Supremo Tribunal Federal
Audiência Pública
Constitucionalidade de Políticas de Ação Afirmativa de Acesso
ao Ensino Superior
Brasília, 03-05/março/2010
Ação Afirmativa na Unicamp1
Expositor:
Renato Hyuda de Luna Pedrosa
PhD em Matemática pela Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA
Professor do Departamento de Matemática, Unicamp
Coordenador-Executivo
Comissão Permanente para os Vestibulares – Comvest
Pró-Reitoria de Graduação, Unicamp
1
Contém material não apresentado na Audiência Pública, em função do tempo ali disponibilizado. Entre
outros, ressaltamos os seguintes:
a) informações sobre simulações de propostas alternativas, sem utilizar o critério de raça/cor, e suas
conseqüências para efeitos de inclusão dos grupos relevantes, na Unicamp;
b) discussão sobre a defasagem educacional entre os que se declaram pretos e pardos, em relação aos
que se declaram brancos, a partir dos dados da PNAD/IBGE de 1987 e 2007, e suas conseqüências para o
acesso ao Ensino Superior.
Introdução
Excelentíssimo Sr. Ministro Enrique Ricardo Lewandowski.
Excelentíssimos Srs. e Sras. Ministro/as do Supremo Tribunal Federal.
Demais autoridades presentes.
Colegas expositores, Sras. e Srs., boa tarde.
É com muita honra, e grande senso de responsabilidade, que vimos apresentar a essa
Corte o Programa de Ação Afirmativa utilizado pela Unicamp no processo de seleção dos
seus estudantes de graduação.
Como todos que me antecederam, parabenizo o STF, em particular o Eminente Ministro
Lewandowski, pela iniciativa de convocar essa Audiência Pública. Agradecemos, também,
por conceder-nos a oportunidade de participar desse importante evento.
Esperamos que Unicamp possa contribuir, com dados e análises relacionadas ao seu
programa de AA, para subsidiar os trabalhos e as decisões desta Corte sobre o tema.
Faremos, também, uma breve análise sobre a defasagem educacional do grupo de
brasileiros que se declaram pretos ou pardos, já comentada nessa audiência, e como
vemos o papel das ações afirmativas para melhorar tal situação.
1. Princípios que orientaram a formulação do programa da Unicamp
A Unicamp norteou a sua proposta de ação afirmativa no processo seletivo dos
estudantes de graduação, denominado Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social
(PAAIS), pelos seguintes princípios:
1) Respeito à autonomia universitária;
2) Busca da excelência acadêmica;
3) Inclusão social de grupos desfavorecidos.
1) Com relação ao primeiro ponto, observamos que o Artigo 51 da LDB atribui às
universidades a autonomia para deliberar sobre as normas que regem a seleção e
admissão dos seus estudantes, esclarecendo, para a essa área, a autonomia
consagrada na Constituição. Assim, o programa foi elaborado e aprovado nas diversas
instâncias da estrutura universitária, culminando com a aprovação pelo Conselho
Universitário da Unicamp, em sua reunião de maio de 20042.
2) A Unicamp, ao exercer o instituto da autonomia na elaboração do seu programa
buscou, de forma explícita, aplicar a recomendação do Art. 207 da Constituição
Federal:
2
Deliberação CONSU-A-12, de 25-05-2004, publicada no DOE/SP de 26-06-2004.
“O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de (...) acesso
aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um.”
Seguindo esse preceito, a Unicamp procurou preservar, na verdade aprimorar, a
qualificação acadêmica dos futuros alunos da universidade. Para tal, utilizou-se, na
formulação da proposta, dos resultados de uma pesquisa sobre o desempenho de
estudantes da Unicamp, que indicou que aqueles oriundos da rede pública de
educação básica desempenham melhor do que o esperado após o ingresso na
Unicamp, tendo como referência o desempenho no Vestibular.
Ou seja, ter estudado na rede pública durante a educação básica poderia ser um
critério relevante, positivo, na decisão sobre a seleção dos ingressantes.
