Opinião
Diretoria
Dia do Médico: algo
a comemorar?
m outubro comemorou-se o dia do
médico. Existe algo a ser comemorado? Sinceramente, salvo algumas
exceções, não. Já vai longe o tempo em que
o médico tinha formação adequada, renda
suficiente,respeito,statuse,porconseqüência,estabilidade.
Hoje os problemas começam lá atrás, na
hora do vestibular. As vagas nas melhores faculdades são ocupadas por quem fez um bom
cursinho. Surge o primeiro paradoxo: quem
tem condições de pagar geralmente consegue
estudar de graça nas boas universidades públicas. As particulares, em sua maioria, além
de caras, deixam muito a desejar.
A formação é árdua. Assim que coloca
os pés na classe, o futuro médico, então
com 18 ou 19 anos e pleno de ideais, tem
o primeiro contato, não com a vida, mas
com a morte. Cada grupo de quatro alunos recebe um cadáver para estudos. A
maioria de indigentes ou de pessoas sem
família.
No início, alguns alunos nem dormem
direito. Criam mecanismos de autodefesa.
Evitam olhar muito para o rosto daquele
que já foi, um dia, um ser humano vivo.
Depois de algumas semanas, começa o lento trabalho de separação das partes e dos
órgãos para estudo da anatomia. Nesse momento, o corpo já tem até apelido: Zé, em
boa parte dos casos. Os alunos estão vencendo uma etapa. Muitos até arriscam trabalhar sem as luvas. Outros colocam até o
lanche, ainda na embalagem, sobre o cadáver, como se quisessem demonstrar exagerada e inconveniente superação. Mas não
são todos que enfrentam a realidade dessa
maneira. Há casos de alunos que, como
fuga, embrenham-se pelo caminho do álcool e das drogas.
A etapa seguinte na vida do futuro médico também é marcante. Depois da convivência com o cadáver, a convivência é com
os pacientes na clínica da faculdade. De
uma hora para outra, o aluno está diante de
um ser vivo que, mais cedo ou mais tarde,
tornar-se-á cadáver. Não é fácil esquecer as
imagens do Zé.
Está na hora de começar a aplicar e a
testar os conhecimentos na companhia do
professor. Não há como não se envolver
emocionalmente com aquelas pessoas ca-
FOTO DIVULGAÇÃO
E
rentes e doentes que só estão ali por não
ter recursos para procurar um consultório médico ou uma clínica particular.
O futuro profissional constata que não
consegue resolver muitos dos problemas
de seus pacientes que não têm dinheiro
nem para se alimentar e, muito menos,
para comprar remédios. Vendo aqueles
corredores entupidos de pessoas doentes,
carentes, sobreviventes, clamando por
algum tipo de assistência, muitos choram.
Para sobreviver àquele clima, muito parecido com o de um hospital de campanha, o estudante, com pouco mais de 20
anos, cria novos mecanismos de autodefesa para poder continuar.
Em muitos, surge aquele ar de superioridade, que muita gente confunde com arrogância. Mais uma vez é a autodefesa. Se
parar no corredor para falar com uma pessoa, terá de falar com todas. E aí não conseguetrabalhar.
Depois de formado, se o médico tiver
sorte, consegue fazer residência médica.
Mas, todo ano, milhares ficam sem essa
oportunidade.
Seis anos de sala de aula, dois anos de
residência e mais dois dedicados à alguma especialidade. Aí está o profissional
pronto para disputar um mercado de trabalho dominado por planos e seguros de
saúde que exploram médicos com honorários aviltantes e pacientes com redução
de exames e outros direitos.
Mas o Dia do Médico deve servir de
reflexão para todos nós. Se queremos o
resgate de nossos ideais e o fim do aviltamento profissional, precisamos agir diferentemente. Na Sociedade Brasileira de
Cardiologia, a maior instituição representativa de uma especialidade médica, defendemos a união de todos em prol de
uma medicina de qualidade. Precisamos
aproveitar a experiência de todos na elaboração das próximas diretrizes e dos
grandes projetos que aperfeiçoarão os
procedimentos médicos, com ganhos para
os profissionais da área da saúde e para
os pacientes.
Temos observado, no entanto, que alguns
colegas são adeptos de uma democracia de
conveniência: quando ouvem vozes discordantes, agem como o menino que, para ganhar sempre o jogo, quer um campinho de
futebol só para ele.
Para vencermos as forças contrárias aos
nossosideais,precisamosjogarjuntos.Játemos adversários suficientes no campo da
saúde. A bola não é de ninguém em particular,édetodos.Onossopontapéinicialàfrente da SBC será em 2 de janeiro, dia da posse
da nova diretoria. Contando com a ajuda de
todos, certamente, no próximo Dia do Médico, teremos muito o que comemorar.
Juarez Ortiz
Presidente-futuro da SBC
[email protected]
Evento
Congresso Nacional recebe
Semana de Qualidade de Vida
A SBC/Funcor e o InCor (Instituto do Coração) realizaram, no Congresso
Nacional, Brasília, DF, de 8 a 10 de outubro, a Semana de Qualidade de
Vida. No evento, as instituições colocaram à disposição de todos os deputados e de seus assessores exames de dosagem de colesterol, glicemia e avaliação de excesso de peso; ao final, foram realizados aproximadamente 3.000
avaliações. O evento teve apoio do laboratório Roche.
Jornal SBC
• Set / Out 2001 – Circulação: novembro
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