TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA
DIRETORIA DE CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL
INSPETORIA 1
DIVISÃO 2
PROCESSO Nº
TCE 11/00305324
UNIDADE GESTORA FUNDO ESTADUAL DE INCENTIVO À CULTURA FUNCULTURAL
INTERESSADO
CELSO ANTÔNIO CALCAGNOTTO
RESPONSÁVEIS
ADRIANO ULSENHEIMER
MAICO ANDREI HOFF
GRUPO DE DANÇAS FOLCLÓRICAS ALEMÃS
EDELWEIS
GILMAR KNAESEL
ASSUNTO
Tomada de Contas Especial, referente a recursos
repassados ao Grupo de Danças Folclóricas Alemãs
Edelweis, por meio da nota de subempenho n° 417, de
27/06/2006, no valor de R$ 18.600,00 e da nota de
empenho estimativo n° 449, de 14/08/2007, no valor de
R$ 11.400,00 para a execução do Projeto “Folclore
Germânico em São Carlos”.
RELATÓRIO DE INSTRUÇAO COMPLEMENTAR nº 641/2012
1 INTRODUÇÃO
Trata-se de processo de Tomada de Contas Especial instaurado
pela Secretaria de Estado do Turismo, Cultura e Esporte - SOL, por meio da
Portaria nº 48/09-7, publicada no Diário Oficial do Estado - D.O.E. nº 18.745, de
04/12/2009 (fl. 90).
A transferência dos recursos financeiros ao Grupo de Danças
Folclóricas Alemãs Edelweis se deu no montante de R$ 30.000,00 (trinta mil
reais), por meio das seguintes notas de subempenho:
Nº
Data
P.A
417 subempenho
do Global 416
449
estimativo
27/06/06
5628
Natureza da
Despesa
33504399
14/08/07
5628
33504301
Fonte
Valor
Fls.
0269
18.600,00
58
0162
11.400,00
71
TOTAL
R$ 30.000,00
Quando da análise da prestação de contas referente à nota de
subempenho nº 449, no valor de R$ 11.400,00 (onze mil e quatrocentos reais) –
PTEC 4531/07-8, a Gerência de Controle de Projetos Incentivados da SOL
verificou a existência de irregularidades e cobrou a regularização das mesmas,
nos termos da Análise Prévia nº 69 (fl. 85)
Em razão do não atendimento da solicitação contida na Análise
Prévia, o referido processo de prestação de contas foi encaminhado para
instauração de Tomada de Contas Especial, conforme Análise Conclusiva nº
497/09-3, fl. 86. Assim, a Tomada de Contas Especial foi instaurada, conforme
Portaria nº 48/09-7, publicada no D.O.E. nº 18.745, de 04/12/2009, fl. 90.
A Comissão Processante de Tomada de Contas Especial notificou o
responsável acerca das restrições constantes do Relatório Preliminar (fls. 96-97),
para manifestação no prazo de 30 (trinta) dias (Notificação nº 57/10-0, fl. 95).
O Presidente à época do Grupo de Danças Folclóricas Alemãs
Edelweiss, Sr. Maico Andrei Hoff, apresentou manifestação acompanhada de
documentos, que se encontram às fls. 100-119.
O procedimento de Tomada de Contas Especial resultou no
Relatório Final (fls. 131-135), o qual, após análise dos novos documentos e
justificativas apresentadas, concluiu que a utilização dos recursos ocorreu de
modo regular, ressalvada a não apresentação da contrapartida devida, e fazendo
determinações ao órgão concedente.
Por meio do Ofício nº 981/10 (fl. 138), o então Secretário de Estado
de Turismo, Cultura e Esporte encaminhou os autos à Secretaria de Estado da
Fazenda, tendo sido elaborado o Relatório e Certificado de Auditoria nº 0095/10
(fls. 139-141), concluindo pela irregularidade das contas dos recursos
repassados ao Grupo de Danças Folclóricas Alemãs Edelweiss.
Em atenção ao contido no inciso XIII, do art. 16 do Decreto Estadual
nº 1.977/08, o ordenador da despesa se pronunciou através do documento de fl.