3) Finalmente, o programa da Unicamp foi formulado para ampliar a probabilidade de
acesso, em particular aos cursos mais procurados, como o de Medicina ou os de
Engenharia, de jovens com perfil sócio-econômico mais baixo, incluindo aí os que se
declarassem pretos, pardos ou indígenas.
Ainda sobre os princípios que orientaram a formulação do programa, a Unicamp discutiu e
simulou cuidadosamente, ao longo de 2003 e 2004, alternativas de modelos de ações
afirmativas: reserva de vagas (cotas), decisão via desempate para grupos relevantes,
bonificação na pontuação. Entendeu que o último modelo era o mais adequado para uma
universidade que busca não só a inclusão de grupos desfavorecidos, mas que visa
também a manter a qualificação do corpo discente. Em particular, buscou um modelo que
fosse adaptativo, no qual o atendimento de maior inclusão para os grupos de interesse
estivesse condicionado pela demanda desses mesmos grupos, em cada carreira e curso
da universidade, e não baseado em estatísticas para a população em geral, como, em
geral, se estabelecem os números de vagas reservadas (cotas).
Essa é, de fato, uma característica do modelo adotado pela Unicamp, como veremos.
2. Origens do Programa
Aprincipal fonte conceitual e fática para o programa constituiu-se dos resultados de uma
pesquisa3 sobre o desempenho acadêmico dos alunos que ingressaram na Unicamp de
1994 a 1997.
A pesquisa procurou determinar, para os mais de 6 mil estudantes participantes, quais
das suas características educacionais ou sócio-econômicas, à época do Vestibular,
estariam associadas ao melhor desempenho ao longo da futura vida universitária.
A análise estatística dos dados indicou que os alunos
1) com famílias de baixa renda (até 5SM),
3
Os resultados desse estudo foram apresentados no Congresso Bienal sobre Educação Superior da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ocorrido na sede da OCDE, Paris,
em 2006 e publicados em:
Academic Performance, Students' Background and Affirmative Action at a Brazilian Research University,
Renato H.L. Pedrosa, J. Norberto W. Dachs, Rafael P. Maia, Cibele Y. Andrade., and Benilton S. Carvalho,
Higher Education Management and Policy, vol. 19, nº 3, OECD, Paris, 2007.
2) com genitoras com formação não além da Educação Fundamental ou
3) que cursaram o Ensino Médio (e/ou Fundamental) na rede pública,
entre outras características, apresentaram desempenho positivo ao longo do curso
universitário, comparado àquele demonstrado no vestibular: sua classificação na turma
foi, em média, mais alta ao final de sua formação do havia sido no Vestibular.
Os efeitos dessas características são cumulativos para o desempenho, ou seja, para os
alunos pertencentes aos três grupos, acima mencionados, simultaneamente, os efeitos
positivos seriam somados.
Esses resultados não são inesperados: candidatos que tiveram sua formação escolar
prejudicada, seja em função da baixa qualidade da escola em que estudou, seja por falta
de condições financeiras para obter acesso a bens culturais, seja por falta de condições
dos pais de apoiá-los e orientá-los nos estudos, mas que desempenharam relativamente
bem no vestibular, encontrarão, no ambiente universitário, condições propícias para o
pleno desenvolvimento do seu potencial intelectual. Além disso, por verem nessa sua
grande chance de obter uma boa formação universitária, dificilmente a desperdiçarão.
Portanto, esse estudo mostrou que o Vestibular, por si só, não previa, de forma exclusiva
e cabal, o potencial dos candidatos para o desempenho futuro nos bancos universitários.
Aspectos educacionais e sócio-econômicos poderiam ser utilizados para complementar as
informações fornecidas pelo vestibular, proporcionando uma forma mais aprimorada de
selecionar os candidatos com maior potencial para a futura vida acadêmica.
