UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
ADRIANO NIKITENKO
O PRINCÍPIO DA IGUALDADE CONSTITUCIONAL NO
DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO:
A POSSIBILIDADE DE INFRIGÊNCIA PELA DIFERENCIAÇÃO
PREVISTA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
São José
2009
1
ADRIANO NIKITENKO
O PRINCÍPIO DA IGUALDADE CONSTITUCIONAL NO
DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO:
A POSSIBILIDADE DE INFRIGÊNCIA PELA DIFERENCIAÇÃO
PREVISTA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Monografia apresentada à Universidade
do vale do Itajaí - UNIVALI, como
requisito parcial a obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
Orientador: MSc. Prof. Renato Heusi de
Almeida
São José
2009
2
ADRIANO NIKITENKO
O PRINCÍPIO DA IGUALDADE CONSTITUCIONAL NOS
DIREITOS SUCESSÓRIOS DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO:
A POSSIBILIDADE DE INFRIGÊNCIA PELA DIFERENCIAÇÃO
PREVISTA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Prof. MSc. Renato Heusi de Almeida
UNIVALI - Campus de São José
Orientador
Profª. Elizabete Wayne Nogueira
UNIVALI - Campus de São José
Membro
Profª. Luiza Cristina Valente Almeida
UNIVALI - Campus de São José
Membro
3
AGRADECIMENTOS
Ao Professor MSc. Renato Heusi de Almeida, meu orientador, pela
orientação e paciência durante o desenvolvimento deste trabalho de pesquisa,
momentos em que me lançou desafios para progredir e não estagnar. Cada
educador é um mestre em mostrar caminhos para o aprimoramento intelectual e
para a continuidade do aprendizado acadêmico.
Agradeço, em especial, ao Prof. MSc. Alceu de Oliveira Pinto Jr.,
Coordenador do Curso de Direito, que sempre me deu atenção e apoio quando mais
precisei. Muito obrigado professor!!!
As Professoras Elizabete Wayne Nogueira e Luiza Cristina Valente Almeida,
por participarem da Banca Examinadora.
Aos Professores do Curso de Direito que, durante a minha jornada
acadêmica, contribuíram com o meu crescimento pessoal e profissional. A
Graduação é um dos degraus...
Aos meus pais, Neuza Lurdes e Tranquilo (in memorian), e ao me padrasto
Ângelo, um espírito que veio para acompanhar minha amada mãe no término de sua
jornada, que tudo fizeram e fazem para que eu me torne um ser humano cada vez
melhor.
Aos meus familiares, em particular meu irmão Ângelo Estevão, pela
compreensão nos momentos de ausência e pela oportunidade de convivência no
processo evolutivo.
À Andreza, minha esposa, pela possibilidade de formar uma família, uma
sociedade de ajuda mútua, cujos bens serão os filhos, que é o encontro dos
espíritos vinculados pelos processos e necessidades de evolução.
Aos meus colegas de Curso, em especial nas pessoas de Gentil Reinaldo
Cordioli Filho, João Carlos Siviero da Silva, Everson de Oliveira, e Tânia Lucia Santa
Cruz Teodoro, que tudo fizeram me dando forças para que eu não desistisse do
Curso. Aos demais colegas, pela amizade e companheirismo nesta jornada
acadêmica e na vida pessoal.
A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a conclusão
desse estudo.
4
Família é o conjunto de pessoas unidas pelo
laço do matrimônio, da união estável, ou
ainda, da comunidade formada por qualquer
dos pais e descendentes, ligados pelo vínculo
de afeto independentemente de existir
casamento. E no caso de falecimento, é o
conjunto de direitos e obrigações que
transmitem, em razão da morte, a uma
pessoa, ou um conjunto de pessoas, que
sobrevivem ao falecido.
(Silvio de Salvo Venosa, 2002).
5
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total de responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José,10 de julho de 2009.
Adriano Nikitenko
6
RESUMO
O presente trabalho de pesquisa jurídica trata das inovações decorrentes do Código
Civil de 2002, no que se refere ao Direito Sucessório do cônjuge e do companheiro,
com foco na (in) constitucionalidade do art. 1.790, que fere o Princípio da Igualdade
Constitucional no Direito Sucessório. O objetivo do estudo foi avaliar a diferenciação
de tratamento entre a posição sucessória do companheiro e do cônjuge prevista na
legislação brasileira. Quanto aos objetivos, a investigação foi realizada mediante o
uso da técnica de uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, utilizando-se, sempre
que possível, de fontes primárias, por meio do método dedutivo. Como resultados
foram identificadas algumas divergências na legislação vigente quanto ao Direito
Sucessório do cônjuge e do companheiro, as quais necessitam ser revistas, com o
intuito de gerenciar e atender os preceitos constitucionais brasileiros e as
dificuldades interpretativas da legislação vigente.
Palavras-chave: Sucessão. Cônjuge. Companheiro. Princípio de Igualdade
Constitucional.
7
ABSTRACT
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................
11
CATEGORIAS BÁSICAS E CONCEITOS OPERACIONAIS ..........................
13
1 DA FAMÍLIA .................................................................................................
13
1.1 FORMAÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR ....................................................
16
1.1.1 Da família romana .................................................................................
20
1.1.2 Da família atual ......................................................................................
25
1.2 O RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO .............................................................................................
28
1.2.1 A família no CC/1916 e na CRFB/88 ....................................................
36
1.2.2 A família à luz do CC/2002 ....................................................................
39
1.3 AS FORMAS DE FAMÍLIA NA CRFB/88 ...................................................
39
1.3.1 A família a partir do casamento ...........................................................
39
1.3.2 A família a partir do concubinato e da união estável ........................
40
1.3.3 A família monoparental ........................................................................
42
1.4
AS
NOMENCLATURAS
CONVIVENTES,
COMPANHEIROS
E
CONCUBINOS ......................................................................................... 44
2 DA SUCESSÃO ............................................................................................
48
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS ........................................................................
48
2.2 ASPECTOS CONCEITUAIS ......................................................................
51
2.3 HERANÇA: CONCEITOS E FORMAS ......................................................
55
2.4 SUCESSÃO LEGÍTIMA .............................................................................
58
2.5 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA ................................................................
60
3 DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO NO CÓDIGO
CIVIL DE 2002 ...............................................................................................
63
3.1 DO DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO .......
63
3.2 DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.790 ..................................
72
3.2.1 Síntese das posições doutrinárias sobre a (in)constitucionalidade
do art. 1.790 .........................................................................................
88
4 CONCLUSÃO ...............................................................................................
91
REFERÊNCIAS ................................................................................................
93
9
CATEGORIAS BÁSICAS E CONCEITOS OPERACIONAIS:
Nome da categoria: CASAMENTO CIVIL
“É o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher
de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole
comum e se prestarem mútua assistência.”1
Nome da categoria: MATRIMÔNIO RELIGIOSO
“O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda
a vida por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da
prole, entre batizados, foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento.”2
Nome da categoria: CONCUBINATO / UNIÃO ESTÁVEL
“Reconhecimento da existência da família de fato, formada à margem do matrimônio, que
não tinha proteção do poder político e fora ignorada pela legislação.”3
Nome da categoria: FAMÍLIA
“É o grupo fechado de pessoas, composto dos pais e filhos e, para efeitos limitados, de
outros parentes, unidos pela convivência e afeto numa mesma economia e sob a mesma
direção.”4 Ou, “Conjunto de pessoas unidas pelo laço do matrimônio, da união estável, ou
ainda, da comunidade formada por qualquer dos pais e descendentes, ligados pelo vínculo
de afeto independentemente de existir casamento.”5
Nome da categoria: DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL
“É apenas o estado de dois cônjuges que são dispensados pela justiça dos deveres de
coabitação e fidelidade recíproca.”6
1
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 28.ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.19. [Direito de
Família, v.6].
2
JOÃO PAULO II, PAPA. Código de direito canônico. Cân. 1055, §1. Tradução da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. 7.ed. rev. e ampl. com a legislação
complementar da CNBB. São Paulo: Edições Loyola, 2007. p.268-269. [Notas e comentários
Pe. Jesús Hortal, SJ].
3
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia temporal das leis
regulamentadoras. 2.ed. Florianópolis: OAB Editora, 2006. p.37.
4
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17.ed. atual. [De acordo com o
novo Código Civil]. São Paulo: Saraiva, 2002. [v.5 - Direito de Família].
5
ROSA, Patrícia Fontanella. Casamento. In: FREITAS, Douglas Philips (Org.). Curso de
direito de família. Florianópolis: Vox Legem, 2004. p.47.
6
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito brasileiro. p.247.
10
Nome da categoria: DIREITO SUCESSÓRIO
“É o conjunto de direitos e obrigações que transmitem, em razão da morte, a uma pessoa,
ou um conjunto de pessoas, que sobrevivem ao falecido.”7
Nome da categoria: SUCESSÃO LEGÍTIMA (ou SUCESSÃO AB INTESTATO)
“Aquela que a lei indica expressamente quem serão os sucessores, sem a necessidade de
testamento.”8
Nome da categoria: SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
“Aquela em que a transmissão dos bens do de cujus se dá por meio de última vontade,
revestido da solenidade exigida por lei, prevalecendo as disposições normativas naquilo que
for ins cogens, assim como na matéria em que, por ventura o testamento se omitir.”9
Nome da categoria: HERANÇA
“O patrimônio do falecido, ou seja, o conjunto de bens materiais, direitos e obrigações que
se transmitem aos herdeiros legítimos ou testamentários.”10
7
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. [Atualizada de acordo com o Novo Código Civil.
Estudo comparado com o Código de 1916]. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002. p.1. [v.6 - Direito
de Família].
8
GOMES, Orlando. Sucessões. 12.ed. rev., atual. e aum. [De acordo com o Código Civil de
2002]. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.40.
9
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. 18.ed. São Paulo: 2004. p.159. [v.6 - Direito
das Sucessões].
10
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p.37.
11
INTRODUÇÃO
Esta Monografia tem como objetivo estudar a diferenciação de tratamento
dado ao cônjuge e ao companheiro, frente às inovações decorrentes no Código Civil
de 2002 no que se refere ao Direito Sucessório.
O estudo tem a pretensão de contribuir com informações teóricas para
futuras pesquisas, no que diz respeito às mudanças na legislação brasileira
ocorridas para o cônjuge e o companheiro no direito sucessório, com foco em
especial na (in)constitucionalidade do art. 1.790.
A importância deste estudo se deve ao fato de que apesar do
reconhecimento de uma nova espécie de formação da entidade familiar - união
estável -, com base na ordem constitucional, em seu art. 226, §3º, na Lei n. 8.971/94
e na Lei n. 9.278/96, o Código Civil de 2002 deixou lacunas a serem preenchidas e
que devem ser revistas, com o intuito de se obter uma interpretação mais clara
quanto ao atendimento dos direitos do companheiro(a), parte da união estável. O art.
1.790 do Código Civil de 2002 (Lei n. 10.406/02), segundo o entendimento de
doutrinadores brasileiros e de alguns Tribunais de Justiça fere o Princípio de
Igualdade Constitucional.
Desse modo, o questionamento de pesquisa a ser respondido neste estudo
está assim definido: “Há possibilidade de infrigência do Princípio Constitucional de
Igualdade pela diferenciação prevista no Código Civil de 2002 com relação aos
direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro?”
As hipóteses levantadas para este estudo são: a) Por ter o constituinte
brasileiro recomendado no art. 226, §3º da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 - “que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em
casamento” -, não concedeu aos companheiros o mesmo status dado aos cônjuges,
que terão maiores direitos em relação à herança quanto ao falecimento de seu
parceiro; e b) A união estável recebeu da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 o reconhecimento de entidade familiar, nas mesmas condições do
casamento e da família monogâmica. Não pode a legislação infraconstitucional tratar
de forma diferenciada o direito de herança em favor do cônjuge e do companheiro,
quando do falecimento do parceiro.
12
Para responder esta pergunta, o objetivo geral assim está delimitado:
“Avaliar a diferenciação de tratamento entre a posição sucessória do companheiro e
do cônjuge.” Em atendimento, os objetivos específicos responderão a esta questão
da seguinte forma: a) Demonstrar as inovações decorrentes no Código Civil de 2002
no direito sucessório; b) Identificar as diferenças de tratamento dado ao cônjuge e
ao companheiro, com base no art. 1.790, em relação ao art. 5º da Constituição da
República
Federativa
do
Brasil;
e
c)
Resgatar
jurisprudências
sobre
a
(in)constitucionalidade do art. 1.790 e demonstrar as posições dos juristas críticos
frente à diferenciação dada ao cônjuge e ao companheiro no direito sucessório.
Para o desenvolvimento deste estudo, o método adotado foi o dedutivo, que
ao apresentar argumentos considerados verdadeiros, permite chegar a uma
conclusão formal. Para tanto, adotou-se uma forma de pesquisa bibliográfica e
documental, por meio de fontes primárias, sempre que for possível.
Diante do exposto, o trabalho de pesquisa está dividido por capítulos, sendo
que:
a) no capítulo 1 abordou-se o tema “família”, quanto a conceituação e
evolução, a religião e sua influência, e as formas de constituição da família com
base na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
b) o capitulo 2 traz o tema “sucessão”, quando a sua conceituação e
evolução, a propriedade, a herança e os herdeiros no Direito brasileiro, e os tipos de
Sucessão
c) no capítulo 3 analisa-se o tema “sucessão do cônjuge e do companheiro”
na legislação vigente (foco deste estudo), e a (in)constitucionalidade do art. 1.790,
que fere o Princípio da Igualdade Constitucional no direito sucessório, apresentando
as posições doutrinárias e jurisprudenciais.
Finalmente, no capítulo 4 são apresentadas as conclusões, em resposta ao
questionamento de pesquisa e ao objetivo geral, como também, a confirmação das
hipóteses deste estudo.
13
1 DA FAMÍLIA
Este capítulo apresenta aspectos históricos e contemporâneos da Família,
desde os tempos mais antigos até o atual.
Neste sentido, informa-se que o estudo da origem histórica da Família na
Antigüidade e na fase Contemporânea, bem como de seu conceito e importância na
atualidade fazem-se imprescindíveis para a pesquisa acadêmica, uma vez que nada
pode ser construído neste trabalho por meio dos limites a que se propõe sem ter
sido mensurado suas necessárias bases doutrinárias.
Aponta Frederich Engels11 com relação aos estágios de mudanças ocorridas
na entidade familiar, que esta instituição, observada a partir de sua origem, ou seja,
antes de se adentrar no estado selvagem, até chegar a sua configuração atual,
denominada de Família Monogâmica, passou pelas seguintes formas: a)
Promiscuidade
(Família
Consangüínea);
b)
Matrimônios
Grupais
(Família
Punaluana); c) Casamento Sindiásmico (Família Sindiásmica) e; d) Família
Patriarcal.
Neste estudo, ainda quanto às transformações históricas da entidade
familiar, é importante observar o modelo da Família Romana clássica, visto que este
influenciou diretamente na positivação dos direitos familiares, especialmente na
maioria dos países ocidentais.
Faz-se, também, uma breve abordagem da entidade familiar brasileira atual,
conceituando-a, apresentando seus principais caracteres, e fazendo referência as
mudanças históricas da Família no Direito Brasileiro.
1.1 FORMAÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR
O surgimento da instituição Família tem diferentes fundamentos, sendo uns
com origens religiosas e outros com na promiscuidade, conforme relatam alguns
doutrinadores.
11
ENGELS, Frederich. A origem da família, da propriedade privada e do estado: trabalho
relacionado com as investigações de L. H. Morgan. 14.ed. Tradução de Leandro Konder. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p.21.
14
Segundo Frederich Engels, o conceito e os tipos de famílias se modificaram
ao longo do tempo. Um dos primeiros tipos de família que existiu foi a Família
Consangüínea,
onde nela os grupos conjugais classificam-se por gerações: todos os
avôs e avós, nos limites da família, são maridos e mulheres entre si,
o mesmo sucede com seus filhos, quer dizer, com os pais e mães, os
filhos destes, por sua vez, constituem o terceiro círculo de cônjuges
comuns, e seus filhos, isto é, os bisnetos do primeiro, o quarto
círculo.12
Em seguida surgiu a Família Punaluana, na qual houve o primeiro progresso
na organização da entidade familiar, pois esta excluía os irmãos das relações
sexuais recíprocas, seguindo a tendência do progresso.
Prosseguindo nas mudanças ocorridas na entidade familiar, ainda com base
nos estudos de Frederich Engels, a família subseqüente denomina-se Família
Sindiásmica. O autor entende que neste tipo de Família,
um homem vive com uma mulher de maneira tal que a poligamia e a
infidelidade conjugal continuam a ser um direito dos homens, embora
a poligamia seja raramente observada, por causas econômicas; ao
mesmo tempo, exige-se a mais rigorosa fidelidade das mulheres,
enquanto dure a vida conjugal.13
Finalmente, chega-se a forma de entidade familiar dominante atualmente, que
é a Família Monogâmica. Na visão de Frederich Engels, este tipo
marcou o fim do período bárbaro e o começo da civilização vigente.
Um de seus fatores preponderantes é a indissolubilidade dos laços e
a obrigatoriedade da fidelidade; porém esse último não era originária
na afeição e no amor dos parceiros, mas sim na garantia de que a
prole herdeira do patrimônio era filho legítimo do genitor.14
12
ENGELS, Frederich. A origem da família, da propriedade privada e do estado: trabalho
relacionado com as investigações de L. H. Morgan. p.37.
13
ENGELS, Frederich. A origem da família, da propriedade privada e do estado: trabalho
relacionado com as investigações de L. H. Morgan. p.48.
14
ENGELS, Frederich. A origem da família, da propriedade privada e do estado: trabalho
relacionado com as investigações de L. H. Morgan. p.66.
15
Neste sentido, segundo Numa Denis Fustel de Coulanges, a religião era o
principal elemento constitutivo da família, mais importante que do que os laços
afetivos. O autor assim escreve:
se nos transportarmos em imaginação até o dia-a-dia dessas antigas
gerações, encontraremos um altar em cada casa e, em volta desse
altar, a família reunida. O que unia os membros da família antiga foi
algo mais poderoso que o nascimento, que o sentimento e que a
força física: foi a religião do fogo doméstico e dos ancestrais, a qual
fez com que a família formasse um corpo nesta e na outra vida. A
família antiga era mais uma associação religiosa que uma
associação natural. Não há dúvida que não foi a religião que criou a
família, mas seguramente foi ela que lhe deu suas regras, daí
resultando que a família antiga recebeu uma constituição tão
diferente daquela que teria recebido se os sentimentos naturais
tivessem constituído por si sós seu fundamento.15
A primeira instituição que foi estabelecida pela lei doméstica foi de fato o
casamento. Portanto, por muitos anos, o casamento passou a ser a única forma de
organização da entidade familiar. Sobre isso Numa Denis Fustel de Coulanges
afirma que:
o casamento era, pois, obrigatório. Não tinha por fim o prazer; o seu
objeto principal não estava na união de dois seres afinizados e
querendo partilhar a felicidade e as agruras da vida. O fim do
casamento, para a religião e para as leis, estaria na união de dois
seres no mesmo culto domestico, fazendo deles nascer um terceiro,
apto a continuar esse culto.16
Contudo, Rodrigo da Cunha Pereira, com base nas pesquisas de Jacques
Lacan, afirma que a Família não é um grupo natural, mas sim cultural. Não é
constituída apenas pelo homem, pela mulher e pelos filhos, mas sim por um
aperfeiçoamento psíquico, onde cada qual ocupa seu lugar, sem necessidade de
vínculo biológico.17
15
COULANGES, Numa Denis Fustel de. A cidade antiga. Tradução de Heloisa da Graça
Burati. São Paulo: Ed. São Paulo, 2005. p.44-45.
16
COULANGES, Numa Denis Fustel de. A cidade antiga. p.55.
17
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalística. 2.ed.
Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p.13.
16
O mesmo autor nega, também, a existência de promiscuidade e conclui que:
a promiscuidade não pode ser afirmada em parte alguma, nem
mesmo nos casos ditos de casamento grupal; desde a origem
existem interdições e leis. As formas primitivas da família têm os
seus traços essenciais de suas formas acabadas: autoridade, se não
concentrada no tipo patriarcal, ao menos representada por um
conselho, por um matriarcado ou seus delegados do sexo masculino;
modo de parentesco, herança, sucessão, transmitidos, às vezes
distintamente (Rivers), segundo uma linguagem paterna ou materna.
Trata-se aí de famílias humanas devidamente constituídas. Mas,
longe de nos mostrarem a pretensa célula social, vêem-se nessas,
quanto mais primitivas são, não apenas um agregado mais amplo de
casais biológicos, mas, sobretudo, um parentesco menos conforme
aos laços naturais da consangüinidade.18
Ou ainda: “[...] incompatível com a idéia exclusivista do ser humano e até
mesmo de muitos irracionais, e contraditória com o desenvolvimento da espécie
[...]”19
Rodrigo da Cunha Pereira assegura, também, “ser muito mais fácil aceitar a
Família Monogâmica como a originária do princípio familiar.”20
1.1.1 Da família romana
A Família Romana é tida como o marco para fins de estudo das mudanças da
instituição Família.
O Direito de Família Romano, segundo Orlando Gomes, dá à Família “[...]
uma estrutura inconfundível e a torna unidade jurídica, econômica e religiosa
fundada na autoridade soberana de um chefe.”21
A organização da entidade familiar se propagou no caminho da Família
Romana que era Patriarcal, com um chefe absoluto. No Direito Romano a Família
concentrava grande domínio social, cultuando suas tradições, costumes e
julgamentos.
18
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalística. p.13.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalística. p.19.
20
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalística. p.19.
21
GOMES, Orlando. Direito de família. 14.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
p.340.