143, e encaminhou os autos a esta Corte de Contas, de acordo com o art. 13, da
IN nº TC 03/2007, vigente à época, por meio do Ofício nº 1336/10, protocolado
neste Tribunal sob o nº 019124, na data de 04/11/10 (fl. 03).
Verificada a conformidade dos autos com a Instrução Normativa TC
03/2007, com as alterações estabelecidas pela IN TC-06/2008, vigentes à época,
esta Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE encaminhou-os para
autuação.
O Corpo Técnico desta Casa, após análise dos autos, sugeriu a
citação apenas do Sr. Adriano Ulsenheimer, Presidente do Grupo de Danças
Folclóricas Alemãs Edelweis até 28/04/07 e responsável pelo recebimento de
aplicação dos recursos referentes à primeira parcela, nota de subempenho nº
417, no valor de R$ 18.600,00 (dezoito mil e seiscentos reais), para que
apresentasse defesa acerca das irregularidades apontadas no Relatório de
Instrução DCE/Insp.1/Div.3 nº 783/2011 (fls. 147-155), transcritas a seguir:
Ante o exposto, sugere-se:
3.1 Seja procedida a CITAÇÃO, nos termos do art. 15, II, da Lei
Complementar Estadual nº 202/00, do Sr. Adriano Ulsenheimer, CPF
060.292.369-70, presidente à época, do Grupo de Danças Folclóricas
Alemãs com endereço na Rua Linha São João, snº, CEP 89 885 – 000,
Bairro São João, São Carlos – SC, para apresentação de defesa, em
observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla
defesa, a respeito das irregularidades constantes do presente relatório,
conforme segue:
3.1.1 Passíveis de imputação de débito parcial nos valores
seguintes e aplicação de multa proporcional:
3.1.1.1 R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais), em face de não
comprovação da contrapartida, contrariando a Lei Complementar nº
284/2005, art. 140, Decreto nº 3.115/05 art. 21, c/c a Resolução TC nº
16/94, arts. 49 e 52, (conforme item 2.3, deste Relatório);
3.1.2 Passíveis de aplicação de multa, em face de (a):
3.1.2.1 Apresentação de extrato bancário que não contempla todo o
período de aplicação do recurso, contrariando a Lei Complementar nº
381/07, art. 144, I, c/c art. 44, da Resolução nº TC 16/94, (conforme item
2.4, deste Relatório).
3.2 Seja dado conhecimento a pessoa jurídica Grupo de Danças
Folclóricas Alemãs Edelweis, CNPJ 00.996.734/0001-72, estabelecida
na Rua Estrada Geral, snº, Bairro São João, Cidade de São Carlos – SC,
CEP 89885-000, na pessoa de seu atual representante legal, para,
querendo, se manifestar sobre os fatos passíveis de imputação de débito
constantes deste relatório, em razão da vedação de a entidade receber
novos recursos, nos termos do disposto no art. 5º, “c”, da Lei Estadual nº
5.867/81.
Em seu despacho de fls. 156-158, o Sr. Relator Cleber Muniz Gavi,
considerou acertadas as sugestões feitas pela área técnica, porém divergiu do
valor atribuído a título de débito pela ausência de contrapartida. Em seu
entendimento, considerando que não houve a contrapartida, o valor do total do
projeto foi de R$ 30.000,00 (trinta mil reais); desse modo, deveria o proponente
ressarcir aos cofres públicos o montante de R$ 6.000,00 (seis mil reais), referente
a 20% do valor do projeto.
Assim, o Relator dos presentes autos determinou que se procedesse
à Citação, para que o responsável apresentasse suas justificativas acerca das
irregularidades apontadas, bem como fosse dado conhecimento das restrições
passíveis de imputação de débito à entidade.
Atendendo a determinação do Relator, esta Diretoria de Controle da
Administração Estadual procedeu à Citação do responsável por meio do Ofício nº
0621/2012 (fl. 160).