Essa conclusão, associada ao interesse da Unicamp em ampliar o acesso a candidatos
desfavorecidos social e economicamente, ampliando-se assim a diversidade social do
corpo discente, em vários aspectos, levou-a a formular e aprovar o seu programa de ação
afirmativa, apresentado a seguir.
Antes disso, observamos que, para o período estudado (1994-1997), não estavam
disponíveis informações sobre cor/etnia dos alunos, o que impossibilitou que essas
características fossem incluídas na análise do desempenho daquele grupo de estudantes.
3. O Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS) da Unicamp
O programa, aplicado pela primeira vez para a turma ingressante em 2005, tem como
componentes:
1) Bonificação de pontos:
a. +30 pontos na nota final se candidato cursou todo o Ensino Médio na rede
pública,
b. +10 pontos na nota final se, além do acima, declarou-se preto, pardo ou
indígena.
Como referência, observamos que a pontuação final do Vestibular da Unicamp tem
como média geral 500 pontos e varia, tipicamente, entre 250 e 750 pontos4.
4
A bonificação de 30 (ou de 40 pontos) na nota final do vestibular representam, em alguns
cursos, em particular nos mais concorridos, um avanço, na classificação do vestibular, de até 100
2) Isenção da taxa de inscrição do vestibular (R$115,00):
a. o candidato deve ter cursado toda a Educação Básica na rede pública
(Ensinos Fundamental e Médio) e
b. deve ter renda familiar mensal de no máximo 5 SM.
3) Ampliação do programa de apoio estudantil, para garantir a permanência dos
candidatos de baixa renda, visando a atender os cerca de 250 novos alunos nessa
condição que seriam admitidos pela Unicamp.
Esse último ponto foi proposto para propiciar condições adequadas ao grupo de
estudantes beneficiados pelo programa de acesso, muitos deles com dificuldades para se
manter na universidade, para que pudessem bem desempenhar nas diversas atividades
acadêmicas, no novo ambiente que encontrariam na universidade.
Com respeito à bonificação para o subgrupo de candidatos oriundos da rede pública que
se declararem pretos, pardos ou indígenas, a Unicamp considerou que esse grupo
apresentava outras características sócio-econômicas que se associam a um melhor
desempenho acadêmico, entre elas, baixa renda e baixa escolaridade da mãe do
candidato. De fato, dados sobre distribuição de renda e escolaridade dos pais dos
candidatos do vestibular mostram que, em geral, os que se declaram pretos, pardos ou
indígenas estão nos extratos mais baixos nessas duas categorias.
Ainda com respeito a esse ponto, observamos que não existe, na Unicamp, uma
comissão ou procedimento de verificação da auto-declaração de cor/etnia. Esta é
suficiente e final para efeitos de participação no programa.
Tal decisão se baseou em recomendações de especialistas da área de estudos sobre o
tema e da Procuradoria-Geral da Unicamp. Quanto à posição desta, considerou que as
decisões de uma comissão para julgar quem seria beneficiado ou não pelo programa,
relativamente à declaração de cor/etnia, estariam mais sujeitas a contestações judiciais
de vários tipos do que o sistema adotado5.
4. Resultados do PAAIS para o acesso
A tabela do Slide 5 apresenta, de forma sucinta, o efeito do programa da Unicamp sobre a
composição do corpo discente, para todos os cursos6.
Grupo
EM público
Pretos, pardos indígenas (PPI)
Isentos
2003-2004
Inscritos
Matriculados
32%
29%
12%
11%
8%
4%
2005-2009
Inscritos
Matriculados
30%
32%
18%
15%
12%
6%
Tabela 1 – Participação dos grupos de interesse, PAAIS 2005-2009
posições. Como veremos, tal efeito não tem conseqüências deletérias para o desempenho dos
alunos admitidos na Unicamp que receberam o benefício do programa.
5
Essa justificativa para a adoção da suficiência da auto-declaração e o comentário que a segue foram
incluídos neste texto a partir da pergunta feita pelo Eminente Ministro Lewandowski, na seqüência da
apresentação na Audiência Pública.