19
17
Segundo Numa Denis Fustel de Coulanges, a Família Romana sofreu
influência da religião pela superioridade da força do marido sobre a mulher e do pai
sobre os filhos. A autoridade paternal não foi a causa principal, mas foi o efeito que
se originou na religião e por esta foi instituída. O poder que unia os membros da
Família antiga encontrava-se no poder da religião do lar e dos antepassados. O
esteio da Família Romana não se encontra no afeto natural, pois esse sentimento
não era levado em conta tanto para o Direito Romano clássico, como para o grego.
O pai podia amar demais sua filha, mas não podia legar os seus bens. Portanto, o
fundamento da Família Romana era o poder marital ou o poder paterno.22
Para Silvio de Salvo Venosa, a Família Romana não tinha como objetivo a
prole e muito menos o exercício mútuo dos cônjuges, vivendo como uma
comunidade política em miniatura, semelhante ao Estado, e seus membros eram
unidos por um vínculo mais poderoso do que o do nascimento, ou seja, a religião
familiar era dirigido pelo pater.23
Entende Paulo Dourado de Gusmão que a Família Romana constitui
verdadeira unidade política, com suas leis, seus julgamentos e seu culto.
O varão mais idoso era o chefe do culto, juiz quanto às questões
familiares, e titular dos bens de família. Muitas funções da família
antiga passaram para o Estado e para a Igreja. Suavizou-se
progressivamente a autoridade paterna. No que concerne à sua
finalidade, primeiro, a constituição de um grupo solidário,
afetivamente unido; depois a prole e a educação dos filhos, de modo
a integrá-los na vida social. [...] a família é um foco de moralidade, de
energia, e de doçura, uma escola de dever, de amor, de trabalho,
uma escola de vida. Nela são transmitidos os valores e as idéias
morais às novas gerações. É guardiã das tradições.24
No que se refere a família regulada pela religião, Orlando Gomes escreve que
o Direito Canônico tinha influência na estruturação jurídica do grupo familiar. “A
Igreja sempre se preocupou com a organização da família, disciplinando-a por
sucessivas regras com seu estatuto matrimonial.25” Na Idade Média o Direito
Canônico influenciou a família, haja vista que o matrimônio religioso era o único tipo
de enlace conhecido, a par da doutrina dos impedimentos matrimoniais.
22
COULANGES, Numa Denis Fustel de. A cidade antiga. p.29.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. p.18.
24
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo de direito. 25.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1999. p.302-303.
25
GOMES, Orlando. Direito de família. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.40.
23
18
Sobre isso complementa Yussef Said Cahali que nos primeiros séculos “a
Igreja foi titular quase que absoluta dos direitos sobre a instituição matrimonial, ou
seja, os princípios do Direito Canônico representavam a fonte do Direito Positivo.”26
Neste sentido, Maria Helena Diniz escreve que por muito tempo, no Brasil, a
Igreja Católica foi titular quase que absoluta dos direitos matrimoniais. Pelo Decreto
de 3 de novembro de 1827, “os princípios do Direito Canônico regiam todo e
qualquer ato nupcial, com base nas disposições do Concílio Tridentino e da
Constituição do Arcebispado da Bahia.”27
O Direito Canônico, para Edson Luiz Sampel, tem fontes divinas e positivas,
ou seja, aquelas derivadas diretamente da revelação e da vontade expressa de
Cristo, fundador da Igreja, aquelas de criação humana inspiradas pelo Espírito
Santo, aquelas derivadas do Direito Natural, e também aquelas derivadas de
ordenamentos jurídicos considerados profanos.28
Já segundo Aloir Sanson, “o Direito Canônico não é só ordenamento de
normas, é todo um sistema de relações jurídicas, [...] Por isso diferencia-se do
Direito Civil e enxerga o ser humano de forma mais percuciente [...].”29
Desse modo, na época do Império, o Direito Brasileiro apenas conhecia o
casamento católico, pois essa era a religião oficial do Estado. Somente em 1861 foi
instituído o casamento civil para pessoas que seguiam outras religiões. Com a
imigração, novas crenças foram introduzidas no Brasil. Assim sendo, a Lei n. 1.144
(regulamentada pelo Decreto e 17-04-1863), dando um grande impulso à instituição
do casamento civil.30 Diante disso, praticavam-se, então, três tipos de ato nupcial:
a) o católico, celebrado segundo normas do Concílio de Trento, de
1563, e das Constituições do Arcebispado baiano;
b) o misto, entre católico e acatólico, sob a égide do Direito
Canônico;
26
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 9.ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000. p.31.
27
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18.ed. aum. e atual. [De acordo
com o Novo Código Civil (Lei n. 10/01/2002). São Paulo: Saraiva, 2002b. p.52-53.
28
SANSON, Aloir. O advogado no direito civil e direito canônico e sua intervenção nas
causas de nulidade matrimonial. 2006. Trabalho de Conclusão (Especialização em Direito
Matrimonial Canônico). Pós-Graduação em Direito Matrimonial Canônico, Instituto Teológico
de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. p.18.
29
SANSON, Aloir. O advogado no direito civil e direito canônico e sua intervenção nas
causas de nulidade matrimonial. p.18.
30
SANSON, Aloir. O advogado no direito civil e direito canônico e sua intervenção nas
causas de nulidade matrimonial. p.18.
19
c) o acatólico, que unia pessoas de seitas dissidentes, de
conformidade com os preceitos das respectivas crenças.31
Com o advento da República, o poder temporal foi separado do poder
espiritual, e o matrimônio veio a perder seu caráter confessional. O Decreto n. 181,
de 24 de janeiro de 1890, instituiu o casamento civil no Brasil, sendo este
obrigatório. Em seu art. 108 dispõe que não mais era atribuído qualquer valor
jurídico ao matrimônio religioso, isto é, negou efeitos civis ao matrimônio realizado
perante a Igreja, e este ato nupcial passou a ser considerado como concubinato.
Desta forma ocorreu uma separação da Igreja e do Estado.32
No que diz respeito à finalidade do casamento, Maria Helena Diniz cita
estudiosos, tais como Orlando Gomes, Silvio Rodrigues, Domingos Sávio Brandão
Lima, Caio Mário S. Pereira, e Nelson Nery Jr., que tratam sobre o tema:
a) instituição da família matrimonial: uma unidade originada pelo
casamento e pelas inter-relações existentes entre marido e mulher e
entre pais e filhos (CC, art. 1.513);
b) procriação dos filhos: é uma seqüência lógico-natural e não
essencial do casamento (Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, art. 226, §7º; Lei n. 9.263/96). A Norma, por outro
lado, requer, a aptidão física dos nubentes, já que só permite o
casamento dos púberes e admite sua anulação se um dos cônjuges
for impotente para a prática do ato sexual.
c) legalização das relações sexuais entre os cônjuges: dentro do
casamento a satisfação do desejo sexual, que é normal e inerente à
natureza humana, apazigua a concupiscência. A aproximação dos
sexos e o convívio natural entre marido e mulher desenvolvem
sentimentos afetivos recíprocos;
d) a comunicação sexual dos cônjuges é o prazer, a co-participação,
prólogo e seguimento de uma vida a dois, plenificação suprema de
dois seres que se necessitam, interação dinâmica entre marido e
mulher, pois casamento é amor.
e) prestação do auxílio mútuo: é o corolário do convívio entre os
cônjuges. O matrimônio é uma união entre marido e mulher para
enfrentar a realidade e as expectativas da vida em constante
mutação; há, então, um complemento de duas personalidades
reciprocamente atraídas pela força do sentimento e do instinto, que
se ajudam mutuamente, estabelecendo-se entre elas uma comunhão
de vida e de interesses, tanto na dor como na alegria.
f) estabelecimento de deveres patrimoniais ou não entre os cônjuges:
como conseqüência necessária desse auxílio mútuo e recíproco. O
dever legal de caráter patrimonial que têm os cônjuges de prover na
31
SANSON, Aloir. O advogado no direito civil e direito canônico e sua intervenção nas
causas de nulidade matrimonial. p.18.
32
SANSON, Aloir. O advogado no direito civil e direito canônico e sua intervenção nas
causas de nulidade matrimonial. p.18.
20
proporção dos rendimentos do seu trabalho e de seus bens a
manutenção da família (CC, art. 1.568) e o não-patrimonial, que eles
têm de fidelidade recíproca, respeito e consideração mútuos (CC, art.
1.566, I e V);
g) educação da prole: pois no matrimônio não existe apenas o dever
de gerar filhos, mas também de criá-los e educá-los para a vida,
impondo aos pais a obrigação de lhes dar assistência (CC, art. 1.634;
Lei n. 8.069/90, art. 22);
h) atribuição do nome ao cônjuge e aos filhos;
i) reparação de erros do passado (recente ou não);
j) regularização de relações econômicas; j) legalização de estados de
fato.33
Neste sentido, César Fiuza escreve que segundo o Cânone 1.013 do Código
de Direito Canônico da Igreja Católica Apostólica Romana, tradicionalmente são
estas as finalidades do casamento: “a) procriação e educação da prole; b) a mútua
assistência; c) satisfação sexual, sendo tudo resumido na comunhão de vida e de
interesses.”34
Finalmente, Eduardo de Oliveira Leite entende que as finalidades do
casamento são:
a) a intenção de viverem (afecctio maritalis), que é o elemento
decisivo na indissolubilidade do vínculo; e
b) o amor, que independe da mera atração sexual, e encontra sua
manifestação
mais
veemente
na
afeição,
solidariedade,
cumplicidade, atração mútua e afinidades pessoais; o
companheirismo, calcado num projeto comum, capaz de atender e
satisfazer ideais e interesses comuns.35
1.1.2 Da família atual
A família é a base da sociedade e tem proteção constitucional. Neste sentido,
a Constituição da República Federativa do Brasil36, in verbis dispõe:
33
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p.40-42.
FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 8.ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004. p.896.
35
LEITE, Eduardo de O. Direito de família. São Paulo: RT, 2005. p.31-2. [v.5 - Direito
Aplicado].
36
PINTO, Antonio Luiz de Toledo. Vade Mecum. 3.ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,
2007. p.68.
34
21
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado.
§1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a
lei facilitar sua conversão em casamento.
§4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são
exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia
separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei,
ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
§7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do
casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e
científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma
coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada
um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência
no âmbito de suas relações.
Ainda conforme esta Constituição estão previstas três formas de organização
da entidade familiar: pelo casamento civil ou religioso com efeitos civis; pela união
estável; e por qualquer um dos pais e seus descendentes.
Neste sentido, Arx Tourino (apud Alexandre de Moraes) ensina que o conceito
de família pode ser analisado sob duas acepções: ampla e restrita.
No primeiro sentido, a família é o conjunto de todas as pessoas,
ligadas pelos laços do parentesco, com descendência comum,
englobando, também, os afins-tios, primos, sobrinhos e outros. É a
família distinguida pelo sobrenome: família Santos, Silva, Costa,
Guimarães e por ai a fora, neste grande país. Esse é o mais amplo
sentido da palavra. Na acepção restrita, família abrange os pais e os
filhos, um dos pais e os filhos, o homem e a mulher em união estável,
ou apenas irmãos. É na acepção strictu sensu que mais se utiliza o
termo família, principalmente do ângulo do jus positum [...]37
Então, Família é uma entidade familiar constituída por marido e mulher,
casados, ou que convivem em união estável, ou ainda, constituída apenas por um
dos pais com seus descendentes.38
37
38
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.682.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p.682.
22
A respeito da importância da Família José Sebastião de Oliveira39 leciona
que:
a sua importância reluz por existir e subsistir em todos os quadros de
nosso planeta, desde as regiões mais inóspitas até as consideradas
como centros de excelência em termo de qualidade de vida, do
nosso mundo tido por civilizado, apenas sofrendo as variações
quanto às suas formas constitutivas em termos de estrutura,
decorrendo isso do maior ou menor grau de aculturamento do povo
que habita a região que for submetida a uma análise comparativa.
Assim sendo, pode-se identificar que a Família existe independentemente de
um modelo pré-fixado, sendo que esta subsiste em consonância com a cultura e os
costumes locais, parecendo querer fugir do engessamento proposto pelas
legislações em vigor.
E acrescenta José Sebastião de Oliveira que:
[...] a família, como instituição social, é uma entidade anterior ao
estado, anterior à própria religião e também anterior ao direito que
hoje a regulamenta, que resistiu a todas as transformações que
sofreu a humanidade, quer de ordem consuetudinária, econômica,
social, cientifica ou cultural, através da historia da civilização,
sobrevivendo praticamente incólume, desde os idos tempos, quando
passou a existir na sua estrutura mais simples, certamente de forma
involuntária e natural, seguindo, paulatinamente, na sua primordial
função natural, que é a conservação e perpetuação da espécie
humana.40
O conceito de Família na atualidade contempla o afeto, o companheirismo, o
amor familiar, e as relações econômicas, e não somente a família constituída pelo
casamento civil, ideologia que esta inspirou a criação do Código Civil de 1916.
Desse modo, Maria Berenice Dias entende que:
faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os
mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação
do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar
todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade,
independentemente de sua conformação. O desafio dos dias de hoje
é achar o toque identificador das estruturas interpessoais que
39
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.21.
40
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família.
p.22.
23
permita nominá-las como família. Esse referencial só pode ser
identificado na afetividade.[...]41
No mesmo sentido, cabe destacar as palavras de Eduardo de Oliveira Leite,
que traz a conceituação da família atual.
A nova família, estruturada nas relações de autenticidade, afeto,
amor dialogo e igualdade, em nada se confunde com o modelo
tradicional,
quase próximo
da
hipocrisia,
da falsidade
institucionalizada, do fingimento. A noção de vida comum atual
repousa soberana sobre sua solidariedade constantemente
provocada pela intensidade afetiva. Intensidade que é procurada e
mantida como meio de escapar a banalidade cotidiana. Só os
sentimentos verdadeiros, reais, espontâneos e autênticos são
capazes de garantir a duração de uma vida em comum. Nesta ótica,
a permanência das relações passa a independer de condutas
preestabelecidas e formalizadas em códigos e leis, mas decorre da
atitude de cada cônjuge em relação ao outro. Ou, como diria
Foucault, é a ‘plenitude do possível’ que mantém unido o casal. No
amor, cada um representa para o outro o único acesso possível em
direção à totalidade do real.42
Assim sendo, com base nos entendimentos referenciados até aqui, pode-se
observar que nos dias de hoje, cada vez mais, as pessoas buscam formas diferentes
de organizar uma entidade familiar, não dando importância à rigidez das leis que
impõem uma forma preestabelecida do que seja Família. Desse modo, tem-se como
fundamental para o reconhecimento da família, seguindo as idéias dos autores
supracitados, o afeto e o amor, sentimentos verdadeiros de quem deseja constituir
uma Família.
Família, conclui Maria Helena Diniz:
é o grupo fechado de pessoas, composto dos pais e filhos e, para
efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto
numa mesma economia e sob a mesma direção 43
41
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. 3.ed. rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006. p.39.
42
apud OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de
família. p.130.
43
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17.ed. [Atualizada de acordo com
o Novo Código Civil]. São Paulo: Saraiva, 2002. p.15. [v.5 - Direito de Família].
24
Cabe destacar as palavras de Euclides de Oliveira:
[...] Assim, no panorama atual de nosso sistema jurídico a consolidarse com a entrada em vigor do Novo Código Civil, tem-se moderna a
conceituação de família como decorrência de união entre homem e
mulher, seja legalizada pelo casamento ou sedimentada por
duradouro tempo de convivência, ou mesmo passageira, mas vindo a
gerar descendência.44
Acrescenta, ainda, Patrícia Fontanella Rosa:
a família passa a ser constituída do conjunto de pessoas unidas
pelos laços do matrimônio, da união estável, ou ainda, da
comunidade formada por qualquer dos pais e descendentes, ligados
pelo vínculo do afeto, independentemente de existir casamento.45
Têm-se, então, várias formas de composição da entidade familiar, e conforme
Maria Berenice Dias “é difícil encontrar uma definição de família de forma a
dimensionar o que, no contexto social dos dias de hoje, se insere nesse conceito.”46
Extrai-se, também, o entendimento de Maria Berenice Dias:
a família moderna, até então considerada apenas a constituída pelas
leis do Estado - com características patriarcais, patrimoniais e rurais vê seu conceito ser redesenhado a partir do reconhecimento na
Constituição de 1988, no art. 226 e seus parágrafos, de outras
espécies de família, quais sejam: a matrimonial, oriunda do
casamento; a não matrimonial, oriunda da união estável (união entre
pessoas fora dos laços do matrimônio com o intuito de constituir
família) e a monoparental (constituída por qualquer dos pais e seus
descendentes). A família passa a ser [...] nuclear, horizontalizada,
apresentando formas intercambiáveis de papeis, sem o selo do
casamento. (Grifo da autora). 47
Desse modo, busca-se constituir uma história em comum, na qual existe
comunhão afetiva, e cuja ausência implica a falência do projeto de vida. Nessa nova
óptica, traição e infidelidade estão perdendo espaço.48
44
OLIVEIRA, Euclides Benedito. União estável: do concubinato ao casamento; antes e
depois do novo código civil. 6.ed. atual e ampl. São Paulo: Método, 2003. p.35.
45
ROSA, Patrícia Fontanella. Casamento. In: FREITAS, Douglas Philips (Org.). Curso de
direito de família. Florianópolis: Vox Legem, 2004. p.47.
46
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p.38.
47
ROSA, Patrícia Fontanella. Casamento. p.45.
48
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p.39.
25
Para Antônio Luiz de Toledo Pinto, a Família atual é constituída com o intuito
de se manter uma relação duradoura, baseada na convivência, entre um homem e
uma mulher, e sua prole. A entidade familiar constituída por um dos pais e seus
descendentes, ligados entre si pelo elo da consangüinidade, afetividade,
companheirismo, e relações econômicas, enfim tudo o que implique comunhão
plena de vida.49
Sobre isso, o Código Civil de 2002, em seu art. 1.511, dispõe que “o
casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos
e deveres dos cônjuges.”
A respeito do assunto posiciona-se Maria Helena Diniz ao ensinar que “[...]
está estabelecida a completa paridade dos cônjuges ou conviventes, tanto nas
relações pessoais como nas patrimoniais”, visto que a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 igualou seus direitos e deveres e também seu exercício
na sociedade conjugal ou convencional. “Não se trata de decadência do homem
diante da sociedade, mas sim o fim das conjecturas e do sistema de idéias que
atingem esta sociedade.”50
Mais tarde surgiram algumas leis esparsas que regulamentaram direitos e
deveres dessas uniões.
O item a seguir aborda o reconhecimento da organização da entidade familiar.
1.2 O RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
A Família, como já dito anteriormente, é considerada a base da sociedade,
ela sempre existiu.
Inicialmente, a Família no Brasil teve suas regras de formação ditadas pela
Igreja Católica, haja vista que somente com o Decreto n. 181, de 24 de janeiro de
1890, da autoria de Rui Barbosa, é que houve a regulamentação do casamento civil
no Brasil, o qual considerava como único casamento válido o realizado perante
autoridades civis.
49
PINTO, Antonio Luiz de Toledo. Vade Mecum. 3.ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,
2007. p.258.
50
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p.20.
26
Washington de Barros Monteiro; Humberto Theodoro Júnior escrevem que a
partir da edição do Código Civil de 1916 a matéria foi tratada em âmbito de
legislação codificada, sendo reconhecida como família apenas a união advinda do
casamento.
As definições instituídas no Brasil, além de omitir tratamento legal as
relações extramatrimoniais, culminou por puni-las, seguindo, é
verdade, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1891,
que protegia somente as famílias legitimas. Estas, com o passar dos
anos, mostraram-se frágeis diante da evolução e do desgaste
produzido pelas novas exigências da ordem social contemporânea.51
Segundo Maria Berenice Dias, a evolução pela qual passou a Família acabou
forçando sucessivas alterações legislativas.
A mais expressiva foi o Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/62),
que devolveu a plena capacidade à mulher casada e deferiu-lhe bens
reservados que asseguravam a ela a propriedade exclusiva dos bens
adquiridos com o fruto do seu trabalho. (Grifo da autora).52
No que diz respeito ao casamento civil, inicialmente este era indissolúvel, e
somente com a edição da Emenda Constitucional n. 9/77 e, posteriormente, da Lei
n. 6.515/77 (Lei do Divórcio), é que as relações matrimoniais passaram a ser
dissolvidas.
No entanto, antes da Lei n. 6.515/77 entrar em vigor, os casais já se
desquitavam e, na maioria das vezes, constituíam novas famílias, as quais não eram
reconhecidas pelo Estado. Este fato contribuiu para a difusão de uma nova forma de
organização da entidade familiar na sociedade brasileira, ou seja, a relação
denominada de Concubinato.
Neste sentido, o Código Civil de 1916 não reconhecia as famílias constituídas
fora do casamento. No entanto, um número significativo de relações concubinárias
levou os tribunais a reverem esta posição, até então tida quanto aos direitos e
deveres oriundos dessas uniões.
De acordo com Orlando Gomes, a imagem da Família projetada no Código
Civil de 1916 correspondia “somente aquela cuja constituição do casamento civil, tal
51
MONTEIRO, Washington de Barros; THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito civil.
36.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. [v.2 - Direito das Sucessões]. p.22.
52
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p.28.
27
e qual, definido na lei que o introduziu no País. A livre união conjugal e mesmo o
casamento religioso não possuíam qualquer efeito civil.”53
Sobre isso Jesualdo Eduardo de Almeida Jr. contribui escrevendo que:
no século XX, a sociedade brasileira passa por grandes
transformações. A mulher assume cada vez mais espaço no
mercado de trabalho; as entidades familiares livres, sem a
regularidade do casamento, são cada vez mais comuns; a liberdade
sexual implica numa ruptura de costumes, com a presença constante
da troca de casais, refletindo num anseio da existência do divórcio;
expressões como adulterinos e concubinos, são tidos como
reminiscentes, eis que não se fazia mais sentido falar das mesmas.54
Não obstante as uniões livres existirem no Brasil desde a época da
colonização, somente com a promulgação da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988 é que se passou a reconhecer expressamente em texto de lei as
uniões não constituídas pelo casamento, hoje denominada de união estável.