O Grupo de Danças Folclóricas Alemãs Edelweis manifestou-se por
meio dos documentos juntados às fls. 173-200, após ter seu pedido de
prorrogação de prazo deferido (fl. 172). Por sua vez, o Sr. Adriano Ulsenheimer
restou silente, apesar de devidamente citado e de ter seu pedido de prorrogação
de prazo deferido (fl. 167).
2 ANÁLISE
Compulsando os autos verificou-se que o relatório de instrução
DCE/Insp.1/Div.2 nº 783/2011 citou apenas o Sr. Adriano Ulsenheimer para
ciência das restrições apontadas; contudo, constata-se que o Sr. Adriano foi
Presidente do Grupo de Danças Folclóricas Alemãs Edelweis até a data de
28/04/07, sendo responsável pelo recebimento e aplicação dos recursos
repassados por meio da nota de subempenho nº 417, de 27/06/06, no valor de R$
18.600,00 (dezoito mil e seiscentos reais), respondendo, também, pela sua
prestação de contas.
Por sua vez, o Sr. Maico Andrei Hoff assumiu a presidência do
referido Grupo a partir de 28/04/07, sendo, então, responsável pelo recebimento e
aplicação dos recursos repassados por meio da nota de empenho nº 449, de
14/08/07, no valor de R$ 11.400,00 (onze mil e quatrocentos reais), conforme ata
de eleição anexada às fls. 82-83.
Dada constatação, objetivando permitir a plenitude do princípio
constitucional do contraditório e da ampla defesa, se torna necessário dar ciência
das restrições constantes do Relatório de Instrução supracitado ao Sr. Maico
Andrei Hoff, para que se manifeste sobre as irregularidades apontadas passíveis
de imputação de débito, assim como ao Grupo de Danças Folclóricas Alemãs
Edelweis, o qual se considera responsável solidário, conforme se verificará nos
termos do item 2.2 deste Relatório.
Ressalta-se que as demais irregularidades, passíveis de aplicação
de multa ao Sr. Adriano Ulsenheimer, serão analisadas oportunamente, razão
pela qual não serão tratadas neste Relatório.
2.1
Ausência
de
Contrapartida,
contrariando
a
Lei
Complementar nº 284/2005, art. 140, Decreto Estadual nº 3.115/05 art. 21, c/c
a Resolução nº TC 16/94, arts. 49 e 52
Verificou-se na análise dos autos que não restou comprovada a
aplicação da contrapartida devida em virtude do recebimento dos recursos
públicos solicitados. A irregularidade foi apontada pela Comissão de Tomada de
Contas Especial, conforme fl. 97. Em resposta, o então Presidente do Grupo de
Danças Folclóricas Alemãs Edelweis, Sr. Maico Andrei Hoff, alegou, conforme fl.
101:
Com relação à contrapartida, comprometemo-nos no plano de trabalho
em aplicar os recursos no pagamento de instrutor e em viagens para
divulgar o grupo na região. Para comprovar, anexamos à prestação de
contas recibos das referidas viagens bem como declaração do instrutor.
A Comissão entendeu que a justificativa era suficiente para afastar a
irregularidade apontada, considerando as contas regulares, ressalvando a não
formalização
da
contrapartida.
Entretanto,
constatou-se
que
não
foram
apresentados documentos que comprovassem a viagem do grupo, tais como nota
fiscal de hospedagem, contendo o nome dos integrantes do grupo, no período
correspondente ao plano de aplicação, recibos de alimentação e transporte.
Cumpre destacar que os recibos acostados às fls. 178-180 são
meras cópias, desacompanhadas de quaisquer outros documentos de suporte
que comprovem a efetiva realização dos serviços ali descritos.
Já em relação à despesa com instrutor de dança, também não
constam dos autos nota fiscal do profissional e contrato de prestação de serviços
com a especificação do objeto relacionado à consecução do projeto.
A declaração do instrutor, constante da fl. 104 não é suficiente para
demonstrar a aplicação da contrapartida, pois não existem comprovantes de
pagamento ao referido profissional. Por se tratar de contrapartida financeira, a
entidade deveria ter depositado na conta vinculada ao projeto a parte que lhe
cabia arcar e ter realizado o pagamento das despesas por meio de cheque
nominal ou transferência bancária, com apresentação do respectivo comprovante
da operação efetuada.