6
O relatório completo com os resultados do programa, de 2005 a 2009, foi enviado ao STF, intitulado:
Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social – PAAIS, Relatório do Vestibular Nacional Unicamp 2009,
Coordenação Executiva e Coordenação de Pesquisa, Comvest, Unicamp, 2010.
Os dados apresentados incluem as porcentagens de participação dos grupos de interesse
do programa, tanto para a população de inscritos no Vestibular como para os
efetivamente matriculados.
2003-2004 representam a situação antes do programa, 2005-2009 na vigência do mesmo.
Observamos que em todos os grupos relevantes houve aumentos na participação entre
os matriculados, sendo tal incremento de cerca de 50% para os que se declararam pretos,
pardos ou indígenas (PPI) e também para os isentos da taxa de inscrição. Nesses grupos,
a participação aumentou de forma semelhante também entre os inscritos.
4.1. Pretos, pardos, indígenas
Em relação ao grupo que se declarou PPI, observamos que dados da PNAD indicam que
cerca de 30% dos paulistas se declaram nesse grupo. No entanto, para os que têm
ensino médio completo, esse índice é menor, em torno de 23%. Portanto, 18% de
participação entre os inscritos, é um índice que pode ser considerado bastante razoável.
Ainda sobre essa questão, há indicações de que houve inflação no número de pessoas
que passaram a se declarar PPI, entre o grupo que poderia se beneficiar do programa, a
partir da instituição do programa de ação afirmativa. Parte desse efeito pode ser atribuída
ao fato de que esses candidatos, a partir daquele momento, passaram a assumir essa
característica e declará-la.
No entanto, há indicações de que nem sempre é assim, pois o volume de candidatos que
se declaram PPI, para o subgrupo de candidatos que só fizeram o ensino médio na rede
pública, mas não o ensino fundamental, está acima do que se esperaria segundo os
dados de auto-declaração do IBGE para São Paulo, levando-se em conta a renda desse
grupo.
Cremos que uma reflexão sobre essa questão, com estudos mais aprofundados, se faz
necessária, em função do impacto que possa ter sobre a eficácia do programa para incluir
o grupo em questão.
4.2. Escola pública
Para o grupo de oriundos da rede pública do EM, não houve crescimento na demanda, de
fato, houve uma pequena queda, de 32 para 30%. Esse efeito, de queda na demanda por
parte de candidatos formados na rede pública da educação básica, é geral nas
universidades públicas, em anos recentes, sendo atribuído, pelo menos em parte, ao
Prouni, que concede bolsas para estudantes da rede pública em estabelecimentos
privados de ES. Aqui, também, estudos mais aprofundados são necessários para
determinar se há outras causas para esse fenômeno, que, para efeito de inclusão social
nas melhores universidades brasileiras, é bastante deletério.
Em relação à participação entre matriculados dos formados na rede pública, o acréscimo
entre os matriculados foi pequeno no geral, de cerca de 10% (de 29% para 32%). No
entanto, como veremos a seguir no caso do curso de Medicina, o mais procurado no
vestibular da Unicamp, o efeito para os cursos de maior demanda foi muito maior,
tipicamente dobrando o acesso de estudantes desse grupo. Entre esses cursos, incluímos
os das Engenharias, de Ciências Econômicas e outros.
5. Resultados acadêmicos
Primeiramente, observamos que os resultados de desempenho dos estudantes
bonificados seguiram o mesmo padrão daqueles constatados pelo estudo que orientou a
elaboração do programa. Candidatos da rede pública, de baixa renda e com menor
patrimônio educacional na família tiveram desempenho melhor. Sobre o desempenho
acadêmico do grupo dos que declararam pretos, pardos ou indígenas, ver comentário
abaixo.
Figura 1 – Desempenhos dos alunos do Curso de Medicina, ingressantes em 2005
Para tornar essas afirmações mais concretas, apresentamos (Slide 6) uma figura
contendo uma representação gráfica do que ocorreu com a primeira turma de Medicina
admitida após o programa se iniciar.