Segundo Arnaldo Wald, tendo em vista a necessidade de se regulamentar
esta nova forma de organização da entidade familiar, surgiram as Lei n. 8.971, de 29
de dezembro de 1994 e a Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, que definiram os
direitos e deveres dos companheiros (membros que constituem união estável).55
Com o advento do Código Civil de 2002, houve profundas mudanças no que
se refere ao Direito de Família, e o legislador incorporou as legislações esparsas
referentes à união estável. Desse modo, pode-se constatar que a entidade familiar
sempre existiu, antes mesmo do surgimento das normas pelas quais elas são
regidas nos dias atuais. Antes do Direito Positivo as regras da Família eram ditadas
pela Igreja.
O item a seguir tratará sobre as regras da Família no CC/1916 e na
CRFB/1988.
53
GOMES, Orlando. Direito de família. 14.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
p.20.
54
ALMEIDA Jr., Jesualdo Eduardo. A evolução do direito de família no Brasil. In: FREITAS,
Douglas Philips (Org.). Curso de direito de família. Florianópolis: Vox Legem, 2004. p.21-22.
55
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 15.ed. rev. atual. e ampl. [De acordo com a
jurisprudência e com o Novo Código Civil de 2002, com a colaboração da Profª. Priscila M.
P. Corrêa da Fonseca]. São Paulo: Saraiva, 2004. p.25.
28
1.2.1 A família no CC/1916 e na CRFB/1988
Conforme escreve Arnold Wald, a primeira legislação aplicável à Família no
Brasil referia-se apenas ao casamento, e teve sua origem em 1595, quando foi
determinada a Compilação das Ordenações Filipinas, com base em uma lei de 11
janeiro de 1603, que mandava observar tanto em Portugal quanto no Brasil.56
Patrícia Fontanella Rosa57 entende que “no Brasil, em meados do século XVI,
a união livre era a forma mais comum de relacionamento existente no Brasil
Colônia.”
Contudo, Arnoldo Wald complementa escrevendo que as normas impostas
por Portugal, cujo direito provinha principalmente do Direito Canônico, afrontavam os
costumes e as tradições dos que aqui vivam, visto que a Igreja local decidia
isoladamente acerca das questões matrimoniais. As Ordenações Filipinas admitiam,
também, o casamento entre os cônjuges fora da Igreja, quando os cônjuges eram
tidos “em pública voz e fama de marido e mulher por tanto tempo que, segundo
direito, baste para presumir matrimônio entre eles, posto se não provém as palavras
de presente.”58
Admitia-se, assim, ao lado do casamento religioso na forma do
Concílio Tridentino, o denominado casamento de marido conhecido,
que lembrava um pouco a tradição romana do usus, em que o
casamento se provava pela affectio maritalis, pela pública fama de
marido e mulher e pelo decurso do tempo.59
Conforme Arnoldo Wald tal ordenamento manteve a indissolubilidade do
casamento, mas, no entanto, se o casamento não fosse consumado, em situações
especiais, era admitido sua anulação. Ademais, o Ordenamento Filipino exigia a
outorga uxória para venda de imóveis, sendo o regime qual fosse, sob pena de
nulidade do ato. Com o Decreto de 03 de novembro de 1827, que vigorou em todas
as dioceses do Brasil, o Concílio Tridentino e a Constituição do Arcebispo da Bahia
determinaram que quando os noivos requeressem o casamento, sendo ambos ou
56
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.17.
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia
regulamentadoras. 2.ed. Florianópolis: OAB Editora, 2006. p.32.
58
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.17-18.
59
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.17-18.
57
temporal
das
leis
29
pelo menos um do bispado, e não havendo impedimentos, se realizasse o
casamento.60
Somente nos meados do século XIX surgiu entre nós uma legislação
especial referente ao casamento dos acatólicos. A Lei n. 1.144, de 11
de setembro de 1861, deu efeitos civis aos casamentos religiosos
realizados pelos não católicos, desde que estivessem devidamente
registrados.61
Sobre isso, conforme escreve José Sebastião de Oliveira, constitucionalmente
a família brasileira teve seus primeiros traços delineados na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1824 e de 1891, as quais pouco se referiam à
instituição familiar.
O assunto família no Brasil praticamente passou despercebido pelos
responsáveis pela elaboração das duas primeiras Constituições
Nacionais, pois a primeira, nenhuma referência fazia a família em
particular, e a segunda apenas passou a reconhecer o casamento
civil como o único ato jurídico capaz de constituir família,
determinando que a sua celebração fosse gratuita. Nada mais disse
sobre a constituição de família.62
Com a Proclamação da República em 1899 houve a desvinculação da Igreja
em relação ao Estado.
Neste sentido, assim escreve Arnoldo Wald:
a regulamentação do casamento civil foi feita pelo Decreto n. 181, de
24 de janeiro de 1890, de autoria de Rui Barbosa, em virtude do qual
ficou abolida a jurisdição eclesiástica, considerando-se como único
casamento válido o realizado perante as autoridades civis. O decreto
permitiu separação de corpos com justa causa ou havendo mútuo
consenso, mantendo, todavia, a indissolubilidade do vínculo e
utilizando a técnica canônica dos impedimentos.63
Já com a vigência do Código Civil de 1916, o legislador ateve-se muito aos
princípios vigentes no Direito Canônico, tais como os impedimentos para o
casamento, o processo de habilitação que influencia o ordenamento brasileiro até os
60
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.18.
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 20.
62
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p.25.
63
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.21.
61
30
dias atuais, bem como considerou indissolúvel o vínculo conjugal, seguindo a esteira
constitucional.
Cabe ressaltar que este Código, além de tratar do casamento na parte que se
referia ao Direito de Família, também abrangia os efeitos jurídicos do casamento, o
regime de bens entre os cônjuges, a dissolução da sociedade conjugal e a proteção
da pessoa dos filhos, as relações de parentesco, a tutela, a curatela, e a ausência.
Sobre isso, pode-se observar que o legislador teve a preocupação de
resguardar o interesse da família matrimonial ao elaborar o referido Código. No
entanto, o mesmo não assistiu de forma ampla todas as necessidades da sociedade,
sendo que, após a sua edição, inúmeras leis foram criadas para resguardar os
interesses da família.
Pode-se destacar as palavras de Arnoldo Wald:
importante diploma legislativo referente ao Direito de Família é a Lei
n. 4.121, de 27 de agosto de 1962, que emancipou a mulher casada,
reconhecendo-lhe, na família, direitos iguais aos do marido e
situação jurídica análoga, restaurando, outrossim, o pátrio poder
(poder familiar) da mulher bínuba. A mencionada lei modificou os
princípios básicos aplicáveis em matéria de regime de bens e guarda
de filhos [...]64
No entanto, tais leis sofreram modificações após sua promulgação, pois a
transformações da sociedade fizeram com que sua atualização fosse necessária.
Como já visto, a Emenda Constitucional n. 9/77 possibilitou a dissolução do
vínculo matrimonial regulamentada, posteriormente, pela Lei n. 6.515/77 de 26 de
dezembro de 1977, que passou a regular a dissolução de sociedade conjugal e do
casamento, sendo que em seu art. 5º, §3º, dispõe sobre a destinação dos bens nos
casos específicos.
Sobre isso escrevem Cleyson de Moraes Mello; Thelma Araújo Esteves
Fraga:
tem-se assim que, durante todo o século XX, o modelo de família
patriarcal, fundada sobre o casamento indissolúvel e rigidamente
guiado pelos postulados do Direito Canônico da Igreja Católica
Apostólica Romana foi sendo sucessivamente superado, a ponto de,
em 26 de dezembro de 1977, com a aprovação da Lei do Divórcio n.
64
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.22.
31
6.515, ser completamente descaracterizado no próprio ordenamento
jurídico.65
A Lei n. 6.515/77, além de regular os casos de dissolução, também regulou a
proteção da pessoa dos filhos, bem como tratou dos alimentos, em caso de ruptura
de matrimônio.
Conforme Silvio Rodrigues, a Lei supracitada modificou, também, o regime
legal, dispondo que em não havendo pacto antenupcial, o regime que prevalece é o
da comunhão parcial. Anteriormente a esta Lei, no silêncio dos contraentes,
prevalecia o regime de comunhão universal.66
Maria Berenice Dias contribui a este respeito escrevendo que:
a instituição do divórcio (EC n. 9/77 e Lei n. 6.515/77) acabou com a
indissolubilidade do casamento, eliminando a idéia da família como
instituição sacralizada. O surgimento de novos paradigmas, quer pela
emancipação da mulher, quer pela descoberta dos métodos
contraceptivos e pela evolução da engenharia genética, dissociaram
os conceitos de casamento, sexo e reprodução. O moderno enfoque
dado à família pelo direito volta-se muito mais à identificação do
vinculo afetivo que enlaça seus integrantes. (Grifo da autora).67
Ainda sobre a Emenda Constitucional n. 9/77, José Sebastião de Oliveira
escreve que:
o texto de 1988, estimulado pela Emenda Nelson Carneiro - Acioli
Filho (EC n. 9/77), mostrou que o divórcio não causa nenhum trauma
social. [...] A Constituição Federal reduziu o prazo de cinco para dois
anos de separação de fato (divórcio direto) e estabeleceu o prazo de
um ano após prévia separação judicial (divórcio indireto).68
Com a supracitada Emenda, foi abolido o termo “desquite”, passando a ser
utilizado o termo “separação judicial”.
65
MELLO, Cleyson de Moraes; FRAGA, Thelma Araújo Esteves. O novo código civil
comentado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003. p.1418. v.2.
66
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 25.ed. ao Paulo: Saraiva, 2002. p.177. [v.7 - Direito das
Sucessões].
67
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p.28.
68
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família.
p.138.
32
A este respeito também leciona Arnoldo Wald:
possibilitada a dissolução do vínculo matrimonial pela Emenda
Constitucional n. 9/77, a Lei n. 6.515/77, alterou profundamente o
sistema do Código Civil em matéria de família, que repousava na
indissolubilidade do matrimônio. A lei aboliu a palavra desquite,
trazida ao nosso direito pelo Código Civil, e substituiu-a pela
69
expressão separação judicial. ( Grifo do autor).
E aduz José Sebastião de Oliveira:
que a manutenção do regime de indissolubilidade do vínculo conjugal
ao contrário do que defendiam os setores conservadores da
sociedade brasileira, não garantia, de fato, a manutenção da família
através do casamento. Quando muito esta manutenção formal.
Contudo, pragmaticamente, os consortes que não reuniam
afetividade em grau suficiente para manter unidos os elos
matrimoniais acabavam se separando de fato.70
Como visto, até 1977 não era possível dissolver o vínculo matrimonial. No
entanto, inúmeros eram os casos em que os casais se separavam de fato e, nesse
contexto, a fim de regularizar a situação fática, foram editadas as supracitadas leis
(EC n. 9/77 e Lei n. 6.515/77).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe um capítulo
próprio ao Direito de Família, onde abrange a família, a criança, o adolescente e o
idoso. Porém, isso não ocorreu, com as Constituições anteriores a esta.
Acrescenta, também, Silvio Rodrigues:
o fim dessa discriminação contra a família assim formada ocorreu,
em princípio, com a Constituição Federal de 1988, cujo art. 226, §3º,
proclama que a união estável entre o homem e a mulher representa
uma entidade familiar, que está sob a proteção do Estado,
independentemente de matrimônio. Adiante, no §4º, do mesmo
dispositivo constitucional, atribui-se igualmente a qualidade de
entidade familiar à comunidade constituída por um dos pais e seus
descendentes.71
69
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.23.
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família.
p.130.
71
RODRIGUES, Silvio, Direito civil. 28.ed. rev.e atual. [por Francisco José Cahali, de
acordo com o Novo Código Civil - Lei n. 10.406, de 10/01/2002]. São Paulo: Saraiva, 2004.
p.13-14. [v.6 – Direito de Família].
70
33
Assim sendo, após a promulgação da supracitada Constituição foram criadas
outras legislações importantes, e dentre elas pode-se citar: Lei n. 8.009, de 29 de
março de 1990, que ampliou a proteção ao bem de família; Lei n. 8.560, de 29 de
dezembro de 1992, que abordou aspectos da investigação de paternidade e do
registro de nascimento dos filhos havidos fora do casamento; e a Lei n. 8.971, de 29
de dezembro de 1994 e Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, que definiram os
direitos e deveres dos companheiros.
Sobre isso, Antonio Luiz de Toledo Pinto72 escreve a Constituição da
República Federativa do Brasil contribuiu significativamente para a evolução
legislativa, pois até então estas uniões eram discriminadas e não possuíam proteção
do Estado. Assim dispõe:
Art. 226 - [...]
§3º - “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a
lei facilitar sua conversão em casamento.
Neste sentido, este autor escreve, ainda, que a Lei n. 8.971/94, embora
regulasse o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, introduziu as
primeiras conquistas ao apresentar parâmetro para o reconhecimento judicial da
união estável. Assim dispõe:
Art. 1º - A companheira comprovada de um homem solteiro,
separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há
mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto
na Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova
união e desde que prove a necessidade.
Neste sentido, Maria Berenice Dias entende que a Lei n. 8.971/94
assegurou direito a alimentos e à sucessão do companheiro. No
entanto, conservara, ainda, um certo ranço preconceituoso ao
reconhecer como união estável a relação entre pessoas solteiras,
judicialmente separadas, divorciadas ou viúvas, deixando fora,
injustificadamente, os separados de fato. Também a lei fixou
condições outras, só reconhecendo como estáveis as relações
existentes há mais de cinco anos ou das quais houvesse nascido
prole, como se tais requisitos purificassem a relação. Assegurou ao
72
PINTO, Antonio Luiz de Toledo. Vade Mecum. 3.ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,
2007. p.68.
34
companheiro sobrevivente o usufruto sobre parte dos bens deixados
pelo de cujus. No caso de inexistirem descendentes ou ascendentes,
o companheiro (tal como o cônjuge sobrevivente) foi incluído na
ordem de vocação hereditária como herdeiro legítimo. (Grifo da
autora).73
A supracitada Lei impôs o prazo de cinco anos para o reconhecimento da
união, mas se existisse prole não era necessário este tempo de convivência. A
comunidade jurídica muito discutiu o critério objetivo imposto pela Lei, razão pela
qual foi editada a Lei n. 9.278, de maio de 1996. Assim prevê o dispositivo:
Art.1º - O reconhecimento como entidade familiar a convivência
duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher
estabelecida com objetivo de vida em comum.
Desse modo, houve a modificação no critério para o reconhecimento das
uniões estáveis, estabelecendo-se critério subjetivo, deixando para o julgador a
análise ao caso concreto.
Sobre isso, Maria Berenice Dias traz que:
a Lei n. 9.278/96, teve maior campo de abrangência. Para o
reconhecimento da união estável, não quantificou prazo de
convivência e albergou as relações entre pessoas separadas de fato.
Alem de fixar a competência das varas de família para o julgamento
de litígios, reconheceu o direito real de habitação. Gerou a presunção
juris et de jure de que os bens adquiridos a titulo oneroso na
constância da convivência são frutos do esforço comum, afastando
questionamentos sobre a efetiva participação de cada parceiro para
proceder à partilha igualitária dos bens. (Grifo da autora).74
Desse modo, a partir da edição da Lei n. 9.278/96 formaram-se três correntes.
A primeira corrente defendia “a vigência simultânea das duas leis, posto que
regulavam duas entidades diferentes, quais sejam: o concubinato (Lei n. 8.971/94) e
a união estável (Lei n. 9.278/96).”75
73
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p.146.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. 2.ed. rev. e atual. [De acordo com o
Novo Código Civil]. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p.146.
75
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia temporal das leis
regulamentadoras. p.48.
74
35
Sobre isso, Patrícia Fontanella Rosa citando Silvio Rodrigues, escreve que:
o art. 226, §3º, da Constituição, que proclama estar a união estável
sob a proteção do estado, atribuindo ao concubinato status de
entidade familiar, teve, assim, duas leis que lhe regulamentara os
efeitos, uma atribuindo direitos sucessórios e alimentícios a uma
espécie de conviventes e outro atribuindo direitos de natureza
76
diversa a outra condição de companheiros.
A segunda corrente “existia a total revogação da Lei n. 8.971/94, de acordo
com o Enunciado n. 1 da Corregedoria Geral da Justiça do Rio de Janeiro.” A
terceira corrente “sustentava a derrogação da Lei n. 8.971/94 e a revogação apenas
de parte desta, pois incompatível com a Lei n. 9.278/96.”77
Conforme escreve Patrícia Fontanella Rosa, mais tarde acabou prevalecendo
o entendimento de que “a Lei n. 8.971/94 havia sido derrogada pela Lei n. 9.278/96,
permanecendo apenas a parte não tratada na anterior - o art. 2º relativo à
Sucessão.”78
Concluindo, Silvio Rodrigues79 escreve que a família nascida fora do
casamento, com origem na união estável entre o homem e a mulher, ganhou novo
status dentro do Direito Brasileiro.
Desse modo, todas as modificações que perpassaram o instituto da Família
durante o século XX, bem como das demais matérias civis, deu-se o distanciamento
do Código Civil de 1916 da realidade das relações civis no Brasil, o que levou a
aprovação do texto do Código Civil de 2002.
Diante do exposto, o item a seguir trata da Família à luz do Código Civil de
2002.
76
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia
regulamentadoras. p.48.
77
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia
regulamentadoras. p.48.
78
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia
regulamentadoras. p.49.
79
RODRIGUES, Silvio, Direito Civil: direito de família. p.256.
temporal
das
leis
temporal
das
leis
temporal
das
leis
36
1.2.2 A família à luz do CC/2002
Com o advento do Código Civil de 2002 foram significativas as mudanças no
que se refere ao Direito de Família.
De acordo com Cleyson de Moraes Mello; Thelma Araújo Esteves Fraga:
a nova codificação civil ampliou os horizontes do ordenamento
jurídico familiar contemporâneo. Além de acrescentar à codificação
toda uma parte ignorada pelo Código Civil de 1916, tal como a
regulamentação da dissolução do casamento pelo divórcio, a
possibilidade de procriação por inseminação artificial e a disciplina da
união estável como entidade familiar constitucional reconhecida,
também eliminou do ordenamento civil partes arcaicas, tais como: a
diferença de tratamento jurídico entre os cônjuges e entre os filhos
frutos ou não do enlace matrimonial e, de específica relevância para
este estudo, a eliminação do regime de bens total.80
No que se refere às mudanças, a principal foi a referência à união estável,
dentro do Livro IV, Titulo III.
Neste sentido, conforme escreve Euclides de Oliveira; Giselda Maria
Fernandes Novaes Hironaka:
o referido código adveio com ampla e atualizada regulamentação dos
aspectos essenciais do Direito de Família à luz dos princípios e
normas constitucionais - é bem verdade -, procurando adaptar-se à
evolução social e dos costumes, observada com maior ênfase nos
anos que circundaram a passagem do milênio, e também
incorporando as mudanças legislativas sobrevindas no período.81
E acrescenta Silvio Rodrigues:
[...] verifica-se estar ultrapassado o texto de 1916, mas não o sistema
normativo que se lhe seguiu. E assim o texto superado já vinha
merecendo nova leitura e interpretação pelas modificações
introduzidas pela Constituição Federal e pela legislação esparsa
posterior, de tal sorte que, no entender do atualizador desta obra, O
Direito de Família já se apresentava como um regramento
contemporâneo, próximo às expectativas da sociedade.82
80
MELLO, Cleyson de Moraes; FRAGA, Thelma Araújo Esteves. O novo código civil
comentado. p.1421.
81
OLIVEIRA, Euclides de Oliveira; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Do direito
de família. In: DIAS, Maria Berenice Dias; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de
família e o novo código civil. 4.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p.5.
82
RODRIGUES, Silvio, Direito Civil. p.15.
37
E Arnoldo Wald leciona que o Código Civil de 2002
enfatiza desde logo a igualdade dos cônjuges (art. 1.511) e a nãointerferência das pessoas jurídicas de direito público na comunhão
de vida instituída pelo casamento (art. 1.513), além de definir o
regime religioso e dos seus efeitos.83
Porém, segundo os autores citados, embora o Código Civil de 2002 tenha
trazido inovações, a sociedade e a comunidade jurídica ficaram frustradas, pois
sendo o projeto de 1975, o mesmo não acompanhou a transformação da sociedade
nestes últimos vinte e sete anos, tendo deixado a desejar em vários aspectos, como
por exemplo, o Direito Sucessório.
Mesmo assim, estes autores escrevem que um dos aspectos mais
importantes trazidos no livro de Direito de Família foi a igualdade entre os cônjuges,
passando a mulher a ter os mesmos direitos e obrigações que o homem,
desaparecendo
dessa
forma
o
poder
marital,
seguindo
a
determinação
constitucional.
Neste sentido, Eduardo de Oliveira Leite contribui relacionando as mudanças
mais importantes ocorridas no Código:
a) a qualificação da família como legítima foi substituída pelo
reconhecimento de outras formas de conjugalidade, ao lado da
família legitima (arts. 1.723 a 1.727).
b) a diferença de estatutos entre o homem e a mulher, que
agasalhava o mais assimétrico tratamento de gêneros, no CC/1916,
é substituído pela igualdade absoluta entre o homem e a mulher
(arts. 1.511, 1.565 a 1.569).
c) a categorização dos filhos com diversidade de estatutos ganha
nova dimensão com a paridade de direitos entre filhos de qualquer
origem (art. 1.596).
d) a indissolubilidade do vínculo matrimonial (já resgatada pela Lei
6.515/1977) adentra no universo codificado, não mais como
microssistema, mas como intuito próprio do Direito Civil (arts. 1.571 a
1.582).
e) a proscrição do concubinato é substituída pelo reconhecimento
das uniões estáveis, em capítulo, igualmente, próprio (Título III – Da
união estável). (Grifo do autor)84
83
84
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.25.
