Universidade
Estadual de Londrina
ELISABETE NUNES DOS SANTOS GOMES
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS:
O CARÁTER EDUCATIVO DA LIBERDADE ASSISTIDA
LONDRINA
2009
ELISABETE NUNES DOS SANTOS GOMES
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS:
O CARÁTER EDUCATIVO DA LIBERDADE ASSISTIDA
Trabalho
de
Conclusão
de
Curso
apresentado ao Departamento de Educação
da Universidade Estadual de Londrina.
Orientador: Prof. Maria Ruth Sartori
LONDRINA
2009
ELISABETE NUNES DOS SANTOS GOMES
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: O CARÁTER EDUCATIVO DA
LIBERDADE ASSISTIDA
Trabalho
de
Conclusão
de
Curso
apresentado ao Departamento Educação da
Universidade Estadual de Londrina.
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________
Maria Ruth Sartori da Silva
Prof. Orientador
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________
Zuleika A. Claro Piassa
Prof. Componente da Banca
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________
Sandra Regina Mantovani Leite
Prof. Componente da Banca
Universidade Estadual de Londrina
Londrina, _____de ___________de _____.
Dedico este trabalho a meu esposo Edney e
filhos (Eduardo e Pedro) , que se privaram de
minha presença e atenção durante o curso e,
especialmente durante a elaboração deste, me
apoiando sempre, cada um do seu modo.
AGRADECIMENTOS:
Agradeço a todos que me auxiliaram durante a construção deste
trabalho, sejam os professores ou colegas de turma(Lu, Manu) especialmente à
minha orientadora Maria Ruth Sartori, pela sua dedicação e empenho no
desenvolvimento do mesmo.
GOMES, Elisabete Nunes dos Santos. Medidas socioeducativas: O caráter
educativo da Liberdade Assistida. 2009. 54 fls. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação em Pedagogia) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2009.
RESUMO
A infância, fase considerada importante nos dias atuais, vive num tempo de direitos e de
proteção, mas não foi sempre assim. No Brasil colonial, as crianças e adolescentes não
possuíam status social elevado. O que se percebe é que, desde sempre, dispensou-se a
estes sujeitos um tratamento negligente, situações de abandono e ações paliativas por parte
do Estado e até de suas famílias, principalmente àqueles envolvidos com delitos. No período
higienista, estudos foram realizados com o objetivo de descobrir as causas da criminalidade
infantil, que, acreditava-se estarem ligadas aos aspectos físico, mental e até mesmo às
condições de pobreza. Com o passar do tempo, campanhas e movimentos em favor da
infância favoreceram a criação de novas leis sobre a mesma, assim como pressões em
torno dos serviços públicos direcionados a esta parcela da população, o que resultou na
criação de instituições de atendimento de caráter assistencialista voltados à infância. Frutos
destas pressões, foram criados o Código de Menores, de 1927, o de 1979 e o Estatuto da
Criança e do Adolescente(ECA), de 1990, sendo este último considerado uma referência no
tratamento da infância. O ECA estabelece normas que visam a proteção e desenvolvimento
integral da criança . Constam neste documento medidas protetivas, que evidenciam um
tratamento mais humanizado, digno, privilegiando a cidadania para com a infância,
especialmente às crianças e adolescentes que vierem a praticar atos infracionais e as
medidas socioeducativas, que estabelecem atendimento diferenciado para aqueles que
cometem atos infracionais, visto que até os dezoito anos, o sujeito é considerado incapaz de
julgar a ilicitude de suas ações. Portanto, a estes deve ser dispensado o tratamento previsto
no ECA, ou seja, as medidas socioeducativas. Neste trabalho, tratamos destas e de outras
questões referentes às políticas públicas voltadas à infância com o objetivo de identificar o
teor educativo e/ou pedagógico das medidas socioeducativas ; analisar se a proposta de
trabalho de uma instituição promotora de medidas socioeducativas fundamenta-se em
caráter pedagógico; verificar a existência de dados que comprovem a validade das mesmas
e a contribuição da medida de Liberdade Assistida(L.A) no processo de ressocialização e/ou
reabilitação dos jovens em conflito com a lei. Para tanto, utilizamos pesquisa bibliográfica,
entrevista com profissionais do Projeto Murialdo da cidade de Londrina, nos quais
constatamos que esta instituição não possui uma proposta de trabalho pautada em caráter
pedagógico mas que, tratando-se de um espaço de educação não formal, possui princípios
educativos não escolarizantes; que os dados analisados apresentam baixo nível de
reincidência, o que demonstra que as medidas são eficientes e que a maior contribuição da
medida L.A. na ressocialização dos jovens em conflito com a lei é o fato de promover a
criação e resgate de vínculos afetivos, a inclusão em programas sociais, assim como a
valorização destes sujeitos. Concluímos que, embora o Projeto Murialdo desenvolva um
bom trabalho relativo as medidas, existe, ainda um grande abismo entre o que a lei
estabelece e a realidade, o que não difere das outras políticas públicas voltadas não
somente à infância, mas à toda população.
Palavras-chave: Infância. Medidas socioeducativas. Políticas. Educativo.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
SAM
Serviço de Assistência ao Menor
PNBEM
Política Nacional do Bem Estar do Menor
FUNABEM
Fundação Nacional de Bem Estar do Menor
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
L.A
Liberdade Assistida
PSC
Prestação de Serviços à Comunidade
EPESMEL
Escola Profissional e Social do Menor de Londrina
FIA
Fundo Estadual da Infância e da Adolescência
SENAI
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAC
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
CENSE
Centro de Socioeducação
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 8
CAPÍTULO 1 - A CONDIÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE,
ESPECIALMENTE AQUELES EM CONFLITO COM A LEI, DESDE O BRASIL
COLÔNIA: UMA ABORDAGEM SOBRE A EXCLUSÃO E O CONTROLE
SOCIAL ..................................................................................................................... 11
1.1 A CRIANÇA E O ABANDONO ..................................................................................... 14
CAPÍTULO 2 - CRIMINALIDADE INFANTIL DO PONTO DE VISTA DOS
LABORATÓRIOS DE MEDICINA............................................................................. 18
CAPÍTULO 3 - AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INFÂNCIA ............................. 24
3.1 Medidas socioeducativas .................................................................................... 32
3.2 Liberdade Assistida ............................................................................................. 37
3.3 Caracterização do Projeto Murialdo .................................................................... 38
3.4 Perfil dos Adolescentes que cumprem medida de Liberdade Assistida em
Londrina .................................................................................................................... 45
3.5. Resultados e discussão...................................................................................... 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 50
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 52
8
INTRODUÇÃO
Verificando-se o problema dos adolescentes infratores e o
crescimento de sua participação em atos infracionais, surgiu a preocupação em
pesquisar suas possíveis causas, as políticas de atendimento direcionadas a estes
indivíduos, principalmente no que tange às medidas socioeducativas, apresentadas
pelo estatuto da criança e do adolescente.
O objetivo deste trabalho é identificar o teor educativo e/ou
pedagógico apresentado pelas medidas sócio-educativas, analisar em que medida
as instituições promotoras deste tipo de política apresentam uma proposta de
trabalho baseado em caráter pedagógico, verificar a existência de dados que
comprovem a validade das medidas socioeducativas e analisar a contribuição destas
medidas no processo de ressocialização e/ou reabilitação dos jovens infratores.
Diante da explicitação do problema da violência, em tempos atuais,
e o envolvimento de jovens e adolescentes em número cada vez maior nas
estatísticas do crime, causando problemas até mesmo dentro do âmbito escolar,
lugar onde deve ocorrer a formação do cidadão em nível integral, baseada na
construção da cidadania em seu mais amplo aspecto, indo estes parar nos
programas de socioeducação.
Nossa preocupação aqui é analisar o que estes programas podem
oferecer no sentido de resgatar os mesmos desta condição e questionamos se
existe um caráter educativo nas medidas socioeducativas, se estas são eficientes e
suficientes no processo de ressocialização e/ou reabilitação, visto que o aumento na
participação de adolescentes em atos infracionais pode ser associado à ineficiência
das mesmas.
A base desta pesquisa será bibliográfica, contando também com
entrevista com os profissionais que atuam no Projeto Murialdo da cidade de
Londrina, órgão executor das medidas socioeducativas, pois, estes instrumentos
podem nos auxiliar no sentido de validar nossa análise documental apresentando
dados da realidade.
Utilizaremos, na pesquisa bibliográfica, documentos e estudos
históricos, periódicos, publicações relacionadas a esta temática e legislação vigente
para atingirmos aos objetivos propostos. A entrevista será estruturada por meio de
9
questionário cuidadosamente planejado, com perguntas elaboradas em conexão
com os objetivos propostos, de modo que as respostas contemplem aos
questionamentos. No momento da entrevista, coletamos dados estatísticos, caso
existam, para serem analisados posteriormente.Com isso, o trabalho apresentará
fatos e dados da realidade vigente, possibilitando a análise e relação com
documentos.
Os sujeitos envolvidos neste trabalho foram as crianças e
adolescentes envolvidos com atos infracionais, considerados, muitas vezes,
enquanto marginalizados.
Nossa pretensão com esta pesquisa foi somar conhecimentos com
trabalhos já realizados e contribuir com outros indivíduos da comunidade acadêmica
que venham a se interessar por esta temática, sendo ele mais um referencial a ser
analisado.
A pesquisa contribuirá também com os profissionais da educação
que demonstram preocupação com este problema no sentido de levá-los a refletir e,
possivelmente direcionar sua prática visando colaborar para a melhor formação
desses jovens de forma que os auxiliem a seguir caminhos mais apropriados para
uma vida mais saudável e segura.
Considerando que a educação, ao utilizar-se do caráter educativo
presente nas medidas sócio-educativas, pode contribuir na formação desses jovens,
auxiliando-os a superar esta condição, a sociedade será beneficiada, podendo
contar com futuros adultos bem formados e emancipados social e politicamente.
O trabalho foi dividido em três capítulos, sendo que o primeiro,
denominado, A condição da Criança e do adolescente, especialmente aqueles
em conflito com a lei, desde o Brasil colônia: uma abordagem sobre a exclusão e
o controle social, faz um resgate histórico das condições em que as crianças e
adolescentes, principalmente os marginalizados, eram submetidos desde o Brasil
colonial e a situação de abandono dos “desvalidos”; o segundo , cujo título é:
Criminalidade Infantil do ponto de vista dos laboratórios de medicina aborda a
criminalidade do ponto de vista dos laboratórios de medicina, no período higienista,
em que surgiram preocupações e cobranças acerca de políticas protetoras para a
infância; e o terceiro capítulo, denominado : As Políticas Públicas para a infância,
trata das políticas públicas voltadas para esta população, abordando a legislação
10
construída desde o período colonial até os dias atuais, com o Estatuto da Criança e
do Adolescente e as medidas adotadas no caso de incidirem em atos infracionais.
Neste último capítulo, fazemos também a análise das medidas
socioeducativas, presentes no próprio Estatuto, direcionadas aos adolescentes
infratores, e abordamos especificamente a medida de liberdade assistida a fim de
respondermos aos questionamentos apresentados.
11
CAPÍTULO 1
A CONDIÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ESPECIALMENTE AQUELES
EM CONFLITO COM A LEI, DESDE O BRASIL COLÔNIA: UMA ABORDAGEM
SOBRE A EXCLUSÃO E O CONTROLE SOCIAL
Neste capítulo serão abordadas as condições às quais as crianças e
adolescentes eram submetidas desde o período colonial, a forma como eram
tratadas, sua importância no referido contexto considerando também a diferença ou
semelhança entre o tratamento dispensado às crianças e adolescentes de famílias
classificadas enquanto nobres ou pobres como também e, principalmente, escravas,
tendo como objetivo refletir sobre esta situação e analisá-las posteriormente
enquanto raiz de um problema social que atinge a população atualmente: os jovens
em conflito com a lei e os atos infracionais cometidos por eles, que tanto incomodam
nossa sociedade.