Ademais, nos termos do que dispõe o § 1º do art. 24 do Decreto
Estadual nº 307/03, e art. 59 da Resolução nº TC – 16/94, vigentes à época, o
documento hábil para comprovar tais despesas é a nota fiscal, se não vejamos:
Decreto Estadual nº 307/03
Art. 24
(...)
§ 1º Para efeitos do disposto no inciso IX, recibos não se constituem em
documentos hábeis a comprovar despesas sujeitas à incidência de
tributos federais, estaduais ou municipais.
Resolução nº TC – 16/94
Art. 59 Na aquisição de bens ou qualquer operação sujeita a tributo, o
comprovante hábil deve ser a nota fiscal e, salvo exceções cabíveis, em
primeira via.
Ressalta-se que a entidade estava subordinada à lei então vigente
quando da concessão dos recursos solicitados e conforme se verifica no caput do
art. 21 do Decreto Estadual nº 3.115/05, a contrapartida deveria corresponder a,
no mínimo, 20% do valor total do projeto:
Art. 21. Os Fundos financiarão, no máximo, 80% (oitenta por cento) do
custo total de cada projeto cultural, turístico ou esportivo, aprovado,
devendo o proponente oferecer contrapartida equivalente ao valor
restante. (grifo nosso)
Ainda que não seja um gasto realizado com recurso público, deve
ficar demonstrada, na prestação de contas, que a despesa foi realizada, uma vez
que a proposta tem como característica a comunhão de esforços das duas partes
envolvidas: Poder Público e entidade beneficiada.
Assim, restando configurado que o projeto foi integralmente
financiado com os recursos públicos transferidos (R$ 30.000,00), o responsável
deve ressarcir ao Estado o valor correspondente a 20% do valor do projeto, para
que seja mantida a proporcionalidade mínima estabelecida no art. 21, antes citado
(R$ 6.000,00). Neste caso, devem ser responsabilizados solidariamente o Sr.
Adriano Ulsenheimer (relatório nº 783/2011, fls. 147 a 155), o Sr. Maico Andrei
Hoff e o Grupo de Danças Folcloricas Alemãs Edelweis.
2.2 Da responsabilidade da pessoa jurídica
A fim de esclarecer a responsabilidade da pessoa jurídica, no
presente caso concreto, o Corpo Técnico entendeu pertinente destacá-la em item
próprio, por exigir a situação uma abordagem minuciosa a partir dos fatos e
fundamentos que os dão sustentação.
É preciso que se diga, inicialmente, que até o momento não se
imputara responsabilidade à pessoa jurídica em razão de enormes divergências
doutrinárias e jurisprudenciais acerca da matéria entre as Cortes de Contas no
país. Contudo, houve um amadurecimento das discussões sobre o tema e, em
atenção ao que vêm decidindo os tribunais, especialmente o Tribunal de Contas
da União, de maneira uniformizada a partir do mês de outubro de 2011, este
Corpo Técnico acompanha tais entendimentos naquelas situações em que o caso
concreto permite seja feito esse enquadramento.
O tema da responsabilidade da pessoa jurídica no âmbito deste
Tribunal de Contas, especialmente relacionada a processos de prestação ou
tomada de contas especial de recursos recebidos a título de subvenção social,
auxílio ou contribuição, referentes a repasses do Sistema Estadual de Incentivo
ao Turismo Esporte e Cultura – SEITEC, ainda não mereceu a devida atenção
que a questão exige, por parte da jurisprudência da Corte.
Vale ressaltar que, em 2010, um grupo de estudiosos deste Egrégio
Tribunal de Contas iniciou uma discussão sobre a matéria, oportunidade em que
muitas considerações importantes foram levantadas.
Naquela época, vislumbrou-se que o critério que condicionava a
responsabilização das pessoas jurídicas à comprovação de que estas se
beneficiaram dos recursos públicos se afigurava como bastante razoável, em
consonância com o entendimento do Tribunal de Contas da União, no tocante aos
casos concretos que envolviam gastos irregulares de recursos federais
transferidos a Estados e Municípios, com desvio de finalidade e em benefício
próprio.
