I Simpósio Sobre a
Biodiversidade da Mata Atlântica
Padrão de uso de recursos artificiais por beija-flores no Museu de Biologia Profº Mello
Leitão, Santa Teresa - ES
Gabriel Silva dos Santos ¹,³; Francisco Candido Cardoso Barreto²; Sérgio Lucena Mendes¹
¹ Laboratório de Biologia da Conservação de Vertebrados, Departamento de Biologia,
Universidade Federal do Espírito Santo
² Programa de Pós-graduação em Biologia Animal, Universidade Federal do Espírito Santo
³ Autor para correspondência: [email protected]
RESUMO
Os beija-flores são aves neotropicais, que se alimentam basicamente de néctar, sendo
geralmente influenciados pela variação na disponibilidade desse recurso. O município de
Santa Teresa se destaca por ser um dos municípios mais florestados do Espírito Santo e com
maior número de trabalhos ornitológicos, além de abrigar o Museu de Biologia profº Mello
Leitão (MBML), que apresenta a maior riqueza registrada de beija-flores de Santa Teresa,
atribuída em parte à presença histórica de bebedouros e a grande quantidade de estudos na
região. Nesse trabalho verificamos o padrão de uso desses recursos artificiais pelos
troquilídeos. Foram realizadas 24 campanhas de campo distribuídas ao longo do ano, onde
foram observadas a frequência de visitas de beija-flores aos recursos artificiais
disponibilizados no MBML. Foram encontradas 13 espécies, sendo 10 residentes, visitando os
bebedouros ao longo de todo o ano e três com período restrito de visitas. O número de visitas
permaneceu com pouca alteração durante todo o período amostrado, tendo em quase todas as
amostragens a espécie Florisuga fusca como mais abundante. Embora a frequência desta
espécie também não tenha sofrido grandes alterações durante o ano, assim como a frequência
total, os indivíduos com plumagem juvenil da espécie apresentaram um pico de atividades nos
meses de abril e junho, o que parece não condizer com a atual descrição do período
reprodutivo dessa espécie. Por meio da análise de correlação testamos a hipótese de variáveis
ambientais influenciando a frequência de visitas aos recursos. As variáveis ambientais
temperatura e horário mostraram-se fortemente correlacionadas ao padrão de visita dos beijaflores, enquanto que as variáveis pluviosidade e umidade não apresentaram correlação
significativa com o padrão de visitas. A explicação para a ação das variáveis sobre a
população de beija-flores pode ser feita principalmente em função das alterações fisiológicas
que ocorrem nas plantas, e mais especificamente nas flores e na produção de néctar.
Palavras chave: forrageamento, recursos artificiais, reprodução.
INTRODUÇÃO
Os beija-flores (Trochilidae) são aves exclusivamente neotropicais que utilizam
principalmente o néctar em sua alimentação, sendo geralmente influenciados pela mudança na
disponibilidade de seus recursos alimentares, nas diferentes estações do ano (Sick, 1997). O
Brasil abriga um total de 86 espécies de beija-flores, algumas delas endêmicas de
determinados biomas ou amplamente distribuídas em seu território (Grantsau, 1988). No
estado do Espírito Santo, o município de Santa Teresa se destaca por possuir o maior número
de espécies de beija-flores registrados, em parte pelo grande número de estudos realizados ao
longo dos anos nessa região e também pela grande quantidade de cobertura florestada, mesmo
que fortemente fragmentada. (Simon, 2000; Mendes & Padovan, 2000; Willis e Oniki, 2002).
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De acordo com Willis e Oniki (2002), a área correspondente ao Parque do Museu de Biologia
Profº Mello Leitão, apresenta a maior riqueza de espécies de beija-flores entre os fragmentos
florestais do município, provavelmente devido à presença histórica de bebedouros com
concentração açucarada, disponibilizados pelo seu fundador Augusto Ruschi, que veio a se
tornar uma importante fonte entre os recursos alimentares em função das altas taxas
metabólicas dessas espécies, que os obriga a repor a energia gasta constantemente.
Embora a riqueza de espécies no município seja bem estudada, aspectos ecológicos sobre
essas espécies mostram-se escassos. E mesmo que vários estudos ecológicos sobre a
comunidade de beija-flores tenham sido realizados, inclusive em ambientes tropicais, a
compreensão sobre os movimentos altitudinais e aspectos migratórios continuam complexos e
pouco explorados (Hilton-jr & Miller, 2003). Com isso, o objetivo deste trabalho foi estudar
a sazonalidade de ocorrência das espécies de beija-flores atraídos por recursos artificiais e
associá-las com algumas variáveis ambientais na região.
METODOLOGIA
Área de estudo. O Parque do Museu de Biologia Mello Leitão encontra-se no perímetro
urbano do município de Santa Tereza (19º56’10’’ S e 40º36’06’’ W), estando a 675 metros
acima do nível do mar. Possui uma área de 7,7ha divididos em um remanescente florestal e
um parque de atividades recreativas arborizados com espécies nativas entremeadas com
espécies exóticas.
Na varanda da sede administrativa do MBML está instalado o observatório de beija-flores,
contendo seis bebedouros artificiais, diariamente abastecidos com uma solução de água e
sacarose em concentração de 20% que atrai diversos indivíduos de diferentes espécies de
beija-flores.
