Matéria de Capa
piscicultura
aumenta renda da propriedade
Não é história de pescador; com planejamento, atividade gera boa fonte de renda ao pecuarista
Luiz H. Pitombo
A
Fotos: Divulgação
s portas se abrem cada vez mais
ao cultivo de peixes, trazendo
boas oportunidades de negócio
às propriedades por meio da diversificação em áreas antes ociosas, o que
já tem ocorrido entre pecuaristas do
Centro-Oeste e do Sul do País, além
de outras regiões. Cálculos mostram
que o lucro líquido, a depender do
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empreendimento e do mercado, pode
variar de R$ 5 mil a 12 mil por hectare
de açude/ano.
A demanda por pescado cresce no
Brasil e no mundo, enquanto a produção extrativa traz o esgotamento das
fontes naturais desta importante proteína, favorecendo a aquicultura. Mais
da metade do consumo mundial já é
atendida pelo pescado assim obtido,
o que inclui principalmente peixes,
mas também camarões e outras espécies. No Brasil, o pescado representou
38% do total da produção nacional em
2010, que chegou a 1,264 milhão de
toneladas, último dado oficial disponível e que considera a pesca extrativa
e a aquicultura. Há 15 anos sua par-
ticipação era de apenas 14% de 710
mil toneladas obtidas no país e se no
período a oferta da pesca extrativa aumentou 30%, a evolução da aquicultura chegou a 360%.
A atividade tem a maior expressão no Brasil em áreas continentais,
com destaque para Rio Grande do
Sul, São Paulo, Santa Catarina, Ceará, Paraná, Mato Grosso, Goiás e
Bahia. Os maiores volumes obtidos
são de tilápia, que em 2010 atingiu
155 mil toneladas, seguida de carpa, com 94 mil toneladas, tambaqui,
com 54 mil toneladas, e, em menor
quantidade, tambacu, pacu, piau,
curimatã, truta e outros.
Produtos da aquicultura têm aumentado no consumo total nacional,
calculado em torno de 9 kg/hab/ano,
contra o consumo mundial de 17 kg/
hab/ano. Mas, apesar da evolução,
ainda não atende a demanda interna e
se recorre às importações.
O Brasil é considerado um dos países de maior potencial para a expansão da atividade. Para isso, conta com
extensa costa marítima, grande disponibilidade de água doce, reservatórios
e clima tropical favorável em boa parte do País. Além disso, existe oferta
de ingredientes para rações através da
agricultura e um setor industrial estruturado para a produção de ração e
com know how em processamento e
exportação de carnes.
No ano passado, o Ministério da
Pesca e Aquicultura lançou um plano
para o setor que prevê a aplicação de
R$ 4 bilhões, a maior parte em aquicultura até 2014.
Gargalos
e exigências
Se as perspectivas são muito boas,
ainda existem dificuldades como a
falta de frigoríficos especializados e a
necessidade de técnicos capacitados.
Para o engenheiro agrônomo Fabrício Rezende, da Embrapa Pesca e
Aquicultura, em Palmas/TO, este é
um dos principais entraves do setor,
embora reconheça avanços em cursos
nas universidades e a possibilidade de
se buscar treinamentos como os oferecidos pelo Senar. De qualquer forma,
para iniciar na piscicultura recomenda
o auxílio de um técnico, pois é atividade bem distinta da bovinocultura,
“mas que permite aumentar a receita e
o lucro com a mesma área”, diz.
Rezende informa que já existe tecnologia disponível para todas as regiões do país e que o setor de produção
de alevinos é um dos mais desenvolvidos, permitindo que se compre
material de qualidade da maioria das
espécies. Em função da temperatura
local, devem ser escolhidas as mais
adaptadas ao calor, como tambaqui
e matrinxã, ou ao frio, como jundiá
e carpa. Do ponto de vista sanitário,
faz questão de enfatizar que a atividade só vai ter problemas (parasitoses, bacterioses e fungos) por falhas
no manejo alimentar ou baixa qualidade da água.
Com o Código Florestal, conta que
a concepção dos projetos precisou
ser alterada, uma vez que baixadas e
áreas próximas aos rios, classificadas
de Área de Preservação Permanente
(APP), não podem ser mais utilizadas.
Ele considera que as adaptações não
são complexas, embora gerem custos
adicionais. Quanto às pisciculturas
já instaladas, diz que o assunto tem
sido conduzido com certas diferenças
entre os órgãos estaduais, mas que
numa avaliação ampla acredita que a
tendência é de que os projetos antigos
sejam mantidos.
O engenheiro-agrônomo Fernando
Kubitza, sócio da Acqua Imagem, de
Jundiaí/SP, tem boa atuação no Brasil e no exterior e realiza trabalho de
consultoria e parceria com a empresa
Matsuda na área de nutrição e desenvolvimento de rações para peixes.
