ADMAR JÚLIO MEDVID
SISTEMA POLICIAL BRASILEIRO
CURITIBA
2000
ADMAR JÚLIO MEDVID
SISTEMA POLICIAL BRASILEIRO
Monografia apresentada para conclusão
do Curso de História no Departamento
de História da Universidade Federal do Paraná
Orientador: Dennison de Oliveira
CURITIBA
2000
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha família, que acompanhou e incentivou meus estudos
AGRADECIMENTOS
Agradeço meu orientador, professor Dennison de Oliveira, conhecedor profundo da
política brasileira, a qual influenciou diretamente para a formação do sistema policial.
Pode ele com suas criticas tornar mais valoroso este trabalho.
iii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 01
2 PRIMORDIOS E EVOLUÇÃO .................................................................. 04
2.1 PRIMEIROS TEMPOS ............................................................................ 04
2.2 AS TROPAS FARDADAS: DOS ORDENANÇAS AS TROPAS PAGAS 05
2.3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA CRIMINAL ATÉ A
INDEPENDÊNCIA ................................................................................... 07
2.4 A POLÍCIA NO IMPÉRIO......................................................................... 08
2.5 ORGANIZAÇÃO POLICIAL NA 1ª REPÚBLICA .................................... 10
2.5.1 Antecedentes da organização policial da 1ª República ....................... 10
2.5.2 A Polícia na 1ª República .................................................................... 11
2.6 ORGANIZAÇÃO POLICIAL APÓS A 1ª REPÚBLICA ............................. 12
2.6.1 Comentários Preliminares ................................................................... 12
2.6.2 Trajetórias da Organização Policial até 1969 ..................................... 13
2.6.2.1 Estrutura básica ................................................................................ 13
2.6.2.2 Funcionamento da estrutura ............................................................. 14
2.7 NOVOS RUMOS ..................................................................................... 17
3 NOVOS TEMPOS ..................................................................................... 19
3.1 A NOVA POLÍCIA.................................................................................... 19
3.2 FUNCIONAMENTO DO JUDICIARIO NO BRASIL ................................. 20
4 CONCLUSÃO ........................................................................................... 28
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 34
ANEXO 1........................................................................................................ 36
ANEXO 2........................................................................................................ 43
ANEXO 3........................................................................................................ 50
iv
RESUMO
Desenvolvendo a monografia do Curso de Licenciatura em História , apresentada ao
Departamento de História da universidade Federal do Paraná, no ano de 2.000, analisando
o Sistema Policial Brasileiro da atualidade, objetivando apresentar como se constituiu
historicamente, e também propiciar ao leitor a possibilidade de entende-lo. Para tanto, foi
elaborada uma longa pesquisa em bibliotecas, ao Circulo de Estudos Bandeirantes,
instituições públicas ligadas à área de segurança e imprensa periódica. A melhor forma para
entender o nosso sistema atual, foi retornando a sua origem , de forma rápida passando
pela Colônia, Império, 1ª República até chegar aos nossos dias. Este sistema foi adaptandose de acordo com a sua conjuntura, primeiramente apresentando aspectos de ordem
econômica e posteriormente política. Foram abordadas todas as constituições brasileiras, no
tocante a segurança que aqui consta no anexo I, e ainda as constituições de diversos
países. O anexo II apresenta e compara através de um delito ocorrido na França e sua
solução, com o nosso Sistema Policial, e o anexo III, apresenta erros ocorridos durante a
evolução política brasileira , o que acabou por influenciar na formação do nosso Sistema
Policial. Com todo este material foi possível fazer uma analise critica o alcançar o objetivo
inicial.