A despeito da possibilidade de responsabilização solidária entre a
pessoa jurídica e o seu dirigente, era assente que a solidariedade não poderia ser
presumida, pois decorria de lei ou da vontade das partes, nos termos do que já
dispunha o art. 265, do Código Civil1. Para decorrer de lei, exige-se previsão
expressa na legislação regulamentar, enquanto que para decorrer da vontade das
partes se exige a necessidade de previsão expressa no contrato, convênio ou
outro instrumento congênere.
Cumpre lembrar que as pessoas jurídicas são entidades a que a lei
empresta personalidade, capacitando-as a ser sujeitos de direitos e obrigações,
cuja principal característica é a de atuarem na vida jurídica com personalidade
diversa da dos indivíduos que a compõem.
No tocante à responsabilidade contratual, as pessoas jurídicas em
geral, mesmo não possuindo a existência ontológica das pessoas naturais,
respondem com seu patrimônio por todos os atos ilícitos que praticarem por meio
de seus representantes, desde que se tornem inadimplentes.
A responsabilidade das pessoas jurídicas não deve ser entendida à
luz da responsabilidade baseada na culpa, individual e subjetiva, mas, sim, à luz
da responsabilidade social, inclusive sujeitando-as à desconsideração da
personalidade jurídica em casos de abuso da personalidade com desvio de
finalidade ou confusão patrimonial, bem como seus representantes à ação
regressiva, por parte das entidades, em face dos prejuízos suportados por estas. 2
Nesse diapasão, em regra, as pessoas jurídicas constituem um
acervo de bens, que recebem personalidade própria para o exercício de atividade
1
2
Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.
A responsabilização das pessoas jurídicas se revela de fundamental importância, a exemplo do
ocorre na esfera ambiental, uma vez que a punição tão somente do seu gestor implicaria a
impunidade da pessoa jurídica nos casos em que o dirigente deixasse o cargo de representante
legal da entidade. Com isso, a pessoa física, ex-dirigente, cumpriria a sanção que lhe fora imposta
e a pessoa jurídica estaria livre para continuar a causar danos ao erário público ou a terceiros, sob
a direção de outro representante, culminando com uma inconcebível e odiosa irresponsabilidade
social permanente.
de interesse público e social3, respondendo civilmente pelos atos de seus
representantes causadores de perdas e danos. Ressalta-se que as pessoas
jurídicas de direito público ou privado possuem legitimidade para figurarem no
polo passivo da relação processual e serem civil e administrativamente
responsabilizadas pelos atos dos seus agentes que nessa qualidade causem
danos a terceiros.
Assim,
as
pessoas
jurídicas
possuem
existência
jurídica
independente da de seus administradores, razão pela qual existe distinção entre
os patrimônios e as responsabilidades. Sua criação derivou de uma evolução
histórica diante das necessidades emergentes, não podendo o Direito negar sua
realidade, situação que culminou com o advento do sistema normativo regulador
das atividades empresariais coletivas. Isso porque, há algum tempo atrás, partiase do pressuposto de que a pessoa jurídica não possuía pensamento, não
praticava atos, não assinava documentos, não decidia, não sofria sanção
reparadora do sistema normativo etc. Assim, uma pessoa jurídica não poderia
assinar contrato ou comparecer a uma audiência porque não possuía existência
física.
Contudo, essa impossibilidade física foi superada, não havendo mais
qualquer dúvida acerca da responsabilidade civil das pessoas jurídicas, passando
a ser objeto de regulação jurídica e, portanto, passível de reparar danos causados
a terceiros, efetuar pagamento de aluguel e salários etc., bem como sofrer
sanções como multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade.
Com o passar do tempo, houve um aumento dos investimentos nas
pessoas jurídicas, determinando sua reformulação no âmbito das sociedades,
cada vez maiores e mais complexas, inclusive com ações colocadas no mercado
de bolsas.