Historicamente, a criança nunca obteve um status social elevado em relação
à sociedade. Pelo contrário, o que se evidenciou desde sempre em se tratando do
atendimento dispensado a elas foram ações de caráter paliativo ou até mesmo de
total negligência não fosse a atenção da própria família. “Além de não serem ainda
um foco de atenção especial, não eram percebidas nem ouvidas. Nem falavam e
nem delas se falava[...] Quem eram as crianças?”(LEITE, 1997, p. 19).
A família sempre teve um papel importante, vale dizer o de maior relevância
no atendimento à criança, seja em seu aspecto físico, biológico, cultural, educacional
ou moral.
Segundo Cabral e Sousa (2008, p. 3), no Brasil, desde o período colonial,
evidenciam-se interesses mercantilistas europeus, sendo tratado como a mais
importante colônia portuguesa, aquela que supre de matéria prima e ouro a corte
portuguesa. Ao analisar os mecanismos de conquista, evidenciam-se práticas que se
tornaram necessárias para a expansão territorial, ampliação de poderes e domínio
das novas terras conquistadas.
Dentro das concepções destes autores, estas práticas marcaram fortemente a
população das quais se originam as classes marginalizadas destacadas como os
indígenas, os negros e as crianças, inclusive adolescentes, abandonados.
12
Destacam, ainda, o trabalho dos jesuítas, que se tornaram
responsáveis pela conversão, cristianização e humanização dos índios, utilizando
uma doutrina caracterizada pela moral e religião e projeto constando açoites e
castigos. O objetivo deste trabalho era o adestramento, visando à doçura e bons
comportamentos, já que a infância era um período propício para a catequização,
uma vez que nessa fase os valores ainda não haviam sido sedimentados.
Para estes autores, apesar do trabalho realizado pelos jesuítas, os
pequenos traziam marcas deixadas pela cultura indígena, que caracterizou como
idade perigosa, na qual se voltava às raízes, ou seja, a adolescência unia diversas
raças em uma luta pela sobrevivência nas mais adversas condições.
A escravidão é um fator de relevância a se considerar, pois
ocasionou influências no contexto das relações sociais e econômicas no Brasil
colonial. Naquele período, eram freqüentes os maus tratos e a mortalidade infantil
devido às péssimas condições de vida oferecidas aos escravos e suas famílias.
Mesmo com a promulgação da Lei do Ventre Livre, Brasil (2008) que
supostamente assegurou a condição de livre à criança nascida de escravas a partir
de então, percebe-se que os maus tratos continuavam, pois, naquele tempo, a
sociedade estava nas mãos dos senhores e estes exerciam formas de controle
social sobre a população escrava como também das crianças pobres.
De acordo com Arethuza (2008, p. 1) a referida Lei contribuiu para o
aproveitamento espoliativo da mão-de-obra escrava infantil, ou seja, foi mais um
mecanismo de regulamentação da situação de exploração do trabalho infantil.
Segundo a Lei, o filho da escrava era considerado menor até os
vinte e um anos, mas existiam algumas arbitrariedades presentes na mesma, como
cláusulas restritivas com o intuito de evitar a libertação dos menores, o que deixava
evidente que, apesar de livre, o filho da escrava não deixou de ser considerado mãode-obra.
Quando o filho da escrava completava oito anos, considerava-se que
nesta idade a criança já mostrava suas capacidades, a Lei permitia ao senhor
escolher a modalidade de libertação que lhe era mais conveniente e que quase
sempre era a de prestação de serviços . Desse modo, de oito a vinte e um anos,
configuravam-se treze anos de serviços prestados. Isso fica explícito na proposição
da Lei do Ventre livre:
13
A Assembléia Geral Decreta: Artigo 1º. Os filhos da mulher escrava,
que nasceram no império desde a data desta lei, serão considerados
de condição livre.§ 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob
a autoridade dos senhores e de suas mães, os quais terão a
obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos.
Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a
opção ou de receber do Estado indenização, ou de utilizar-se dos
serviços do menor até a idade de vinte e um anos completos. No
primeiro caso o governo receberá o menor e lhe dará destino, em
conformidade da presente lei. A indenização será paga em títulos de
renda com juro anual, que se considerará extinto no fim de 30 anos.
A declaração do senhor deverá ser feita dentro de trinta dias, a
contar daquele em que o menor chegar à idade de oito anos; e, caso
não a faça, ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos
serviços do mesmo menor. § 2º. Qualquer destes menores poderá
remir-se do ônus de servir. (BRASIL, 2008).
Fica claro que, mesmo assegurado o direito de liberdade pela respectiva lei,
tratava-se de uma liberdade ideológica na qual a criança estaria condenada a
prestar serviços a seu senhor até completar seus vinte e um anos, submetida, assim,
a diversos tipos de humilhações ou maus tratos.
As mães escravas cometiam infanticídios com o objetivo de livrar seus filhos
da condição de escravos, na qual seriam humilhados, maltratados, considerados
como animaizinhos de estimação, e até abusados sexualmente pelos seus senhores
ou familiares destes.
Nas casas de muitos fluminenses ricos, pode-se atravessar uma fila
de crianças de cabeça lanosa, na maioria despidas de qualquer
roupa, que têm licença de correr por toda a casa e de se divertirem
vendo as visitas. Nas famílias que têm alguma tintura de costumes
europeus, esses desagradáveis pequeninos bípedes são
conservados no quintal. Aonde quer que as senhoras da casa se
dirijam, esses animaizinhos de estimação são colocados nas
carruagens, e considerar-se-iam muito ofendidos em serem
esquecidos como qualquer filho espoliado. Eles são filhos da ama de- leite (LEITE, 1997, p.33)
As crianças das famílias nobres embora recebendo tratamento
diferenciado, também se encontravam em condição de excluídos, pois estes eram
deixados aos cuidados dos escravos. Estes deveriam dar-lhes o atendimento que
contemplasse às suas necessidades básicas.
14
A mãe brasileira quase invariavelmente entrega o seu filho a uma
preta para ser criado. Assim que as criaturas se tornam muito
incômodas ao conforto da senhora, são despachadas para a escola,
e coitado do pobre professor que tem de impor-se a esse espécime
irrequieto do gênero humano! Acostumado a dominar suas amas
pretas. (LEITE, 1997, p. 41)
A condição da criança e pode-se dizer do adolescente era de
marginalizados, sem direitos reconhecidos nem mesmo respeitados na sua
especificidade enquanto um ser em desenvolvimento. Esta era considerada um
adulto em miniatura, capaz de exercer funções e pensamentos propícios a um
adulto.
1.1 A CRIANÇA E O ABANDONO
Assim como as condições subumanas às quais as crianças e
adolescentes eram expostos relatadas anteriormente, será mostrado agora o
abandono presente naquele contexto de desvalorização e desrespeito para com a
figura da criança e alguns modelos de atendimento oferecidos de modo precário a
estes pequenos. Casos de famílias pobres, escravas, ou de pura rejeição a infância
e suas peculiaridades.
De acordo com Cabral e Sousa (2008, p. 5) ocorriam também muitos
casos de abandono das crianças. Estas eram deixadas nas portas das igrejas,
casas, ruas e até mesmo nos montes de lixo. Era um quadro assustador de
desrespeito à vida destes pequenos, começando a ser considerado um problema
que exigia solução. No Brasil, o atendimento às crianças seguia o modelo europeu.
Uma das instituições que iniciou o atendimento a estas crianças abandonadas foi a
Santa Casa de Misericórdia que criou, após muitas pressões e com o objetivo de
receber algum dinheiro em troca, a roda dos expostos, como
15
O nome da roda provém do dispositivo onde se colocavam os bebês
que se queriam abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por
uma divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição. No
tabuleiro inferior e em sua abertura externa, o expositor depositava a
criancinha que enjeitava. A seguir, ele girava a roda e a criança já
estava do outro lado do muro. Puxava-se uma cordinha com uma
sineta, para avisar a vigilante ou rodeira que um bebê acabava de
ser abandonado e o expositor furtivamente retirava-se do local, sem
ser identificado (MARCÍLIO, 1997, p.62).
Como podemos verificar nas imagens que seguem:
Figura 1: Roda dos expostos
Nas chamadas “rodas”, a primeira preocupação era o batismo, já
que tinham caráter missionário, a fim de salvar a alma da criança. Uma vez recebida
pela casa, a criança era criada por uma ama-de-leite até por volta dos três anos.
Havia também casos em que, por falta de recursos, a instituição procurava empregálos na forma de aprendizes, no caso de meninos, e como domésticas, no caso das
meninas.
O escrito elaborado por Marcílio (1997) afirma que a roda dos
expostos foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida, sobrevivendo aos
três grandes regimes de nossa história (Imperial, Militar e Republicano). Esta
instituição cumpriu um importante papel. Por quase um século e meio, foi
praticamente a única instituição de atendimento à criança abandonada em todo o
Brasil, sendo verdade que, na época colonial, as municipalidades deveriam, por
imposição das ordenações do Reino, amparar toda criança abandonada em seu
território.
Marcilio (1997) afirma que o fenômeno de abandonar os filhos é tão
antigo como a história da colonização brasileira, só que antes das rodas, os meninos
abandonados deveriam ser assistidos pelas câmaras municipais. Estas raramente
assumiam suas responsabilidades alegando falta de recursos,quando, na verdade,
havia descaso, omissão e pouca disposição, já que este serviço dava muito trabalho,
16
restando, assim para estes bebês abandonados a compaixão das famílias que os
encontravam.
Estas pensavam em utilizá-los, quando maiores, como mão de obra
familiar suplementar, gratuita e reconhecida; desta forma, melhor do que a escrava.
O sistema de roda dos expostos retrata a desvalorização e institucionalização do
enjeitamento das crianças abandonadas.Fica evidente que esta “compaixão” tinha
um interesse até explícito, que era utilizar esta criança abandonada como “escravo”.
Esta teria que dedicar sua vida a servir a família que a acolheu.
É enfatizado por Marcilio (1997) que as rodas dos expostos foram
muito poucas e insuficientes para atender à demanda e que parte considerável
destes acabavam morrendo, logo após o abandono, por fome, frio ou comidos por
animais antes que encontrassem uma “alma caridosa”.
Outra opção era a rodeira colocar o bebê recém-nascido em casa
de uma ama- de - leite, que eram mulheres extremamente pobres e ignorantes e
deveriam cuidar destas crianças até por volta dos três anos. Mas procurava-se
estimulá-las a permanecerem por maior tempo com os pequenos ou até mesmo
mantê-los sempre sob sua guarda. Nesse caso, até os sete anos, em alguns casos,
a Santa Casa pagava-lhes um pequeno montante, podendo elas, a partir daí
explorar o trabalho da criança de forma remunerada ou apenas em troca de casa e
comida.
Este sistema gerou fraudes e abusos de todo tipo, como por
exemplo, mães que abandonavam seus filhos na roda e, depois se ofereciam como
amas-de-leite do próprio filho, mas ganhando para isso. Havia também fraudes em
que as próprias pessoas da instituição eram coniventes.
A partir dos anos de 1860, surgiram inúmeras instituições de
proteção à infância desamparada. Uma Casa dos Educandos
Artífices foi criada no Maranhão, em 1855. No Rio de Janeiro fundouse o Instituto dos Menores Artesãos (1861); em Niterói (1882) foi
fundado o Asilo para a Infância Desvalida; uma colônia agrícola
surgiu em São Luís do Maranhão (1888). Colônias agrícolas
“orphanológicas” foram criadas na Bahia, Fortaleza e Recife.