LEITE, Eduardo de O. Direito de família. p.31-2.
38
Para Roberto Senise Lisboa, as mudanças socioeconômicas e uma maior
participação popular na política foram os fatores que contribuíram decisivamente
para que a Família passasse por consideráveis alterações até os dias atuais.85
Neste sentido, Maria Helena Diniz escreve que:
hodiernamente, com a quebra do patriarcalismo e da hegemonia do
poder marital e paterno, não há mais, diante do novel Código Civil,
qualquer desigualdade de direitos e deveres do marido e da mulher
ou dos companheiros, pois em seus artigos não mais existem
quaisquer diferenciações relativamente àqueles direitos e deveres.
Esta é a principal inovação do Novo Código Civil: a instituição
material da completa paridade dos cônjuges ou conviventes tanto
nas relações pessoais como nas patrimoniais, visto que igualou seus
direitos e deveres e também seu exercício na sociedade conjugal ou
convivencial.86
Desse
modo,
segundo
Roberto
Senise
Lisboa,
busca-se,
hoje,
o
asseguramento dos direitos da personalidade de cada integrante da família, pouco
importando se ele é o genitor, a genitora, ou algum filho havido ou não havido do
casamento.87
Com efeito, tem-se à luz do Código Civil de 2002, a família formada “pela
consangüinidade e laços de afeto”, ou seja, os pais e seus filhos; e a família formada
“por união estável pelo casamento” e, como característica principal, tem a
fraternidade, o amor e o companheirismo dentro dela.
O item a seguir apresenta a Família à luz da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988.
85
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. 4.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2006. p.38. [v.5 - Direito de Família e das Sucessões].
86
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p.20.
87
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. p.40.
39
1.3 AS FORMAS DE FAMÍLIA NA CRFB/88
Ao iniciar este item, cumpre informar que com a vigência da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 e do Código Civil de 2002, desaparece do
ordenamento jurídico o tipo de Família Patriarcal, pois não existe qualquer
desigualdade entre os filhos, entre os direitos e deveres dos cônjuges ou ainda dos
companheiros.
1.3.1 A família a partir do casamento
É a forma mais comum para a constituição da entidade familiar. É aquela que
depois do homem e da mulher se conhecerem resolvem registrar seu convívio. Esta
união está prevista no art. 226, §1º e §2º, da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, e menciona que o casamento civil e o matrimônio religioso têm o
mesmo efeito perante a lei.
Como previsto no Código Civil de 2002, em seu art. 1.511, o casamento
estabelece comunhão plena de vida - o que só pode ocorrer entre pessoas que se
amam e se respeitam, que desejam construir uma vida juntos - com base na
igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
Assim sendo, o enlace traz direitos e obrigações previstos em lei, que os
nubentes se comprometem a respeitar, sob pena de serem reconhecidos culpados
pela dissolução da sociedade conjugal ou extinção do vínculo. Ou seja, conforme
entende Cláudia Stein Vieira, o casamento tem de ser definido “sob o prisma
psicológico, que envolve o ponto ais importante, qual seja o amor entre os nubentes,
e sob a ótica jurídica, que englobará os direitos e deveres advindos do ato.”88
Ao definir casamento de forma mais tradicional, Washington de Barros
Monteiro e Humberto Theodoro Júnior escrevem que é “[...] a união permanente
entre homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se
ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos.”89
88
VIEIRA, Cláudia Stein. Do casamento. In: BARBOSA, Arruda et al. (Coords.). Direito de
família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. [v.7 - Direito Civil]. p.37.
89
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito de civil: direito de família. p.22.
40
Casamento para Orlando Gomes, é “[...] o vínculo entre um homem e uma
mulher, para constituição de uma família [...]”90
Segundo Patrícia Fontanella Rosa, casamento é:
a união entre um homem e uma mulher, celebrada com observância
das formalidades exigidas na lei. É o ato formal em que os cônjuges
adquirem direitos e deveres recíprocos, de natureza pessoal e
patrimonial.91
Silvio Rodrigues considera que casamento “é o instituto básico e dominante,
ordinariamente e na maioria dos casos, resulta a família.”92
Para Arnaldo Rizzardo, casamento vem a ser:
um contrato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferentes se
unem para constituir uma família e viver em plena comunhão de vida.
Na celebração do ato, prometem elas mútua fidelidade, assistência
recíproca, e a criação e educação dos filhos.93
Desse modo, é faculdade afirmar que o casamento é tido como a forma mais
comum de se constituir uma Família.
1.3.2 A família a partir do concubinato e da união estável
Segundo Silvio de Salvo Venosa, a união fora do casamento civil (união livre)
também gera efeitos jurídicos. Porém, anteriormente, o legislador via no casamento
a única forma de constituição da Família, negando efeitos jurídicos à união livre,
mais ou menos estável, traduzindo essa posição em nosso Código Civil do século
passado.94
Isso ocorreu por influência da Igreja Católica. Coube por isso à doutrina, a
partir da metade do século XX, tecer posições em favor dos direitos dos concubinos,
preparando terreno para a jurisprudência e para a alteração legislativa. Com isso,
90
GOMES, Orlando. Direito de família. p.45.
ROSA, Patrícia Fontanella. Dicionário técnico jurídico e latim forense. Florianópolis:
Habitus, 2002. p.27.
92
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.76. v.6.
93
RIZZARDO, Arnaldo. 2006. p.17. COMPLETAR
94
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. [v.6 - Direito de
Família]. p.35-37.
91
41
por longo período, os tribunais passaram a reconhecer direitos aos a essa nova
organização familiar na esfera obrigacional.
Casamento, separação, divórcio, dimensões constitutivas da família, ou de
sua dissolução, são elementos fundamentais para a Igreja Católica que os avalia de
acordo com diretrizes específicas. Como a Igreja exerce grande influência na
sociedade brasileira, sua interpretação acerca dessas questões são relevantes,
sobretudo, para os católicos. Por isso, esses elementos não podem ser analisados
sem se levar em conta a postura da Igreja Católica diante das mudanças profundas
e intensas que afetam a família.
Nos ensinamentos de Hélio Borghi, pode-se identificar que “além do
casamento, há outra espécie de união, diferente da meramente transitória, [...], que
já é ou vem sendo regularizada em vários países, [...] a união estável, [...]”95
A partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que
estabeleceu a plena igualdade entre homem e mulher, o casamento passou a não
ser o único meio de formação familiar, uma vez que o Código Civil de 2002
reconheceu, em seu art. 1.723, a união estável entre homem e mulher como
entidade familiar, calcado no comando expresso da referida Constituição. Assim
dispõe o artigo constitucional:
Art. 226 - [...]
§3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento.
Ainda cabe aqui transcrever o referido dispositivo do Código:
Art. 1.723 - É reconhecida como entidade familiar à união estável
entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição
de família.
§1º - A união estável não se constituirá se ocorrerem os
impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso
VI - No caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou
judicialmente.
§2º - As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a
caracterização da união estável.
95
BORGHI, Hélio. Casamento e união estável: formação, eficácia e dissolução. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2001. p.45.
42
Desse modo, segundo Euclides de Oliveira, a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 e o Código Civil de 2002 trouxeram uma ampla
definição de família, como base da sociedade, pela qual foi formada esse novo tipo
de união familiar, fortalecendo, assim, como uma outra maneira de formação da
família brasileira, independentemente da existência de impedimento matrimonial
entre os seus partícipes, antes verificado pela falta do divórcio no Direito Brasileiro.96
1.3.3 A família monoparental
Esse é o nome que se dá a uma entidade familiar organizada pelo filho que
convive somente com um dos pais, sendo que neste caso os dois (pai e mãe) não
mantêm uma relação familiar entre si.
Como previsão legal desse tipo de Família assim dispõe a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988.
Art. 226 - [...]
§4º - Entende-se, também, como entidade familiar à comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Neste sentido, Caio Mário da Silva Pereira escreve que:
priorizada a convivência familiar, ora nos confrontamos com o grupo
fundado no casamento ou no companheirismo, ora assumimos o
reconhecimento da família monoparental identificada com os
mesmos direitos e deveres [...]97
Sobre isso faz-se necessário ressaltar que, por ser uma Família prevista em
lei, possui direitos e deveres como qualquer outra formação familiar.
96
OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento - antes e depois do
novo código civil. p.29-30.
97
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 3.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1979. p.6. v.5.
43
Leciona Sílvio de Salvo Venosa que:
[...], a própria Constituição reconhece que pode existir família,
entidade familiar, fora do casamento e fora da união estável,
constituída por apenas um de seus genitores e seus descendentes, a
chamada família monoparental [...]98
Sobre essa forma de organização da entidade familiar, Caio Mário da Silva
Pereira disciplina que:
a Carta de 1988 reconheceu a proteção do Estado [...] às famílias
monoparentais constituídas por um dos pais com os filhos. Qualquer
dos cônjuges na Separação ou no Divórcio, as mães solteiras, viúvas
e, mesmo, os celibatários com seus filhos, são reconhecidos como
base para a convivência familiar e comunitária identificada como
Direito Fundamental Constitucional.99
Roberto Senise Lisboa complementa afirmando que há relação monoparental
nos seguintes casos:
a) entre qualquer dos pais e seus filhos, ante a morte, o
desaparecimento ou a ausência do outro genitor.
b) entre qualquer dos avós e seus netos, ante a morte, o
desaparecimento ou a ausência dos pais.
c) entre qualquer dos bisavós e seus bisnetos, ante a morte, o
desaparecimento ou a ausência dos avós e dos pais; e assim por
diante.100
Pode-se afirmar que a mãe ou o pai solteiro, separado, divorciado, ou viúvo
que vive com o seu filho ou filha, vive em uma espécie de Família.
98
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. p.472.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. p.15.
100
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. p.261.
99
44
1.4 AS NOMENCLATURAS CONVIVENTES, COMPANHEIROS E CONCUBINOS
Segundo leciona Patrícia Fontanela, com a promulgação da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, buscando proteção à união estável, atentou
para os conceitos jurídicos modernos.101
Para Rodrigo da Cunha Pereira, a referida legislação estabelece novas
concepções para o Direito Concubinário, principalmente, a partir da forma de
organização familiar - união estável, como um fato social marcante em nosso
País.102
Neste sentido, esclarece Patrícia Fontanela Rosa103 que:
o termo concubinato, sinônimo de convivência, foi alterado para
união estável quando finalmente, reconheceu-se a existência da
família de fato, formada à margem do matrimônio, que não tinha
proteção do poder político e fora ignorada pela legislação.
Complementa Rodrigo da Cunha Pereira que a Lei n. 8.971/94, preferiu usar o
termo “companheiros” no lugar do “concubinos” para designar os sujeitos de uma
relação concubinária ou, nos termos da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, de uma união estável. Sem nenhuma explicação lógica, talvez por
capricho do legislador, a Lei n. 9.278/96, substituiu a expressão “Companheiro” por
“Convivente”.104
O Código Civil de 2002, com redação aprovada pelo Congresso Nacional em
agosto de 2001, preferiu utilizar a expressão “Companheiros” na parte que trata
especificamente sobre união estável, mas também usou a expressão “Convivente”
ao tratar dos alimentos no art. 1.694. Entretanto,
a determinação e a nomeação dos sujeitos de uma relação
concubinária serão aquelas que o costume consagrar, como já vinha
101
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia temporal das leis
regulamentadoras. 2.ed. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p.37-38.
102
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável de acordo com o novo
código civil. p.34.
103
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia temporal das leis
regulamentadoras. p.37.
104
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável de acordo com o novo
código civil. p.67; 69.
45
acontecendo com a expressão companheiros, adotada em vários
textos normativos, desde 1975, com a alteração da Lei n. 6.015/73.105
Tal como foi inserida no texto constitucional a expressão “união estável”, veio
a substituir a expressão “concubinato”. A união estável é o concubinato nãoadulterino. Assinala Rodrigo Pereira da Cunha:
em razão do princípio jurídico da monogamia, não recebe a proteção
do Estado como uma forma de família. Os direitos decorrentes do
concubinato adulterino não estão no campo do Direito de Família,
mas na teoria das sociedades de fato, no direito obrigacional, que
encontra respaldo e fundamentação teórica para justificá-lo.106
Entende Irineu Antonio Pedrotti que concubinato, sociedade de fato, e/ou
união estável:
não cria, em verdade um estado civil e nem modifica a condição
jurídica que a pessoa tem. Tratando-se de alguém que viva more
uxório será considerado concubino, companheiro, unido
estavelmente, por se encontrar configurada essa situação jurídica.107
Dentro deste contexto, pode-se constatar que na Doutrina, união estável ou
concubinato pode ser puro ou impuro. Para Maria Helena Diniz:
será puro se apresentar como uma união duradoura, sem casamento
civil, entre o homem e a mulher livres e desimpedidos, isto é, não
comprometidos por deveres matrimoniais ou por outra ligação
concubinária. Assim, vivem em união estável ou concubinato puro:
solteiros, viúvos, separados judicialmente ou de fato e divorciados.
[...]; e concubinato impuro, ou simplesmente concubinato, são as
relações não eventuais em que um dos amantes ou ambos estão
comprometidos ou impedidos legalmente de se casar.108
Complementando, Maria Helena Diniz entende que no concubinato:
há o panorama de clandestinidade que lhe retira o caráter de
entidade familiar, visto que não poder ser convertido em casamento.
Apresenta-se como adulterino, se fundar no estado de cônjuge de
105
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável de acordo com o novo
código civil. p.69.
106
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável de acordo com o novo
código civil. p.3.
107
PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato união estável. p.191.
108
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p.345-346.
46
um ou de ambos os concubinos e incestuoso, se houver parentesco
próximo entre os amantes.109
Compartilhando desse entendimento, Rodrigo da Cunha Pereira110 escreve
que concubinato “é um gênero que comporta duas espécies: o concubinato
adulterino, a que se tem denominado simplesmente de concubinato, e o nãoadulterino, que se pode denominar união estável.”
Sobre a partilha do patrimônio observa Patrícia Fontanela Rosa que a Súmula
380 consolidou a respeito da divisão de haveres no Concubinato, utilizando-se de tal
nomenclatura, “comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos é
cabível a sua dissolução judicial com partilha do patrimônio adquirido pelo esforço
comum.”
A partir daí os tribunais começaram a aceitar a possibilidade de
divisão do patrimônio adquirido pelo esforço comum ou direito à
partilha, desde que restasse plenamente comprovado durante a
instrução processual que a companheira tivesse realmente
contribuído juntamente com o companheiro para aumentar o
patrimônio do casal.111
Patrícia Fontanela Rosa observa, ainda, que havia nítida distinção entre
sociedade de fato e concubinato, pois com a Súmula 380 passou-se a reconhecer a
existência da sociedade de fato, “cuja extinção não poderia gerar enriquecimento
injustificado em detrimento, normalmente, da mulher.” Já a companheira que não
exercia atividade remunerada, entretanto, “restava indenização por serviços
domésticos prestados, o que não se vinculava ao patrimônio do companheiro.”112 A
esse respeito a autora cita, também:
Concubina - A concubina que tem direito à remuneração dos serviços
domésticos é aquela que se torna verdadeira companheira do
amante, residindo sob o mesmo teto e fazendo tais serviços em
benefício da economia de ambos.113
109
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p.346-347.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável de acordo com o novo
código civil. p.29.
111
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia temporal das leis
regulamentadoras. p.37.
112
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia temporal das leis
regulamentadoras. p.37.
113
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia temporal das leis
regulamentadoras. p.38.
110
47
Desse modo, ao dissolver a união os concubinos deveriam provar o esforço
comum na aquisição patrimonial. “Os juízes atribuíam percentuais dos bens,
conforme a prova amealhada nos autos. Não eram reconhecidos direitos
sucessórios e tampouco alimentos.”114
Ainda sobre este assunto, o Supremo Tribunal Federal, na esteira da Súmula
380 editou a Súmula 382, que enunciava: “A vida em comum sob o mesmo teto,
more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato.” Isto é, esta
coabitação era considerada indispensável para se caracterizar o relacionamento
estável, passou a ser requisito dispensável para fins de sua identificação.115
Diante disso, após escrever sobre a organização da entidade familiar, o
capítulo a seguir abordará a configuração do Direito Sucessório no ordenamento
jurídico pátrio.
114
ROSA, Patrícia Fontanella.
regulamentadoras. p.38.
115
ROSA, Patrícia Fontanella.
regulamentadoras. p.40.
União
estável
a
eficácia
temporal
das
leis
União
estável
a
eficácia
temporal
das
leis
48
2 DA SUCESSÃO
Este capítulo apresenta as mudanças ocorridas no Direito Sucessório no
Brasil, sua conceituação, a definição de herança, a sucessão legítima, e a sucessão
testamentária.
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS
O Direito Sucessório existe desde os mais remotos povos, desde a
Antigüidade, por meio da transmissão dos bens pela morte, e não é novidade entre
as sociedades.
Conforme descreve Silvio Rodrigues:
a possibilidade de alguém transmitir seus bens, por sua morte, é
instituição de grande Antigüidade, encontrando-se consagrada, entre
outros, nos direitos egípcio, hindu e babilônico, dezenas de séculos
antes da Era Cristã.116
Sobre isso disserta Giselda Maria Fernandes Novaes Hinoraka que:
[...] na Grécia e na Índia das leis de Manu, a religião desempenha um
papel de suma importância para a agregação familiar. Pertencem à
mesma família aqueles que participam do mesmo culto aos deuses
domésticos, sendo que estes são os próprios antepassados daqueles
que em vida comungam para reverenciar os que já se foram. E o
culto desenvolve-se diante do altar doméstico, onde o fogo sagrado
arde, onde são depositados os artigos de comer e de beber e ao
redor de onde se constrói a habitação da família e se cultivam os
gêneros de subsistência. Os membros da família, ao assentarem o
lar, fazem-no com o pensamento e a esperança de que permanecerá
sempre no mesmo lugar. O lar toma posse do solo; apossa-se desta
parte de terra que fica sendo, assim sua propriedade. E a família,
destarte, ficando, por dever e por religião, agrupada ao redor do seu
altar, fixa-se ao solo tanto como o próprio altar.117
116
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p.4.
HINORAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao código civil. São
Paulo: Saraiva, 2007. p.4. [v.20 - Parte Especial do Direito das Sucessões].
117
49
Nuna Denis Fustel de Coulange sexplica sobre o mesmo assunto escrevendo
que:
a velha religião estabelecia diferenças entre o primogênito e o
segundo nato: [...] Em virtude desta superioridade original o filho
mais velho tinha, depois da morte do pai, o privilégio de presidir a
todas as cerimônias do culto doméstico; era o filho quem oferecia os
banquetes fúnebres [...] O primogênito era, pois o herdeiro dos hinos,
o continuador do culto, e o chefe da família. Dessa crença nasceu
uma regra de direito: só o primogênito podia herdar.118
Leciona Silvio Rodrigues que num primeiro momento a Sucessão não se
transmitia aos herdeiros através da partilha dos bens, ou seja, isso não prevalecia.
O direito de primogenitura e varonia, entretanto, perpetua-se em
muitas civilizações, inspirando em outras razões de ordem política e
social de considerável relevância. A primeira e principal delas é o
propósito de manter poderosa a família, impedindo a divisão de sua
fortuna entre em vários filhos. Nota-se que antigas regras sobre a
sucessão, quer inspiradas em motivos religiosos, quer fundações no
anseio de fortalecer a família, não levam em consideração o
sentimento de eqüidade, ou seja, o instituto de aquinhoar igualmente
os descendentes, ou os parentes em igualdade de grau. Entretanto,
foi nesse sentido que o direito hereditário evolui, visto que, na quasetotalidade dos países, a sucessão legítima se processa entre os
herdeiros que se encontram no mesmo grau e que, por conseguinte,
recebem partes iguais.119
Neste sentido, Orlando Gomes disciplina sobre o Direito Romano:
heredes sui et necessarri eram os filhos sob pátrio poder, a mulher in manu,
quia filiae loco est e outros parentes sujeitos ao de cujus. Agnati as pessoas
sob o mesmo pátrio poder ou de quem a ele se sujeitariam se o pater
famílias não estivesse morto. A herança não era deferida a todos os
aganados, mas ao mais próximo no momento da morte. Gentiles, os
membros da mesma gens. O sistema foi substituído pelo direito pretoriano,
que admitiu quatro ordens de sucessíveis: liberi, legitimi, cognait e cônjuge
120
sobrevivente (vir et uxor).
Ainda sobre as relações de parentesco no Direito Romano ensina Giselda
Maria Fernandes Novaes Hinoraka:
118
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2002. p.3.
COULANGES, Numa Denis Fustel de. A cidade antiga. Tradução de Heloisa da Graça
Burati. São Paulo: Ed. São Paulo, 2005. p.90.
120
GOMES, Orlando. Direito civil: direito das sucessões. 12.ed. rev., atual. e aum. Rio de
Janeiro: Forense, 2004. p.1.