v
1
1 INTRODUÇÃO
Tendo em vista a evolução histórica e a experiência dos diversos povos, os
doutrinadores chegaram a uma explicação teórica dos sistemas policiais,
classificando-os em quatro tipos:
a) Sistema político, nele à Polícia é atribuído o
fim de garantir a ordem
pública, estando ai implícita a segurança do indivíduo e da propriedade. Previne os
delitos e evita a fuga dos criminosos. É uma polícia essencialmente de manutenção
da ordem pública, independente da organização judiciária: não inquire testemunhas
e nem pratica qualquer ato que importe em informação para a propositura da ação
penal.
b)Sistema jurídico, dá à polícia a função de prevenir os crimes e evitar a fuga
dos criminosos. No campo repressivo, auxilia o Ministério Público e atua sob a
supervisão e orientação deste.
c)Sistema eclético, a polícia assume um duplo papel. De um lado é órgão tão
somente do poder executivo, exercitando a manutenção da ordem pública, quando
previne e reprime. De outro, é auxiliar da Justiça e de outros órgãos da
administração pública.
d)Sistema histórico, a ação policial confunde-se com a função judicante.
Com este trabalho pretendemos propiciar ao leitor a possibilidade de entender
a atual situação do nosso sistema policial brasileiro. Este sistema se constituiu ao
longo do tempo, paralelamente com a história do país. É importante levar em conta
os nexos deste sistema
com a conjuntura histórica no qual ele se insere,
primeiramente com aspectos de ordem econômica1, defendendo o território colonial
contra as invasões de piratas e defender as comunidades contra os ataques
indígenas. Aqui para sua formação concorriam os colonos e também os índios
tupiniquins. Posteriormente apresentou aspectos políticos.
Veremos sua evolução na Colônia, no Império, na 1ª República, no Estado
Novo até chegarmos aos nossos dias. A organização vai se reestruturando através
2
dos tempos, até chegar ao que temos hoje, duas polícias, uma dita Civil e outra
Militar. A primeira denominada de Polícia Judiciária e a segunda Polícia
Administrativa, Polícia Preventiva, ou ainda Polícia Ostensiva.
Se os avanços deste século conduziram a humanidade a um desenvolvimento
jamais sonhado, fizeram-na conhecer crises políticas profundas, que redundaram em
duas guerras mundiais, em extremismos de esquerda e de direita e na bipolarização
ideológica que divide as nações.
Esta situação de confronto que gerou os conceitos da guerra fria e da corrida
armamentista, faz pairar sobre toda a humanidade a ameaça nuclear da extinção da
própria espécie. O arsenal atômico construído pelas nações, paradoxalmente as mais
evoluídas e cultas, contém milhares de megatons. Se disparadas, estas armas têm
potência suficiente para destruir toda a vida existente sobre o planeta. Os homens,
convivendo com esta realidade, bem conhecem o perigo que o ameaça e, fingindo
ignora-lo e querendo crer que as ogivas jamais explodirão, seguem, aterrorizados.2
As decorrências desses fatos se fazem sentir, de imediato, em todos os
países, mercê do desenvolvimento das comunicações, trazendo profundas alterações
dos costumes e da moral, e a negação de valores tradicionais da cultura e da
religião.
Deixando de lado as sombras dos grandes conflitos mundiais e as ameaças
existentes com os poderios atômicos, hoje os governantes se voltam também para
dentro de seus países, onde se trava um duro combate, este entre seu povo. Uma
batalha muitas vezes causada pelas desigualdades sociais, pela fome e por diversos
motivos nem sempre justificados, gerando uma grande violência urbana. Sabemos
que estes fatos não são um privilegio de nossos tempos, pois toda a história da
humanidade é banhada de injustiças e violência, no entanto devemos combate-las, e
este combate é dever do Estado, através de instituições competentes.
O Brasil não foge à regra geral. Nação em desenvolvimento, de economia
dominada, vive a pior fase de sua história. Reage no presente ao efeito de décadas
inteiras de desacertos políticos, econômicos e sociais (anexo 3), que fizeram
1
NOVAIS, F.A. Brasil nos quadros do artigo sistema colonial. In NOVAIS,F.A . et al. Brasil em
perspectiva. 6.ed. São Paulo: Escritos, 1968. p. 55.
