ESTUDO DE CASO
Síndrome de Foix-Chavany-Marie: relato de caso
Mariana de Morais Lira Gouveia, Sandra Maximiano de Oliveira, Márcia Silva Santos Neiva, Cássio Lemos Jovem
e Raimundo Nonato Delgado Rodrigues
DOI: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
RESUMO
A síndrome de Foix-Chavany-Marie consiste na
paralisia da musculatura voluntária orofacial em
decorrência de lesões corticais operculares bilaterais. Classicamente, ocorre dissociação automático-voluntária, com prejuízo da fala e da mastigação.
Descrevem os autores o caso de um paciente de 71
anos etários com achados clínicos e radiológicos
compatíveis com essa rara condição.
Palavras-chave. Síndrome de Foix-ChavanyMarie; síndrome opercular; paralisia pseudobulbar;
dissociação automática-voluntária
ABSTRACT
Mariana de Morais Lira Gouveia – médica-residente de Clínica Médica,
Hospital Universitário de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil
Sandra Maximiano de Oliveira – médica-residente de Clínica Médica,
Hospital Universitário de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil
Márcia Silva Santos Neiva – médica-residente de Neurologia, Hospital de
Base do Distrito Federal, Brasília, Distrito Federal, Brasil
Cássio Lemos Jovem – médico radiologista e neurorradiologista, Clínica
Villas Boas, Brasília, Distrito Federal, Brasil
Raimundo Nonato Delgado Rodrigues – médico neurologista, doutor,
professor, Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil
Correspondência: Mariana de Morais Lira Gouveia. SQN 212,
bloco K, ap. 116, Asa Norte, CEP 70864-110, Brasília-DF.
Internet: [email protected]
Foix-Chavany-Marie syndrome: case report
O presente trabalho foi realizado no Hospital Universitário de
Brasília e não recebeu financiamento.
Foix-Chavany-Marie syndrome consists in orofacial
muscle paralysis due to bilateral opercular cortical
lesions. Classically, there is automatic-voluntary
dissociation, with speech and chewing impairment.
The authors describe the case of a 71-year-old patient
presenting with clinical and radiological findings
consistent with this rare condition.
Recebido em 13-12-2013. Aceito em 26-12-2013.
Key words. Foix-Chavany-Marie syndrome; opercular
syndrome; pseudobulbar palsy; automatic-voluntary
dissociation
INTRODUÇÃO
A síndrome de Foix-Chavany-Marie, descrita em
1926, também conhecida como síndrome opercular, é clinicamente caracterizada por paralisia bilateral dos movimentos voluntários executados pelos
músculos cranianos inervados pelos nervos trigêmeo, facial, glossofaríngeo, vago e hipoglosso.1-11
Conflito de interesses: nada a declarar pelos autores.
Ocorre dissociação entre a atividade muscular voluntária e automática. Portanto, os movimentos
automáticos, emocionais, estão preservados.1
A síndrome de Foix-Chavany-Marie é resultante de
lesão bilateral cortical da região opercular anterior,2 mais comumente de origem vascular.3 Tratase de paralisia suprabulbar rara, com prevalência
desconhecida.3,4
No presente artigo, relata-se o caso de um paciente
com fala disártrica e hipofônica, sem déficit cognitivo e com alterações isquêmicas em imagem de
ressonância nuclear magnética cerebral.
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ESTUDO DE CASO
RELATO DE CASO
Homem, 71 anos, trabalhador rural, destro, hipertenso e dislipidêmico, queixou-se de dificuldade
para falar com piora progressiva havia um ano. Foi
admitido para investigação diagnóstica no Hospital
Universitário de Brasília em julho de 2013.
Ao exame neurológico, foram evidenciadas fala
disártrica e hipofônica, paralisia do olhar vertical
para baixo, hipomotilidade de musculatura orofaríngea e atrofia de língua.
O paciente foi submetido à avaliação fonoaudiológica, que indicou disartrofonia com voz anasalada como característica exuberante e dificuldade
articulatória grave, associada à alteração de ressonância vocal. A musculatura orofaríngea apresentou déficits de força e de língua dignos de nota.