3
Observa-se que as entidades proponentes de projetos com recursos antecipados, não raro,
promovem eventos periodicamente, a cada ano, sendo que a propositura de projetos culturais
dessa natureza e o recebimento de recursos do FUNCULTURAL são da essência dessas pessoas
jurídicas, razão pela qual a sua existência é reconhecida na sociedade pelos projetos sociais
executados. Os eventos representam, geralmente, uma tradição na cidade e, pelo fato de estarem
vinculados às entidades, implicam benefício direto às pessoas jurídicas, porquanto é a iniciativa e
imagem delas que conferem credibilidade à execução dos eventos e, consequentemente, sua
autopromoção.
A ação praticada pela pessoa jurídica, cuja existência é prevista no
âmbito normativo, se dá pelas atividades desenvolvidas no meio social. A
concepção normativa da culpa deriva do juízo de censura atribuído pela norma
jurídica.
O desenvolvimento das atividades empresariais se origina de um
centro de decisão representado pela(s) pessoa(s) indicada(s) no ato constitutivo.
Logo, o objeto da censura resultante da norma reside na ação praticada pela
empresa, que se traduz no comportamento do administrador em nome e proveito
da pessoa jurídica.
Em face dessas considerações, observa-se que a pessoa jurídica de
direito privado que mantém vínculo com o Poder Público, por instrumento jurídico
próprio, como é o caso de convênios, subvenção social, auxílio, contribuição,
contrato de apoio do Sistema Estadual de Incentivo ao Turismo Esporte e Cultura
(SEITEC), responde pelas obrigações pactuadas, mormente pelo dever de
comprovar a boa e regular aplicação dos recursos que recebeu para a
consecução de atividade de interesse público.
A partir da consecução do vínculo, a entidade privada beneficiada
com os recursos públicos formalmente se obriga a gerir e a dar conta dos valores
recebidos,
porquanto,
independentemente
de
qual(is)
seja(m)
seu(s)
administrador(es) naquele momento, ou de qual(is) vier(em) a ser no futuro,
compromete-se pessoalmente a comprovar, mediante prestação de contas junto à
autoridade competente, a regular aplicação daqueles recursos.
Portanto, na hipótese em que a pessoa jurídica de direito privado e
seus administradores derem causa a dano ao erário na execução de convênio
celebrado com o Poder Público, com vistas à concretização de uma finalidade
pública, incide sobre eles a responsabilidade solidária pelo dano ao erário.
No mesmo sentido foi o parecer do Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas da União quando suscitou, nos autos do processo de Tomada
de Contas Especial nº 006.310/2006-0, o incidente de uniformização de
jurisprudência4, no âmbito daquela Corte, acerca da responsabilização da pessoa
jurídica.
Ante a instauração do incidente de uniformização da jurisprudência 5,
o Plenário daquela Corte de Contas decidiu pacificar as divergências acerca da
matéria, cujos principais argumentos, em síntese, se destacam a seguir:
TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO
DE JURISPRUDÊNCIA. DIVERGÊNCIAS ENCONTRADAS NO EXAME
DE PROCESSOS EM QUE OS DANOS AO ERÁRIO TÊM ORIGEM
NAS TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS DE RECURSOS FEDERAIS
A ENTIDADES PRIVADAS. NA HIPOTÉSE EM QUE A PESSOA
JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO E SEUS ADMINISTRADORES
DEREM CAUSA A DANO AO ERÁRIO NA EXECUÇÃO DE AVENÇA
CELEBRADA COM O PODER PÚBLICO FEDERAL COM VISTAS À
REALIZAÇÃO DE UMA FINALIDADE PÚBLICA, INCIDE SOBRE
AMBOS A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELO DANO AO
ERÁRIO. ARTIGOS 70, PARÁGRAFO ÚNICO, E 71, INCISO II, DA
CF/88 (...)
Frise-se, por oportuno, que com a decisão de uniformização de
jurisprudência também restou superada a questão referente à necessidade de se
demonstrar
que
eventuais
recursos
públicos
desviados
tivessem
sido
incorporados pela pessoa jurídica e não pela pessoa física. Isso porque ficou
assente que a responsabilidade solidária entre a pessoa jurídica de direito privado
e seu(s) administrador(es) se verifica quando estes “derem causa a dano ao
erário” na execução de avença celebrada com o poder público com vistas à
realização de uma finalidade pública.