2
SCHELL, J. O destino da terra. Rio de Janeiro: ed.Record, 1982
3
alternar, na República, tempos de paz institucional a períodos
de ditaduras e
autoritarismo.
O enorme volume da dívida externa, construída nas últimas décadas para
financiar o desenvolvimento acelerado da Nação trouxe sim este desenvolvimento
acelerado, mas em benefício de uma pequena parcela da população, o que fez
extremar as diferenças sociais. E a reboque do endividamento contraído por
governantes carentes de legitimidade para o exercício do poder, surgiu a hidra da
espiral inflacionária, imunes a qualquer tentativa de controle econômico, a devorar
salários, a enterrar empreendimentos industriais, a diminuir oportunidades de
empregos, a plantar a incerteza no futuro das pessoas e do país.
Neste clima de insegurança generalizada, procedeu-se à pretendida abertura
política, não como fruto da vontade dos governantes impostos a Nação, mas porque
estes mesmos perceberam que, ante a pressão política e à falta de legitimidade do
poder que exerciam, o único caminho era permitir o debate político e a participação
de toda a sociedade na busca de soluções para o problema brasileiro.
No anexo 1 apresentamos as constituições brasileiras e estrangeiras no
tocante a segurança pública e direitos individuais. Apresentamos no anexo 2 a
solução de um delito cometido na França e o comentamos, para que possamos ter
uma idéia em relação a apuração no Brasil.
4
2 PRIMÓRDIOS E EVOLUÇÃO
Com este breve histórico das polícias, pretendo mostrar parte de sua
formação, a qual se funde com a história do Brasil, apresentando fatos que
influenciaram na formação de nosso sistema policial.
2.1 PRIMEIROS TEMPOS
Com a vinda dos portugueses ao Brasil, do descobrimento e colonização,
herdamos muito: idioma, tolerância, religião, comodismo, organização políticoadministrativa, etc... também herdamos os princípios jurídico-policiais que, através
dos séculos, modelaram e cristalizaram a nossa concepção de Segurança Pública.3
Os primeiros tempos são os tempos de Martim Afonso,4 das Capitanias, dos
Governadores Gerais, dos Governos do Norte e do Sul. São os tempos das
Ordenações Manuelinas5 (1530-1533) e, no interregno do domínio espanhol e além,
das Ordenações Filipinas com seu terrível Livro V. E mais: poder Judicante e poder
policial constituem um só organismo6.
Os “almotacés” , autoridades encarregadas de zelar pela ordem pública nas
vilas recém-criadas no Brasil-colônia, constituem a primeira manifestação de uma
autoridade policial constituída. Recorremos ao Dicionário Jurídico, para melhor
compreendemos a extensão das funções desses funcionários:
ALMOTACÉ. Termo vindo do árabe (almohtacet, originado do verbo haçaba, contar,
calcular), designa o funcionário ou autoridade, a que se atribui o dever de fiscalizar a
exatidão dos pesos e medidas, a taxação dos preços estabelecidos e mesmo a distribuição
de gêneros expostos ao consumo público. / No regime antigo, o almotacé exercia também
função de polícia da cidade, cabendo-lhe vigiar a limpeza pública.7
3
FAORO, R. Os donos do poder. 7.ed. Rio de Janeiro: Globo, 1987. v.1. p.120-121
Ibid., p. 147
5
Ibid., p. 148
6
LEAL, V.N. Coronelismo, enxada e voto. 2.ed. São Paulo: Alfa-omega, 1978. p.181-183
5
SILVA, De P. Vocabulário jurídico. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense,1967. v.1. p.109 .
