reator
Analisando o perfil do pH do material afluente ao reator, observa-se que os valores de pH variaram de 3,4 a 6,0 e
esta variação de pH está associada à heterogeneidade da fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos urbanos.
No material efluente, até os 140 dias de monitoração os valores de pH estiveram sempre em torno de 5,0 unidades
de pH, crescendo após os 140 dias de monitoração para valores superiores a 7,0, chegando a atingir valores de até
8,0 unidades de pH.
Nas câmaras do reator os valores de pH permaneceram com valores em torno de 5,0 até aos primeiros 80 dias de
monitoração. Após este período, foi constatado um acréscimo gradual dos valores de pH em todas as câmaras do
reator, sendo que, no período de 80 a 120 dias o material efluente da câmara 1 (P1), apresentou crescimento mais
acentuado de valores de pH. O pH é um dos parâmetros que contribui para avaliação do desempenho do processo de
bioestabilização anaeróbio, mesmo dentro de um espectro que necessita ser bem analisado e compreendido, levandose em consideração o comportamento de outros parâmetros, com alcalinidade total e a bicarbonato, além de ácidos
graxos voláteis.
Na Figura 4 apresenta-se o perfil da alcalinidade total no material afluente e efluente do reator.
AT (mg/L)
7000
6000
5000
4000
3000
2000
1000
0
0
30
60
90
120
150
180
Tempo de operação (dias)
Entrada
Saída
Figura 4 – Perfil da alcalinidade total no material afluente e efluente do
reator.
4
A alcalinidade total corresponde à alcalinidade proveniente dos ácidos graxos voláteis e dos bicarbonatos.Para
resíduos com pH em torno de 5,0 unidades, a alcalinidade total é constituída basicamente por ácidos graxos voláteis.
A medida em que o resíduo vai sendo tamponado, o pH eleva-se, conseqüentemente a concentração de ácidos
graxos voláteis é reduzida. Analisando os dados da Figura 4, observa-se que a concentração da alcalinidade total do
substrato afluente variou de 1500 mg/L a 6375 mg/L. No material efluente a alcalinidade total variou de 2434 mg/L
a 4000 mg/L. Até os 120 dias de monitoramento, a relação ácidos graxos voláteis / alcalinidade total situou-se em
torno de 1,62. Após esse período, essa relação passou a ser de 0,85, evidenciando-se uma boa interação entre as
espécies bacterianas, estabelecendo o estado de equilíbrio dinâmico no reator. O comportamento da evolução
temporal da concentração de AGV é mostrado na Figura 5.
18000
AGV
15000
12000
9000
6000
3000
0
0
30
60
90
120
150
180
Tempo de operação (dias)
Entrada
Saída
Figura 5 – Comportamento da evolução temporal da concentração de
AGV.
Conforme pode ser observado na Figura 5, após 120 dias de monitoração ocorreu um decréscimo na concentração de
ácidos graxos voláteis no material efluente do reator, indicando a eficiência do processo de tratamento. A eficiência
de transformação de material orgânico nos processos de tratamento biológicos está associada ao equilíbrio da massa
bacteriana, que deve estar adaptada ao meio para suportar as variações de cargas orgânicas aplicadas, como também
as variações das condições ambientais e a presença de matérias com características tóxicas no substrato. A Figura 6
apresenta o perfil da composição do biogás ao longo do período de monitoração do reator.
% de metano e CO2
80
70
60
50
40
30
20
10
0
0
30
60
90
120
150
180
Tempo de operação (dias)
METANO
CO2
Figura 6 – Perfil da composição do biogás ao longo do período de
monitoração do reator.
A composição do biogás apresentou um percentual volumétrico de gás metano bastante significativo, acentuando-se
no instante em que o reator alcançou o estado de equilíbrio dinâmico. Inicialmente o biogás produzido era
constituído basicamente por CO2 e N2. Ao longo do período de monitoração juntamente com a elevação do pH e a
redução da concentração de ácidos graxos voláteis nos líquidos percolados, o gás metano pôde ser verificado com
um crescente percentual na composição geral do biogás, chegando a alcançar valores de 70% (percentagem em
volume), após os primeiros quatro meses de operação.
5
A produção diária de biogás situou-se em torno de 120 litros de biogás por dia com carga orgânica aplicada de 8,9
kg. m3 .dia-1R. O perfil da produção de biogás pode ser observado na Figura 8.
Volume de biogás (L)
400
350
300
250
200
150
100
50
0
0
30
60
90
120
150
180
Tempo de operação (dias)
Figura 8 – Perfil do biogás produzido diariamente no
reator.
Analisando a Figura 8, verifica-se que a produção volumétrica de biogás aconteceu gradualmente. Este crescimento
foi associado ao equilíbrio estabelecido entre os diferentes grupos de microrganismos que são responsáveis pelo
processo de bioestabilização da matéria orgânica.
CONCLUSÕES
Frente à análise dos dados desse trabalho, pode-se concluir que:
• O processo de tratamento anaeróbio de resíduos sólidos orgânicos com baixa concentração de sólidos
apresenta-se como uma importante alternativa para o aproveitamento integral dos resíduos sólidos
orgânicos gerando como produtos o biogás e composto bioestabilizado;
•
O reator atingiu o estado de equilíbrio dinâmico aproximadamente aos 120 dias de operação, sendo
comprovado pelo teor de metano no biogás que chegou a alcançar valores de até 70% .
•
A relação ácidos graxos voláteis / alcalinidade total até os 120 dias de operação foi de 1,62, passando após
esse período para 0,85 comprovando a eficiência do sistema.
AGRADECIMENTOS
Os autores deste trabalho agradecem a FINEP/ PROSAB pelo apoio financeiro e ao CNPq pela concessão das bolsas
de pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
APHA, AWWA, WPCF. Standard Methods for Examination of Water and Wastewater. 18 ed. Washington,
1995. 1134p
BIDONE, F. R. A. e POVINELLI, J. Conceitos básicos de resíduos sólidos. EESC/USP Projeto Reenge,
1999.
BROCK, T. D. Biology of Microorganisms. Prentice-Hall International, inc.. New Jersey, 1970, 738 p.
IBGE. Anuário Estatístico do Brasil, Brasília, 2001.
PEREIRA, S. M. C. Influência da Temperatura e da Superfície de Contato nos Processos de Estabilização
Anaeróbia. São Carlos, 1984. Dissertação (Mestrado em Hidráulica e Saneamento) Escola de Engenharia de São
Carlos-USP, 190 p.
SAWYER, C. N. e Mc CARTY, P. L. Chemistry for Sanitary Eengineers. Mc Graw- Hill Bood Company.
New York. 1967, 518p.
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SISINNO, Cristina Lucia Silveira (org). Resíduos sólidos, ambiente e saúde: uma visão multidisciplinar.
Organizado por Cristina Lucia Silveira Sisinno e Rosália Maria de Oliveira. Rio de Janeiro: Editora FLOCRUZ,
2000. 142p.
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