Confiante na atividade e em seu
potencial na diversificação da propriedade pecuária, recomenda que
seja conduzida com técnica e gerenciamento rigorosos. Isto porque lembra que os recursos envolvidos na
construção de tanques ou açudes (R$
20 mil/ha a R$ 60 mil/ha) e o capital
de giro de uma piscicultura intensiva (R$ 18 mil/ha a R$ 45 mil/ha) são
bem elevados frente a uma pecuária
de corte convencional.
Dentre os pré-requisitos importantes, cita a boa disponibilidade de
água, topografia quase plana para
Fernando Kubitza mostra
a tilápia, que tem a maior
preferência
facilitar a construção de tanques e
solos argilosos que retenham a água.
Açudes ou canais de irrigação já existentes podem ser utilizados com boa
redução no custo de implantação. A
energia elétrica pode ser necessária
para a aeração da água em cultivos
mais densos.
Peixes como o tambaqui e seus
híbridos, informa Kubitza, podem ser
criados em grandes açudes, em sistema contínuo de produção com múltiplas despescas, sem a necessidade de
drenagem frequente das represas. No
caso da tilápia, diz que é preciso fazer
a criação confinada em tanques-rede,
pela dificuldade de captura sem a drenagem do açude.
Safra
de bons resultados
Maurício Tonhá, da Leiloeira Estância Bahia e também produtor, colhe a primeira safra de tambatinga, em
Água Boa/MT. Por hora, prefere não
dar números sobre o retorno financeiro, pois apenas começa no negócio,
mas, confiante, acredita que este supere o da agricultura e pecuária.
A ideia de partir para o novo negócio surgiu por suas propriedades
possuírem barragens e açudes, que,
com pequenos investimentos, poderiam se adequar a este tipo de exREVISTA AG - 11
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ploração. Há três anos começou a
se aprofundar no assunto e a visitar
propriedades com bons resultados,
o que o estimulou a levar adiante o
projeto implantado em 2011. Sobre
perspectivas da atividade, afirma
que a tendência é de demanda crescente, com possibilidades de o Brasil se tornar não só um grande consumidor, mas também exportador.
Para outros pecuaristas, quer de
gado de corte como de leite, acredita
que seja uma atividade interessante como alternativa de receita. Mas
aponta que a propriedade precisa ter
características apropriadas, como,
por exemplo, já contar com represas
ou ter condições de instalá-las.
O projeto atual está com uma lâmina d’água de 120 mil m2, onde
foram aplicados cerca de R$ 200 mil
em custeio e ajustes, como a limpeza do fundo e a preparação de locais para a passagem das redes para
despesca. A produção esperada é de
100 toneladas, sendo que em uma
das coletas recentes o peso médio
de cada peixe foi o de 2,8 kg. A expectativa é de investimento pago no
primeiro ano.
O produtor explica que foi buscar
consultoria especializada e que também conta com o apoio de técnicos
da fábrica de rações. Os alevinos
Tanque-rede é fundamental
para criação de tilápia
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têm sido adquiridos sem maiores
problemas e ele já tem realizado
vendas na região ou para corretores de Brasília e São Paulo. Como
é comum se fazer, os peixes são recolhidos pelo interessado e abatidos
através de choque térmico com água
gelada, sendo então transportados
até a indústria, no gelo.
Verticalização
Um dos grandes projetos em execução no Mato Grosso pertence ao
Grupo Bom Futuro, que tem produção anual de 1.760 toneladas de
peixes em 180 ha de lâminas d’água,
em fazendas nas regiões de Campo
Verde e Canarina. O Grupo, que
pertence à família Maggi Scheffer,
se destaca na produção de algodão,
soja e termina, anualmente, em 50
mil bovinos confinados.
A piscicultura iniciou em 2005,
quando foi adquirida uma propriedade com 13 ha de viveiros. No momento, um passo importante acontece na obtenção do SIF (Serviço
de Inspeção Federal ) de frigorífico
próprio, que deve ocorrer em breve.
Jules Bortoli, gestor de piscicultura
do Grupo, informa que a proposta é
a de beneficiar unicamente a produção própria.
Bortoli, que também preside a As-
Elvio Bandeira fornece
soja e aveia para as carpas
sociação dos Aquicultores do Estado
do Mato Grosso (Aquamat), informa
que a maioria dos produtores é de pequeno porte, com cerca de cinco ha
de viveiros. Parte possui este tamanho por limitação de área e parte por
estar testando a atividade.
Normalmente, ela é realizada em
complemento à agricultura ou à pecuária de corte, com Bortoli se mostrando
favorável à sua adoção na diversificação. Contudo, salienta que problemas
surgem quando o produtor tem dificuldade em conduzir simultaneamente
diferentes atividades, “pois criar peixe
exige muito cuidado e conhecimento”,
diz. Aos desafios existentes no estado,
acrescenta a falta de agilidade e o rigor
do órgão responsável para obtenção de
licença ambiental.