4
5
Os “almotacés” tinham como auxiliares os alcaides-pequenos e meirinhos,
cujas funções conforme prescreviam as Ordenanças Manuelinas, eram, dentre
outras:
-fiscalizar o cumprimento das leis referente à proteção de pessoas e bens dos
órfãos, dos ausentes e dos pródigos;
-velar contra o abuso de armas proibidas;
-zelar pela execução das leis contra vagabundos e jogadores;
-fiscalizar os viajantes, os pobres, e os mendigos.
Como já foi dito, o certo é que dessas primeiras manifestações de poder
policial no Brasil-Colônia (cópia da mãe-pátria) nota-se a preocupação com a ordem
econômica; o pobre – já marginal na sociedade nascente – também é fiscalizado.
2.2 AS TROPAS FARDADAS: DOS ORDENANÇAS ÀS TROPAS PAGAS
Com a povoação da Colônia, emergiram riquezas. As cidades, vilas e
povoados, cresceram. Com este crescimento os problemas nas relações sociais se
agigantam. Desperta a cobiça externa. A ambição desmedida de sugar as riquezas
da Colônia nascente inebriou os governantes do reino. Os nativos inquietavam-se.
Manter a ordem interna, e repelir a ameaça externa eram impossíveis, a força
de segurança: os alcaides-pequenos, meirinhos, quadrilheiros, inspetores de
quarteirão”. Estes eram figuras de uma ordem local, muito doméstica.
Nascem as Companhias de Ordenanças, organizadas nas cidades, vilas e
povoados. Comandam-as os Capitães-mores que, juntamente com os Alferes,
Sargentos e Cabos, eram escolhidos por eleição, do que se lavrava assento nas
Câmaras. Contudo, esse processo de eleição logo foi revogado pelos seus
inconvenientes,
passando
a
nomeação
dos
cargos
à
competência
governadores8.
8
p.324.
PRADO JUNIOR, C. Formação do Brasil contemporâneo. 4.ed. São Paulo: brasileense, 1953.
dos
6
As Companhias de Ordenanças mantinham a ordem pública nas cidades,
vilas e paróquias. Disciplinadas e obedientes ao poder político local constituíam
fatores fundamentais da ordem interna e defesa da pátria nascente contra invasores
externos.9
Entretanto, as Companhias de Ordenanças – mais composta de voluntários
e/ou homens menos favorecidos (pobres, negros, pardos e índios) – não serviram
aos desígnios dos senhores ambiciosos em extorquir toda a riqueza da terra
florescente.
Surgem as Companhias de Dragões, composta em sua maior parte de
homens oriundos do reino, bem adestrados e, portanto, mais aptos a impor a ordem
interna nas capitanias10. Quanto às Ordenanças, eis o depoimento:
“Estavam, as Ordenanças, limitadas a patrulhamentos locais, rondas e
condução de presos, afora as desordens que promoviam por conta própria. Contudo,
constituíam uma estrutura hierárquica social que com o tempo formou a base de
nosso desenvolvimento em comunidade”.11
As Companhias de Dragões, oriundas inicialmente de Portugal, assimilaram
em forma de Companhias de Pedestres anexas, as Tropas de Ordenanças em
exaurimento, e foram tomando uma conformação de tropa nativa. Era o advento das
tropas pagas, soldados profissional organizado e adestrado de acordo com os
parâmetros da legislação militar portuguesa, redigida pelo Conde de Lippe.
A continua evolução das Forças de Segurança resultou na criação, na
Capitania de Minas, do legendário Regimento Regular de Cavalaria (09 de Julho de
1775), constituindo-se na mais evidente organização de
uma Força Pública
preparada e adestrada para a missão de Manutenção da Ordem Pública.
Assinale-se que, já na sua gênese, as Forças Públicas estruturavam-se como
organização militar e tinham uma dupla função:
-Civil: era a função policial rotineira de prevenir e reprimir o crime;
-Militar: era a função esporádica de enfrentamento das insurreições e defesa
da pátria.
9
FAORO, op. cit., p. 185.
