I. Introdução
ao Sistema Imunitário
1890
Emil von Behring, na Alemanha,
e Shibasaburo Kitasato, no Japão,
demonstram a acção dos anticorpos
contra a difteria e as toxinas do
tétano. Behring receberá o primeiro
prémio Nobel da medicina em 1901.
Maria Margarida Souto Carneiro, Centro de Neurociências
e Biologia Celular, Universidade de Coimbra, Coimbra
N
os anos 430-429 a.C.
a cidade-estado de
Atenas foi assolada
pela peste (praga), a
qual dizimou cerca
de um terço da sua população. No
livro “A Historia da Guerra do Peloponeso”, o general e historiador
grego Tucidides descreve como as
pessoas que haviam sido infectadas
e que tinham sobrevivido à praga
não voltavam a adoecer mesmo
estando em contacto com doentes.
Desta maneira, Tucidides dava os
primeiros passos para desvendar os
segredos do nosso sistema de defesa contra micróbios causadores de
doenças, o qual, mais tarde, viria a
ser designado por sistema imunitário (do latim immunis [=isento]).
Desde Tucidides, muitos cientistas em todo o mundo (ver timeline)
têm contribuído para elucidar a
maneira como funciona este eficaz
sistema de defesa. Hoje sabemos,
que todos os animais possuem um
sistema imunitário, que apresenta
diferenças de complexidade e características conforme o seu grau
de evolução. Poder-se-á mesmo
falar de uma evolução do sistema
imunitário paralela à evolução das
espécies, uma vez que o sistema
imunitário se adapta à complexidade do animal, e do meio que o rodeia. Por esta razão, os mamíferos
apresentam um sistema imunitário
mais complexo do que as restantes
classes de animais.
A história da imunologia
430 a.C.
Tucidides descreve
a resistência a novas
infecções nas pessoas que
tinham sobrevivido a um
episódio da praga.
1840
Jakob Henle propõe a primeira
teoria moderna sobre o
envolvimento dos germes no
desenvolvimento de doenças.
1859
Charles Darwin publica
o livro “A origem das
espécies”.
1718
A mulher do embaixador inglês
em Constantinopola, Lady Mary
a. C.
430
1700
1725
W Montagu, descreve o processo
de variolação praticado pelos
médicos otomanos à população,
para impedir a infecção com varíola.
Mais tarde, de volta a Londres, ela
submete os seus filhos à variolação.
1798
Edward Jenner demonstra a eficácia
da vacinação contra a varíola.
1750
1775
1876
Robert Koch demonstra que
os micróbios (o antrax) causam
doenças.
1877
Paul Ehrlich descreve os
mastócitos.
8 Conhecer a Imunologia Coordenação Científica: SPI | Patrocínio exclusivo
1880
Louis Pasteur demonstra
que os micróbios
causadores de doenças
podem ser atenuados e
utilizados para estimular o sistema
imunitário, utilizando este processo
para criar vacinas contra a cólera e
antrax.
1800
1825
1883
Ilya Ilyich Mechnikov desenvolve a
teoria da imunidade celular gerada
através do processo de fagocitose
dos macrófagos. Tendo recebido
o prémio Nobel da medicina em
1908.
1891
Robert Koch demonstra
a hipersensibilidade
cutânea.
1896
Jules Bordet descreve componentes
do plasma sanguíneo sensíveis
ao calor, e os quais foram
denominados “sistema do
complemento”. Foi galardoado
com o prémio Nobel da medicina
em 1919.
1900
Paul Ehrlich formula a teoria
de formação de anticorpos.
1901
Karl Landsteiner identifica os
grupos sanguíneos. Foi galardoado
com o prémio Nobel da medicina
em 1930.
1902-21
Diversos cientistas demonstram
os diferentes tipos de
hipersensibilidade (Paul Portier,
Maurice Arthus, Charles Richet,
1875
1900
Clemens von Pirquet, Bella Schick,
Carl Prausnitz, Heinz Küstner).
1938
John Marrack formula a hipótese de
que o anticorpo se liga ao antigénio.
1946
George Snell e Peter Gorer identificam
o Complexo de Histocompatibilidade
Maior (CHM) em ratinhos.