No manejo dos tanques do Bom
Futuro, estes são esvaziados ao fim de
cada ciclo e permanecem secos e expostos ao sol por cerca de uma semana, além de receberem cal virgem para
desinfecção. Ao enchê-los de água, é
aplicado algum tipo de adubo (como
cama de frango ou esterco bovino),
para a formação de matéria orgânica
necessária ao ambiente de criação.
A água é monitorada para que o pH
seja neutro, enquanto que a amônia tóxica não pode ultrapassar 0,05mg/l e o
oxigênio precisa ser mantido entre 5 a
8 mg/l (existem aparelhos específicos
para as medições). A ração tem nível
de proteína adequado a cada espécie
produzida (tambaqui, pintado, piau, tilápia, matrinxã e piraputanga) , sendo
que nas primeiras semanas os níveis
Produção de pescado por espécie(1)
Espécie
Toneladas
Tilápia
155.450,8
Carpa
94.579,0
Tambaqui
54.313,1
Tambacu
21.621,4
Pacu
21.245,1
Piau
7.227,6
Curimatã
5.226,0
Truta
5.122,7
Tambatinga
4.915,6
Bagre
4.073,4
(1)Principais espécies continentais cultivadas em 2010.
Fonte : Anuário 2012,MPA.
são mais elevados para garantir o bom
desenvolvimento do animal. Entretanto, não adianta jogar muita ração, pois
o excesso prejudica a qualidade da
água, salienta Bortoli.
A conversão alimentar dos peixes
está por volta de 1,6 kg de ração para
cada 1 kg de carne, o que pode ainda
melhorar, enquanto que a produtividade geral é elevada, cerca de 11 toneladas/ha/ano, mas há tanques para 16
toneladas. Bortoli atribui tal fato ao clima quente que favorece o crescimento
dos peixes, à troca de água realizada,
além da qualidade da ração.
A Bom Futuro tem produção própria de alevinos, mas também os compram pagando em torno de R$ 1,20 a
unidade do pintado, com 10-12 cm de
comprimento, ou R$ 500 o milheiro
do tambaqui com 30 gramas cada. O
gestor chama a atenção sobre o ataque
de pássaros que comem alevinos, o que
se resolve com telas recobrindo estes
criatórios no início.
O gestor de piscicultura conta que
tem comercializado na propriedade o
tambaqui inteiro a cerca de R$ 4/kg e
o pintado a R$ 7/kg, com o lucro líquido representando 20% do total. Isso
comprova que a atividade tem retorno
interessante, “mas é de médio a alto
risco”, lembra.
Peixe com leite
No município de Ajuricaba/RS,
é grande o número de propriedades
que se dedicam à piscicultura, estimuladas há tempos por cooperativas e prefeituras. O carro-chefe da
produção é a carpa, comercializada
viva por empresas especializadas em
pesque-pagues de São Paulo.
Um destes produtores é Élvio
Bandeira, que possui 50 ha divididos entre produção de leite, soja ,
milho e a piscicultura. Sua produção
atual é de 15 a 20 mil toneladas de
peixe em seis tanques que totalizam
5 ha. Já a produção diária de leite é
de 1.100 litros/dia, com animais em
regime semi-confinado.
Quanto à soja e ao milho, as sobras não comercializadas são todas
trituradas e utilizadas para fornecimento aos peixes, sendo que no inverno também cultiva aveia para o
mesmo fim. Eventualmente, adquire
farelo de soja para reforçar a dieta,
mas conta que opta por esse sistema
pelo baixo custo. Caso optasse por
uma ração mais reforçada, comenta
que sua produtividade poderia crescer além das 4-5 toneladas de peixes
ha/ano. Ele tem recebido, em média, R$ 3/kg vivo, um valor que foi
corroído pela elevação dos preços
dos grãos e que precisaria ser R$ 1
a mais. Como outros, diz que a atividade está viável, pois se utiliza de
resíduos de culturas.
O produtor comenta que entrou
na piscicultura há 25 anos por dispor
de água na propriedade e pelo estímulo que existia na região. Quanto
à atividade pecuária, conta que antes mantinha algumas cabeças para
abate, embora o pai já se dedicasse à
produção de leite.
Élvio Bandeira aprova a atividade de piscicultura, lembrando
que em pequenas propriedades ela
permite um maior aproveitamento da área disponível com aumento
da renda. Ele diz que são muitos os
produtores de Ajuricaba que se beneficiam dessa diversificação: peixe,
leite e grãos. Caso o leitor queira se
aprofundar no tema, o repórter recomenda visita aos sites www.cnpasa.
sede.embrapa.br e www.acquaimagem.com.br, onde estão disponíveis
diversos artigos técnicos sobre aquicultura.
REVISTA AG - 13
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