Ibid., p.163
11
LIMA JUNIOR, A. Crônica militar. 2. ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1969. p.28
10
7
Exemplo típico da primeira função – a civil – era o Alferes Joaquim José da
Silva Xavier – o Tiradentes – patrulhando as estradas das Minas, a reprimir
salteadores, ou comandando o Destacamento Policial do Sertão, em Sete Lagoas
(1780).
Em verdade, as Tropas Pagas dos Séculos XVII e XVIII – as famosas Cia. De
Dragões e os Regimentos – são as raízes das atuais Polícias Militares de hoje, ou
melhor, estas resultam da evolução, em linha quase direta, daquelas.
2.3
EVOLUÇÃO
DA
ADMINISTRAÇÃO
DA
JUSTIÇA
CRIMINAL
ATÉ
A
INDEPENDÊNCIA.
A história da organização político-administrativa de nossa pátria nos mostra
que, desde Martim Afonso, a administração da justiça estava adstrita aos
governantes mais tarde Vice-Reis.
“Nomeados Governador-Geral por D.João II, então Rei de Portugal, foram-lhe
conferidos amplos poderes de governo, inclusive para organizar a administração,
promover a justiça e estabelecer o serviço da ordem publica de modo que julgasse
mais conveniente”.12
Dividido o país em Capitanias Hereditárias, receberam os respectivos donatários,
com certas restrições, jurisdição no cível e no crime. Podiam impor penas, até de
morte, aos peões, escravos e gentios, enquanto que às pessoas de maior qualidade
tais penas não podiam exceder as de degredo por 10 anos e multa até 100 cruzados,
salvo se tivessem cometido os crimes de heresia, traição, sodomia e moeda falsa.13
“Nomeado Tomé de Souza para o cargo de Governador-Geral, recebeu um
regimento datado de 17 de dezembro de 1548, fixando suas atribuições e deveres....
dava ao Governador-Geral alçada completa no cível e no crime”.14
12
ANDRADE, I.M. Polícia judiciária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p.11
Ibid. p. 12
14
Id.
13
8
A situação modificou-se em 1712, quando D.João V estabeleceu que o Poder
Judiciário ficava independente dos Governadores-Gerais. Mais tarde era criada a
Relação do Rio de Janeiro e as Ouvidoria-Gerais nas Capitanias. A apuração do
delito competia ao Judiciário. As tropas pagas, no exercício da manutenção da
ordem pública, eram forças obedientes aos Governadores e atuavam adstritas às
diretrizes do judiciário.
Chegando ao Brasil, em 1808, D.João VI encontra uma administração de
Justiça Criminal (nela incorporada à chamada Polícia Judiciária) exercida pelas
Relações da Bahia e do Rio de Janeiro, pelos Corregedores de Comarca, Juízes
Ordinários, Almotacés, Escrivões,
Meirinhos e Quadrilheiros. As Tropas Pagas
escassas e envolvidas no desbravamento e implantação da ordem nos sertões
distantes, pouco podiam fazer pela ordem pública nas cidades.
A situação, no Rio de Janeiro, era caótica15. D.João VI, seguindo o exemplo
vigente em Portugal, desde 1760, organiza uma Polícia Regular:
a)-cria, a 10 de maio de 1808, a Intendência Geral de Polícia da Corte e do
Estado do Brasil;16
b)-institui, a 13 de maio de 1809, a Divisão Militar da Guarda Real da Polícia,
que veio substituir “o Corpo de Quadrilheiro, constituído de policiais improvisados e
rústicos, que se limitavam a rondar à noite, envoltos em amplas capas negras, o seu
único uniforme, e compridas espadas”.17
As Capitanias, atendidas as peculiaridades regionais, seguem as inflexões da
Corte.
2.4 A POLÍCIA NO IMPÉRIO
Rompidos os laços com Portugal, o Brasil continuou observando o arcabouço
legislativo do reino até que uma constituição e novas leis fossem elaboradas.