Destaca-se que o mencionado julgamento segue a tendência de
outras áreas do Direito, como a ambiental, civil e, até, penal, quanto à
responsabilização
da
pessoa
jurídica
juntamente
com
a
de
seu(s)
administrador(es) nos casos em que houver prejuízo ao erário.
4
TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CONVÊNIO FIRMADO COM ENTIDADE PRIVADA.
QUESTÃO PRELIMINAR. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
DIVERGÊNCIAS ACERCA DA RESPONSABILIZAÇÃO PELOS RECURSOS REPASSADOS
MEDIANTE CONVÊNIOS A ENTIDADES PRIVADAS. CONTROVÉRSIA DEMONSTRADA.
CONHECIMENTO DA PRELIMINAR. ADOÇÃO DO RITO PREVISTO NO ART. 91 DO
REGIMENTO INTERNO. CONSTITUIÇÃO DE ANEXO AOS AUTOS PRINCIPAIS (Acórdão
1974/2010 – Plenário, Processo nº 006.310/2006-0, Tomada de Contas Especial, Min. Rel.:
BENJAMIN ZYMLER, Publ.: DOU 19/08/2010) (grifou-se)
5
Incidente de Uniformização de Jurisprudência. Acórdão 2763/2011- Plenário. Processo nº
006.310/2006-0. Ata 43/2011. DOU 19/10/2011
Nessa senda, a responsabilidade da pessoa jurídica é cristalina, na
medida em que firmam convênio ou outro instrumento congênere com o Poder
Público e recebem recursos do estado, promovendo-se com os benefícios da sua
aplicação e da realização dos eventos, sendo os seus representantes legais
também os gestores dos recursos. Por seu turno, a responsabilidade dos seus
representantes resulta da má gestão e da atuação desconforme com a lei ou,
ainda, com as finalidades da própria entidade.
Cumpre salientar que, no caso concreto que ora se analisa, é a
pessoa jurídica que figura como convenente/contratante (apesar de ilegalmente
ausente o termo de ajuste), obrigando-se a comprovar o pactuado com a
Administração Pública para a consecução do objeto. Ademais, verifica-se que as
notas fiscais juntadas aos autos não estão em nome da pessoa física,
representante da entidade, mas, sim, em nome da pessoa jurídica, beneficiária e
proponente do projeto.
Destarte, caracterizada a má e irregular gestão dos recursos
públicos, por desobediência aos preceitos legais e com prejuízo ao erário;
considerando que significativa parcela da doutrina já vinha trilhando o caminho da
possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica, juntamente com seu(s)
administrador(es), bem como, da constatação de que foram dirimidas e
pacificadas as divergências jurisprudenciais em sede do Tribunal de Contas da
União, entende esta instrução que incumbe à entidade, pessoa jurídica
proponente, solidariamente com o seu representante legal à época, o ônus da
devolução dos valores correspondentes, a fim de restabelecer a equação
econômico-financeira constituída no ajuste.
Por derradeiro, observa-se que além de a responsabilidade do Sr.
Maico Andrei Hoff, presidente à época do Grupo de Danças Folclóricas
Alemãs Edelweis, está perfeitamente configurada pela gestão antieconômica,
com grave infração às normas que regem o convênio, conforme já demonstrado
nos itens anteriores, os seus atos irregulares atingem diretamente a esfera de
interesse e responsabilidade social do Grupo de Danças Folclóricas Alemãs
Edelweis, pessoa jurídica de direito privado, impondo-se também a esta a
responsabilidade pelos prejuízos causados ao erário.