(MARCILIO, 1997, p. 75)
Tal como citado por Marcílio (1997), as casas de Misericórdia não
podiam abrigar todas as crianças que voltavam do período de criação em casas de
17
amas, estes ficavam sem ter para onde ir e acabavam perambulando pelas ruas,
prostituindo-se, vivendo de esmolas ou de pequenos furtos. Assim, sujeitos a
chegarem à idade adulta com o caráter tão corrompido e com tanto horror ao
trabalho que lhes poderia parecer mais conveniente viver de latrocínios.
Havia também uma preocupação das rodas para com estas crianças
no sentido de buscarem famílias que pudessem ensiná-los algum ofício. Para os
meninos havia a possibilidade de serem enviados para as Companhias de
Aprendizes de Marinheiros ou de Aprendizes do Arsenal de Guerra, escolas
profissionalizantes dos pequenos desvalidos, dentro de dura disciplina militar.
Tal recomendação pode verificar-se no art. 63 do documento
imperial que regulamenta a instrução primária no município da corte:
Os meninos, que estiverem nas circunstancias dos Artigos
antecedentes, depois de receberem instrução do primeiro grão, serão
enviados para as companhias de aprendizes de arsenaes, ou de
Imperiaes Marinheiros, ou para as oficinas públicas ou particulares,
mediante um contracto, neste ultimo caso, com os respectivos
proprietários, e sempre debaixo da fiscalização do Juiz de Orphãos.
(BRASIL, 1854)
Esta preocupação, de ensinar um ofício a estas crianças, pode
refletir, embora de modo rudimentar e inadequado, uma relação de educação pelo
trabalho, ou seja, por meio do trabalho, implicando no desenvolvimento da cidadania
e de senso de responsabilidade por parte dos mesmos, também presente em
diferentes propostas de trabalho com menores, o que nos remete à análise de que,
enquanto aprendem algum ofício, não se empenharão em infringir as leis,
cometendo delitos, e, ao mesmo tempo, produzindo sua existência, desenvolverão
autoconfiança e responsabilidade.
18
CAPÍTULO 2
CRIMINALIDADE INFANTIL DO PONTO DE VISTA DOS
LABORATÓRIOS DE MEDICINA
Com a chegada da medicina higienista no final do século XIX,
médicos começaram a pensar novas formas de tratamento para as crianças
enjeitadas, até mesmo como uma tentativa de extinguir as rodas de expostos,
preocupados com o alto índice de mortalidade infantil no Brasil, uma vez que os
cuidados com a higiene eram precários ou ignorados.
Neste capítulo, o objetivo é mostrar que a criminalidade já era alvo
de preocupações e que esta se mostrou presente há bastante tempo em nosso país;
uma possível relação preconceituosa que articula pobreza com criminalidade e a
idéia de que esta talvez fosse uma questão ligada à estrutura física, biológica e
social do indivíduo, apresentando possíveis traços diante de análises.
Na abordagem acerca do tema, Corrêa (1997) relata sobre o
Laboratório de Biologia Infantil que funcionava no Instituto de Identificação do Rio de
Janeiro, fundado e dirigido pelo professor Leonídio Ribeiro. Este fez em 1937 uma
conferência em Lisboa que saiu publicada no ano seguinte no volume dos Archivos
de Medicina Legal com o título de “A criança e o crime”. Este trabalho era destinado
a realizar o estudo completo, sob o ponto de vista médico e antropológico, dos
menores abandonados e delinqüentes, a fim de apurar as causas físicas e mentais
da criminalidade infantil no Brasil.
Fica evidente a preocupação com a criminalidade infantil desde
aqueles tempos, isso nos mostra que este problema não está presente apenas nos
dias atuais, mas que tem raízes profundas talvez pouco divulgadas anteriormente à
sociedade. Nota-se também a vinculação entre criminalidade e pobreza, ou seja,
acreditava-se que os pequenos criminosos tinham origem das classes inferiores
(pobres, marginalizados), o que implica numa análise de que estas duas dimensões
encontram-se interligadas, não necessariamente sendo uma, a causa da outra.
De acordo com Corrêa (1997), naquele mesmo ano, o professor foi
delegado oficial do governo brasileiro ao primeiro Congresso de Psiquiatria Infantil
em Paris, e que mais tarde historiando a reunião para acadêmicos afirmava que
existia uma nova ciência destinada especialmente ao estudo das crianças difíceis e
19
anormais, com o auxílio da qual seria possível realizar a obra benemérita de
profilaxia não só das doenças mentais como também do próprio crime.
O professor Ribeiro continua seu discurso referindo-se a uma
campanha em que estariam os médicos agindo em favor da criança afirmando que a
medicina e os médicos teriam papel preponderante e eficiente nesta luta. Ou seja, a
observação médica dos criminosos de todas as idades, de forma sistemática e
completa, antes e depois do crime, não só em institutos especializados para tanto,
mas também em anexos psiquiátricos, não apenas para seu tratamento, mas ainda,
e principalmente, possibilitando o estudo das causas da criminalidade.
E, ainda, que as grandes linhas de reabilitação das crianças
deformadas, física ou moralmente, devem ser, pois, traçadas dentro do quadro da
medicina e da pedagogia. Atribui, dessa forma a tarefa de zelar e recuperar estas
crianças e jovens a estas duas áreas do conhecimento.
Uma abordagem com características semelhantes a esta vem de
Wadsworth (1999), que expõe o trabalho de Moncorvo Filho, importante
representante da luta pelos direitos das crianças e jovens, principalmente das mais
necessitadas, vítimas da negligência do Estado.
Segundo Wadsworth (1999, p. 3) a campanha em favor da
assistência à infância ganhou importante espaço na sociedade brasileira, inclusive
sobre muitas questões sociais, econômicas e políticas da época. Para muitos
médicos, políticos e advogados, o futuro da ordem social brasileira parecia depender
da capacidade do governo de resolver o problema da infância. O interesse com
relação à criança no Brasil também pode ser atribuído à organização no início do
século XX, de congressos promovidos pelo movimento pan-americano, ação que
envolvia toda a América na luta por diversas causas sociais, nos quais foi criado um
espaço internacional para troca de informações, idéias e debates, além de
exercerem forte pressão política, que resultou na criação de novas leis sobre a
infância.
Um dos representantes mais ativos deste movimento por modelos
de assistência à criança foi o higienista Dr. Arthur Moncorvo Filho. Ele publicou
quase
400
obras
em
defesa
desta
causa,
sendo,
assim,
reconhecido
internacionalmente.
Wadswort (1999, p. 4) afirma que Moncorvo Filho defendia o
empenho dos serviços públicos direcionados a esta área, criticava o descaso do
20
governo em relação à pobreza no setor urbano, chegando até mesmo a calcular o
impacto negativo que esta falta de atenção teria acarretado para as crianças do
país. Seu objetivo era evidenciar a negligência do governo em relação às crianças e
sublinhar o quanto tal postura comprometia o futuro da nação. Para ele, a nação
estaria prejudicada futuramente pelo fato de não prestarem socorro à infância, que
seria o suposto “futuro”.
O trabalho de Moncorvo Filho englobava metas que ele acreditava
serem eficazes para sua realização como: a organização que inspecionaria as amasde-leite, o estudo das condições de vida das crianças pobres, promoção de
providências no sentido de proteção contra abusos e negligência para com os
menores. Com isso, objetivava a realização de campanhas de vacinação,
disseminação de conhecimentos sobre doenças infantis, fundação de um hospital
para menores carentes, como também a criação de instituições com o mesmo
caráter. Os modelos institucionais propostos por ele fornecem uma perspectiva
singular a respeito da criação do sistema de assistência a infância no Brasil de modo
a explicitar como os médicos, advogados e políticos do período perceberam a
assistência à infância e que motivações tiveram para se envolverem nesta
campanha.
No início do ano de 1880, Moncorvo Filho fundou o Instituto de
Proteção e Assistência à infância no Rio de Janeiro. A partir de 1920, a entidade foi
transferida para outro prédio, na mesma cidade tornando-se o centro administrativo
responsável pela coordenação de todas as outras organizações criadas por
Moncorvo e do qual se originavam suas campanhas de educação e assistência. Em
1921, já havia cerca de dezessete agremiações deste caráter no Brasil.
Moncorvo Filho não ficou satisfeito em oferecer esses serviços por
meio de uma organização de caridade privada; ele esperava que o Instituto se
tornasse base de um programa nacional de assistência à infância. Criou também o
Departamento da Criança, órgão cujos estatutos estipulavam o estudo de diversos
aspectos da assistência à infância, tais como a manutenção de registros detalhados
das instituições privadas e oficiais de apoio a menores; a coleta de todo tipo de
dados estatísticos e demográficos; a realização de congressos, inclusive o Primeiro
Congresso Brasileiro da Proteção à Infância; e o estabelecimento de uma Exposição
ou Museu da Infância, esforço que também objetivava mostrar aos poderes públicos
os aspectos negativos do progresso.
21
De acordo com Wadsworth (1999, p. 5), no ano de 1922, o
presidente da República vetou uma proposta de lei que previa o reconhecimento do
Departamento como de utilidade pública nacional. A instituição funcionou até 1938 e,
em 1940, o governo federal criou o Departamento Nacional da Criança, no âmbito do
Ministério da Educação e Saúde Pública, com a finalidade de prestar os mesmos
serviços que o Departamento da Criança já vinha realizando.
O governo federal se empenhou em desenvolver ações semelhantes
e do mesmo caráter às de Moncorvo Filho, como por exemplo, organizar damas da
classe média e alta em projetos de assistência com o papel de promover novos
métodos de proteção à infância, confeccionar roupas para menores carentes, dar
cuidado médico, organizar eventos beneficentes para arrecadar donativos
(brinquedos para o dia das crianças, natal, entre outros).
Incorporando o público feminino no trabalho de proteção à infância,
revelam-se distinções de gênero presentes naquele contexto que reforçava a
dominação masculina, o papel sagrado da mulher e sua vocação biológica para a
maternidade. Enfatizava-se o papel da mulher como esposa, mãe e provedora de
modo que não se ameaçava os profissionais masculinos, já que as atividades
realizadas pelas mulheres eram aquelas consideradas como extensões naturais da
esfera doméstica, as quais conservariam a imagem pura e imaculada da mesma.
Vale ressaltar que a proposta de trabalho de Moncorvo era a real
proteção à infância, mas que por interferência de seguimentos da sociedade, foi
perdendo o foco agregando outros valores e concepções como o discurso higienista
e questões de classes sociais, que serão abordados mais a frente.
Com o auxílio das Damas da Assistência, Moncorvo organizou as
celebrações do Dia das Crianças (12 de outubro) que, em 05 de novembro de 1924,
foram institucionalizadas pelo presidente da República Artur da Silva Bernardes
como Dia Nacional das Crianças. As celebrações incluíam sessões grátis de filmes,
jogos, exposições de escoteiros, paradas, futebol e missas. O concurso de robustez
era um dos eventos mais importantes, neste, que acontecia uma ou duas vezes no
ano, as mães sortudas que apresentavam os bebês mais saudáveis recebiam um
prêmio. Para tanto, estas deveriam apresentar um atestado policial comprovando
sua pobreza e avaliação médica da saúde do bebê.
22
Figura 2: Concurso de robustez.
Na maioria das vezes os premiados eram bebês brancos, o que
Wadsworth destaca como marcas de preconceito racial, da mesma forma que a
figura da mulher era secundarizada em fotos do respectivo concurso nas quais
quase nunca apareciam ou tinham destaque. Predominava a figura dos homens.