Começando pela coluna da esquerda, estão representados ali os 110 ingressantes em
2005, cada linha seria um aluno. Eles estão ordenados segundo a nota do vestibular com
o bônus, em ordem descendente, a mais alta no topo. As linhas coloridas, em matizes de
amarelo e vermelho, representam os alunos que tiveram algum tipo de bonificação, de 30
ou de 40 pontos. São 33 dos 110, ou 30%.
Observamos que no curso de Medicina, antes do programa ser instituído, a média de
participação de estudantes oriundos da rede pública era de apenas 10%.
A segunda coluna representa a mesma turma, classificados pela nota do vestibular sem o
bônus. Vemos que, neste caso, os que haviam sido bonificados se acumulam no final do
grupo. Esses, caso não houvesse a bonificação, não teriam sido admitidos no curso.
A terceira coluna apresenta a classificação da mesma turma ao final de 2008, ou seja,
após a conclusão do quarto ano de curso, utilizando-se a média das notas em todas as
disciplinas cursadas até então.
Em cada uma das colunas, há um grupo de sete alunos indicados por linhas mais longas.
Estes foram os desistentes ou jubilados até o final do quarto ano.
Comentários:
1) Nenhum dos candidatos bonificados desistiu do curso ou foi jubilado.
2) A maior parte dos candidatos bonificados, que não seria admitida sem o programa,
encontra-se, de fato, classificada na primeira metade da turma, após 4 anos na
universidade.
Esses resultados se reproduzem na maior parte dos cursos, em particular naqueles de
maior demanda, onde o programa tem seu maior efeito. Confirmam, consistentemente, os
resultados do estudo que orientou a elaboração do programa.
Sobre a bonificação para PPI, de 10 pontos a mais, a análise dos dados para a turma de
2005 não indicou, de forma relevante, nenhum efeito, ou seja, nem eles desempenharam
melhor nem pior do que os demais. Possivelmente, com a análise das turmas seguintes,
surjam efeitos sobre o desempenho desse grupo. Porém, em termos de ampliação do
acesso para esse grupo, exemplificamos novamente com o curso de Medicina: na turma
de 2005, foram 16 os que assim de declararam entre os matriculados, ou 14%, sendo 11
deles oriundos da rede pública. Como comparação, nos anos anteriores, a participação
total de pretos, pardos e indígenas entre os alunos do curso de Medicina não chegava a
6%.
6. Modelos alternativos de ação afirmativa envolvendo bonificação7
Uma questão vem sendo colocada constantemente, nos debates sobre programas de
ações afirmativas que visam a ampliar o acesso da população que se declara preta, parda
ou indígena ao ensino superior: é necessário que o programa tenha recorte racial para ser
eficaz?
7
Esta seção não foi apresentada na Audiência Pública.
No caso da Unicamp, é possível simular o que ocorreria caso a bonificação na pontuação
para esse grupo (PPI) fosse eliminada e/ou substituída por outra, de caráter sócioeconômico ou educacional.
Obviamente, caso se elimine, simplesmente, a pontuação extra (10 pontos) dada aos
candidatos vindos da rede pública do Ensino Médio que se declara preto/pardo/indígena,
a participação desse grupo cai em relação à situação com essa pontuação. Também, não
basta apenas substituir esses 10 pontos por mais 10 pontos para os que fizeram todo o
Ensino Médio na rede pública, pois a população de pretos, pardos e indígenas nesse
grupo não é muito grande, no caso da Unicamp (ver dados a seguir).
Para prosseguir na análise de alternativas, é relevante observar que a proporção de
candidatos que se declaram pretos/pardos/indígenas no subgrupo que fez toda a
formação básica na rede pública é muito maior do que aquele que fez apenas o ensino
médio na rede pública: de 2005 a 2009, 36% dos que haviam estudado sempre na rede
pública se declararam pretos/pardos/indígenas. Entre os que cursaram apenas o Ensino
Médio na rede pública (mas não o Fundamental), apenas metade disso, 18%.