15
PRADO JUNIOR, C. op cit. p.282
LEAL, op.cit., p.188
17
INSTRUÇÃO POLICIAL. Manual básico. Rio de Janeiro: PMDF/RJ, 1952. p.24
16
9
Em 25 de março de 1824, D.Pedro I promulgava a constituição do Império18.
Seguem-se
decretos diversos, dentre os quais alguns que regulavam a
administração da justiça criminal. O mais importante é o que cria os cargos de juízes
de Paz, com atribuições policiais e criminais.19
As Forças Públicas, desarticuladas e exauridas, pois a maioria transformarase em organizações essencialmente militares para sustentação da Independência,
dando origem aos primeiros corpos do nascente Exército Nacional,20 evoluíram com
os seus remanescentes para uma nova organização policial: Corpos de Guardas
Municipais Permanentes (decreto Imperial de 10 de outubro de 1831).21
Em 1832, foi promulgado o Código de Processo Criminal,22 contemplando três
circunscrições:
a)-a do distrito, entregue ao Juiz de Paz eleito pelo povo, enquanto os
inspetores de quarteirões eram nomeados pelas câmaras municipais;
b)-a do termo com um conselho de jurados, um juiz municipal, um escrivão de
execuções e os oficiais de justiça, nomeados pelos presidentes das províncias;
c)-a da comarca com três Juízes de Direito, um dos quais Chefe de Polícia.
(Existem comarcas com apenas um Juiz de Direito, que também era chefe de
Polícia).
A lei nº261, de 03 dezembro de 1841, que reformava o Código de Processo
Criminal, estabelecia em seu Art 1º que “haverá no município da Corte e em cada
Província, um Chefe de Polícia com os delegados e subdelegados necessários, os
quais, sob proposta, serão nomeados pelo Imperador, ou pelos Presidentes. Todas
as autoridades policiais são subordinados ao chefe de Polícia.”23
Consoante a nova lei, os Chefes de Polícia seriam escolhidos entre os
desembargadores e Juízes de Direito; os delegados e subdelegados, dentre
quaisquer juízes e cidadãos. Os cargos de intendente foram extintos. As atribuições
dos Juízes de Paz foram restringidas.
18
LEAL, op.cit., p.189
Id.
20
FAORO, op. cit., p.191
21
LEAL, op.cit., p.214
22
FAORO, op. cit., p. 305
23
Ibid., p. 369
19
10
O Decreto nº 120, de 31 de janeiro de 1842, regulamentou a lei 261,
estabelecendo a consagrada divisão: Polícia Administrativa e Polícia Judiciária.
A legislação do Brasil-Imperial prosseguia a tradição: entrelaçamento entre as
funções policial e judicante. O chefe de Polícia e os Delegados praticavam atos de
jurisdição nos chamados crimes policiais. Porém, a má administração da justiça
criminal sofreu severa ofensiva dos liberais e dos arautos das liberdades
republicanas, não tardando em ocorrer séria e profunda reforma da legislação
processual penal que, em 1871,24 teve as seguintes modificações fundamentais:
-proibiu os magistrados de exercer o cargo de Chefe de Polícia;
-declarou incompatíveis os cargos policiais com os de Juiz Municipal;
-extinguiu a jurisdição dos Chefes de Polícia e Delegados, quanto ao
julgamento de
crimes policiais, bem como ao processo e à denúncia;
-instituiu a fiança provisória;
-alargou o instituto do Hábeas-Corpus.
2.5 ORGANIZAÇÃO POLICIAL DA 1ª REPÚBLICA
2.5.1 Antecedentes da Organização Policial da 1ª República
Após a reforma de 1871, nosso sistema policial, como vimos, libertou-se um
pouco do enlace judicial. Contudo, a autoridade policial ainda continuou com uma
considerável gama de funções judicantes. Além disso, enraizou-se e corporificou-se
o instrumento de investigações inquisitórias denominado inquérito policial que, até
os dias de hoje, continua o monstrengo burocrático que entrava e atravanca a
administração da justiça Criminal.