Nestes concursos era apresentado o ideal médico e racial para a saúde, vigor e
beleza, fato que não era mera causalidade, como podemos verificar adiante:
Na década de 1920, a noção de que a mistura de raças constituía um
obstáculo ao desenvolvimento nacional e a crença de que o
branqueamento da população era a única forma de eliminar as
características indesejáveis, continuavam amplamente aceitas pelos
grupos dominantes. Estas concepções tentavam oferecer
justificativas científicas para as hierarquias tradicionais, que
passavam a enfrentar desafios mais agudos após a abolição da
escravidão (WADSWORTH, 1999, p. 8).
Evidencia-se, então mais um mecanismo de exclusão e discriminação social e
racial, uma vez que estes concursos estavam focados nas crianças e mães pobres,
o que revela uma preocupação da classe alta com a saúde destas crianças, talvez
com a finalidade de garantir mão-de-obra futuramente, pois, eram em grande
quantidade e consideradas enquanto potências para o trabalho, logo, não poderiam
ser desperdiçadas, fato que acarretaria em perda para a sociedade.
Este cuidado com as crianças e famílias pobres é vinculado ao
discurso higienista que disseminava a idéia de que a ameaça social provinha do
comportamento criminoso das classes baixas, cujas crianças sofriam de defeitos
profundos ou falta de cuidado dos pais e que poderiam quando adultos apresentar o
mesmo comportamento criminal. Assim, a sociedade deveria ser protegida desta
grande ameaça e isso se faria oferecendo o padrão de moralidade, felicidade, saúde
e bem estar das classes abastadas aos pobres. As causas estruturais da
23
desigualdade como salários baixos, falta de acesso a terra, entre outras, eram
completamente ignoradas, focando-se apenas nas questões de saúde, saneamento
inadequado e conduta criminal, por exemplo.
Faleiros (2005) enfatiza que a questão da criança e do adolescente,
nos primeiros anos da República foi considerada uma questão de higiene pública e
de ordem social com a finalidade de consolidar o projeto de nação forte, saudável,
ordeira e progressista. Nesse sentido, o Estado deveria ocupar-se da ordem, da vida
sem vícios, no combate às doenças que atingiam a infância desvalida, em situação
irregular, o que se compreendia como privada das condições de subsistência, de
saúde, de instrução, por omissão dos pais, além da situação de maus-tratos e
castigos, de perigo moral, de falta de assistência legal, de desvio de conduta por
desadaptação familiar ou comunitária, e de autoria de infração penal, ou seja, a
pobreza era a “situação irregular”. Assim:
Nessa perspectiva, que seguia a mesma concepção do código de
menores, de 1927, ser pobre era considerado um defeito das
pessoas, assim como situações de maus- tratos, desvio de conduta,
infração e falta dos pais ou de representantes legais. Para os pobres
em situação irregular ou em risco, dever-se-ia ter uma atitude
assistencial, e para os considerados perigosos ou delinqüentes, que
punham em risco a sociedade, dever-se-ia ter uma atitude de
repressão. A lei previa que os juízes decidissem os destinos da
criança, fosse sua internação, ou pela sua colocação em família
substituta, adoção, ou, ainda pela punição de pais e responsáveis.
(FALEIROS, 2005, p. 2)
Mais uma vez a vinculação entre pobreza e criminalidade se
evidencia, considerando o exposto pelos autores, fato que permanece presente até
os dias atuais na sociedade brasileira e suas relações.
24
CAPÍTULO 3
AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INFÂNCIA
Como se pode ver, a infância não foi uma dimensão priorizada em
seus aspectos mais singulares, com finalidades de atender suas especificidades,
mas que o atendimento voltado a ela visava à proteção dos ideais das classes
dominantes, como o de proteção ao seu patrimônio, de sua vida social sem
transtornos causados pelos desfavorecidos, e que somente o fato de existir uma
camada da população considerada como inferior já era alarmante e ameaçador para
os da classe abastada, necessitando, assim, de tratamento no sentido de minimizar
os prováveis efeitos negativos que poderiam surgir no futuro.
O presente capítulo abordará a criação das políticas públicas para a
infância e juventude, desde a primeira lei penal do Império, o código criminal de
1830 até as mais recentes como o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990
com o objetivo de refletir a existência de leis que asseguram os direitos das crianças
e adolescentes e analisar os possíveis problemas de implementação das mesmas,
especialmente no que se refere às medidas socioeducativas, aplicadas às crianças e
adolescentes que cometem atos infracionais.
De acordo com Cabral e Sousa (2008, p. 6) as primeiras
preocupações relacionadas às penalidades aos indivíduos menores de idade no
Brasil, surgem no período colonial, demonstrando o interesse de promover uma
diferenciação das medidas punitivas. Na primeira lei penal do Império, o código
criminal de 1830 é estabelecido a responsabilidade penal para menores a partir de
14 anos e seu recolhimento em Casas de Correção, que eram estabelecimentos
públicos onde se recolhiam os menores abandonados ou delinqüentes que tivessem
cometido alguma infração penal.
Ainda no século XIX D. Pedro II apresenta preocupação especial
pela formação educacional das crianças e, por este interesse particular para com a
educação, promulga leis que tratam do ensino primário e secundário, assim como
decretos que estabeleciam a obrigatoriedade do ensino a todos os meninos maiores
de sete anos.
Os autores afirmam que estas leis e decretos não abrangiam as
meninas. A pobreza não constituía uma restrição para o acesso ao ensino; apenas
25
os meninos portadores de moléstias contagiosas, os que não fossem vacinados e os
escravos eram considerados como exceções, logo, não poderiam participar da
atividade do ensino.
Tal recomendação pode ser verificada no art. 69 do decreto 1.331 de
17 de fevereiro de 1854, em seu artigo 69 “Não serão admitidos á matricula, nem
poderão freqüentar as escolas: 1º. Os meninos que padecerem de moléstias contagiosas. 2º
os que não tiverem sido vaccinados. 3º Os escravos (BRASIL, 1854).”
Os filhos de escravos aparecem na legislação somente a partir de
1871, com a promulgação da Lei do Ventre Livre, e mesmo assim, condicionada à
vontade do senhor.
A criação do termo “menor” foi um processo de construção histórico,
pois, considerando as regulamentações criadas e o tratamento para com as crianças
e adolescentes “desvalidas”, em situação irregular ou pobres, como se pode
perceber, era carregado de preconceitos e desvalorização dessa faixa etária. Os
menores sem poder econômico, sem origem nobre, filhos de escravas ou aqueles
em condição de marginalidade, foram sempre tratados como uma ameaça à
estabilidade e progresso sociais. O termo carrega, então, um valor depreciativo.
Os autores afirmam que o Imperador, com a preocupação de
recolher as crianças que vagavam pelas ruas e com a questão de formar uma
demanda de trabalhadores livres, toma as primeiras medidas efetivas, originarias do
poder público no Brasil, com a infância pobre. Surgem pelo império asilos nos quais
os menores, segregados do convívio social, recebiam o ensino elementar e o
profissionalizante. Os asilos tinham a função de internato destinado a recolher e
educar meninos.
Para Cruz, Hillesheim e Guareschim (2005, p. 2) a grande
quantidade de indivíduos vivendo pelas ruas configurava o resultado de mudanças
econômicas e políticas como o fim do regime de trabalho escravo e a imigração de
trabalhadores europeus acompanhados de um estreitamento do mercado de
trabalho e crescimento das áreas urbanas.
Mantidos no período da República, os asilos, por intervenção do
Estado, adotam uma política de atendimento baseada na internação, a fim de educar
ou recuperar o menor.
No período imperial do Brasil, os termos “menor” e “menoridade”
eram utilizados pelos juristas para determinar a idade como um dos critérios que
26
definiam a responsabilidade penal do indivíduo pelos seus atos; mas, para os
higienistas estes foram identificados como as crianças e os adolescentes pobres das
cidades, chamados de abandonados. Fica evidente que, de algum modo, já havia
uma preocupação no sentido de distinguir a infância da vida adulta, apesar de
rudimentar, pode-se considerar como um dos pequenos avanços do processo de
reconhecimento da infância enquanto uma dimensão especial com especificidades
diversas.
Cabral e Sousa (2008, p. 9) afirmam que a passagem do século XIX
para o século XX foi extremamente importante no que se refere à preocupação em
tratar a questão da população infantil e juvenil. Após a Abolição da Escravatura
(1888) e
com
a
Proclamação
da
República
(1889),
ocorreram
diversas
transformações sociais que implicaram em mudanças também no olhar lançado
sobre as crianças e adolescentes pobres, prevalecendo, ainda, a tendência
higienista sobre as discussões e práticas assistenciais, já que os conceitos de saúde
física e moral da família como célula social e da formação do cidadão trabalhador
coincidem com o ideal positivista da República e de higienização da pobreza.
Para estes autores, a fase inicial do período republicano foi bastante
profícua com relação à legislação brasileira para a infância. Já havia a preocupação
com a contenção da “delinqüência” e “vadiagem”. O início do século XX foi marcado
pela crítica à não diferenciação no tratamento destinado à criança, ao adolescente e
ao adulto “delinqüentes”, o que fez emergir as principais inovações nas leis,
instituindo-se em 1926 o código de menores.
Em 1927, o Decreto n. 17.943-A consolidou as leis de assistência e
proteção aos “menores”, buscando sistematizar a ação de tutela e de coerção que o
Estado passou a adotar, definindo-os como “delinqüentes” e “abandonados”, o que
acabou criminalizando a infância pobre, caracterizada desse modo, neste contexto
no qual o termo “menor” foi sendo popularizado e incorporado na linguagem comum,
além da instância jurídica.
De acordo com os autores, o drama da infância abandonada é
abordado nos discursos dos juristas, nos quais “menor abandonado” é definido como
um perigo para a sociedade, apesar de ser tratado como vítima.
Fato este que não difere da situação atual, na qual existe um belo
discurso de proteção à infância e juventude quando, na realidade, não passam de
papéis mortos, considerando a realidade vivida pela sociedade na qual também
27
existe a idéia de periculosidade em relação aos “menores infratores”, como o próprio
Estatuto da Criança e do Adolescente os caracteriza, no que diz respeito às atitudes
destes indivíduos para com a mesma sociedade.
Cruz, Hillesheim e Guareschim (2005, p. 3) acrescentam que, nesta
mesma década, a psicologia e a pedagogia lançaram um novo olhar a esta clientela,
organizando-se com o objetivo de estabelecer um modelo de educação diferenciado,
que promovesse a formação de novos cidadãos, considerados sadios e ativos.
Assim, disseminaram-se as campanhas e reformas denominadas “Movimento da
Escola Nova”. Este movimento valorizava o discurso científico, especialmente
aqueles vindos da psicologia, que objetivava melhor conhecer aquela a quem se
pretendia ensinar: a criança.
Desse modo, a Psicologia se insere na área da educação, tomando
as crianças como objetos psico-médico-biológico, passíveis de serem medidas,
testadas, ordenadas e denominadas normais e anormais. Portanto, esta área do
conhecimento apresentava-se capaz de delimitar as causas dos desvios de conduta,
utilizando-se de testes e de análises da personalidade infantil, o que possibilitava
ações preventivas e de correção das mesmas. Um exemplo dessa prática é o
Laboratório de Biologia Infantil já citado anteriormente. Vale ressaltar que este órgão
era vinculado ao juizado de menores.
A partir da década de 30 do século XX, foram instituídas algumas
mudanças relativas ao tratamento atribuído à infância e juventude, com
regulamentações referentes a esta especificidade, tal como segue adiante:
Nas décadas de 1930 e 1940, durante o período do Estado Novo
(1937-1945), o Governo Vargas instituiu mudanças no tratamento da
menoridade, ampliando a responsabilização penal para 18 anos e
fixando as bases de organização da proteção à maternidade, à
infância e à adolescência em todo o País. Aos poucos, o problema
da infância abandonada, “delinqüente” e “infratora” passa a ser
encarada não como um caso de polícia, mas como uma questão de
assistência e proteção, pelo menos no plano da lei, como forma de
prevenir a criminalidade do “menor” e a do adulto. (RIZZINI, 1995, p.