Avaliação da freqüência de visitação, aspectos comportamentais e interferência dos fatores
ambientais. Foram realizadas duas campanhas mensais ao longo do período de novembro de
2010 a outubro de 2011, para a observação dos aspectos comportamentais das espécies de
beija-flores que fazem uso dos recursos artificiais oferecidos no observatório de beija-flores
do MBML. As observações foram conduzidas durante todo o dia (05:00h – 19:00h,
desconsiderando o horário de verão). Cada período de observação possuía duração de 10
minutos distribuídos igualmente por quatro bebedouros previamente escolhidos de forma a
representar da melhor maneira possível as diferentes situações proporcionadas na varanda,
seguido de intervalos de 20 minutos. Durante as observações eram anotadas as visitas aos
bebedouros através do método de indivíduo focal (Altmann, 1974). As observações foram
realizadas através de vista desarmada em ponto fixo de observação distante aproximadamente
5m dos bebedouros. A identificação dos espécimes seguiu Sigrist (2005) e Sick (1997), com
consulta ao material ornitológico da coleção do MBML. A nomenclatura segue conforme o
CBRO (2011).
Para correlacionar a freqüência de visitação com as variáveis climáticas foram obtidos dados
discriminados de hora em hora pela estação meteorológica do Instituto Nacional de
Meteorologia (INMET), localizada entre as coordenadas 19º59’19”S e 40º34’46”W, distante
aproximadamente 6km da área de estudo. As variáveis testadas quanto à sua influência sobre
a frequência de visitas foram pluviosidade, temperatura, umidade e horário. As análises das
variáveis foram testadas quanto à sua normalidade através do teste de Shapiro-Wilk e
correlacionadas com a frequência de visitas. Todas as análises foram desenvolvidas no
software “R” de acesso livre.
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RESULTADOS
Foram realizadas 24 campanhas, totalizando 336 horas de observação, onde foram registradas
ao total 13 espécies visitando constantemente os bebedouros. A subfamília Trochilinae
(Florisuga fusca, Aphantochroa cirrochloris, Colibri serrirostris, Amazilia versicolor, A.
lactea, Eupetomena macroura, Thaulurania glaucopis, Leucochloris albicollis, Calliphlox
amethystina, Lophornis magnificus) foi mais representativa do que a subfamília
Phaethorninae (Glaucis hirsuta, Phaethornis pretrei, P. eurynome). Nove, das 13 espécies
visitaram os recursos disponibilizados durante todo o ano, enquanto as outras quatro
estabeleceram um período determinado de visitação. Foram registradas em média 941
registros por dia, onde a espécie F. fusca foi a mais abundante durante quase todos os dias
amostrados, representando em média 36,95% dos registros diários. Apenas em dois dias
amostrados (19/junho e 03/julho), A. cirrochloris se mostrou a espécie mais abundante,
superando o número de visita realizada por F. fusca. (figura. 1)
1000
G. hirsutus
P. pretrei
P.eurynome
E. macroura
100
A. cirrochloris
Visitas
F. fusca
C. serrirostris
L. magnificus
T. glaucopis
10
L. albicollis
A. versicolor
A. lactea
C. amethystina
1
8-
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8359825
10
23
19
21
22
23
12
27
23
J
3-
ul
Figura 1. Frequência de visita durante os períodos de observação
Embora a frequência de visitas da espécie F. fusca não tenha variado de forma marcante
durante o ano, assim como o registro total de visitas, a frequência de indivíduos com
plumagem considerada juvenil segundo Sigrist (2005), teve um pico no período entre abril a
junho.
Para as variáveis ambientais de temperatura, umidade e pluviosidade, foram realizadas as
análises de correlação de Spearman, já que essas variáveis se mostraram seguindo uma
distribuição não normal (p<0,05) pelo teste de Shapiro-Wilk e apenas o número de visitas se
apresentou seguindo uma distribuição normal (p>0,05). Com isso obtivemos uma forte
correlação positiva do número de visitas com a temperatura (p<0,05) e ausência de correlação
significativa entre a frequência de visitas e a umidade (p>0.05), assim como na pluviosidade
(p>0,05). Como a variável “horário” se mostrou seguindo uma distribuição normal (p>0,05)
pelo teste de Shapiro-Wilk, foi possível realizar um teste de correlação de Pearson, onde foi
obtido uma forte correlação positiva (p<0,05).
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DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
A maior representatividade da subfamília Trochilinae sobre a subfamília Phaethorninae já era
esperada por essa compreender um número muito mais amplo de espécies. Porém era
esperado um número maior do que 13 espécies, afinal há para o museu pelo menos 28
espécies catalogadas até o momento (Ruschi 1965, Willis e Oniki 2002). Essa variação no
número de espécies, provavelmente se deu devido a registros ocasionais de espécies vagantes
ao longo dos anos amostrados.
Trabalhos realizados medindo a concentração de néctar durante o dia (Machado & Semir,
2006, Stouffer e Bierregaard, 1996) apontam, além da diminuição na produção líquida do
néctar, uma redução na quantidade total disponível, que pode estar relacionada à depreciação
do recurso por visitas prévias. Assim, o maior número de visitas nos bebedouros no período
da tarde com posterior redução até o pôr do sol pode se dar em consequência dessa redução. A
variável temperatura tem sido apontada como responsável pela evaporação e consequente
redução da quantidade total de néctar, assim como uma influência direta no padrão de
atividades dos nectários das flores (Stouffer e Bierregaard, 1996, Roubik e Buchmann, 1984;
Roubik, et al. 1995.
Segundo Ruschi (1964), o período reprodutivo de F.fusca abrange os meses de setembro a
março, porém foi registrado um pico de visitas por F.fusca com plumagem imatura no período
de abril a junho, que pode ser resultante de alguma alteração do período reprodutivo dessa
espécie ou talvez de uma tendência dos indivíduos jovens a evitarem os bebedouros devido à
intensa competição existente pelo acesso aos bebedouros.
AGRADECIMENTOS
Somos gratos a Msc. Karoline Marques e Cintia Corsini pelas dicas e revisão durante a fase
inicial do trabalho, ao CNPq pela bolsa concedida a G.S.S, além da revisão atenciosa da
comissão avaliadora.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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