Considerando essa informação, as simulações mostram que um modelo de bonificação
que concentrasse a pontuação extra para os candidatos que tiveram toda a formação
básica desenvolvida na rede pública poderia servir para basear um programa que
atendesse à demanda de acesso para o grupo de pretos, pardos, indígenas, sem se
utilizar do critério de cor/raça para a bonificação, com resultados semelhantes aos do
programa atual da Unicamp. Não seriam simplesmente mais 10 pontos para os
candidatos que fizeram toda a formação de Educação Básica na rede pública, mas uma
alteração que atribuísse pontos para todos que estudaram na rede pública (Ensino Médio
ou Fundamental), e uma bonificação extra para o grupo mencionado (toda Educação
Básica na rede pública).
Outra possibilidade consistiria em se considerar um recorte de renda: uma pontuação
extra para aqueles de renda até 5 salários mínimos, por exemplo. Também, nesse caso, é
possível formular um programa, adequando-se a bonificação para incluir o critério de
renda, que contemplasse a ampliação do acesso de pretos, pardos e indígenas, sem
utilizar o critério de cor/raça, com efeitos semelhantes aos do programa atual. Nesse
caso, isso decorre que o grupo de pretos/pardos/indígenas é uma fração grande dos
candidatos que têm renda até 5 salários mínimos e estudaram na rede pública.
Tais simulações são preliminares e merecem estudos mais detalhados para que se
possam entender todas as suas conseqüências e efeitos, comparando-os às do modelo
atual.
Essas observações não indicam que um programa seria melhor ou pior do que os demais,
apenas que seriam maneiras diferentes de se chegar a resultados similares em termos da
inclusão, na Unicamp, do grupo que se declara preto/pardo/indígena.
Demonstram, no entanto, a versatilidade dos modelos de ação afirmativa que se utilizam
da bonificação de pontos na nota do vestibular. Este modelo permite, conforme os
princípios utilizados e os objetivos estabelecidos para o programa, adaptações
relativamente simples de serem simuladas e desenvolvidas. Além disso, o modelo
adotado pela Unicamp, como já mencionado, é adaptativo, pois a inclusão será tanto
maior conforme for maior a participação dos grupos de interesse no processo seletivo.
7. Raça/cor, escolarização da população e acesso à Educação Superior8
Nessa seção, comentaremos brevemente sobre informações obtidas a partir de dados
das Pesquisas Nacionais por Amostra Domiciliar (PNAD/IBGE) sobre os níveis de
escolarização de jovens e sua importância para a questão da inclusão de jovens de
grupos desfavorecidos, em particular dos que se declaram pretos ou pardos, no Ensino
Superior.
Tais dados, já apresentados nessa Audiência Pública pela Profª. Maria Paula Dallari
Bucci, titular da SESU/MEC, indicam a persistência da disparidade entre o nível de
escolarização (anos de educação formal, a partir da 1ª Série do Ensino Fundamental) de
pretos/pardos, de um lado, e de brancos, do outro, segundo a PNAD. Esses dados são
fundamentais para a análise e compreensão das questões relacionadas às chances e
oportunidades de acesso desses grupos ao Ensino Superior.
A figura abaixo inclui os gráficos que descrevem os níveis de escolarização dos jovens de
25 anos, de 1987 a 2007 (utilizamos apenas os dados dos anos ímpares). A curva
superior se refere à escolarização dos que se declaram brancos, a de baixo,
pretos/pardos.
Figura 2 – Escolarização de jovens de 25 anos, por declaração de cor, 1987-2007. Fonte: PNAD/IBGE.
Os gráficos são praticamente paralelos de 1987 a 2007, indicando uma persistente
diferença na taxa de escolarização entre os grupos em questão, nesse período.
8
Esta seção não foi apresentada na Audiência Pública.