119
50
com a Lei das XII Tábuas, passou-se a prever três classes de
herdeiros para a hipótese de morte sem disposição de última
vontade. A primeira delas (sui heredes) era composta por aquelas
que se encontravam sob o poder do pater e que se tornavam sui iuris
com a sua morte, ai compreendidos os filhos, homens ou mulheres, a
esposa sujeita ao poder marital (porque ocupava o lugar da filha) e
os netos, desde que houvesse pré-morrido o pai, em nítida previsão
de direito de representação [...] A segunda classe de herdeiros
(agnatus proximus) é composta pelo parente agnado mais próximo
do falecido. Entende-se por agnado o colateral de origem
exclusivamente paterna, ai compreendido o irmão consangüíneo, o
tio que fosse filho do avô paterno, o filho desse mesmo tio e assim
sucessivamente, sem restrição de grau. O agnado distingue-se do
cognato, que é o parente colateral de origem materna, assim o tio
que fosse filho do avô materno, uma vez que esse não guardava
relação com o tronco exclusivamente paterno do de cujus. Por fim,
seriam chamados a sucessão na ausência de membros das classes
anteriores os gentiles, ou membros da gens, que é o grupo familiar
em sentido lato, podendo-se incluir aqui, ao que parece, a mãe
sobreviva do falecido.121
Silvio de Salvo Venosa escreve que no Direito Romano era absoluta a
liberdade de testar, abrangendo todo patrimônio e a quem quisesse.
No Direito Romano, [...] a sucessão causa mortis ou se deferia
inteiramente por força de testamento, ou inteiramente pela ordem de
vocação legal. Isso porque o patrimônio do defunto se transmitia de
forma integral. Caso falecesse com testamento, o herdeiro nomeado
[...] seria um continuador do culto recebendo todo o patrimônio.122
Conforme Washington de Barros Monteiro, a relação do falecido com os bens
estava condicionado à:
[...] propriedade que se extinga com a morte do respectivo titular e
não se transmita a um Sucessor não é propriedade, porém mero
usufruto, a transmissão causa mortis é a decorrência lógica da
propriedade, tal como caracterizada, dentre outros aspectos, pela
perpetuidade e estabilidade da relação jurídica formada; ou sob outro
ângulo, é o complemento do direito de propriedade, prolongando-se
além da morte de seu titular.123
121
HINORAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao código civil. p.5.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. p.19.
123
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 36.ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p.8. [v.6 - Direito das Sucessões].
122
51
Com outra visão mais abrangente alguns doutrinadores124, dentre eles Cunha,
Gonçalves, Savigny e Cahali, sustentam o fundamento da transmissão hereditária
não só na propriedade, mas também na Família, combinando estes dois institutos, e
chegando-se a afirmar que o Direito Sucessório é o “Regime da Propriedade da
Família.”
E não há como se negar a relevante função social desempenhada pela
possibilidade de transmissão causa mortis, pois como enfatizam Francisco José
Cahali; Gisela Maria Fernandes Novaes Hironaka “[...] valoriza a propriedade e o
interesse
individual
na
formação
e
avanço
patrimonial,
estimulando
o
desenvolvimento da própria sociedade.”125
2.2 ASPECTOS CONCEITUAIS
O Direito Sucessório, de acordo com Arnoldo Wald, trata das normas
referentes à transmissão dos bens pertencentes às pessoas falecidas. Sua
regulamentação consta do Código Civil de 2002, além de encontrar amparo na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.126
O vocábulo Sucessão, segundo Plácido; Silva, origina-se do latim sucessio,
de succedere, que significa suceder.127
Nas palavras de Orlando Gomes, o Direito Sucessório “é a parte especial do
Direito Civil que regula a destinação do patrimônio de uma pessoa depois de sua
morte.”128
Ou ainda, conforme Sílvio de Salvo Venosa, Direito Sucessório “é o conjunto
de direitos e obrigações que transmitem, em razão da morte, a uma pessoa, ou a um
conjunto de pessoas que sobrevivem ao falecido.”129
124
apud MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões.
p.8-9; apud DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. p.6.
125
CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Gisela Maria Fernandes Novaes. Curso
avançado de direito civil. p.27.
126
WALD, Arnaldo. Direito das sucessões. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.1.
127
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 27.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.780.
128
GOMES, Orlando. Direito civil: direito das sucessões. 12.ed. rev., atual. e aum. Rio de
Janeiro: Forense, 2004. p.1.
129
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 35.ed. São Paulo: Atlas,
2002. p.1.
52
No Direito Sucessório, afirma Washington de Barros Monteiro, que entretanto,
emprega-se o vocábulo num sentido mais restrito, para designar tãosomente a transferência da herança, ou de legado, por morte de
alguém, ao herdeiro ou legatário, seja por força de lei, ou em virtude
de testamento (hereditas nihil aliud est quam sucessio in universum
jus, quod, quod defunctus habuit).130
Conforme entendimento de Arnoldo Wald, o conceito de Sucessão abrange
além dos casos de transferência de direito subjetivo ou de dever jurídico mortis
causa, ou atos intervivos.
O Direito Sucessório ou Hereditário tem restrito o seu campo de ação
á transmissão de direitos ou deveres - oriunda do falecimento do seu
titular - que se transferem a terceiros, em virtude da declaração de
vontade do de cujus ou de disposição de lei.131
Neste sentido, Maria Helena Diniz escreve que:
com a morte do autor da herança o sucessor passa a ter a posição
jurídica do finado, sem que haja qualquer alteração na relação de
direito, que permanece a mesma, apesar da mudança do sujeito.
Deveras, ressalvado o sujeito, mantêm-se todos os outros elementos
dessa relação: o título, o conteúdo e o objeto. Dessa forma, o
herdeiro insere-se na titularidade de uma relação jurídica que lhe
advém do de cujus.132
Roberto Senise Lisboa considera Sucessão em sentido amplo, como a
substituição da pessoa física ou da pessoa jurídica por outra, que assume todos os
direitos e obrigações do substituído ou sucedido, pelos modos aquisitivos
existentes.133
Já Maria Helena Diniz entende Sucessão em sentido restrito, como a
transferência total ou parcial de herança por morte de alguém, a um ou mais
herdeiros, “é a sucessão mortis causa que, no conceito objetivo, indica a
universalidade dos bens do de cujus, que ficaram com seus direitos e encargos.”134
130
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das sucessões.
36.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.1.
131
WALD, Arnaldo. Direito das sucessões. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.1.
132
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p.3.
133
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Direito de família e das sucessões.
3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. p.367.
134
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p.16.
53
Sobre isso esclarece Arnaldo Wald:
a sucessão é o modo de transmissão, enquanto a herança é o
conjunto de bens, direitos e obrigações, que se transmitem aos
herdeiros e legatários. Portanto, a herança transmite-se em virtude
de sucessão mortis causa, a sucessão mortis causa é o modo de
transmitir a herança. Em sentido subjetivo, e, assim, cogitamos do
direito de herdeiro à sucessão do de cujus. Por outro lado, certas leis
identificam a sucessão com herança, definindo-a como o conjunto de
bens, direitos e obrigações que constituem o patrimônio do falecido
[...]135
Conforme Maria Helena Diniz, a Sucessão no mundo jurídico se apresenta
sob duas formas: sentido amplo e sentido estrito.
[...] sentido amplo, aplicando-se a todos os modos derivados de
aquisição do domínio, de maneira que indicaria o ato pelo qual
alguém sucede a outrem, investindo-se, no todo ou em parte, nos
direitos que lhe pertenciam. Trata-se de sucessão inter vivos; [...]
sentido estrito, designando a transferência, total ou parcial, de
herança, por morte de alguém, a um ou mais herdeiros. É a
sucessão mortis causa, que, no conceito subjetivo, vem a ser o
direito em virtude do qual a herança é devolvida a alguém, ou, por
outras palavras, é o direito por força do qual alguém recolhe os bens
da herança, e, no conceito objetivo, indica a universalidade dos bens
do de cujus que ficaram, com seus encargos e direitos.136
Sobre isso Silvio de Salvo Venosa entende que:
quando o conteúdo e o objeto da relação jurídica permanecem os
mesmos, mas mudam dos titulares da relação jurídica, com uma
substituição, diz-se que houve uma transmissão no direito ou na
sucessão. Assim, o comprador sucede ao vendedor na titularidade
de uma coisa, como também o donatário sucede ao doador, e assim
por diante.137
Complementa, ainda, Silvio de Salvo Venosa, que no Direito costuma-se fazer
uma grande linha divisória entre as duas formas de Sucessão:
a que deriva de um ato entre vivos, como um contrato; e a que deriva
ou tem como causa a morte (causa mortis), quando os direitos e
135
WALD, Arnaldo. Direito das sucessões. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.7.
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.15-16.
[v.6 - Direito das Sucessões].
137
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. p.15.
136
54
obrigações da pessoa que morre transferem-se para seus herdeiros
e legatários.138
Nas palavras de Clóvis Beviláqua, Direito Sucessório “é o complexo dos
princípios segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém, que
deixa de existir.”139
Sobre isso Silvio Rodrigues explica que:
a idéia de sucessões sugere, genericamente, a de transmissão de
bens, pois implica a existência de um adquirente de valores, que
substitua o antigo titular. Assim, em tese, a sucessão pode operar-se
a título oneroso, inter vivos ou causa mortis. Todavia, quando se fala
em direito das sucessões entende-se, apenas a transmissão em
decorrência de morte, excluindo-se, portanto, do alcance da
expressão, a transmissão de bens por ato entre vivos.140
No entendimento de Arnaldo Rizzardo, a Sucessão
de algum modo, tem uma sensação de prolongamento da pessoa, ou
de atenuação do sentimento do completo desaparecimento,
especialmente quando são realizadas obras que refletem o ser
daquele que morre, e que o tornam vivo ou presente nas
memórias.141
Para José Francisco Cahali, Direito Sucessório “é o conjunto de regras e
complexo de princípios jurídicos pertinentes à passagem da titularidade do
patrimônio de alguém que deixa de existir aos seus sucessores.”142
O autor ressalta que o fundamento do Direito Sucessório procede da
individualização da propriedade, ensejando assim a titularidade do patrimônio.
Quanto à forma de Sucessão, de acordo com Maria Helena Diniz, o Direito
Sucessório tem como cerne a morte natural, pois somente com ela dá-se início à
abertura da Sucessão, já que, sem o óbito do de cujus não se configura a Sucessão
Hereditária, tendo em conta que não há herança de pessoa viva (viventus nulle est
hereditas).143
138
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. p.15.
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976. p.15.
140
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2002. p.3.
141
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.1.
142
CAHALI, José Francisco. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.24.
143
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito das sucessões. 2004. p.23.
139
55
2.3 A HERANÇA: CONCEITOS E FORMAS
Para Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 presenteou o Direito Sucessório com dignidade
constitucional, ao inserir em seu art. 5°, inciso XXX, a garantia da herança no
capítulo destinado aos Direitos Fundamentais da pessoa humana. Herança é o
conjunto de direitos, deveres e bens deixados pelo de cujus, podendo também ser
chamada de monte, ou como é tratada juridicamente, espólio.144
Maria Helena Diniz entende que:
o objetivo da sucessão causa mortis é a herança. [...] A herança é,
portanto, o patrimônio do falecido, ou seja, o conjunto de bens
materiais, direitos e obrigações (CC/2002, art. 91 e art. 943) que se
transmitem aos herdeiros legítimos ou testamentários.145
Conforme esclarece Arnaldo Wald:
os conceitos de herança e de sucessão têm sido obscurecidos pelo
significado que entre ambos quiseram estabelecer. Na realidade, a
sucessão é o modo de transmitir direitos, sendo a sucessão
geralmente entendida como sucessão hereditária, ou seja, mortis
causa. Mas por sucessão também se entende, em sentido subjetivo,
o direito que cabe ao sucessor de exigir os bens do sucedido, e,
assim, cogitamos do direito do herdeiro á sucessão do de cujus. Por
outro lado, certas leis identificam a sucessão com a herança,
definindo-a como o conjunto de bens, direitos e obrigações do
falecido.146
Desse modo, a herança é considerada no Direito Brasileiro, em virtude de
ficção legal, como um bem imóvel, independente de ser composta de bens móveis
ou imóveis. A herança como condomínio que é, indivisível até a partilha é
considerada como um bem imóvel e para tanto deve obedecer às regras
determinadas para esta espécie de bem.
Art. 80 - Consideram-se imóveis para efeitos legais.
II - o direito a sucessão aberta.
144
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao código civil. p.5
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p.37.
146
WALD, Arnaldo. Direito das sucessões. 2002. p.7.
145
56
Portanto, a transmissão de quaisquer dos bens integrantes da herança só
poderá ser feita através de escritura pública, sempre através de autorização judicial,
sendo a herança considerada como um condomínio indivisível até a partilha, sendo
que todos os herdeiros possuem a posse e a propriedade conjuntamente. Somente
após a partilha é que serão designados os quinhões hereditários de cada herdeiro.
Sobre isso, cabe destacar as palavras de Silvio de Salvo Venosa:
a compreensão da herança é uma universalidade. O herdeiro recebe
a herança toda ou uma quota-fração dela, sem determinação de
bens, o que ocorrerá somente com a partilha. O herdeiro pode
ganhar essa condição por estar colocado na ordem de vicação
hereditária (art. 1829; antigo art. 1603) ou por ter sido aquinhoado
com uma fração da herança por testamento.147
Complementa Arnaldo Wald que herança “é o conjunto de direitos e deveres
patrimoniais, ou seja, a universalidade das relações jurídicas de caráter patrimonial,
nas quais o falecido era sujeito ativo e passivo.”148
Pode apresentar um caráter positivo ou negativo. Isto é, na
compensação do seu ativo e passivo, podemos chegar à conclusão
que o primeiro supera o segundo, havendo superávit, ou que, ao
contrário, é por ele ultrapassado, ocorrendo déficit. Tem-se, no
primeiro caso, a herança positiva, e no segundo, a herança negativa,
caracterizada pela existência de dívidas superiores aos haveres.149
Também deve integrar a herança as dívidas deixadas pelo falecido, devendo
ser ressaltado que o ordenamento jurídico brasileiro adotou o princípio do benefício
de herança. Portanto, as dívidas serão suportadas até as forças da herança, não
respondendo os herdeiros com seu patrimônio.
Sobre isso ensina José Francisco Cahali:
assim, de todo o acervo, verificado os bens e direitos, em confronto
com o passivo (dívidas e obrigações), isolada eventual meação do
cônjuge o saldo positivo é destinado aos herdeiros pela sucessão,
caracterizando a chamada herança positiva (inventário positivo).
Caso na compensação entre ativo e passivo venha a se apurar um
déficit, ou seja, a existência de dívidas superiores aos haveres,
147
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. p.21.
WALD, Arnaldo. Direito das sucessões. 2002. p.2.
149
WALD, Arnaldo. Direito das sucessões. 2002. p.2.
148
57
caracteriza-se o chamado inventário negativo (herança negativa),
utilizando-se do processo, até por provocação dos credores, apenas
para administrar o acervo objetivando saldar as obrigações do
falecido, e não destinar bens (ou direitos) aos sucessores.150
Ao tratar sobre herança, acrescenta Roberto Senise Lisboa:
a herança é a universidade ou totalidade dos direitos ou obrigações
abstratamente considerados que integram o patrimônio deixado pelo
falecido, em face da sua morte, suscetíveis de transmissão aos seus
respectivos herdeiros.151
Esclarecem José Francisco Cahali; Giselda Maria Fernades Novaes Hironaka
ao tratar de Direito Sucessório:
direcionam-se as normas legais principalmente à destinação do
patrimônio deixado pela pessoa falecida, indicando seus herdeiros
(sucessão legítima), às regras pertinentes à nomeação de
sucessores, por disposição de última vontade, com as respectivas
formalidades e restrições (sucessão testamentária) e a forma com
que se dará essa transmissão. Substitui-se o sujeito (o sucessor
assume os direitos e obrigações do falecido), mantendo-se íntegra a
relação jurídica mesmo após o desaparecimento do seu primitivo
titular, não se aplicando, nestas condições, o preceito mors omnia
solvit.152
Assim sendo, há três espécies de herança: Herança Testamentária, baseada
na vontade do testador; Herança Legítima, com base nos dispositivos legais, onde
estão estabelecidas quais pessoas têm direito de suceder, conforme a ordem de
vocação hereditária; e Herança Necessária, que é aquela destinada aos herdeiros
necessários (ascendentes, descendentes e o cônjuge), ou seja, se houver herdeiros
necessários não se pode testar 50% do patrimônio do de cujus.
Porém, não é permitida tal situação no ordenamento jurídico brasileiro, pois a
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe a igualdade entre os
filhos. Assim dispõe:
150
CAHALI, José Francisco. Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. São
Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. p.32.
151
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e sucessões. 2004.
p.368.
152
CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso
avançado de direito civil: direito das sucessões. p.30-31.
58
Art. 227 §6º - Os filhos nascidos ou não da relação do casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Quanto aos tipos de Sucessão, pode-se dizer que quanto à fonte, divide-se
em: Sucessão Legítima, Sucessão Testamentária, Sucessão Singular, e Sucessão
Universal. Neste estudo serão abordadas a Sucessão Legítima e a Sucessão
Testamentária.
2.4 SUCESSÃO LEGÍTIMA
Orlando Gomes escreve sobre a Sucessão Legítima ou Sucessão ab
Intestato, conceituando-a como aquela que a lei indica expressamente quem serão
os sucessores, sem a necessidade de testamento.153
Então a Sucessão Legítima ocorre quando “tem o autor da herança herdeiros
que, de pleno direito, fazem jus; recolher uma parte dos bens; o testamento caduca;
o testamento é declarado inválido.”154 Desse modo, a existência do testamento não
exclui a Sucessão Legítima, pois esta ocorrerá em virtude da existência de herdeiros
obrigatórios ou havendo bens excedentes das disposições testamentárias. Caso o
testamento seja ineficaz, por ter caducado, ou ter sido declarado nulo, aplicam-se as
regras da Sucessão Legítima.
Portanto, Sucessão Legítima está relacionada a uma ordem de preferência
entre as pessoas da família do de cujus, que são os herdeiros necessários
convocados, e entre eles, os descendentes, os ascendentes, e o cônjuge ou
companheiro (CC, art. 1.829).
Esta espécie de Sucessão ocorrerá quando o falecido não houver disposto,
no todo ou em parte, dos bens, em testamento válido, ou quando não pode dispor de
parte desses bens por ter herdeiros necessários (neste caso ocorre inevitavelmente
a Sucessão Legal ou legítima).155
153
GOMES, Orlando. Direito civil: direito das sucessões. p.40.
GOMES, Orlando. Direito civil: direito das sucessões. p.40.
155
GOMES, Orlando. Direito civil: direito das sucessões. p.40.
154
59
O Código Civil de 2002 estabelece a ordem de vocação hereditária na
Sucessão Legítima. Assim dispõe:
Art. 1.829 - A sucessão legitima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente
salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão
universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640,
parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares;
II - aos descendentes em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Este dispositivo, no entender de Washington de Barros Monteiro, ensina que
a ordem ali estabelecida está pautada nas relações de família e de sangue. Isto é,
deve predominar nas relações entre os pares sentimentos de solidariedade e de
amparo uns com os outros, alicerçando a Sucessão Legítima, com referência à
vocação hereditária. “Legítima vem a ser a porção de bens que a lei reserva ao
herdeiro necessário.”156
Na nova ordem de vocação hereditária o legislador trouxe a inédita figura da
“concorrência sucessória”, chamando o cônjuge (agora herdeiro necessário - art.
1.845) a dividir - em determinadas situações - com descendentes e (em qualquer
situação) com ascendentes o patrimônio amealhado elo de cujus. Mas, o legislador
não se lembrou da Sucessão do companheiro, deixando esta tarefa no art. 1.790, do
Código Civil de 2002.157
Orlando Gomes ao analisar o art. 1.829, afirma que se distinguem na
Sucessão Legítima as “ordens”, que são os parentes e cônjuge; as “clases”, que são
os descendentes, ascendentes, colaterais e cônjuges; e os “graus”, que na linha reta
ou colateral exerce influência na vocação, determinando preferências.158
Assim sendo, a Sucessão Legítima é aquela que se processa por força da lei,
na data da morte do de cujus, ou seja, naquele momento quais são os legitimados
para suceder. “E com a morte natural ou presumida do de cujus (CC, art. 9º, I) ou da
sentença que declare a ausência ou a morte presumida da pessoa natural (CC, art.
156
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. 35.ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.86.
157
NICOLAU, Gustavo René. Sucessão legítima no novo código civil. In: Revista IOB de
Direito de Família, v.9, n.44, out./nov., 2007, p.49.
158
GOMES, Orlando. Direito civil: direito das sucessões. p.40.
60
9º, IV), que termina a existência da pessoa natural (respectivamente CC, art. 6º e
art. 7º).
Além disso, segundo Orlando Gomes, os pressupostos da Sucessão Legítima
podem ser denominados em duas categorias: “a morte do de cujus (supracitado) e a
vocação hereditária dos herdeiros.”159
2.5 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
Maria Helena Diniz escreve que a Sucessão Testamentária é aquela em que
“a transmissão dos bens do de cujus se dá por meio de ato de última vontade,
revestido da solenidade exigida por lei, prevalecendo as disposições normativas
naquilo que for ius cogens”, assim como na matéria em que, “por ventura o
testamento se omitir.”160
Conforme Sebastião José Roque, a Sucessão Testamentária “dar-se-á
sempre que existir um testamento válido, derivado da vontade do sucedido.”161
Segundo José Luiz Gavião de Almeida, a Sucessão Testamentária não
impede a Sucessão Legítima, podendo as duas coexistir. A Sucessão Legítima é
subsidiária da Sucessão Testamentária. É utilizada quando não há testamento,
quando ele é inválido ou ineficaz, ou quando não se egula, por ele, toda a
transferência patrimonial do sucedido (CC, art. 1.788).162
O Código Civil de 2002 estabelece sobre Sucessão Testamentária. Assim
dispõe:
Art. 1.857 – Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da
totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de dua
morte.