275)
Cabral e Sousa (2008, p. 8) afirmam que estas propostas de
proteção ao “menor” tinham o objetivo de “recuperar” os mesmos, porém, estava
embutida neste discurso a proposta de defesa da sociedade contra a proliferação de
criminosos.
28
Na prática, o que acontecia era apenas o recolhimento de crianças
nas ruas por meio de aparato policial e seu encaminhamento às diversas instituições
criadas neste período pelo Governo Vargas, que tentava centralizar a assistência ao
“menor”, por meio do Serviço de Assistência ao Menor (SAM) que apresentava
princípios modernos como educação e formação profissional a fim de atuar no
combate à criminalidade e na recuperação de delinqüentes, mas que se revelou
como uma instituição na qual se praticavam abusos e corrupção, o que lhe rendeu a
fama de “escola do crime”.
Os autores apontam, ainda para a proposta de atendimento ao
menor, após o golpe de 1964 na qual o governo militar propõe a Política Nacional do
Bem Estar do Menor (PNBEM), instituída pela lei n. 4.513, de 01 de dezembro de
1964, estabelecendo um sistema centralizado de atendimento ao menor e, em
substituição ao Serviço de atendimento ao menor, foi criada em 1965 a Fundação
Nacional de Bem Estar do Menor (FUNABEM), que mais tarde se tornaria a FEBEM,
esta convivia com a desconfiança da opinião pública, já que pesavam sobre ela a
herança das críticas ao SAM (Serviço de Atendimento ao Menor), considerada como
um órgão repressivo, uma universidade do crime.
O objetivo desta política era recolocar o menor numa situação de
ajustamento, acionando mecanismos preventivos, punitivos ou repressivos nos quais
estes eram levados a absorver a ideologia dominante acriticamente. O recolhimento
dos menores infratores agenciado pelo Estado atende ao objetivo de recuperação,
inculcando uma ideologia de integração por meio do trabalho, alienação política e
descaracterização cultural, ou seja, integrá-los na sociedade por meio de uma
adequação destes a valores. Isto leva ao pressuposto de que os atos e as condutas
anti-sociais são conseqüências de uma falha absorção de valores universais da
sociedade. Desse modo, caberia a instituição corretiva reeducar esses “menores”,
integrando-os ao mercado de trabalho.
Esta proposta seria inteiramente aceitável não fosse seu caráter de
alienação e descaracterização cultural.Somente por volta dos anos 1970 surgem
discussões em torno da criação de um novo Código de Menores, este que foi
instituído pela Lei 6.697, de 10 de outubro de 1979.
De acordo com os autores, embora fosse um novo código, este
apresentava muitos aspectos semelhantes ao de 1927, o que não resultou em
29
mudanças significativas no tratamento às crianças e adolescentes. Porém, esta lei
não teve longa duração.
Após a era das ditaduras ocorreram transformações importantes no
campo político-social brasileiro, surgindo, assim, novas práticas e influências na
legislação para a infância, tais como práticas de atendimento que ficaram
conhecidas como “alternativas comunitárias” e que trouxeram novas perspectivas
educacionais em relação à criança e ao adolescente de rua.
A partir daí, com o reconhecimento de que a política nacional de
bem estar do menor haveria fracassado, era necessário rever o papel do Estado,
considerando que esta responsabilidade deveria ser da sociedade como um todo.
Surgem no cenário brasileiro, articulações entre indivíduos, grupos e instituições em
defesa dos direitos das crianças. Este cenário de intensas articulações possibilitou
avanços com relação à defesa dos direitos humanos.
Cabral e Sousa (2008, p.14) apontam, ainda, que a Constituição
Federal foi promulgada em meio à organização de diversos grupos que se lançaram
em defesa de variadas causas sociais, e que os direitos da criança foram garantidos
na Carta Magna, pelo artigo 227, baseado em princípios da Declaração dos Direitos
da Criança, que mais tarde foram detalhados e ordenados pela Lei 8.069/90 ou
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que revoga o código de 1979.
Esta legislação visava oferecer alternativas mais dignas e humanas
ao atendimento existente, substituindo a doutrina de “situação irregular’ do Código
de Menores pela doutrina de proteção integral, o que promoveu uma lenta mudança
no olhar sobre a criança e o adolescente, passando estes a ser considerados
sujeitos de pleno direito e de dever na legislação brasileira.
Tal idéia também é expressa por Rizzini, Barker e Cassaniga (2008,
p. 3) destacando que o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção das
Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e um corpo de teorias e pesquisas
acerca do desenvolvimento infantil apóiam a noção de que as crianças a
adolescentes necessitam de cuidados e oportunidades adequadas e apropriadas
para que se desenvolvam de modo integral e harmonioso.
Nesta perspectiva, trata-se de um novo enfoque situar a criança na
chamada “era dos direitos”. O ECA refere-se aos direitos básicos de todas as
crianças, inclusive de convivência familiar e comunitária e ao lazer como parte
30
fundamental de sua socialização e de seu desenvolvimento enquanto ser humano.
Contudo, este aspecto da legislação ainda não recebe a devida atenção.
O
Estatuto
estabelece
normas
que
visam
à
proteção
e
desenvolvimento integral da criança e conclama a família, o Estado e a sociedade a
proverem condições apropriadas ao desenvolvimento de todas as crianças e
adolescentes, sem qualquer tipo de distinção ou discriminação. Nesse sentido, a
mudança visa à substituição de paradigmas que até então orientavam as políticas e
ações sociais.
Dentro desta perspectiva, repudiam-se as práticas assistencialistas,
estigmatizadoras e segregadoras que sustentaram por muitos anos a divisão entre
“crianças” e “menores”; procura-se redefinir os grupos sobre os quais as políticas
devem incidir.
De acordo com Faleiros (2005, p. 4) a implementação do ECA se
consolidou por meio da criação de um sistema de garantia de direitos que
compreende conselhos, promotorias, varas da infância, defensorias, delegacias,
SOS, e núcleos de assistência e atendimento. Nesse sentido, o autor destaca:
Segundo o IBGE, em 2001, havia conselhos de direitos em 72% dos
municípios, e conselhos tutelares em 55% deles. Em apenas 25%
não havia nenhum dos dois conselhos. As promotorias estão
presentes em 468 municípios, alcançando 43,8% na região Sul, as
defensorias em 148, as varas em 189, as delegacias em 268 e os
centros de defesa em 29.
É fato que esta mobilização em torno das políticas públicas para a
infância e juventude promoveu muitos avanços no decorrer dos últimos anos, o que
acarretou uma real mudança no sentido de assegurar direitos como educação, com
a democratização do acesso ao ensino fundamental; planos de erradicação da
violência sexual e do trabalho de crianças e adolescentes criados a partir de normas
e diretrizes do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente(
CONANDA); vários programas implementados no sentido de aplicar as medidas
protetivas e as medidas socioeducativas, previstas no ECA:
31
Medidas protetivas: Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo
poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como
substituídas a qualquer tempo. Art. 100. Na aplicação das medidas
levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se
aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários. Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas
no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre
outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou
responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação,
apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência
obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à
criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico,
psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - abrigo em entidade; VIII
- colocação em família substituta. Parágrafo único. O abrigo é
medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição
para a colocação em família substituta, não implicando privação de
liberdade. (BRASIL, 1990, p. 20).
Verificando o texto que descreve as medidas protetivas evidencia-se
um diferencial no tratamento para com infância, ou seja, um atendimento mais
humanizado, que sugere dignidade e cidadania, direcionado às crianças que vierem
a praticar atos infracionais. Neste aspecto, uma mudança do paradigma da doutrina
da situação irregular para a doutrina da proteção integral. (PEREIRA, 2004, p. 9).
Também foi estabelecido um atendimento diferenciado para com os
jovens em conflito com a lei, ou seja, os que cometem atos infracionais, estes que o
Estatuto define em seu artigo 103 enquanto conduta descrita como crime ou
contravenção penal, ressaltando, ainda, no art. 104 que os menores de dezoito anos
são penalmente inimputáveis, ficando estes sujeitos às medidas socioeducativas
previstas na mesma lei, art.102:
Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente
poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à
comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de
semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. (BRASIL, 1990, p. 22)
Entende-se que a preocupação exagerada dos legisladores em
relação à elaboração de medidas sócio-educativas recuperativas é explicada pelo
fato de o menor ser ainda um indivíduo em processo de construção da
personalidade, que por um ou outro motivo, comete delito, mas que ainda pode ser
32
resgatado para uma sociedade justa no futuro, afastando-o da grande possibilidade
que o ronda, no sentido de continuar a delinqüir, quando de sua imputabilidade.
Pereira (2004, p. 10) afirma que, em termos de conteúdo, método e
gestão, a legislação brasileira inova no sentido de que crianças e adolescentes são
sujeitos de direitos e prioridade absoluta das políticas públicas, portanto, portadores
de todo tipo de garantias, incluindo as processuais, destinadas a assegurar os
direitos consagrados; de que institucionaliza a participação popular na elaboração,
definição e controle das políticas públicas, por meio de Conselhos, tanto Conselho
de Direitos, como Conselho Tutelar.
3.1 AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
Nos dias atuais, temos presenciado em nosso cotidiano o aumento
considerável do nível de violência envolvendo crianças e adolescentes, o que pode
ser verificado nos noticiários; nos discursos apresentados pelos próprios envolvidos
nestes casos; no cenário escolar, apresentando quadros de agressões até mesmo
contra professores e funcionário das escolas, além dos próprios alunos que
freqüentam este ambiente.
Considerando este quadro de violência e as políticas destinadas à
infância e juventude, especificamente o Estatuto da Criança e do Adolescente, o
presente capítulo tem por objetivo analisar alguns motivos que impulsionam estes
jovens a cometerem atos infracionais, como as políticas lidam com esta clientela por
meio das medidas socioeducativas, o objetivo das medidas e suas contribuições no
processo de ressocialização.
Com reflexões semelhantes Queiroga (2003, p. 2) afirma que a
violência entre os adolescentes tem crescido vertiginosamente, de modo que estes
estão assemelhados aos adultos em suas atividades delitivas, conscientes, pois, do
que querem fazer, e não subprodutos indefesos de uma situação social que os
pretere. Não é mais uma questão de cunho exclusivamente político-social, mas
jurídico, notadamente no que tange à punição dos infratores. Pode-se confirmar este
fenômeno analisando a fala de um adolescente em conflito com a lei:
33
Não chegamos para assaltar perguntando se o cara tem filho,
quantos, se é menino ou menina, se ele gosta deles. Ninguém
pergunta isso. Isso não existe. Se aquela pessoa é escolhida para
ser assaltada, só lamento", diz Cláudio, de 16 anos, que está preso
por homicídio no Centro de Socioeducação São Francisco, em
Piraquara, Paraná. (FAUSTINI, 2009).
Nota-se que, neste caso, o adolescente praticou um crime, que de
acordo com o ordenamento jurídico do Brasil pode ser considerado como hediondo,
e que este não demonstrou nenhum tipo de preocupação referente aos direitos
humanos da vítima, agindo com muita frieza, como se percebe a seguir:
Eles levaram essa menina até um local ermo. Nesse local, decidiram
por estuprá-la. Eles usavam uma arma que não funcionava
adequadamente. Ao efetuar o disparo contra a moça, essa bala não
conseguiu atingir nenhum ponto vital. Então, eles depois tentaram
asfixiá-la, e também não conseguiram matá-la dessa maneira.