Além disso, como a taxa de escolarização exigida para o acesso ao Ensino Superior é de
11 anos (8 do Ensino Fundamental e mais 3 do Ensino Médio), observamos que, mesmo
recentemente, nem metade9 da população que se declara branca estaria apta a seguir
seus estudos em nível superior. Para os que se declaram pretos/pardos, a situação é
ainda pior, com dois anos a menos de escolarização, em média.
Portanto, a partir dessa primeira observação, programas de ações afirmativas, com foco
no grupo de pretos/pardos, para o acesso ao Ensino Superior estão limitados a atingir um
grupo relativamente menor de jovens desse grupo (em relação à população branca). O
efeito seria ampliar a escolarização dos beneficiados, porém, se nada for feito em relação
à diferença mostrada entre brancos e pretos/pardos nos níveis anteriores, essa oferta não
iria, de fato, por si só, reduzir a diferença de escolarização observada acima de forma
significativa.
Além desses pontos, bastante negativos do ponto de vista da inclusão dos pretos/pardos
no Ensino Superior, os gráficos, conjuntamente, indicam que há uma mudança no ritmo
com que pretos/pardos atingem a escolarização dos brancos, ao longo dos últimos 20
anos, que sugere uma visão mais positiva, ou menos negativa, relativamente à mesma
questão.
Por exemplo, observamos que os brancos atingiram 8 anos de escolarização em 1997,
enquanto os pretos/pardos só atingiram esse patamar 10 anos depois, em 2007. No
entanto, os brancos levaram 10 anos para avançar de 7 anos de escolarização para os 8
anos de escolarização, de 1987 a 1997, enquanto os pretos/pardos levaram apenas 4
anos, de 2003 a 2007.
Essa aceleração nas transições de escolarização também se evidencia ao observarmos
que os pretos/pardos atingiram os 7 anos de escolarização mais de 16 anos depois dos
brancos, mas atingiram os 8 anos de escolarização cerca de 10 anos depois dos brancos
o terem feito, indicando que há tendência de queda nos prazos necessários para que os
pretos/pardos atinjam um certo patamar de escolarização (em relação ao momento em
que os brancos o fizeram).
Como última observação, os dados acima apresentados nada informam sobre a qualidade
da educação recebida pelos jovens pretos/pardos, em relação àquela recebida pelos que
se declaram brancos. No entanto, sabemos que aqueles frequentaram, majoritariamente,
escolar das redes públicas de Educação Básica, enquanto entre os brancos, um grupo
significativo estudou em escolas e colégios privados, em geral, de melhor qualidade.
Os aspectos destacados acima nos levam a concluir afirmando que é fundamental, para
ampliar as chances dos jovens pretos/pardos de chegarem às portas do Ensino Superior,
que ações efetivas para acelerar ainda mais a taxa de escolarização desse grupo, em
particular no nível do Ensino Médio, sejam tomadas por parte dos agentes públicos, além
das ações afirmativas no acesso ao próximo nível. Não só, isso, mas também, que a
qualidade da Educação Básica oferecida pelo setor público seja aprimorada, pois é ali que
a maior parte do grupo de pretos/pardos desenvolve seus estudos, e também os brancos
de extratos sócio-econômicos mais baixos, também excluídos do acesso ao Ensino
Superior de melhor qualidade.
9
Neste caso, média e mediana estão bastante próximas.
8. Conclusão
Com essas observações, concluímos essa apresentação, reafirmando os compromissos
da Unicamp com a autonomia universitária e com a inclusão social associada à
excelência acadêmica.
Colocamo-nos a disposição dessa corte e de qualquer pessoa ou entidade interessada
em conhecer nossos dados e análises.
Obrigado pela atenção de todos, Srs/Sras Ministros/as, boa tarde.
Renato H. L. Pedrosa
[email protected]
+55 19 3521-1796
+55 19 3521-7440 (fax)
Coordenador Executivo
Comvest - PRG - Unicamp
Av. Érico Veríssimo, 1280
Cidade Universitária "Zeferino Vaz"
13083-851 Campinas, SP
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