§1º - A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no
testamento.
159
GOMES, Orlando. Direito civil: direito das sucessões. p.40.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. 18.ed. São Paulo: 2004. p.159. [v.6 - Direito
das Sucessões].
161
ROQUE, Sebastião José. Direito das sucessões. 2.ed. rev. e ampl. São Paulo: Ícone,
2003. p.18.
162
ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Código civil comentado: direito das sucessões,
sucessão em geral, sucessão legítima - arts. 1.784 a 1.856. Álvaro Villaça Azevedo (Coord.).
São Paulo: Atlas, 2003. p.22-23.
160
61
§2º - São válidas as disposições testamentárias de caráter não
patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
No entanto, cabe salientar, o que escreve José Sebastião Roque: “mesmo
sendo a Sucessão Testamentária classificada como mista, vigorando a última
vontade do de cujus e os direitos legítimos dos herdeiros necessários, o testador
poderá dispor da metade de seus bens (CC, art. 1.789).”163
Da abertura da Sucessão escreve Maria Helena Diniz:
no momento do falecimento do de cujus abre-se a sucessão,
transmitindo-se, sem solução de continuidade, a propriedade e a
posse de bens do defunto aos seus herdeiros sucessíveis, legítimos
ou testamentários que estejam vivos naquele momento,
independente de qualquer ato.164
Em suma, o Direito Sucessório é um ramo autônomo do Direito que tem por
objeto a regulação e destinação do patrimônio de uma pessoa depois de seu
falecimento, isto é, regula a relação jurídica que se estabelece com o herdeiro em
virtude do falecimento do titular do patrimônio.
Neste processo são classificados os herdeiros. O sucessor ou herdeiro é
aquele que recebe os bens deixados pelo de cujus. Com relação ao sucessor, é
reconhecida a seguinte classificação: Herdeiro Legítimo, Herdeiro Necessário,
Herdeiro Testamentário, e Legatário.
No entendimento de Orlando Gomes, o herdeiro legítimo é aquele designado
em lei como herdeiro nos casos de Sucessão Legítima, a quem se transfere a
totalidade da herança ou quota-parte desta.165
O herdeiro legítimo, para José Francisco Cahali, “é aquele sucessor eleito
pela legislação, através da ordem de vocação hereditária” (CC, art. 1.829), ou “por
regra especial, como ocorre na Sucessão entre companheiros decorrente da união
estável (CC, art. 1.790).”166
Nas palavras de Orlando Gomes “a classificação do Herdeiro Legítimo tem
origem na organização da família.” Leciona, ainda, que “reside seu chamamento em
três ordens de direito: “1 - jus familiae; 2 - jus sanguinis, ação hereditária (CC,
163
ROQUE, Sebastião José. Direito das sucessões. p.18.
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito das sucessões. 2004. p.23.
165
GOMES, Orlando. Sucessões. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.40.
166
CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso
avançado de direito civil: direito das sucessões. p.56.
164
62
art.1.829); e por regra especial, como ocorre na sucessão entre companheiros
decorrente da união estável (CC, art. 1.790).”167
Após abordar o Direito Sucessório, o capítulo a seguir tratará do objeto deste
estudo, que é a (in) constitucionalidade do art. 1790, que fere o Princípio da
Igualdade Constitucional no Direito Sucessório.
167
GOMES, Orlando. Sucessões. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.1.
63
3 DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO NO CÓDIGO CIVIL DE
2002
Este capítulo apresenta a sucessão do cônjuge e do companheiro, e a
(in)constitucionalidade do art. 1.790, que fere o Princípio da Igualdade Constitucional
no Direito Sucessório.
3.1 DO DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO
A Súmula 380 consolidou a respeito da divisão de haveres no Concubinato,
utilizando-se
de
tal nomenclatura.
Patrícia
Fontanella
Rosa
observa
que
“comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos é cabível a sua
dissolução judicial com partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”168
A partir daí os tribunais começaram a aceitar a possibilidade de
divisão do patrimônio adquirido pelo esforço comum ou direito à
partilha, desde que restasse plenamente comprovado durante a
instrução processual que a companheira tivesse realmente
contribuído juntamente com o companheiro para aumentar o
patrimônio do casal.169
Havia nítida distinção entre sociedade de fato e concubinato, pois com a
Súmula 380 passou-se a reconhecer a existência da sociedade de fato,
cuja extinção não poderia gerar enriquecimento injustificado em
detrimento, normalmente, da mulher. Já a companheira que não
exercia atividade remunerada, entretanto, restava indenização por
serviços domésticos prestados, o que não se vinculava ao patrimônio
do companheiro.170
168
ROSA, Patrícia Fontanella.
regulamentadoras. p.37.
169
ROSA, Patrícia Fontanella.
regulamentadoras. p.37.
170
ROSA, Patrícia Fontanella.
regulamentadoras. p.37.
União
estável
a
eficácia
temporal
das
leis
União
estável
a
eficácia
temporal
das
leis
União
estável
a
eficácia
temporal
das
leis
64
Desse modo, ao dissolver a união os concubinos deveriam provar o esforço
comum na aquisição patrimonial. “Os juízes atribuíam percentuais dos bens,
conforme a prova amealhada nos autos. Não eram reconhecidos direitos
sucessórios e tampouco alimentos.”171
Ainda sobre este assunto, o Supremo Tribunal Federal, na esteira da Súmula
380 editou a Súmula 382, que enunciava: “A vida em comum sob o mesmo teto,
more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato.” Isto é, esta
coabitação era considerada indispensável para se caracterizar o relacionamento
estável, passou a ser requisito dispensável para fins de sua identificação.172
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil173 de
1988 a instituição Família sofreu um novo rumo, obtendo uma especial proteção do
Estado. O dispositivo assim estabelece:
Art. 226 - [...]
§3º - Para efeito de proteção do estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a
lei facilitar sua conversão em casamento.
Segundo
Patrícia
Fontanella
Rosa174,
paralelamente
ao
dispositivo
constitucional, a Família conta ainda com a edição das Leis n. 8.971/94 e n.
9.278/96, que regulam a entidade familiar chamada união estável e estabelece as
condições e os efeitos do novo instituto.
A Lei n. 8.971/94 reconhece aos conviventes os direitos aos alimentos, à
sucessão, e aos bens amealhados na constância da união. Assim dispõe:
Art. 1º - A companheira comprovada de um homem solteiro,
separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há
mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto
na Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova
união e desde que prove a necessidade.
171
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia temporal
regulamentadoras. p.38.
172
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia temporal
regulamentadoras. p.40.
173
BRASIL. Constituição (1988). 21.ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.124.
174
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia temporal
regulamentadoras. p.45.
das
leis
das
leis
das
leis
65
Porém, por aquela Lei ficaram excluídas de proteção da união estável se um
dos companheiros fosse separado apenas de fato, e deixaria a convivência à
margem da lei, sendo-lhe então negado qualquer direito. Conforme entendimento de
Maria Berenice Dias:
[...] A Lei assegurou direito a alimentos e à sucessão do
companheiro. No entanto, conservara, ainda, um certo ranço
preconceituoso ao reconhecer como união estável a relação entre
pessoas solteiras, judicialmente separadas, divorciadas ou viúvas,
deixando fora, injustificadamente, os separados de fato. Também a
lei fixou condições outras, só reconhecendo como estáveis as
relações existentes há mais de cinco anos ou das quais houvesse
nascido prole, como se tais requisitos purificassem a relação.
Assegurou ao companheiro sobrevivente o usufruto sobre parte dos
bens deixados pelo de cujus. No caso de inexistirem descendentes
ou ascendentes, o companheiro (tal como o cônjuge sobrevivente) foi
incluído na ordem de vocação hereditária como herdeiro legítimo.
(Grifo da autora).175
Diante dos impasses criados pela referida Lei, foi sancionada a Lei n.
9.278/96. Assim dispõe:
Art.1º - O reconhecimento como entidade familiar a convivência
duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher
estabelecida com objetivo de vida em comum.
Nos demais artigos a Lei definiu os direitos e deveres dos companheiros.
Assim, foi modificado o critério para o reconhecimento da união estável,
estabelecendo-se o critério subjetivo, deixa para o julgador a análise ao caso
concreto.
Com a sanção da Lei n. 10.406 - Código Civil, de 10 de janeiro de 2002, em
relação à ordem da vocação hereditária, no caso da Sucessão Legítima, ficou
estabelecido que não obstante tenha mantido os descendentes e os ascendentes e
o cônjuge sobrevivente nas primeiras classes e a este último foi assegurado uma
posição privilegiada de concorrer, igualmente, com àqueles primeiros colocados e,
às vezes, com certa prioridade. Assim dispõe:
175
DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo código civil. 3.ed. Belo Horizonte:
Ed. Del Rey, 2004.
66
Art. 1.829 - A sucessão legitima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente
salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão
universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640,
parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares;
II - aos descendentes em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Washington de Barros Monteiro escreve que a ordem ali fixada está pautada
nas relações de família e de sangue. Isto é, “deve predominar nas relações entre os
pares sentimentos de solidariedade e de amparo uns com os outros, alicerçando a
Sucessão Legítima, com referência à vocação hereditária.”176 Assim sendo, a
Sucessão Legítima é aquela que se processa por força da lei.
Pode-se observar, então, que o cônjuge passou a integrar o rol dos herdeiros
necessários, obtendo os mesmos direitos restritos aos ascendentes e descendentes
no Código Civil anterior. Além disso, passou a contar com a possibilidade de
concorrer com descendentes e ascendentes na herança deixada pelo cônjuge
falecido, cuja situação o coloca em posição privilegiada, em relação à posição
reservada para os companheiros na união estável.
Sobre isso, Washington de Barros Monteiro177 escreveu que o Código Civil de
2002 trouxe uma importante inovação ao assegurar ao cônjuge o direito de
concorrência, exceto se este era casado com o falecido pelo regime de comunhão
universal, da separação obrigatória, ou da comunhão parcial.
176
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 36.ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2003. p.86. [v.6 - Direito das Sucessões].
177
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p.88.
67
Para Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, no caso da concorrência do
cônjuge com os descendentes, a legislação estabeleceu um pressuposto
relacionado ao regime matrimonial de bens. O art. 1.829, inciso I, faz depender a
vocação do cônjuge sobrevivente do regime de bens anteriormente escolhido pelo
casal, haja vista que a determinação da lei deve-se ao fato do entendimento de que
“a escolha do regime de bens é uma demonstração prévia dos cônjuges no sentido
de permitir ou não a confusão patrimonial e o nível de profundidade que essa
confusão deve atingir.”178
Desse não será convocado a herdar o cônjuge sobrevivente se
casado com o de cujus pelo regime da comunhão universal de bens,
ou pelo regime da separação obrigatória de bens. Todavia, aqueles
casais que, não realizaram pacto antenupcial, optando pelo regime
da comunhão parcial, fazem jus à meação dos bens em comum da
família e passam a participar da sucessão do cônjuge falecido, na
porção dos bens particulares deste.179
Faz-se necessário destacar que a concorrência do cônjuge não ocorre em
todos os regimes de casamento, sendo uma condição específica de determinadas
situações. Isto é, se o regime de bens que vigorava no casamento ao falecer um dos
cônjuges era o de comunhão universal, mediante o qual se comunicam todos os
bens e suas dívidas passivas (art. 1.667 e art. 1.671), cabendo ao cônjuge
sobrevivente, por direito próprio, a meação, ele não concorre com os descendentes
(art. 1.829, I).
Assevera sobre o tema Sílvio de Salvo Venosa180, escrevendo que o art.
1.829, inciso I, dispõe que “o cônjuge sobrevivente não concorrerá com os
descendentes se for casado com o falecido no regime de comunhão universal de
bens ou no regime de separação obrigatória.”
178
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novas. Concorrência do companheiro e do
cônjuge na sucessão dos descendentes. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones
Figueiredo (Coords.). Novo código civil: questões controvertidas. São Paulo: Editora
Método, 2003. v.1. p.431.
179
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novas. Concorrência do companheiro e do
cônjuge na sucessão dos descendentes. p.431.
180
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. [v.6 - Direito de
Família].
68
Sobre a concorrência do cônjuge, Eduardo de Oliveira Leite181 e Maria
Berenice Dias182 escrevem que:
dois são os motivos que justificam o direito do cônjuge casado em
regime de comunhão parcial de bens concorrer com os
descendentes no recebimento da herança. O primeiro tem uma razão
de ordem jurídica, que consiste na mudança do regime de bens do
casamento; e o segundo se refere à absoluta equiparação do homem
e da mulher, haja vista a igualdade da mulher em termos de poder
familiar.
Segundo Eduardo de Oliveira Leite, o inciso I do art. 1.829, do Código Civil de
2002, determina que na primeira classe de preferência, em concorrência com os
descendentes, o cônjuge será convocado de acordo com o regime de bens aliado à
existência de patrimônio particular quando as núpcias forem pela comunhão parcial.
Talvez a intenção do legislador tenha sido dar ao cônjuge uma
participação sucessória sobre os bens nos quais não terá meação
pelo regime de bens adotados no casamento. Porém, como
apresentado no texto, sem referência a esta incidência da herança
apenas sobre o acervo individual, temos para nós que a regra
estabelece um critério de convocação, se preenchidos os seus
requisitos, para concorrer na universalidade do acervo. [...]
Convocado o cônjuge, terá direito a uma parcela sobre toda a
herança, inclusive recaindo o seu quinhão também sobre bens nos
quais eventualmente já possui a meação.183
Assim dispõe o Código Civil de 2002 sobre a concorrência do cônjuge com os
descendentes:
Art. 1.832 - Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso
I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por
cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da
herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.
Neste sentido o Código Civil de 2002 excetua os três regimes de bens comunhão universal de bens, comunhão parcial de bens, seus bens articulares e
181
LEITE, Eduardo de Oliveira. A nova ordem de vocação hereditária e a sucessão dos
cônjuges. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (Coords.). Novo código
civil: questões controvertidas. São Paulo: Editora Método, 2003. v.1. p.438.
182
DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo código civil. p.138.
183
LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil. 4.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. [v.XXI - Direito das Sucessões: arts. 1.784 2.027].
69
separação obrigatória de bens. Ou seja, conforme entendimento de Eduardo de
Oliveira Leite, a legislação citada abre “a possibilidade do cônjuge sobrevivente
concorrer com o descendente quando o autor da herança tiver deixado bens
particulares, no regime da comunhão parcial de bens.”184
Mas se o regime de bens for de participação final dos aqüestos, previsto no
art. 1.672 do Código Civil de 2002? Sobre isso Ricardo Fiúza escreve que:
Pela literalidade das hipóteses de exclusão contidas no texto do art.
1.829 do Código Civil de 2002, haverá direito sucessório recíproco
entre os cônjuges assim casados. Aliás, inadequada a situação, pois
o regime de participação final dos aqüestos tem características
similares ás do regime de comunhão parcial, no que se refere a ter
direito o cônjuge sobre o acervo adquirido durante o casamento,
diferenciando-se um do ouro, praticamente, apenas na forma como
se faz a iquidação dos direitos.185
Eduardo de Oliveira Leite complementa escrevendo que nos demais casos “o
cônjuge será meeiro ou retomará, simplesmente, a sua massa de bens particulares.”
Porém, para ter direito a esses bens particulares, o cônjuge “não pode estar
separado no momento do falecimento, judicialmente ou de fato há mais de dois anos
do de cujus.”186
Neste sentido, Orlando Gomes escreve que o direito hereditário do cônjuge
sobrevivente:
pressupõe casamento válido; não estarem judicialmente separados
os cônjuges no momento da abertura da sucessão; não estarem
separados de fato há mais de dois anos; ocorrendo a separação de
fato, que a culpa da separação não seja do cônjuge sobrevivente.187
Sintetizando, Maria Helena Diniz escreve que haverá concorrência do cônjuge
sobrevivente com os descendentes do auto da herança, segundo o regime
184
LEITE, Eduardo de Oliveira. A nova ordem de vocação hereditária e a sucessão dos
cônjuges. p.443.
185
FIÚZA, Ricardo. Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. p.1791.
186
LEITE, Eduardo de Oliveira. A nova ordem de vocação hereditária e a sucessão dos
cônjuges. p.443.
187
GOMES, Orlando. Direito civil: direito das sucessões. 12.ed. rev., atual. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 2004. p.63.
70
matrimonial de bens, se preenchido os requisitos legais do art. 1.829, inciso I, e do
art. 1.830.188
Entretanto, Zeno Veloso189 escreve que não se deve confundir meação com
direito hereditário. “A meação decorre de uma relação patrimonial (condomínio,
comunhão) existente em vida dos interessados e é estabelecida por lei ou pela
vontade das partes.” O substantivo meação (derivado do verbo mear) nada mais é,
do que a simples atribuição dos bens a cada um dos cônjuges que
unidos trabalharam (em planos diferentes) para construir o
patrimônio que - por ocasião da dissolução da sociedade conjugal (divórcio, separação judicial, morte e anulação) deverá ser partido ao
meio, meado.190
Assim, para este autor191, meação é “um direito individual e fundamental do
cônjuge (e do companheiro)”, aliás, reflexo do caput do art. 5º da Constituição da
República Federativa do Brasil, onde está previsto o direito de propriedade ao lado
de outros direitos imprescindíveis como vida, liberdade, igualdade, e segurança.
Já sucessão, para Zeno Veloso, se dá porque uma das hipóteses de
dissolução da sociedade conjugal coincide com a premissa básica das sucessões: o
falecimento. Então, “a sucessão hereditária em origem na morte e a herança é
transmitida aos sucessores conforme as previsões legais (sucessão legítima) ou a
vontade do hereditando (sucessão testamentária).”192 Em suma, alguém pode ser
meeiro e herdeiro, como pode ser meeiro sem ser herdeiro, ou herdeiro sem ser
meeiro, e essas posições jurídicas têm causa diversa, são diferentes, e se baseiam
em motivos e regras distintos.
Se os bens são comuns, o companheiro sobrevivente tem direito à
meação. Mas esse direito não tem origem na morte do outro
convivente. O meeiro já é dono de sua parte ideal antes da abertura
da sucessão, por outro título (Direito de Família). A meação do
188
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
p.117. v.5.
189
VELOSO, Zeno. O direito sucessório dos companheiros. In: DIAS, Maria Berenice;
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). Direito de família e o novo código civil. 2.ed. rev.
atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003a. p.243-256.
190
NICOLAU, Gustavo René. Sucessão legítima no novo código civil. In: Revista IOB de
Direito de Família, v.9, n.44, out./nov., 2007.p.49.
191
NICOLAU, Gustavo René. Sucessão legítima no novo código civil. p.49.
192
VELOSO, Zeno. O direito sucessório dos companheiros. p.243-256.
71
falecido é que vai ser objeto da sucessão, juntamente com outros
bens, de propriedade exclusiva, se houver.193
Conforme Giselda Maria Fernandes Novas Hironaka, no que se refere ao
inciso II, do art. 1.829, do Código Civil de 2002,
quando da inexistência de descendentes, os ascendentes são
chamados à Sucessão, também em concorrência com o cônjuge. Ao
concorrer com os ascendentes em primeiro grau, pertencerá ao
cônjuge um terço da herança. Caso haja somente um ascendente, ou
se maior for aquele grau, caber-lhe-á a metade da herança (CC, art.
1.837).194
Para esta mesma autora:
na situação de concorrência com os ascendentes, o cônjuge herda
na somente os bens particulares do de cujus, como também a fração
dos bens comuns ao casal, pois o inciso II, do art. 1.829, não repete
qualquer uma das ressalvas presentes no inciso I, do mesmo
dispositivo legal. Isso evidencia claramente que aquelas exceções
somente servem para proteger os descendentes do falecido e não os
ascendentes deste, sempre que em concorrência com o cônjuge
sobrevivente.195
Eduardo de Oliveira Leite196 escreve que o Código Civil de 2002 assegura ao
cônjuge sobrevivente uma posição de igualdade, pois este é quem partilhou a vida
em comum do casal e não, certamente, os ascendentes.
Nesta concorrência não há mais qualquer distinção acerca do regime de bens
em que era casado, como ocorre na concorrência do cônjuge sobrevivente com os
descendentes.
O art. 1.845 estabelece que são herdeiros necessários os descendentes, os
ascendentes e o cônjuge, cabendo-lhes, de pleno direito, a metade dos bens da
herança. Dessa forma, não se pode, através de testamento, dispor de todo o
patrimônio, como era possível anteriormente, diante da falta de descendentes e
ascendentes.
193
VELOSO, Zeno. O direito sucessório dos companheiros. p.243-256.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novas. Concorrência do companheiro e do
cônjuge na sucessão dos descendentes. p.431.
195
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novas. Concorrência do companheiro e do
cônjuge na sucessão dos descendentes. p.431.
196
LEITE, Eduardo de Oliveira. A nova ordem de vocação hereditária e a sucessão dos
cônjuges. p.339.
194
72
Porém, o cônjuge sobrevivente participa da Sucessão, desde que, por
ocasião da morte do outro, não estivessem separados judicialmente ou de fato há
mais de dois anos, a não ser que, nesta hipótese, seja comprovada a
impossibilidade da convivência sem que houvesse culpa do sobrevivente.
3.2 DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.790
Conforme Patrícia Fontanella Rosa o direito sucessório possui previsão no
art. 1.790 do Código Civil de 2002 e tem sido alvo de inúmeras críticas, “pois
configurou verdadeiro retrocesso relativamente à sucessão dos companheiros, eis
que limita-se aos bens adquiridos a título oneroso constância da união estável.”197
Assim dispõe:
Art. 1.790 - A companheira ou o companheiro participará da
sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na
vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota
equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocarlhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um
terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da
herança.