Atearam fogo no corpo da vítima, conta a juíza Maria Guiessmamm.
(FAUSTINI, 2009)
Faustini (2009, p. 1) confirma que, em dez anos, o contingente de
menores que ingressaram em prisões, centros de reabilitação e internatos cresceu
quase 400%. São cerca de 60 mil adolescentes que cometeram algum tipo de
infração. Em sua pesquisa, constatou que atualmente, no Brasil, 17 mil adolescentes
estão presos. Outros 43 mil prestam serviços comunitários ou cumprem obrigações
que são monitoradas pela Justiça, como freqüentar a escola e não sair de casa à
noite.
Abramovay (2006) tratando do tema da violência no meio escolar
destaca diversos tipos de agressões presentes neste cenário que vão desde
xingamentos, agressões verbais contra professores, funcionários e alunos, ameaças,
agressões físicas; apontando possíveis causas ligadas ao crime organizado, às
drogas, à discriminação, gangues, etc.
Afirma, ainda, que cada vez mais repercute a idéia de que as
escolas estão se tornando territórios de agressões e conflitos, considerando o
surgimento de informações sobre homicídios e uso de armas em estabelecimentos
de ensino, o que intensifica a percepção de que estes deixaram de ser territórios
protegidos.
34
Para a autora a escola também se tornou um alvo da violência, pois,
a violência que ocorre fora dela, de algum modo, atravessa seus muros e chega a
afetar a rotina escolar, sendo assim:
O espaço sócio-territorial onde a escola se localiza tem influência
sobre o seu cotidiano e a percepção de segurança dos alunos e
adultos. Aspectos como a infra-estrutura urbana, o perfil dos
moradores e o tipo de comércio são alguns fatores que podem
interferir na visão sobre o bairro e sobre na própria escola que
também está relacionada com as formas de se vivenciar as
violências na escola. (ABRAMOVAY, 2006, p. 269)
Diante destas considerações, cabe uma reflexão acerca dos fatores
que contribuem para que crianças e adolescentes se envolvam com o crime. Estes
ficam explícitos se analisarmos as relações sociais que escondem quadros de
desigualdade, ausência de cidadania e total desrespeito aos direitos e garantias
fundamentais inerentes ao ser humano, desrespeito este que contempla não
somente a esta categoria de indivíduos, mas à grande maioria dos brasileiros.
Nota-se que os meios de comunicação exercem grande influência
neste aspecto, disseminando a idéia de que a criminalidade entre crianças e
adolescentes vem crescendo assustadoramente, culpabilizando, assim, somente o
infrator. Dessa forma, não se dá a devida ênfase aos problemas estruturais, que
levam a esta situação milhares de crianças e adolescentes, ou seja, os verdadeiros
motivos que deveriam ser denunciados por este aparato são omitidos.
Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente, fruto de
discussões de diversos grupos defensores dos direitos humanos, vem trazer um
atendimento especial, diferenciado no que se refere à infância e juventude.
Os jovens são considerados seres em desenvolvimento e isto
implica dispor a eles tratamento adequado e diferenciado quando cometem atos
infracionais, assegurando, assim, o respeito à sua condição de ser em
desenvolvimento. Vale ressaltar, ainda, que o Estatuto contempla não somente
crianças e jovens infratores, ricos ou pobres, mas à totalidade dos indivíduos
pertencentes a esta categoria, portanto a proteção também se estende àqueles que
não se encontram em conflito com a lei. Portanto, oficialmente, não se trata de uma
política direcionada apenas a determinados grupos considerados de risco ou “em
35
situação irregular”, o que implica o fim do princípio de segregação social, ao menos
oficialmente.
De acordo com o Estatuto (1990) , quando uma criança ou
adolescente comete um ato infracional, estes ficam sujeitos às medidas
socioeducativas. Sendo que os programas de socioeducação devem respeitar as
características das medidas socioeducativas :
•
As medidas socioeducativas são aplicadas de acordo com as
características da infração, circunstâncias sociofamiliar e
disponibilidade de programas e serviços em nível municipal, regional
e estadual;
•
As medidas comportam aspectos de natureza coercitiva, uma
vez que são punitivas aos infratores, e aspectos educativos no
sentido da proteção integral e oportunização, e do acesso à
formação e informação. Sendo que em cada medida esses
elementos apresentam graduação de acordo com a gravidade do
delito cometido e/ou sua reiteração;
•
Os regimes socioeducativos devem constituir-se em condição
que garanta o acesso do adolescente às oportunidades de
superação de sua condição de exclusão, bem como de acesso à
formação de valores positivos de participação na vida social;
•
A operacionalização deve prever, obrigatoriamente, o
envolvimento familiar e comunitário, mesmo no caso de privação de
liberdade. Sempre que possível deverão ser avaliadas condições
favoráveis que possibilitem ao adolescente infrator a realização de
atividades externas;
•
O funcionamento dos programas deve contemplar a
participação de grupos da comunidade que contribuirão com as
atividades de participação no planejamento e controle das ações
desenvolvidas na unidade de trabalho, oportunizando a relação entre
o interno e a comunidade;
•
Os programas de socioeducação deverão utilizar-se do
princípio da incompletude institucional, caracterizado pela utilização
do máximo possível de serviços (saúde, educação, defesa jurídica,
trabalho, profissionalização, etc.) na comunidade, responsabilizando
as políticas setoriais no atendimento aos adolescentes;
•
Os programas de privação de liberdade deverão prever os
aspectos de segurança, na perspectiva de proteção à vida dos
adolescentes e dos trabalhadores, atentando-se para os aspectos
arquitetônicos das instalações e formas de contenção sem violência;
•
Deverão, obrigatoriamente, prever a formação permanente dos
trabalhadores, tanto funcionários quanto voluntários;
36
•
As denominações das unidades de aplicação das medidas, dos
adolescentes envolvidos e das demais formas de identificação das
atividades a eles relacionadas devem respeitar o princípio da nãodiscriminação, evitando-se os rótulos. (VOLPI, 1997, p. 20).
Estas características demonstram que o atendimento pautado
nestes princípios podem realmente auxiliar na recuperação, ressocialização e
promover novas oportunidades de mudança para a criança e o adolescente que
comete delitos.
De acordo com Volpi (1997, p. 23) e com base no Estatuto da
Criança e do Adolescente, as medidas socioeducativas são:
•
Advertência: constitui uma medida admoestatória, informativa e
imediata, de caráter intimidatório, executada pelo juiz da vara da
infância e da juventude. Esta deverá ser reduzida a termo e
assinada pelas partes.
•
Obrigação de reparar o dano: no caso de ato infracional que
implique em prejuízos patrimoniais, a autoridade poderá
determinar que o adolescente restitua a coisa, promovendo,
assim, o ressarcimento do dano, ou seja, a reparação do mesmo.
Caso haja necessidade, recomenda-se, ainda, a aplicação
conjunta de medidas de proteção.
•
Prestação de serviços à comunidade: consiste na realização de
tarefas gratuitas e de interesse coletivo, junto a entidades
assistenciais, hospitais, escolas, bem como em programas
comunitários ou governamentais, de acordo com as aptidões do
adolescente e de modo que não comprometa sua freqüência a
escola ou, caso exista, a jornada normal de trabalho. Para o
jovem infrator, trata-se de uma oportunidade de participar da vida
comunitária, de desenvolver valores e compromisso social.
•
Liberdade assistida: trata-se de uma medida coercitiva quando se
verifica a necessidade de acompanhamento da vida social do
adolescente, seja no sentido de matricular, supervisionar sua
freqüência e aproveitamento na escola; auxiliar na
profissionalização e inserção no mercado de trabalho; bem como
orientar a família, iserindo-a em programas comunitários de
assistência social, se necessário. Os programas de liberdade
assistida devem ser estruturados no nível municipal, localizados
principalmente nas comunidades de origem do adolescente e
devem contar com uma equipe de orientadores sociais para que
se cumpram as exigências do Estatuto da Criança e do
Adolescente. A liberdade assistida poderá ser desenvolvida
também por grupos voluntários, desde que sejam capacitados,
supervisionados e integrados à rede de atendimento ao
adolescente.
37
•
Semiliberdade: Este regime pode ser aplicado desde o início ou
como forma de transição para o meio aberto, possibilitando a
participação em atividades externas como as escolares,
independentemente de autorização judicial. A semiliberdade
possui aspectos coercitivos, restringindo a liberdade do
adolescente e privando-o do convívio familiar e de sua
comunidade, mas não o priva totalmente do seu direito de ir e vir.
Seus aspectos educativos consistem na oportunidade de acesso
a serviços e programas sociais e organização da vida cotidiana.
•
Internação: constitui medida privativa de liberdade, considerada a
mais grave dentre as outras já especificadas. Esta é destinada
apenas aos adolescentes que cometem atos infracionais graves,
lembrando que o Estatuto defende que o adolescente não deve
ser privado de liberdade caso haja outra medida adequada, ou
seja, esta medida somente é utilizada em casos extremos de
necessidade de contenção do adolescente num sistema de
segurança eficaz, ou seja, quando tratar-se de ato infracional
cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa,
reincidência na prática de infrações graves ou descumprimento
da medida aplicada anteriormente, conforme o Estatuto. A
restrição da liberdade deve significar apenas limitação do direito
de ir e vir e não dos outros direitos constitucionais e esta
contenção é uma condição para o cumprimento da medida
socioeducativa.
Desse modo, não é todo adolescente que pode ser punido com
privação de liberdade ao cometer um ato infracional. Ao contrário, um dos princípios
que fundamenta a lei, é que a medida socioeducativa deva ser aplicada se levar em
conta a condição do adolescente em cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da
infração.
O próprio Estatuto orienta que as medidas de privação de liberdade
devem ser evitadas ao máximo, ou seja, somente nos casos extremos, portanto,
estas apenas limitam o direito de ir e vir. Partindo deste pressuposto, são raros os
casos em que se aplica a medida de internação, por isso, abordarei mais
detalhadamente uma das medidas mais utilizadas e considerada entre as mais
apropriadas, a liberdade assistida.
3.2 LIBERDADE ASSISTIDA
38
Para analisar mais profundamente a medida socioeducativa
liberdade assistida, tomaremos como referência o Projeto Murialdo, que é, em
Londrina, desde o ano 2000 o órgão executor das medidas socioeducativas de meio
aberto de prestação de serviços à comunidade e de liberdade assistida para o
adolescente autor de ato infracional previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Este capítulo tratará de analisar se, no Projeto Murialdo, existe uma
proposta de trabalho fundamentada em princípios pedagógicos, se as medidas
socioeducativas apresentam algum teor educativo e qual sua contribuição no
processo de ressocialização ou reabilitação dos adolescentes infratores.
3.3 CARACTERIZAÇÃO DO PROJETO MURIALDO
O Projeto Murialdo é uma extensão da Escola Profissional e Social do Menor de
Londrina (EPESMEL) e possui parceria com a Secretaria de Assistência Social do
município, com o Fundo Estadual da Infância e Adolescência- FIA, com a Pastoral
do Menor, com o Ministério da Justiça e Secretaria dos Direitos Humanos.