Contudo, a função velofaríngea, apesar de muito alterada na fala, encontrava-se preservada à deglutição. Não havia sinais de aspiração à deglutição nem
alterações de linguagem. A avaliação neuropsicológica não evidenciou déficit cognitivo. A ressonância
nuclear magnética cerebral mostrou redução volumétrica do encéfalo com focos de microangiopatia
A
isquêmica e gliose na substância branca profunda e
centros semiovais (figuras A e B).
Diante das alterações clínicas e radiológicas, o
paciente teve diagnóstico de síndrome opercular
secundária à lesão vascular.
DISCUSSÃO
A síndrome de Foix-Chavany-Marie é caracterizada por lesões bilaterais no opérculo frontotemporal anterior ou nas áreas córtico-subcorticais do
córtex motor primário.1 O controle voluntário dos
músculos faciofaringoglossomastigatório é perdido, embora os movimentos reflexos e emocionais
estejam preservados.1,2
Os achados clínicos incluem apraxia da fala, paralisia bilateral da face, fraqueza do palato mole,
da língua, da musculatura da faringe e da mastigação.5 Ocorre distúrbio da fala, mas não da linguagem5 e pode haver disfagia. O prejuízo motor
funcional mais comum está no descontrole da
mastigação e no movimento da língua.6 A dissociação automática-voluntária é característica da
B
Figuras A e B. Imagens axiais em FLAIR evidenciam sinais de redução volumétrica encefálica difusa, com alargamento de sulcos
e fissuras cerebrais, principalmente as fissuras sylvianas, com dilatação desproporcional do sistema ventricular supratentorial.
Também são identificadas áreas focais de sinal alterado na substância branca dos hemisférios cerebrais, correspondendo a provável microangiopatia.
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Mariana de Morais Lira Gouveia e cols. • Síndrome de Foix-Chavany-Marie
síndrome.1-11 No caso descrito, observa-se que o
enfermo apresentou relevante alteração na musculatura orofaríngea, com prejuízo da fala e da
mastigação, mas sem alterações da linguagem e
das funções cognitivas e emocionais.
A denervação bilateral supranuclear corticonuclear provoca perda da função voluntária, e os movimentos automáticos estão preservados na região
lesada.7 Esse tipo de dissociação indica existência
de conexão direta e separada entre os centros subcorticais e os núcleos dos nervos cranianos inferiores, que difere do trato corticonuclear. Essas conexões diretas permaneceriam intactas em pacientes
com lesões operculares e, portanto, preservariam
o componente emocional das expressões faciais e
de outros movimentos automáticos operados pelos centros subcorticais, sem nenhum controle voluntário.7 Nos exames de imagem, notam-se atrofia cortical assimétrica com predomínio na região
frontal inferior, especialmente na região opercular.5 Tais achados são compatíveis com os observados nas figuras A e B.
O diagnóstico é clínico e, mais frequentemente, os
indivíduos afetados sofrem de lesões vasculares
consecutivas, isquêmicas ou hemorrágicas no território da artéria cerebral média de ambos os hemisférios cerebrais.1 Entretanto, casos de síndrome
opercular decorrente de outras causas, como infecções do sistema nervoso central ou desordens neurodegenerativas já foram descritos.4,8 A paralisia
pseudobulbar, ou seja, o envolvimento bilateral do
trato corticobulbar é essencial para o diagnóstico
de síndrome de Foix-Chavany-Marie,3 mas há relatos de casos com acometimento unilateral.9,10 Após
análise da história clínica e do exame neurológico
e de imagem do doente, foi feito o diagnóstico de
síndrome opercular.
O prognóstico da síndrome é limitado e, apesar de terapia de reabilitação intensiva, o déficit clínico é permanente na maioria dos casos.1
O paciente descrito está sob acompanhamento
pela equipe de neurologia e de fonoaudiologia do
Hospital Universitário de Brasília, sem melhora clínica significativa.
Embora a síndrome de Foix-Chavany-Marie seja
descrita como rara, acredita-se que, em realidade,
a doença seja subdiagnosticada devido aos déficits
neurológicos concomitantes encontrados nos doentes, oriundos das múltiplas lesões isquêmicas
cerebrais prévias, que dificultam o exame físico e a
avaliação clínica adequada. A monitoração clínica
minuciosa dos sinais e sintomas e o acompanhamento por uma equipe multidisciplinar – médicos,
fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, psicólogos – são necessários.11
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