Diante disso, impõe-se a responsabilização da pessoa jurídica e a
obrigação de o Grupo de Danças Folclóricas Alemãs Edelweis, juntamente
com o seu representante legal à época dos fatos, Sr. Maico Andrei Hoff,
ressarcir os recursos aplicados indevidamente e que geraram débitos, em
obediência aos comandos normativos estampados nos arts. 58, parágrafo único,
e 59, II, da Constituição Estadual6, por assimetria aos arts. 70, parágrafo único, e
71, II, da Constituição Federal7, nos arts. 47, 50, 186 e 389 do Código Civil 8 e no
Incidente de Uniformização de Jurisprudência do TCU (Acórdão 2763/2011Plenário, Processo nº 006.310/2006-0, Ata 43/2011, DOU 19/10/2011).
6
Art. 58. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado e
dos órgãos e entidades da administração pública, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pela
Assembléia Legislativa, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada
Poder.
Parágrafo único - Prestará contas qualquer pessoa física ou entidade pública ou privada que
utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos
quais o Estado responda, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza pecuniária.
Art. 59. O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio do
Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete: (...)
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da
administração direta e indireta, incluídas as sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público
estadual, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que
resulte prejuízo ao erário; (...)
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Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e
das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso
Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a
União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do
Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...)
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores
públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e
mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou
outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; (...)
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Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus
poderes definidos no ato constitutivo.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público
quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e
atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de
advogado.
3. CONCLUSÃO
Considerando que no relatório de instrução DCE/Insp.1/Div.2 nº
783/2011 foi citado apenas o Sr. Adriano Ulsenheimer, Presidente do Grupo de
Danças Folclóricas Alemãs Edelweis até a data de 28/04/07, responsável pelo
recebimento e aplicação dos recursos repassados por meio da nota de
subempenho nº 417, de 27/06/06, no valor de R$ 18.600,00;
Considerando que o Sr. Maico Andrei Hoff assumiu a presidência do
referido Grupo a partir de 28/04/07, sendo, então, responsável pelo recebimento e
aplicação dos recursos repassados por meio da nota de empenho nº 449, de
14/08/07, no valor de R$ 11.400,00, não chamado a se manifestar por meio do
relatório DCE/Insp.1/Div.2 nº 783/2011;
sugere-se:
3.1 Definir a responsabilidade solidária, nos termos do art. 15,
inciso I, da Lei Complementar Estadual nº 202/00, do Sr. Maico Andrei Hoff,
inscrito no CPF sob o nº 062.963.799-78, Presidente do Grupo de Danças
Folclóricas Alemãs Edelweis a partir de 28/04/07, com último endereço na Estrada
Geral, s/n, Bairro São João, São Carlos/SC, CEP 89.885-000, e da pessoa
jurídica
Grupo
de
Danças
Folclóricas
Alemãs
Edelweis,
CNPJ
00.996.734/0001-72, estabelecida na Estrada Geral, s/nº, Bairro São João, São
Carlos/SC, CEP 89.885-000, por irregularidade verificada nas presentes contas
que ensejam a imputação do débito mencionados no item 2.1 deste Relatório.
3.2 Determinar a CITAÇÃO dos responsáveis nominados no item
anterior, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar nº 202/00, sendo a
pessoa jurídica na pessoa do seu atual representante legal, para apresentarem
alegações de defesa, em observância aos princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa, a respeito da irregularidade constante do
presente relatório, conforme segue:
3.2.1 Passível de imputação de débito, nos valores seguintes, sem
prejuízo da cominação de multa, nos termos do art. 68 da Lei Complementar
Estadual nº 202/2000:
3.2.1.1 R$ 6.000,00 (seis mil reais), em face de não restar
devidamente comprovada a aplicação da contrapartida, contrariando o art. 21 do
Decreto Estadual nº 3.115/05, vigente à época, conforme item 2.1 deste Relatório.
É o Relatório.
DCE/Insp.1/Div.2, em 15 de outubro de 2012.
Claudia Vieira da Silva
Auditora Fiscal de Controle Externo
Chefe de Divisão
De acordo.
DCE/Inspetoria 1, em ____/____/2012.
Nilsom Zanatto
Auditor Fiscal de Controle Externo
Coordenador de Controle
De acordo.
DCE, em ____/____/_____.
Névelis Scheffer Simão
Diretor
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processo nº tce 11/00305324 unidade gestora fundo estadual de