Objetivos do Projeto Murialdo:
•
Proporcionar ao adolescente em prática de ato infracional,
instrumentos para que ele compreenda a necessidade de respeito às
normas sociais vigentes, Criar meios de rompimento do adolescente
com a prática infracional, através de uma ação sócio educativa
efetivada pelo acompanhamento, orientação e auxílio realizado por
um orientador comunitário,Envolver e comprometer a família e a
comunidade no processo de reintegração social do adolescente
39
A equipe do Projeto é formada por:
•
01 Coordenação;
•
04 Assistentes Sociais;
•
02 Psicólogas;
•
02 Estagiárias de Serviço Social de 20h (remunerado);
•
01 Estagiária de Psicologia de 20h (remunerado);
•
02 Estagiárias de Serviço Social de 8h;
•
30 Agentes Comunitários;
•
03 Oficineiros;
•
01 Auxiliar Administrativo;
•
01 Auxiliar de serviços gerais;
•
01 Educador.
Estes dados, retirados de análise documental, fornecido pelos
profissionais do projeto, mostram que houve um crescimento significativo do mesmo
nos últimos anos, o que pode ser constatado nas informações que seguem:
Projeto Murialdo no ano de 2000 a 2002:
•
Interpretação de Medida Individual;
•
Prestação de Serviço á Comunidade Individual;
•
Liberdade Assistida Individual;
Projeto Murialdo no ano de 2003:
•
Interpretação de Medida em forma grupal com os adolescentes e os
responsáveis
•
A PSC (Prestação de serviços à comunidade) operacionalizada
através de grupos com os adolescentes
•
A LA (Liberdade assistida) operacionalizada através de grupos com
os adolescentes
Projeto Murialdo no ano de 2004
40
•
Atendimento grupal e individual
•
Agente Comunitário – criação da Bolsa Auxílio
•
Capacitação para a Rede de Atendimento
•
Ampliação nas ofertas de atendimento nas instituições de
educação Profissional
Projeto Murialdo no ano de 2005
•
Ampliação dos Agentes Comunitários
•
Descentralização do Atendimento às famílias por região
•
Implantação de Oficina de Grafite
•
Implantação de Oficina de Fantoche
•
Implantação da Terapia Familiar
•
Ampliação do quadro técnico
•
Divisão do projeto por setores
•
Elaboração e criação do setor de atendimento as escolas
publicas do município
•
Ampliação do atendimento psicológico
•
Elaboração
e
criação
do
Plano
Personalizado
para
os
adolescentes
•
Elaboração e criação do setor de dados
•
Acompanhamento e atendimento sistematizado para os agentes
comunitários
•
Ampliação no atendimento dos adolescentes da PSC
•
Elaboração e criação do setor de documentação para os
adolescentes
Projeto Murialdo no ano de 2006
•
Ampliação do número de técnicos;
•
Ampliação do número de bolsas para Estagiários Remunerados;
•
Ampliação de oficinas para os adolescentes;
•
Implantação do Grupo de Geração de Renda;
•
A descentralização nos bairros passou a contar com 02 equipes
por período;
41
•
Implantação de bolsas para cursos profissionalizantes nas mais
diversas instituições de ensino (SENAI, SENAC, etc.);
•
Ampliação do número de agentes comunitários de 15 para 30;
Projeto Murialdo no ano de 2007
•
Criação da Escola de Pais;
•
Implantação de atendimento familiar individual;
•
Divisão dos grupos de adolescentes por regiões;
•
Implantação do grupo reflexivo para adolescentes que já
reincidiram várias vezes;
•
Ampliação da descentralização, fortalecendo nos bairros o
trabalho com as escolas e outros serviços da rede sócioassistencial;
•
Trabalho
mais
articulado
com
os
Censes
(Centros
de
socioeducação) I e II;
•
Implantação de reuniões quinzenais com o juizado e promotoria;
Tratando da medida de Liberdade assistida que, de acordo com o
ECA, deve ser aplicada a adolescentes que cometeram crimes mais graves, esta
possui duração mínima de seis meses, podendo ser prorrogada por até um ano e
meio, conforme ocorrer a inserção do adolescente na própria família e sociedade Art.
118 – A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais
adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente
(BRASIL,1990, p. 24).
O Projeto busca uma nova inserção do adolescente, por meio do
acompanhamento semanal em grupo. Os encontros duram em média uma hora e
meia, onde são discutidos assuntos pertinentes à adolescência por meio de
dinâmicas, discussões, filmes, músicas, etc. Os grupos são coordenados por dois
técnicos, independente da função, sendo que, dentro do grupo, desenvolvem o
papel de educadores.
No espaço do grupo é estabelecida uma lógica de discussão, que
visa construir vínculo e confiança por parte dos adolescentes e, partindo disso,
42
busca-se o conhecimento sobre os motivos que os levaram a cometerem as
infrações, e possíveis alternativas para auxiliá-los a romper com este ciclo.
Os grupos desenvolvem um trabalho dividido em temas, visto que o
primeiro enfoque é o da identidade, entendida como o reconhecimento de si,
contemplando discussões sobre seu perfil, a fim de possibilitar um atendimento
personalizado. Por meio de dinâmicas, levanta-se a discussão do perfil de cada
adolescente, a fim de conhecê-los e, deste modo, encontrar uma forma
personalizada de abordá-los individualmente. Isto oportuniza aos adolescentes
meios para refletirem sobre quem são o que gostam e suas perspectivas de vida, o
que os leva a construir, paulatinamente, uma nova definição de si mesmo.
Num segundo momento, o documento aponta para o trabalho com a
integração. Nesta fase os adolescentes adquirem confiança entre eles e
principalmente com os técnicos do Projeto, são encorajados a discutirem sobre suas
dificuldades e instruídos no sentido de que são todos iguais, independentemente do
fato de terem cometido um ato infracional, portanto possuidores de direito e deveres
que implicam em responsabilidade.
No decorrer dos seis meses, também são abordados outros temas
como: comunicação, grupo, sexualidade, cidadania e Projeto de vida.
Cumprindo a determinação do ECA, quanto a reintegração do
adolescente, o Projeto busca, partindo da necessidade de cada um, inseri-los na
rede de serviços.
Desta forma, busca-se a inclusão destes na rede escolar, em cursos
profissionalizantes, em tratamento contra drogas, em programas da Assistência
Social, tratamento psicológico pessoal ou familiar.
Tais inclusões se dão por meio de encaminhamentos,conforme
análise documental, pautadas em observações realizadas dentro dos grupos, nos
atendimentos individuais, durante as visitas domiciliares e contato com a rede
(quando inseridos), mas, principalmente, com os técnicos do CENSE que se
encontram em contato com o adolescente e levantam as dificuldades tanto destes
como da sua família, durante sua permanência neste Centro, uma vez que os
mesmos são encaminhados por esta instituição ao projeto Murialdo.
Esta inclusão é considerada essencial para o retorno deste
adolescente à sociedade e para o seu rompimento com a prática infracional,
conforme análise documental, porém as condições estruturais apresentadas pelo
43
município tornam esta tarefa mais difícil, já que faltam muitos recursos para que esta
política pública seja implementada.
Atualmente, existem 30 agentes comunitários voluntários no projeto
trabalhando com liberdade assistida. Estas pessoas são selecionadas e capacitadas
pela equipe técnica do projeto e recebem uma bolsa de R$ 100,00 para acompanhar
dois adolescentes cada, por meio de visitas semanais em suas residências, portanto
o número de adolescentes acompanhados nesta modalidade é de 60. Antes do
acompanhamento, a equipe realiza uma análise do perfil deste agente.
O agente repassa as informações do adolescente e da família para o
projeto por meio de relatórios e supervisões quinzenais. O agente comunitário, não
realiza o trabalho técnico, por isso, quando é necessária alguma intervenção na
família, como encaminhamentos para a rede de serviço, o agente repassa para o
Projeto que efetua a intervenção.
Outra função do agente é auxiliar a família na reintegração ou
integração do adolescente na comunidade. Porém para que este trabalho atinja
esses objetivos é necessária uma boa seleção e capacitação inicial dos agentes
comunitários que podem ser pessoas da comunidade interessadas pela causa ou
estudantes universitários da área humanas. Além deste processo inicial é
indispensável a capacitação permanente, oferecida mensalmente pelo Projeto, com
assuntos pertinentes a adolescência e estrutura familiar.
O projeto possui um setor de banco de dados que apresenta as
estatísticas necessárias ao desenvolvimento e avaliação do trabalho realizado.
Elaborou-se um programa próprio para se armazenar todos os dados referentes aos
adolescentes e as atividades dos técnicos no Projeto. Desta forma, um técnico de
referência trabalha para oferecer mensalmente para o Projeto e bimestralmente para
a rede, os dados quantitativos do Projeto.
Este banco de dados possibilita a avaliação sobre o número de
adolescentes atendidos e alterações deste número (crescimento ou diminuição),
servindo também como referencial para o município sobre a criminalidade,
reincidência, partindo deste levantamento. A alimentação dos dados é feita
mensalmente, por meio das anotações realizadas pelos agentes durante as visitas
Por meio deste levantamento de informações é possível identificar
as falhas e sucessos do trabalho, refletir e redirecionar a prática voltada
principalmente para a prevenção. Segue quadro demonstrativo:
44
Tabela 1 - Dados estatísticos da Liberdade Assistida:
ANO
Nº
DE
REINCIDENTES
ATENDIDOS
2002
120
12%
2003
140
32%
2004
286
21%
2005
441
22%
2006
416
22%
2007
613
16%
Fonte: Setores do Projeto Murialdo
Outro setor é o de terapia familiar, que auxilia as famílias no sentido
de estabalecer limites aos filhos, resgatar vínculos afetivos, etc. O projeto também
realiza a interpretação da medida para a família, o que consiste em explicitar do que
se trata a medida aplicada, como se procederá na sua realização, e apontamentos
dos elementos necessário para sua compreensão.
No setor de capacitação escolar, trabalha-se com o objetivo de
sensibilizar as escolas para receberem os adolescentes, uma vez que estes se
encontram evadidos do sistema escolar. Para isto contam também com o setor de
documentação, já que muitos adolescentes,quando chegam ao projeto para o
cumprimento da medida, não possuem os documentos básicos, entendidos como
elementos necessários ao exercício da cidadania. São oferecidas, ainda, oficinas de
grafite e hip-hop.
Apesar de ter apresentado grandes avanços e crescimento
significativo, o projeto ainda enfrenta muitas dificuldades tais como a necessidade
urgente de mudança de sede, inserção na rede profissionalizante de ensino, falta no
município de tratamento antidrogas, morosidade na aplicação das medidas
socioeducativas, não adesão da família no processo de reintegração, falta de uma
política mais eficaz no combate às drogas, entre outros.
45
3.4 PERFIL DOS ADOLESCENTES QUE CUMPREM MEDIDA DE LIBERDADE ASSISTIDA EM
LONDRINA
Para analisar o perfil dos adolescentes cumpridores de medida
socioeducativa de liberdade assistida, tomaremos como referência o estudo feito por
Prado, Micalli e Dias (2006) e informações obtidas por meio de visita ao Projeto
Murialdo na qual foi realizada uma entrevista com dois membros da equipe técnica,
sendo que uma das autoras supracitadas, Valquíria Aparecida Dias, encontrava-se
presente.
Foi utilizado um questionário como base, que inicialmente seriam
respondidos pela equipe do projeto, sendo um para a coordenação e outro para os
educadores, porém não foi possível realizá-lo de acordo com o planejado, por isso,
estes serviram de base para a entrevista, o que não implicou em comprometimento
das informações que pretendíamos coletar.
De acordo com as autoras, a maioria dos adolescentes participantes
do projeto nesta modalidade é do sexo masculino, cerca de 94%. Isto ocorre,
principalmente por conta dos fatores relacionados à educação, cultura e o papel que
homens e mulheres desempenham socialmente, fato que foi confirmado em
entrevista, ressaltando, ainda, que o número relativo ao sexo feminino vem
crescendo.
A maioria destes adolescentes se encontram na faixa etária entre 16
e 17 anos, o que é associado à idéia de que a evasão escolar, a falta de perspectiva
de vida e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho tornam-se fatores que
predispõem a prática de atos infracionais.