1943-56
Niels Jerne formula a hipótese
sobre o mecanismo de formação de
anticorpos.
1953
James Watson and
Francis Crick publicam
o seu trabalho sobre
a estrutura de dupla
hélice do ADN, pelo qual recebem o
prémio Nobel da medicina em 1962.
1958
Jean Dausset identifica os
Antigénios Leucocitários Humanos
(ALH, equivalente ao CHM em
ratinhos).
1959-62
Gerald Edelman nos EUA e Rodney
Porter na Grã-Bertanha descrevem
a estrutura dos anticorpos.
1959
James Gowan descreve a circulação
linfocitária.
demonstram que o reconhecimento
de antigénios pelos linfócitos T
envolve o CHM. Ambos foram
galardoados em 1996 com o prémio
Nobel da medicina.
1975
Cesar Milstein e Georg Köhler
produzem os primeiros anticorpos
monoclonais. Em 1984 é-lhes
atribuído o prémio Nobel da
Medicina em conjunto com Niels
Jerne.
1976
Susumu Tonegawa descreve o
processo de recombinação somática
dos genes que codificam as
imunoglobulinas. Em 1987 recebe o
prémio Nobel da medicina.
1983
Philippa Marrack e John Kappler
descrevem os receptores dos
linfócitos T.
1961
Jacques Miller demonstra o
envolvimento do timo na imunidade
celular.
1983
Françoise Barré-Sinoussi e Luc
Montagnier descobrem o vírus
da imunodeficiência humana.
Galardoados com o prémio Nobel da
medicina em 2008.
1968
Ronald Guttman demonstra que
a rejeição de transplantes está
relacionada com a diferença de ALH
1990
Desenvolvimento de terapia génica
para a Imunodeficiência Combinada
Severa.
1925
1950
de dador e receptor do transplante.
1973
Foi fundada em Lisboa a Sociedade
Portuguesa de Imunologia. Os seus
membros fundadores foram Mário
Arala-Chaves, António Coutinho,
Machado Caetano e Gabriel Virella.
1975
2000
1995
Shimon Sakaguchi
descreve os linfócitos T
reguladores.
1974
Rolf Zinkernagel e Peter Doherty
Conhecer a Imunologia 9
Órgãos, tecidos
e células do Sistema
Imunitário
O sistema imunitário abrange o
conjunto de órgãos e tecidos que
nos conferem uma protecção
contra agressores externos
capazes de provocar doença
(agentes patogénicos) tais como
vírus, bactérias, parasitas, fungos
ou agentes internos como os
tumores. Os imunologistas
convencionaram dividir estes
órgãos e tecidos em duas
categorias:
1) a medula óssea e o timo (o
timo é um órgão em forma de
borboleta que está localizado
por cima do coração no qual se
desenvolvem os linfócitos T) são
considerados os órgãos primários ou centrais. Neles se formam
as células do sistema imunitário;
2) o baço, os gânglios linfáticos
e os tecidos linfáticos são denominados órgãos secundários ou periféricos. Neles as células imunitárias vão amadurecer, ser activadas
e especializar-se (Figura 1).
Figura 1: Todas as células do sistema
imunitário têm origem na medula óssea.
Depois de deixarem a medula óssea
passam à circulação sanguínea e, por fim
aos orgãos linfáticos secundários para se
especializarem e serem activadas.
As células do sistema imunitário podem ser divididas em vários
grupos conforme as suas funções.
O grupo dos granulócitos (células
que no seu interior têm grânulos
contendo compostos químicos)
tem como função libertar compostos químicos, que matam os
micróbios e atraem outras células
que vão ajudar a combater a infecção. Os macrófagos são uma
espécie de glutões que engolem e
digerem qualquer microorganismo estranho. Por último, o grupo
dos linfócitos pode ser considerado uma brigada de intervenção
especial com uma memória de
elefante. Estas células não só são
altamente especializadas em reconhecer especificamente cada um
dos micróbios agressores, mas
também são capazes de se lembrar para toda a vida dos micróbios que já nos provocaram infecções. A acção conjunta de todas
elas está rigorosamente coordenada, para que um agente infeccioso
possa ser combatido e removido
do corpo o mais depressa possível. Na tabela 1 encontram-se
mais detalhes sobre cada uma das
células imunitárias.