Zeno Veloso entende que, contrariando as expectativas, o Código Civil de
2002 promove um recuo notável. “Colocou o companheiro em posição infinitamente
inferior à que ostenta o cônjuge.”198
Conforme Barbara Heliodora de Avellar Peralta, há inúmeras críticas
doutrinárias e jurisprudenciais acerca do art. 1.790, no sentido de ser a norma
guerreada um retrocesso.199 Com o fito de corroborar o ventilado colaciona-se a R.
197
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia temporal das leis
regulamentadoras. p.52.
198
apud ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia temporal das leis
regulamentadoras. p.52.
199
PERALTA, Barbara Heliodora de Avellar. A sucessão do companheiro face à ausência
de norma dispositiva focada na concomitância de filhos comuns e exclusivos do
falecido: Abordagens práticas. Disponível em: <www.ambitojurídico.com.br>. Acesso em:
20 abr 2009.
73
decisão proveniente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, aduzindo que o
artigo focado é eivado de inconstitucionalidade, in verbis:
EMENTA: Agravo de Instrumento nº 70009524612. Inventário.
Companheiro sobrevivente. Direito à totalidade da herança.
Colaterais. Exclusão do processo. Cabimento. A decisão agravada
está correta. Apenas o companheiro sobrevivente tem direito
sucessório no caso, não havendo razão para permanecer no
processo as irmãs da falecida, parentes colaterais. A união estável
se constituiu em 1986, antes da entrada em vigor do Novo Código
Civil. Logo, não é aplicável ao caso a disciplina sucessória prevista
nesse diploma legal, mesmo que fosse essa a legislação material em
vigor na data do óbito. Aplicável ao caso é a orientação legal,
jurisprudencial e doutrinária anterior, pela qual o companheiro
sobrevivente tinha o mesmo status hereditário que o cônjuge
supérstite. Por essa perspectiva, na falta de descendentes e
ascendentes, o companheiro sobrevivente tem direito à totalidade da
herança, afastando da sucessão os colaterais e o Estado. Além
disso, as regras sucessórias previstas para a sucessão entre
companheiros no Novo Código Civil são inconstitucionais. Na medida
em que a nova lei substantiva rebaixou o status hereditário do
companheiro sobrevivente em relação ao cônjuge supérstite, violou
os princípios fundamentais da igualdade e da dignidade. Negaram
provimento. (Relator Des. Ruy Portanova, 18/11/2004).200
Ainda no tocante aos direitos do companheiro, os juízes das Varas da Família
e das Sucessões do interior de São Paulo201, elaboraram os seguintes enunciados,
destacados:
Enunciado 49 - O art. 1.790 do Código Civil, ao tratar de forma
diferenciada a sucessão legítima do companheiro em relação ao
cônjuge, incide em inconstitucionalidade, pois a Constituição não
permite diferenciação entre famílias assentadas no casamento e na
união estável, nos aspectos em que são idênticas, que são os
vínculos de afeto, solidariedade e respeito, vínculos norteadores da
sucessão legítima.
Enunciado 50 - Ante a inconstitucionalidade do art. 1.790, a
sucessão do companheiro deve observar a mesma disciplina da
sucessão legítima do cônjuge, com os mesmos direitos e limitações,
de modo que o companheiro, na concorrência com descendentes,
herda nos bens particulares, não nos quais tem meação.
200
Disponível em: <www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 20 abr 2009.
Reunidos em Piracicaba no dia 10/11/2006, no I Encontro dos Juízes de Família do
Interior de São Paulo (por maioria de 2/3 dos presentes).
201
74
ENUNCIADO 52 - Se admitida a constitucionalidade do art. 1790 do
Código Civil, o companheiro sobrevivente terá direito à totalidade da
herança deixada pelo outro, na falta de parentes sucessíveis,
conforme o previsto no inciso IV, sem a limitação indicada na cabeça
do artigo.
Concordando com estas posições, Carlos Roberto Gonçalves202 escreve que:
a nova disciplina dos direitos sucessórios dos companheiros é
considerada pela doutrina um evidente retrocesso no sistema
protetivo da união estável, pois no regime da Lei n. 8.971/94 o
companheiro recebia toda a herança na falta de descendentes ou
ascendentes.
No mesmo sentido, Zeno Veloso, entende que o art. 1.790 “merece censura e
crítica severa porque é deficiente e falho, em substância. Significa um retrocesso
evidente, representa um verdadeiro equívoco.”203 Sintetizando escreve, ainda, que:
diferentemente do que ocorre com o cônjuge, que herda quota parte
dos bens exclusivos do falecido quando concorre com os
descendentes deste, percebendo, quanto aos bens comuns, apenas
a meação do condomínio até então existente (e não mais do que
isso), o companheiro que sobreviver a seu par adquire não apenas a
meação dos bens comuns (e aqui em igualdade ao cônjuge
supérstite), como herda quota-parte destes mesmos bens comuns
adquiridos onerosamente pelo casal, nada recebendo no entanto,
relativamente aos bens exclusivos do hereditando, solução esta que
para adaptar uma expressão de Zeno Veloso a uma outra realidade,
não tem lógica alguma, e quebra todo o sistema. Seja qual for a
formulação ou critério que se escolha, contudo, a verdade é que
parece impossível conciliar, do ponto de vista matemático, as
disposições dos incisos I e II, deste art. 1.790.
202
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005. p.560.
v.VI.
203
apud NOGUEIRA, Cláudia. Direito das sucessões [Comentários à Parte Geral e à
Sucessão Legítima]. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p.187.
75
A jurisprudência também já trilha nesse sentido:
INVENTÁRIO. SUCESSÃO DA COMPANHEIRA. ABERTURA DA
SUCESSÃO OCORRIDA SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO CIVIL.
APLICABILIDADE DA NOVA LEI, NOS TERMOS DO ARTIGO 1.787.
HABILITAÇÃO EM AUTOS DE IRMÃO DA FALECIDA. CASO
CONCRETO, EM QUE MERECE AFASTADA A SUCESSÃO DO
IRMÃO, NÃO INCIDINDO A REGRA PREVISTA NO 1.790, III, DO
CCB, QUE CONFERE TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE
COMPANHEIRO E CÔNJUGE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA
EQUIDADE. Não se pode negar que tanto à família de direito, ou
formalmente constituída, como também àquela que se constituiu por
simples fato, há que se outorgar a mesma proteção legal, em
observância ao princípio da eqüidade, assegurando-se igualdade de
tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano
sucessório. Ademais, a própria Constituição Federal não confere
tratamento iníquo aos cônjuges e companheiros, tampouco o faziam
as Leis que regulamentavam a união estável antes do advento do
novo Código Civil, não podendo, assim, prevalecer a interpretação
literal do artigo em questão, sob pena de se incorrer na odiosa
diferenciação, deixando ao desamparo a família constituída pela
união estável, e conferindo proteção legal privilegiada à família
constituída de acordo com as formalidades da lei. Preliminar não
conhecida e recurso provido.” (TJ-RS, Agravo de Instrumento nº
70020389284, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, 12/09/2007).204
Nos entendimentos de Francisco José Cahali e Giselda Maria Hironaka, por
reprovável impropriedade técnica, deixou o legislador de contemplar, na ordem de
vocação hereditária, o direito sucessório decorrente da união estável, vindo
inadequadamente a tratar da matéria no Capítulo I das Disposições Gerais,
estabelecendo as regras sucessórias no art. 1.790 e seus incisos.205
Conforme Silvio Rodrigues, a ordem de vocação hereditária: “a ordem de
vocação hereditária “é a relação preferencial, estabelecida pela lei, das pessoas que
são chamadas a suceder o finado. O legislador, nesta relação de pessoas, as divide
em várias classes.”206 Este autor assim dispõe a respeito da limitação da herança
destinada ao companheiro pelo art. 1.790:
204
Disponível em: <www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 20 abr 2009.
CAHALI, Francisco José. Sucessão dos colaterais e do poder público. In: CAHALI,
Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria. Curso avançado de direito civil. 2.ed. rev. e
atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p.162.
206
apud CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria. Curso avançado de direito
civil. p.162-164.
205
76
o caput é a unidade básica da disposição, o núcleo do artigo,
contendo a substância da norma, a regra geral, o princípio a respeito
do assunto tratado. Os parágrafos, incisos e alíneas são
desdobramentos do caput, divisões do artigo, que desenvolvem,
restringem, explicitam a regra principal, da qual, obviamente,
dependem.207
Ao analisar o art. 1.790, José Luiz Gavião de Almeida entende que:
verifique-se que o direito de recolher a totalidade da herança parece
que se dá apenas sobre os bens adquiridos onerosamente e durante
a convivência concubinária. Se existirem bens de outra natureza,
poder-se-ia imaginar que deveriam eles ser destinados ao Estado.208
Em razão do princípio de igualdade de tratamento dos partícipes que formam
a entidade familiar, e a união estável sendo reconhecida pela Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 como uma entidade familiar, estando
praticamente equiparada às famílias matrimonializadas, “a grande disparidade de
tratamento entre a posição sucessória do cônjuge e do companheiro vai de encontro
aos fundamentos constitucionais.”209
Assim sendo, partindo-se da premissa de que a Sucessão Legítima está
baseada nos vínculos familiares, o conceito de família deverá ser atualizado para o
efetivo alcance e o sentido das normas, pois o Código Civil de 2002 diferencia os
direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro, não atendendo aos princípios
constitucionais. Então, faz-se necessário que este Código seja reformado no que
tange à sucessão dos companheiros para que seja obedecido o comando
constitucional constante no art. 226, caput, §3º.210
A partir do entendimento de que tanto a família de direito (formalmente
constituída), como a que se constituiu por simples fato merecem a mesma proteção
legal, conforme o “princípio da eqüidade”, inclusive no plano sucessório, com
207
apud CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria. Curso avançado de direito
civil. p.162-164. p.249.
208
ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Código civil comentado: direito das sucessões,
sucessão em geral, sucessão legítima - arts. 1.784 a 1.856. Álvaro Villaça Azevedo (Coord.).
São Paulo: Atlas, 2003. p.69.
209
ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Código civil comentado: direito das sucessões,
sucessão em geral, sucessão legítima - arts. 1.784 a 1.856. p.69.
210
ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Código civil comentado: direito das sucessões,
sucessão em geral, sucessão legítima - arts. 1.784 a 1.856. p.69.
77
igualdade de tratamento, a 7ª Câmara Cível do TJ/RS deu provimento a recurso
movido por companheiro de mulher falecida, contra decisão que deferiu a habilitação
do irmão dela no inventário de seus bens. A decisão foi unânime.
RECURSO: A Câmara afastou a sucessão do irmão, considerando
não poder ser aplicada a regra do Código Civil brasileiro (art. 1.790,
III), que estabeleceu tratamento diferenciado entre companheiro e
cônjuge. O autor sustentou que o irmão da falecida não é herdeiro
necessário e que, diante da inexistência de ascendentes ou
descendentes, a sucessão será deferida por inteiro ao cônjuge
sobrevivente. Argumentou que viveu em união estável com a mulher
desde 1995, até o falecimento dela, situação reconhecida também
pela família da companheira.
Eqüidade - O Desembargador Ricardo Raupp Ruschel, relator,
salientou que o ponto central da discussão do agravo dizia respeito
com o direito ou não de o recorrente, na condição de companheiro,
herdar a totalidade da herança de alguém que não deixou
descendentes ou ascendentes. “Se a ele se confere o status de
cônjuge, ou se se lhe impõe as disposições do Código Civil de 2002,
onde restou estabelecida, mediante interpretação restritivamente
literal, distinção entre cônjuge e companheiro, conferindo àquele
privilégio sucessório em relação a este. Negar provimento ao
recurso, no caso concreto, em que o direito do recorrente tem por
base situação de fato não impugnada pela parte recorrida, ou seja, a
união estável com início em 1995, importa, ao fim e ao cabo, em
conferir odioso tratamento desigual entre cônjuge e companheiro,
deixando ao desamparo a família constituída pela união estável, e
conferindo proteção legal privilegiada à família constituída de acordo
com as formalidades da lei.”
Legislação - O Des. Ruschel destacou que a própria Constituição
Federal, ao dispor no §3º do art. 226 que, para efeito de proteção do
Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento, não confere tratamento iníquo aos cônjuges e
companheiros. “Tampouco o faziam as Leis que regulamentavam a
união estável antes do advento do novo Código Civil (Lei n. 8.971/94
e Lei n. 9.278/96). Não é aceitável, assim, que prevaleça a
interpretação literal do art. 1.790 do CC 2002, cuja sucessão do
companheiro na totalidade dos bens é relegada à remotíssima
hipótese de, na falta de descendentes e ascendentes, inexistirem,
também, ‘parentes sucessíveis’, o que implicaria em verdadeiro
retrocesso social frente à evolução doutrinária e jurisprudencial do
instituto da união estável havida até então.” (7ª Câmara Cível,
participação da Des. Maria Berenice Dias e do Des. Luiz Felipe Brasil
Santos - Proc. 70020389284 - TJ/RS, 13 set 2007).211
211
Disponível em: <www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 20 abr 2009.
78
Em suma, na opinião de Silvio Rodrigues, quanto aos aspectos gerais da
sucessão do companheiro, o Código Civil de 2002
regulou o direito sucessório dos companheiros com enorme redução,
com dureza imensa, de forma tão encolhida, tímida e estrita, que se
apresenta em completo divórcio com as aspirações sociais, as
expectativas da comunidade jurídica e com o desenvolvimento de
nosso direito sobre a questão.212
Desse modo, evidencia-se no Código Civil Brasileiro de 2002 um visível
tratamento diferenciado entre os institutos familiares do casamento e da união
estável, favorecendo o casamento. Neste sentido Silvio Rodrigues escreve que:
para os que entendem as entidades familiares como gênero, e
casamento e união estável como espécies, a distinção se mostra
correta e justa. Já para quem faz a leitura constitucional como sendo
iguais todas as entidades familiares, a distinção evidenciada no Novo
Código Civil é tida como uma inaceitável discriminação.213
Ao se referir ao Código Civil de 2002, José Luiz Gavião de Almeida escreve
que:
o normal seria que o Novo Código Civil tratasse do companheiro na
sucessão legítima, quando regulasse a ordem de vocação
hereditária. Talvez ainda por preconceito contra a inclusão do
companheiro entre os herdeiros, preferiu regular a matéria no
capítulo referente às disposições gerais sobre a sucessão. A falta de
sistematização irá levar dificuldade àquele que não estiver habituado
ao Código que, procurando entre os contemplados na sucessão
legítima, isto é, na ordem da vocação hereditária, e não vendo
referência ao companheiro, pode, por equívoco entender não haver
sido ela amparada pela lei.214
E como se pode observar, o caput do art. 1.790 edita, claramente, que a
sucessão dos companheiros só é admitida quanto aos bens que foram adquiridos
onerosamente durante o tempo da convivência.
Sobre isso, Maria Faria de Souza e Patrícia Fontanella Rosa escrevem que a
conclusão que se pode tirar do caput do art. 1.790 é que “o direito sucessório do
212
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 28.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.249-250.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p.271.
214
ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Código civil comentado: direito das sucessões,
sucessão em geral, sucessão legítima - arts. 1.784 a 1.856. p.59.
213
79
companheiro se limita e se restringe aos bens adquiridos onerosamente na vigência
da união estável durante o tempo de convivência.”215
Neste sentido, esclarece Tatiani Bianco:
mas não será tarefa fácil distinguir quais bens foram adquiridos,
onerosamente, por um dos companheiros, independentemente do
bem estar em nome de um só deles, pois existe o auxílio mútuo, que
não poderá ser desconsiderado pelo julgador, ou até mesmo as
contribuições financeiras por parte de um dos companheiros, que,
porém, na hora da celebração do contrato ou da escritura, não fora
adicionado o nome do companheiro contribuinte. Enfatiza-se,
também, a possibilidade de outros tipos de aquisições e
contribuições, tais como: alimentos, vestuário, saúde, educação,
apoio moral em benefício do outro companheiro ou da prole, que não
aparecerão, futuramente, no campo contratual para eventual
divisão.216
Para Silvio Rodrigues, não se pode chegar a outra conclusão, diante do
imperativo da regra contida no caput do art. 1.790.
A não ser que o intérprete, a título de dar interpretação construtiva,
ingresse no campo da criação normativa, tomando o espaço e o
lugar do legislador, o que lhe é vedado; mas, reconheço, às vezes
tem sido praticado, para corrigir falhas gritantes e erronias contidas
217
em alguns preceitos.
Entretanto, o art. 1.790, embora deslocado, é demonstração evidente de que
o companheiro é beneficiado na Sucessão Legítima, embora a matéria tenha
algumas questões que necessitam cuidado especial de entendimento. Este
dispositivo estabelece direito hereditário ao companheiro apenas quanto aos bens
adquiridos a título oneroso na vigência da união estável. Embora concorra com os
demais
herdeiros,
tanto necessários
(descendentes
e ascendentes) como
facultativos (colaterais), essa participação do companheiro se dá tão somente
quanto aos bens adquiridos onerosamente e na vigência da união estável.218
215
In: FREITAS, Douglas Phillips (Org.). Curso de direito das sucessões. Blumenau: Nova
Letra, 2006. p.305.
216
In: FREITAS, Douglas Phillips (Org.). Curso de direito das sucessões. p.136.
217
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p.271.
218
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p.271.
80
Neste sentido comenta Giselda Maria Hironaka:
a sucessão de pessoas que viviam em união estável até o momento
de sua morte não dependerá, para a concorrência do companheiro
com os demais herdeiros, da verificação do regime de bens adotado
por contrato de convivência, ou mesmo por forma tácita, acatando as
regras do regime legal por força de disposição legal supletiva, mas
dependerá da origem dos bens que componham o acervo hereditário
deixado pelo de cujus.219
Ainda para esta autora220, o companheiro sobrevivente participará na
sucessão do outro apenas quanto aos bens adquiridos durante a convivência, ou
seja, a concorrência ocorrerá justamente quanto aos bens que o companheiro já é
meeiro.
Assim, se durante a união estável não houve, pelos companheiros, aquisição
a título oneroso de nenhum bem, “não haverá possibilidade de o sobrevivente herdar
coisa alguma, mesmo que o falecido tenha deixado um enorme patrimônio formado
anteriormente à constituição da união estável.”221
Neste caso, Silvio de Salvo Venosa escreve que “o testamento é, por assim
dizer, o único meio em que o convivente poderá ser beneficiado com patrimônio
mais amplo do que aquele ali definido”, consoante nos termos do art. 1.790.222
Além disso, Giselda Maria Hironaka faz outra diferenciação decorrente do
estado civil que unia o falecido ao sobrevivente, no que diz respeito à abrangência
da restrição relativa ao regime de bens ou origem do patrimônio:
[...] a restrição da espécie de bens sobre os quais ocorre a
concorrência do companheiro sobrevivente foi expressa no caput do
art. 1.790, irradiando seus efeitos durante toda a vocação hereditária
estabelecida em seus incisos.223
219
HIRONAKA, Giselda Maria; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.).
sucessões e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.99.
220
HIRONAKA, Giselda Maria; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.).
sucessões e o novo código civil. p.99.
221
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. p.118.
222
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 4.ed. São
2004a. p.125.
223
HIRONAKA, Giselda Maria; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.).
sucessões e o novo código civil. p.99.
Direito das
Direito das
Paulo: Atlas,
Direito das
81
Zeno Veloso complementa escrevendo que a situação do companheiro
sobrevivente é também precária e débil quando concorre com os colaterais.
No direito sucessório brasileiro já estava consolidado e quieto o
entendimento de que, na falta de parentes em linha reta do falecido,
o companheiro sobrevivente devia ser o herdeiro, afastando-se os
224
colaterais e o Estado.
“O legislador não pode dar as costas para o fato social de que a família hoje é
menor, menos hierarquizada. Fala-se em família nuclear, na qual predominam os
laços de afetividade e os princípios da liberdade e igualdade.”225
Pela nova lei, o companheiro participará da divisão da herança, concorrendo
com os demais herdeiros, sejam descendentes, ascendentes ou colaterais, embora
não esteja incluída entre os herdeiros necessários. Registre-se que, no caso do
cônjuge, a participação se dá de forma diversificada, seja na distribuição dos
valores, seja na ordem do chamamento.
Conforme Washington de Barros Monteiro, a colocação do companheiro no
capítulo da ordem hereditária deveria, no mínimo, estar em paralelo com o cônjuge,
no capítulo d sucessão legítima.226
Corroborando com este pensamento leciona Ana Luiza Maia Nevares que o
mesmo não pode ser dito em relação ao companheiro.
Se a inclusão do cônjuge no rol dos herdeiros necessários foi uma
medida positiva operada pelo Código Civil de 2002, o mesmo não
pode ser dito em relação ao companheiro neste diploma legal, que só
recebe por herança os bens adquiridos a título oneroso na
constância da união estável, concorrendo na sucessão, inclusive,
com os colaterais (art. 1.790, III).227
Quanto ao direito de habitação, “sendo ou não herdeiro terá assegurado o
direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à moradia da família,
224
VELOSO, Zeno. O direito sucessório dos companheiros. p.243-256.
VELOSO, Zeno. O direito sucessório dos companheiros. p.243-256.
226
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p.88-89.
227
NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro.
Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, ano 8, n.36, p.139-169, jun./jul.,
2006.
225
82
desde que seja o único daquela natureza a inventariar.”228 Esta situação é
identificada na decisão a seguir:
EMENTA: SUCESSÃO. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO REAL DE
HABITAÇÃO. COMPANHEIRA SUPÉRSTITE. AÇÃO MOVIDA PELO
ESPÓLIO
REIVINDICANDO
IMÓVEL
QUE
SERVIA
DE
RESIDÊNCIA AO CASAL, PARTILHADO ENTRE OS FILHOS DE
FORMA AMIGÁVEL, SEM A INCLUSÃO DA CONVIVENTE.