Na entrevista realizada ressaltou-se a idéia de que o desejo de
consumo também é um fator significativo nesta prática, já que os adolescentes
sentem a necessidade de possuir determinados bens para sentirem-se incluídos, ou
seja, o ter em detrimento do ser os encoraja a cometerem infrações, tanto que o
roubo é apontado como o ato infracional mais praticado, 61%. Isso contraria o senso
comum que afirma ser o tráfico de drogas o delito mais cometido pelos
adolescentes, sendo este o segundo colocado, com 14%.
A maioria dos adolescentes são oriundos de classes sociais de
menor poder aquisitivo, visto que 31% das famílias sobrevivem com uma renda
46
equivalente a um e dois salários mínimos, portanto, contam com pouco acesso aos
bens de consumo e até mesmo as políticas sociais básicas como habitação, saúde,
etc. Este quadro demonstra um dos motivos da vulnerablidade desta classe diante
de propostas de ganho de dinheiro fácil com o roubo,por exemplo.
Constatamos, ainda, que os adolescentes são bem aceitos por
grupos criminosos, talvez por conta de sua menoridade e inimputabilidade, o que
oportuniza a estes grupos responsabilizar adolescentes pelos seus crimes.
Prado, Micalli e Dias (2006) afirmam que aproximadamente 54% de
adolescentes evadem nas quintas e sextas séries do ensino fundamental, fato que
demonstra a necessidade de investigação e intervenção, já que somente 11% deles
chegam ao ensino médio, não significando a conclusão do mesmo. Isto somado a
outros fatores pode comprometer o futuro desta população juvenil, expondo-os,
inclusive, a situações de risco, tal como a prática de atos infracionais.
No que se refere à reincidência, apenas 22% dos adolescentes
reincidem nos atos infracionais, o que comprova que as recomendações do Estatuto
da Criança e do adolescente são adequadas para os adolescentes e que esta
medida possui um grau significativo de eficácia.
Grande parte destes adolescentes, cerca de 36%, reside somente
com suas mães e esta acumula as funções de provedora e educadora, submetidas
muitas vezes a situações precárias de trabalho, sem garantias de seus direitos
fundamentais .
Vale ressaltar que, em torno de 34% deles provêm de famílias
nucleares, ou seja, o padrão considerado como modelo mais adequado, composto
por pai, mãe e filhos. Isto quebra o mito de que os adolescentes autores de atos
infracionais são oriundos apenas de famílias desestruturadas. Cerca de 14%
pertencem a famílias reconstituídas, com mãe, padrasto e irmãos. Existe também as
famílias grandes e que contam com uma renda muito baixa. Nesse sentido:
A maior parte dos adolescentes reside em lares que contam com
quatro e cinco pessoas 45%, porém em 30% dos lares habitam
famílias com 06 e 09 membros, sendo esse percentual preocupante,
devido à baixa renda dessas famílias. Em 25% desses lares somente
a mãe trabalha, em outros 25% trabalham a mãe e o pai, em
seguida, com 13%, aparecem os lares em que o pai é o único
provedor. E em 9% dos lares ninguém trabalha. Uma parcela
significativa dos provedores desses lares, 51%, encontra-se no
trabalho informal, não contando com garantias trabalhistas. 32%
47
estão registrados, sendo que em 11% dos casos trabalham no
mercado formal e exercem outras funções nos horários livres.
(PRADO, MICALLI; DIAS, 2006, p. 9)
Portanto, o perfil destes adolescentes fica delineado enquanto
jovens pertencentes às camadas pobres da sociedade, nem sempre oriundos de
famílias desestruturadas, mas que têm a necessidade de possuir alguns bens de
consumo considerados importantes por esta parcela da população, em sua minoria
são envolvidos com drogas, e, muitas vezes, perdem o interesse pelas atividades
escolares, evadindo-se do sistema educativo.
3.5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A visita ao projeto nos revelou que a instituição não possui uma
proposta de trabalho pautada em princípios pedagógicos para a efetivação da
medida de liberdade assistida, mas que apresenta aspectos educativos como a
socialização, oferece aos adolescentes oportunidades de superação da condição de
exclusão, promove o acesso à formação e participação na vida social por meio da
inserção nas políticas sociais, trabalha com a formação de valores positivos, criação
e reforço de vínculos afetivos, ou seja, contribui para a constituição dos indivíduos
enquanto seres sociais.
Outra abordagem sobre esta questão vem de Afonso (2001), quando
trata das instituições de educação não formal, em cuja modalidade encontram-se os
centros de socioeducação, e se referindo justamente ao trabalho dos educadores:
Para a efetivação desta proposta, o educador busca propiciar
situações e oportunidades para diferentes vivências conjuntas, sem
esquecer de aproveitar as já existentes (provocadas ou suscitadas
pelos próprios grupos). Atuando como organizador e/ou animador,
não ter preocupações escolarizantes e pedagógicas em relação às
ações dos grupos, exercitar o hábito de refletir sobre suas atitudes e
posturas tomadas em relação a qualquer situação na qual pretenda
influir ou que tenha influído. (AFONSO, 2001, p. 11)
48
Tratando as instituições de atendimento socioeducativo enquanto
espaço de educação não formal e considerando que atividades educativas não são,
necessariamente, pedagógicas, no sentido escolarizante, este caráter educativo se
apresenta aqui.
O trabalho desenvolvido pelo projeto Murialdo reforça a autoestima
dos adolescentes, já que existe a criação e reforço de vínculos afetivos, tanto no
grupo quanto na família, constrói-se uma relação de confiança entre os profissionais
e os adolescentes, fazendo-os sentirem-se enquanto sujeitos dotados de
capacidades e potencial, direitos e deveres, e, portanto, de responsabilidades, o que
pode ser compreendido como contribuição no processo de ressocialização.
De acordo com as assistentes sociais que nos forneceram
informações, atualmente, não existe um Projeto Político Pedagógico sistematizado
na instituição, nem mesmo um Pedagogo, mas ha uma proposta de formulação que
se encontra em andamento. Enquanto isso, estes profissionais trabalham com os
projetos de oficinas de artes, grafite, hip-hop, etc.
A reincidência na medida de liberdade assistida é baixa, ficando em
torno dos 15%, aproximadamente, conforme foi dito pelas assistentes sociais. Este
fato mostra que as medidas possuem de fato eficiência significativa, o que contraria
a lógica da mídia quando mostra que estas são insuficientes, cobrando cada vez
mais que sejam criados mecanismos de punição e controle mais severos aos
adolescentes infratores.
Uma idéia interessante que surgiu durante esta entrevista com as
assistentes sociais foi que, quando procuram as escolas para a reinserção de um
adolescente no sistema regular de ensino, verifica-se uma resistência por parte das
mesmas, não somente por preconceito, mas pelo fato de existir a compreensão por
parte da escola de que esta, ao receber um adolescente que cumpre medida
socioeducativa, está assumindo uma responsabilidade que não é dela, isto é, a
implementação da medida, ou seja, esta considera que existe uma cobrança intensa
de que ela assuma diversas outras funções.
De acordo com as profissionais, este fato se deve à falta de
informação da própria escola, considerada por elas como uma instituição que parou
no tempo, não acompanhando as transformações sociais. Para estas, a escola
também enfrenta desafios e problemas que poderiam ser divididos com outros
órgãos, como o Conselho Tutelar, por exemplo.
49
Portanto, existe a necessidade de uma articulação entre a escola e
os órgãos executores não só de medidas socioeducativas, mas também de proteção
à infância e juventude, para que, desse modo, se possa desenvolver um trabalho
visando contribuir para o desenvolvimento em plenitude, tornando estes indivíduos
em sujeitos seguros e emancipados socialmente.
50
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O interesse por trabalhar esta temática no trabalho de conclusão de
curso surgiu de uma inquietação ao perceber tantas menções às crianças e
adolescentes em conflito com a lei ou menores infratores, de uma constante
veiculação de que estes estão, cada vez mais, tornando-se um perigo iminente em
nossa sociedade, que este problema está atingindo as escolas e a cobrança de
mecanismos mais eficientes de controle e punição aos mesmos.
Para analisar este problema, consideramos necessário um estudo
resgatando elementos históricos referentes ao tratamento da infância desde o
período colonial, uma vez que verificamos por meio de estudos que este é um
problema que se apresenta desde o período referido. Analisamos, então, as
condições em que a infância era tratada e as mobilizações ocorridas durante este
período até os tempos atuais no sentido da criação de políticas públicas
direcionadas a esta categoria de indivíduos.
No primeiro capítulo tratamos de identificar os tratamentos
dispensados à infância e adolescência, abordando, então os índios, escravos e
abandonados, apresentando a roda dos expostos, sua dinâmica e implicações.
O segundo capítulo aborda a questão da criminalidade do ponto de
vista médico, quando se acreditava que os comportamentos não apropriados tinham
origens biológicas, o que resultou em estudos e observações dos criminosos antes e
depois dos crimes. Havia também a vinculação da criminalidade com a pobreza, já
que se considerava que os infratores eram oriundos das classes inferiores.
Neste momento houve a preocupação por parte de médicos,
advogados e políticos com este problema, visto que o futuro da ordem social do
Brasil dependia da capacidade do governo de resolver o problema da infância. Com
isso, inicia-se a busca por ações políticas referentes a esta parcela marginalizada da
população e são criadas associações para a proteção da infância.
No terceiro capítulo analisamos as políticas públicas voltadas à
infância e juventude, desde o primeiro código imperial, código de menores até o
Estatuto da Criança e do Adolescente. Realizamos a pesquisa sobre as medidas
socioeducativas, identificando e caracterizando-as. Tomamos por objeto a medida
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de liberdade assistida, especificando e analisando-a considerando a legislação e o
trabalho desenvolvido pelo Projeto Murialdo na cidade de Londrina. A partir daí,
explicitamos seu teor educativo, que não é exatamente pedagógico, sua eficácia e
contribuição no processo de ressocialização dos adolescentes infratores.
O fato do crescimento da participação de adolescentes em atos
infracionais não deixa de ser verdadeiro, mas o que se percebe é que ele é
mascarado e manipulado ao ser veiculado. Fala-se do ato infracional e do
adolescente infrator, mas escondem-se os reais motivos por trás de um problema
como este. A realidade é mascarada e o que ocorre é a culpabilização apenas dos
indivíduos, enquanto existem outros elementos estruturais a serem analisados ao se
tratar deste problema social.
Esta idéia veiculada pelos meios de comunicação nos leva à
reflexão de que ao mesmo tempo em que se considera as crianças e adolescentes
como o futuro da nação, não se dispensa cuidados nem empenho na implementação
e concretização das políticas direcionadas a estes sujeitos. Explicita-se, nesse
sentido, um paradoxo. Como podemos tratar com tanta negligência aqueles que
serão nosso futuro? Que importância estamos dispensando a estes indivíduos? Que
tipo de futuro esperamos que estes sujeitos construam se pouco se faz para garantir
que eles tenham bases sólidas para esta construção?
São questionamentos intrigantes e inquietantes que devem estar
presentes em nossas mentes quando pensamos nesta juventude que é, ao mesmo
tempo, “bandida” e “heróica”. Bandida no sentido de que são apresentados enquanto
o germe da destruição social e heróica no que se refere à consideração de que são
os construtores de um futuro melhor para a nação.
O Estatuto da Criança e do Adolescente representa uma grande
revolução em se tratando da questão da criança, mas existe um abismo profundo
entre as recomendações ali presentes e a realidade da infância brasileira, o que
mostra que o Estado, mesmo em tempos atuais, continua negligente em relação ao
seu papel de garantir, minimamente, os direitos fundamentais necessários ao
desenvolvimento humano, não somente referentes à infância , mas à totalidade dos
indivíduos
brasileiros.
52
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