Provavelmente, a palavra que
melhor define o sistema imunitário,
é “diversidade”. Esta diversidade
é conseguida através da existência de receptores à superfície dos
linfócitos que funcionam como
pinças para agarrar os micróbios.
Para melhor imaginar como se con-
Tabela 1 - Características e funções das células do sistema imunitário
Tipo de Célula
Características e Funções
Basófilos
Apresentam grânulos no seu interior que contêm compostos químicos como
as histaminas e IL4. Estes compostos são libertados nos locais da inflamação,
para atrairem outras células imunitárias.
Células
Dendríticas
Eosinófilos
São células que possuem vários braços (dendrites). Têm a capacidade de fagocitar
(=engolir) os micro-organismos causadores de doença, reduzindo-os a pequenas
partículas que depois são apresentadas aos linfócitos T. Estão normalmente numa
forma imatura nos tecidos e debaixo da pele. Logo que fagocitam um micróbio
tornam-se maduras e vão para os orgãos linfóides secundários.
Tal como os basófilos também pertencem à classe dos granulócitos.
Acumulam-se nos tecidos, e os seus grânulos interiores coram de vermelho.
Nestes grânulos encontram-se compostos altamente tóxicos que são
libertados principalmente nas respostas a parasitas.
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Mastócitos
São células gigantes com grânulos no seu interior que coram de azul. Estes
grânulos possuem histaminas, citoquinas e outros compostos químicos.
Estes compostos são libertados no local da inflamação para aumentar a
premeabilidade dos vasos sanguíneos e para atrair outras células imunitárias.
Monócitos/
/Macrófagos
São células, que se encontram nos orgãos e tecidos, e são especializadas
em fagocitar os micro-organismos causadores de doença, reduzindo-os a
pequenas partículas que depois são apresentadas aos linfócitos T. Também
libertam compostos químicos que atraem outras células ao local da infecção.
Neutrófilos
São as células mais numerosas do sistema inato. Têm um núcleo dividido e
possuem grânulos interiores. Os neutrófilos fagocitam os micro-organismos
causadores de doenças, e destroem-nos usando os compostos que estão
dentro dos grânulos.
Linfócitos B
São células que apresentam na sua superfície receptores específicos para antigénios
(imunoglobulinas de membrana). Elas podem actuar directamente sobre o agente
invasor, ou então processar as suas partículas para apresentar aos linfócitos T.
Linfócitos T
auxiliares
São células com receptores específicos na membrana. Após reconhecerem as
partículas microbianas ligadas a macrófagos, células dendríticas ou linfócitos
B vão estimular a actividade, diferenciação e expansão das outras células
imunitárias, através da produção e libertação de diversos compostos.
Linfócitos T
citotóxicos
Tal como as auxiliares, estas células também têm receptores específicos na
membrana. Porém, a sua função principal é destruir selectivamente as células
que estão infectadas (principalmente com virus).
Natural Killers
São células da família dos linfócitos, mas sem receptores específicos. Têm no
seu interior grânulos com compostos capazes de destruir outras células. São
importantes na destruição de células tumorais e células infectadas por virus.
Plasmócitos
São a fase final de diferenciação dos linfócitos B. Têm como função produzir
anticorpos/immunoglobulinas em grandes quantidades, para neutralizar os
agentes patogénicos.
seguem os cerca de 100 biliões de
receptores diferentes podemos considerar que cada receptor é composto por várias peças de lego, que
podem ser trocadas por outras ou
mudadas de posição para melhor
encaixarem em cada micróbio.
Por vezes, esses receptores, em
vez de se ligarem aos micróbios
invasores, vão ligar-se a órgãos
do nosso próprio corpo. Para impedir que os linfócitos que possuem esses receptores defeituosos venham a produzir danos ir-
reversíveis no nosso organismo,
o sistema imunitário possui um
intricado processo de “controlo
de qualidade”, -semelhante ao
de uma fábrica-, que conduz à
destruição desses linfócitos autoagressores.
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