DEFESA DO DIREITO DE HABITAÇÃO, NÃO DE PROPRIEDADE.
DIREITO REAL DE HABITAÇÃO, ENQUANTO VIVER OU NÃO
CONTRAIR NOVA UNIÃO A CONVIVENTE (LEI n. 9.278/96, ART.
7º,
§
ÚNICO).
AÇÃO
IMPROCEDENTE.
APELAÇÃO
DESPROVIDA... (TJ-RS, Apelação cível n. 70015179294, Rel. Des.
Luiz Ari Azambuja Ramos, julgado em 14/09/2006).
O Código Civil de 2002 contempla o cônjuge diferentemente do companheiro.
Nem um nem outro têm, atualmente, o direito ao usufruto de parte da herança. E
somente o cônjuge tem direito real de habitação. (art. 1.829 e art. 1.830).
Desse modo, há ocorrência de diferenças de tratamentos na Lei em relação
ao direito à herança cabível ao cônjuge e ao companheiro, ferindo o princípio
constitucional da igualdade. Sobre isso pode-se observar nas decisões expostas a
seguir, proferidas pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DIREITO
SUCESSÓRIO. COMPANHEIRA. Regida a Sucessão pelo atual
Código Civil de 2002, não há falar em direito da companheira a
quinhão no imóvel que decorre de herança do falecido. Conforme
disposto nos artigos 1.787 e 1.790 do CC, a agravante faz jus tão-só
aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável.
Precedentes. Recurso desprovido... (TJ-RS, Agravo de Instrumento
n. 70017785247, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, julgado
em 12/01/2007).
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. UNIÃO
ESTÁVEL.
DIREITO
SUCESSÓRIO
DO
COMPANHEIRO
SOBREVIVENTE. COLATERAIS. EXCLUSÃO. Quando o de cujus
não deixa descendentes ou ascendentes, o companheiro
sobrevivente tem direito à totalidade da herança, o que afasta o
direito
hereditário
dos
parentes
colaterais.
Precedentes
jurisprudenciais. AGRAVO PROVIDO. EM MONOCRÁTICA...
(TJ-RS, Agravo de Instrumento n. 70027645217, Rel. Des. Rui
Portanova, julgado em 25/11/2008).
228
NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro.
p.139-169.
83
EMENTA: CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO.
DECISÃO QUE IMPEDIU A PARTICIPAÇÃO DA COMPANHEIRA
NA SUCESSÃO AO ARGUMENTO DE QUE LHE BASTAVA A
MEAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE.
DIREITO
À
SUCESSÃO
ASSEGURADO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DOS ARTS. 1829, I,
1.725, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL. VEDADA A DISTINÇÃO ENTRE
CÔNJUGE E COMPANHEIRA PARA FINS SUCESSÓRIOS
OPERADA PELO ART. 1.790 DO REFERIDO DIPLOMA LEGAL.
INTELIGÊNCIA DO ART. 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
DECISÃO REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Os tribunais pátrios têm admitido a aplicação do art. 1.829, I, c/c art.
1.725 do referido Diploma Legal não somente para os cônjuges,
como também para os companheiros, colocando ambos em posição
de igualdade na sucessão. (TJ-SC, de São José, Agravo de
Instrumento n. 2007.035282-1, Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato,
julgado em 21/08/2008).
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA
DE EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. FALECIMENTO DO
COMPANHEIRO. PEDIDO PARA PERMANÊNCIA NA POSSE E
ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DO DE CUJUS. TUTELA DEFERIDA
À COMPANHEIRA. IRRESIGNAÇÃO DA FILHA MENOR DO
FALECIDO. ALEGAÇÃO DE USO DESORDENADO DO ESPÓLIO.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
Cuidando-se de demanda ajuizada com o fito de ver declarada a
existência de união estável contra a filha menor do primeiro
casamento do companheiro falecido, pode o magistrado, ante prova
razoavelmente convincente, antecipar parte da tutela e permitir que a
companheira permaneça na posse da administração dos bens
adquiridos na constância da união estável. (TJ-SC, de Capital /
Estreito, Agravo de Instrumento n. 2003.029238-1, Rel. Des. Eládio
Torret Rocha, julgado em 16/05/2008).
Desse modo, restringir a incidência do direito sucessório do companheiro
sobrevivente aos bens adquiridos onerosamente pelo de cujus na união estável não
tem nenhuma razão. Isto é,
não tem lógica alguma e quebra todo o sistema, podendo gerar
conseqüências extremamente injustas. A companheira de muitos
anos de um homem rico, que possuía vários bens na época em que
iniciou o relacionamento afetivo, não herdará coisa alguma do
companheiro se este não adquiriu outros bens durante o tem o da
convivência. Ficará essa mulher - se for pobre - literalmente
desamparada. Mormente quando o falecido não cuidou de beneficiála em testamento.229
O problema se mostra mais grave e delicado se for considerado que o novo
229
NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro.
p.139-169.
84
Código Civil nem fala no direito real de habitação sobre o imóvel destinado à
residência da família, ao regular a sucessão entre companheiros, deixando de
prever, em outro retrocesso, o beneficio já estabelecido no art. 70, Parágrafo único,
da Lei n. 9.278/96.230
Para Zeno Veloso “vê-se, então, não só que a posição sucessória do
companheiro sobrevivente está profundamente diminuída na concorrência com
ascendente do de cujus”231, como apresenta discordância se comparada com a
solução legal no caso da concorrência do cônjuge sobrevivente com os ascendentes
do falecido.
Não havendo parentes sucessíveis, o companheiro sobrevivente recebe a
integralidade da herança (art. 1.790, IV).
Esta totalidade é aquela a que o companheiro sobrevivente está
autorizado a concorrer (bens adquiridos onerosamente na constância
do casamento). Assim, sendo maior o patrimônio do falecido, aqueles
bens não contemplados no caput do art. 1.790, serão tidos como
herança jacente, passando para o Município ou Distrito Federal, se
localizados nas respectivas circunscrições ou à União, quando
situados no Território Federal.232
Neste sentido, ao criticar o art. 1.790, Euclides de Oliveira entende que:
demais disso, considere-se a hipótese de o falecido ter deixado
apenas bens adquiridos antes da união estável, ou havidos por
doação ou herança. Então, o companheiro nada herdará, mesmo que
não haja parentes sucessíveis, ficando a herança vacante para o
ente público beneficiário (Município ou Distrito Federal), se localizada
nas respectivas circunscrições, ou União, quando situado em
233
Território Federal - art. 1.844 do NCC).
Sobre este mesmo assunto, César Fiúza afirma que:
seria absurdo interpretar a norma no sentido de colocar o
companheiro em situação inferior à Administração Pública. Ao se
interpretar o art. 1.790 apenas de acordo com seu caput, poderá
ocorrer o caso em que o companheiro nada herdará, por não haver
230
NEVARES, Ana Luiza Maia. Os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro.
Revista Brasileira de Direito de Família, p.139-169.
231
VELOSO, Zeno. O direito sucessório dos companheiros. p.243-256.
232
VELOSO, Zeno. O direito sucessório dos companheiros. p.243-256.
233
apud GONÇALVES, Carlos. Sinopses jurídicas - Direito das sucessões. 5.ed. São
Paulo: Saraiva, 2002.
85
patrimônio adquirido a título oneroso durante a união estável.
Supondo que haja outro patrimônio, este seria incorporado aos
cofres municipais. Tal situação iria muito além das raias do
absurdo.234
Portanto, o dispositivo não está em consonância com a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, uma vez que a Lei Maior reconhece a união
estável como entidade familiar. Sendo um dos objetivos do Direito Sucessório a
perpetuidade do patrimônio da família do de cujus, não deve prosperar a
interpretação literal do caput do art. 1.790, que afasta do patrimônio hereditário do
companheiro os bens individuais deixados pelo autor da herança.
Com clareza Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery prelecionam que
com a limitação do dispositivo supracitado, em seu caput, é de se indagar se o
legislador ordinário quis excluir o companheiro da sucessão desses bens, fazendo
com que a sucessão deles fosse deferida ao Poder Público.
Parece que não por três motivos: a) o CC, em seu art. 1.844 manda
que seja devolvida ao ente público, apenas na hipótese de o de cujus
não ter deixado cônjuge, companheiro ou parente sucessível; b)
quando o companheiro não concorre com parente sucessível, a lei se
apressa em mencionar que o companheiro terá direito à totalidade da
herança (CC, art. 1.790, IV), fugindo do comando do caput, ainda
que sem muita técnica legislativa; c) a abertura de herança dá-se
quando não há herdeiro legitimo (CC, art. 1.819) e, apesar de não
constar do rol do CC, em seu art. 1.828, a qualidade sucessória do
companheiro é de sucessor legítimo e não de testamenteiro.235
Para tornar a situação mais grave e intolerável, assim dispõe a severa
restrição do caput do art. 1.790, “o que o companheiro sobrevivente vai herdar
sozinho não é todo o patrimônio deixado pelo de cujus, mas apenas o que foi
adquirido na constância da união estável e a título oneroso.”
Uma interpretação equivocada seria “o companheiro terá direito a todos os
bens adquiridos onerosamente, durante a união estável, incorporando-se os demais
bens ao patrimônio do Município em que se acharem.”236
234
FIÚZA, César. Novo direito civil. 7.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.867. [Curso
completo de acordo com o Código Civil de 2002].
235
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil anotado e legislação
extravagante. 2.ed. rev. e ampl. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2003. p.784.
236
FIÚZA, César. Novo direito civil. p.872.
86
Mas uma interpretação correta seria “é que não havendo nem descendentes,
nem ascendentes, nem colaterais, o companheiro herda todo o acervo hereditário, e
não só o adquirido onerosamente durante a união estável.” E os direitos hereditários
dos companheiros foram estabelecidos, em princípio, em concorrência e não com
exclusividade.237
Na opinião de Zeno Veloso, existe uma grande disparidade no tratamento
dado entre cônjuge sobrevivente e companheiro, no que diz respeito à posição de
cada um na ordem preferencial dos chamados a herdar.
Na sociedade contemporânea, já estão muito esgarçadas, quando
não extintas, as relações de afetividade entre parentes colaterais de
4º grau (primos, tios-avós, sobrinhos-netos). Em muitos casos,
sobretudo nas grandes cidades, tais parentes mal se conhecem,
raramente se encontram. E o novo Código Civil Brasileiro que
começou a vigorar no Terceiro milênio, resolve que o companheiro
sobrevivente, que formou uma família, manteve uma comunidade de
vida com o falecido, só vai herdar, sozinho, se não existirem
descendentes, ascendentes, nem colaterais até o quarto grau do de
cujus. Temos que convir. Isso é demais! Sem dúvida, neste ponto o
238
C.C. não foi feliz.
Para Caio Mário da Silva Pereira239, a expressão herança constante nos
incisos III e IV do art. 1.790 deve ser interpretada em seu sentido próprio, “mais
abrangente do que bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.”
Diante de todo o exposto, faz-se necessário uma nova redação para o art.
1.790 do Código Civil. Neste sentido, Ricardo Fiúza considera que é fundamental
“promover uma reforma legislativa para que a sucessão entre companheiros seja
regulada de forma idêntica à sucessão entre cônjuges, dada a evidente paridade das
situações.”240
O Código Civil de 2002 no tocante do direito sucessório dos companheiros foi
sucinto ao explicitar em apenas um artigo toda a matéria referente com uma difícil
interpretação, que traz à tona uma gama de discussões doutrinárias e
jurisprudenciais. Sobre isso, avalia Zeno Veloso que:
237
In: FREITAS, Douglas Phillips (Org.). Curso de direito das sucessões. p.309-310.
VELOSO, Zeno. O direito sucessório dos companheiros. p.255.
239
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 15.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p.156. [v.6 - Direito das Sucessões].
240
In: FREITAS, Douglas Phillips (Org.). Curso de direito das sucessões. p.309-310.
238
87
a lei não está imitando a vida, nem se apresenta em consonância
com a realidade social. O próprio tempo se incumbe de destruir a
obra legislativa que não seguiu os ditames do seu tempo, que não
obedeceu as indicações da história e da civilização.241
Segundo Patrícia Fontabella Rosa, a discussão em torno do Direito
Sucessório dos companheiros fica a cargo dos tribunais pátrios, que traçarão o
verdadeiro entendimento acerca da sucessão entre companheiros, prevista no art.
1.790, do Código Civil de 2002.242
Sobre este tema, o Des. Ricardo Raupp Ruschel destaca a existência de
Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional, propondo a revogação do art.
1.790 e a alteração do art. 1.829 do Código Civil de 2002 (Projeto de Lei n.
4.944/2005 - de autoria do Deputado Antônio Carlos Biscaia), que é fruto de estudo
realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família. Para este estudioso, “primar
pela aplicação literal da regra prevista no art. 1.790, III, da nova Lei Civil, além de
afrontar o princípio da eqüidade, viola também o princípio da vedação do
enriquecimento sem causa [...]”
Uma síntese das posições doutrinárias e jurisprudenciais está descrita no item
a seguir.
3.2.1 Síntese das posições doutrinárias sobre a (in)constitucionalidade do art.
1.790
Muitos doutrinadores e juristas têm opiniões contrárias à redação atribuída ao
art. 1.790 e seus incisos, no Código Civil de 2002. Estas posições podem ser
constatadas nas transcrições a seguir.
“Configurou
verdadeiro
retrocesso
relativamente
à
sucessão
dos
companheiros, eis que limita-se aos bens adquiridos a título onerosos constância da
união estável” (PATRÍCIA FONTANELLA ROSA).
“Colocou o companheiro em posição infinitamente inferior à que ostenta o
cônjuge” (ZENO VELOSO).
241
VELOSO, Zeno. O direito sucessório dos companheiros. p.255.
ROSA, Patrícia Fontanella. União estável a eficácia
regulamentadoras.
242
temporal
das
leis
88
“As regras sucessórias previstas para a sucessão entre companheiros no
Novo Código Civil são inconstitucionais. Na medida em que a nova Lei substantiva
rebaixou o status hereditário do companheiro sobrevivente em relação ao cônjuge
supérstite, violou os princípios fundamentais da igualdade e da dignidade” (DES.
RUY PORTANOVA, 18/11/2004).
“A nova disciplina dos direitos sucessórios dos companheiros é considerada
pela doutrina um evidente retrocesso e cita a Lei n. 8.971/94” (CARLOS ROBERTO
GONÇALVES).
“Merece censura e crítica severa por que é deficiente e falho em substância.
Significa um retrocesso evidente, representa um verdadeiro equívoco” (ZENO
VELOSO).
“[...] É impossível conciliar, do ponto de vista matemático, as disposições dos
incisos I e II do art. 1.790” (ZENO VELOSO).
“[...] Em observância ao princípio da eqüidade, assegurando-se igualdade de
tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano sucessório. [...] a
Constituição Federal não confere tratamento iníquo aos cônjuges e companheiros,
tampouco faziam as Leis que regulamentavam a união estável antes do advento do
Novo Código Civil, não podendo, assim, prevalecer a interpretação literal do art.
1.790, sob pena de se incorrer na odiosa diferenciação, deixando ao desamparo a
família constituída pela união estável, [...]” (RICARDO RAUPP RUSCHEL,
12/09/2007).
“Por reprovável impropriedade técnica, deixou o legislador de contemplar, na
ordem de vocação hereditária, o direito sucessório decorrente da união estável [...]”
(FRANCISCO JOSÉ CAHALI e GISELDA MARIA HIRONAKA).
“[...] A grande disparidade de tratamento entre a posição sucessória do
cônjuge e do companheiro vai de encontro aos fundamentos constitucionais” (JOSÉ
LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA).
“Faz-se necessário que o Código Civil de 2002 seja reformado no que tange
à sucessão dos companheiros, para que seja obedecido o comando constitucional
constante no art. 226, caput, §3°” (JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA).
“[...] não é aceitável, assim, que prevaleça a interpretação literal do art. 1.790
do Código Civil de 2002, [...] o que implicaria em ‘verdadeiro retrocesso’ social frente
à evolução doutrinária e jurisprudencial do instituto da união estável havida até
então” (DES. MARIA BERENICE DIAS e DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS).
89
“A sucessão do companheiro no Código Civil de 2002 regulou o direito
sucessório dos companheiros com enorme redução, com dureza imensa, de forma
tão encolhida, tímida e estrita, que se apresenta em completo ‘divórcio’ com as
aspirações
sociais,
as
expectativas
da
comunidade
jurídica
e
com
o
desenvolvimento de nosso direito sobre a questão. [...] Que faz a leitura
constitucional como sendo iguais todas as entidades familiares, a distinção
evidenciada no Novo Código Civil é tida como inaceitável discriminação” (SILVIO
RODRIGUES).
“Faz-se necessário uma nova redação do Código Civil de 2002, com o intuito
de se dar a evidente paridade das situações” (RICARDO FIÚZA).
“A lei não está imitando a vida, nem se apresenta em consonância com a
realidade social [...]” (ZENO VELOSO).
Diante do exposto, sabe-se que a discussão ficará a cargo dos tribunais,
mas novos estudos sobre a (in)constitucionalidade do art. 1.790 e seus incisos são
fundamentais, somando-se aos estudos anteriores efetuados pelo Instituto Brasileiro
de Direito de Família. Os estudos do referido Instituto gerou o Projeto de Lei n. 4.944
de 2005, que está em tramitação no Congresso Nacional, propondo a revogação do
art. 1.790 e a alteração do art. 1.829 do Novo Código Civil, em defesa do princípio
da igualdade e da dignidade.
90
4 CONCLUSÃO
Ao terminar esta Monografia acredita-se que o questionamento de pesquisa
“Há possibilidade de infrigência do Princípio Constitucional de Igualdade pela
diferenciação prevista no Código Civil de 2002 com relação aos direitos sucessórios
do cônjuge e do companheiro?” foi respondido.
O objetivo geral “Avaliar a diferenciação de tratamento entre a posição
sucessória do companheiro e do cônjuge” foi atendido na revisão de literatura do
capítulo 2, onde foram demonstradas as inovações decorrentes no Código Civil de
2002 no direito sucessório, identificando as diferenças de tratamento dado ao
cônjuge e ao companheiro, com base no art. 1.790, em relação ao art. 5º da
Constituição da República Federativa do Brasil, e resgatando as jurisprudências
sobre a (in)constitucionalidade do art. 1.790 e demonstrando as posições dos
juristas críticos frente à diferenciação dada ao cônjuge e ao companheiro no direito
sucessório, constantes no capítulo 3 deste estudo.
As
hipóteses
deste
estudo:
a) Por
ter
o constituinte
brasileiro
recomendado no art. 226, §3º da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 - “que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em
casamento” -, não concedeu aos companheiros o mesmo status dado aos
cônjuges, que terão maiores direitos em relação à herança quanto ao
falecimento de seu parceiro; e b) A união estável recebeu da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 o reconhecimento de entidade familiar,
nas mesmas condições do casamento e da família monogâmica. Não pode a
legislação infraconstitucional tratar de forma diferenciada o direito de herança
em favor do cônjuge e do companheiro, quando do falecimento do parceiro,
foram confirmadas quando se desenvolveu o capítulo 3 e buscou-se analisar na
doutrina e nos julgamentos dos Tribunais de Justiça Estaduais brasileiros os
entendimentos quanto aos direitos sucessórios dos cônjuges e dos companheiros.
Na revisão de literatura o capítulo 1 abordou o tema “família”, sua formação, o
reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro, as formas, e as nomenclaturas
utilizadas. Este capítulo atendeu o primeiro objetivo específico quando descreve a
entidade familiar e o reconhecimento jurídico das novas formações.
91
O capitulo 2 abordou o tema “sucessão”, mostrando sua evolução, a
propriedade, a herança e os herdeiros no Direito brasileiro, e os tipos, com base na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e no Código Civil de 2002.
Este capítulo atendeu o segundo objetivo específico quando descreveu pontos que
foram inovados no Código Civil de 2002, no que se refere ao direito sucessório do
cônjuge e do companheiro, em relação à legislação então vigente em respeito aos
princípios e normas constitucionais.
O capítulo 3 abordou o tema “sucessão do cônjuge e do companheiro” na
legislação vigente (foco deste estudo), e a (in)constitucionalidade do art. 1.790, que
fere o Princípio da Igualdade Constitucional no direito sucessório, apresentando as
posições doutrinárias e jurisprudenciais. Este capítulo atendeu o último objetivo
específico quando demonstra as posições doutrinárias e jurisprudenciais divergentes
sobre os direitos do cônjuge e do companheiro, constantes no art. 1.790 do Código
Civil de 2002.
Diante do exposto, e com base no capítulo 3, conclui-se que há inúmeras
divergências jurisprudenciais a favor da aplicação igualitária dos direitos do cônjuge
e do companheiro no direito sucessório, a respeito da aplicação do art. 1.790, do
Código Civil de 2002.
Na análise do conteúdo da revisão de literatura pode-se constatar que as
relações familiares sofreram um avanço nas uniões informais, modificando as
espécies, porém algumas posições de doutrinadores não acompanharam este
processo, como podem ser constatadas nos posicionamentos a favor do art. 1.790
do Código Civil de 2002 na revisão de literatura deste estudo.
Como se pode constatar no capítulo 3 houve um retrocesso na legislação
que trata da união estável, quanto à diferenciação dada entre as duas espécies de
formação da entidade familiar, ocorrendo aí uma afronta ao Princípio da Igualdade e
Dignidade da pessoa humana. Aqui se pode concluir que o Código Civil de 2002, em
seu art. 1.790 e art. 1.829, deixa lacunas no que tange à sucessão dos
companheiros, não obedecendo ao art. 226, caput, §3° da Constituição da República
Federativa do Brasil, sendo necessário uma nova redação, com o intuito de se dar a
evidente paridade das situações.
92
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1 – Família