Detentor de extenso poder de Polícia Judiciária e manipulador da Polícia de
Manutenção da Ordem Pública vai-se configurando e cristalizando nas cidades e
vilas a figura do Delegado do Chefe de Polícia. Este, quase sempre um leigo,
embora detentor de um poder teórico, era mero instrumento da polícia local, também
vinculada ao mandonismo das patentes locais da Guarda Nacional.25
24
25
LEAL, op. Cit. P. 196
Ibid., p.215
11
É, ainda no Império, que os Presidentes de Província recorrem aos Oficias ou
Sargentos da Força Pública (Corpos Polícias, Brigadas Policiais, etc...) para que
eles, exercendo o cargo de Delegado de Polícia, enfrentassem as situações de
maiores riscos, minimizando assim, os problemas de segurança pública.26
2.5.2 A Polícia na 1ª República
Nasce a República. Com ela, a Federação. As antigas províncias do Império
são Estados-Membros. Estes, inebriados com
o novo regime, gozam de uma
autonomia excessiva, fruto da nova ordem constitucional.
Baseados nas prerrogativas da Constituição de 1891, alguns Estados, como
Minas Gerais, Rio de janeiro, Bahia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul,
organizaram os Códigos de Processo Penal, enquanto outros continuaram a se
reger pelas leis criminais do império, salvo pequenas modificações.27
As organizações policiais assumiram feições nitidamente regionais, mantendo
as linhas mestras da organização imperial. Em quase todos os Estados, as Forças
Públicas cresceram e expandiram-se, assumindo a maioria delas o ônus do
exercício da polícia judiciária. Entretanto, nos maiores Estados e no então Distrito
Federal ocorreu à tendência à especialização da Polícia de Investigação Criminal.
A polícia carioca foi objeto, em 1907, da grande reforma promovida por
Alfredo Pinto. De um lado, emergiria uma polícia judiciária com delegados e
comissários bacharéis em Direitos, Investigadores e Peritos especializados. De outra
parte, a Força Policial modernizava-se com aprimoramento de seus quadros e a
especialização na polícia ostensiva de guarda e patrulha.
Em São Paulo, surge a primeira manifestação de uma Polícia Civil de
Carreira. O governo Jorge Tibiriçá, a partir de 1906, ao mesmo tempo em que inicia
o exuberante processo de militarização da Força Pública, cria leis tornando os
cargos de Delegado de Polícia privativo dos bacharéis em direito, além de outros
cargos de carreira no âmbito da Polícia Judiciária. Como ocorrera no Distrito
26
27
Ibid., 199
Ibid., 198
12
Federal, Também em São Paulo vão desaparecendo os famosos e desbravadores
Delegados Militares como o Ten Galinha (João Antonio de Oliveira), oficial da Força
Pública paulista, chefe do Serviço de Captura.
O fenômeno da completa militarização das Forças Públicas torna-se mais
acentuado, além de São Paulo, em Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Em razão
disso, começam a vicejar, em alguns Estados, para complementar o policiamento
ostensivo nas Capitais ou maiores cidades, as Corporações denominadas Guarda
Civil. Porém chega à revolução de 1930 e ainda não se tem uma Corporação
chamada Polícia Civil. Em Minas Gerais havia um incipiente corpo de escrivões,
Investigadores e Peritos nomeados por aptidão ou indicação política; a guarda civil
era uma organização pouco densa em Belo Horizonte; as delegacias de polícia salvo
raras exceções, eram preenchidas por oficiais da Força Pública, o que de resto
ocorria na maioria dos Estados Brasileiros. Em suma, a Força Pública respondia
pela manutenção da ordem pública e desenvolvia a grande parte das tarefas de
polícia judiciária.
2.6 ORGANIZAÇÃO POLICIAL APÓS A 1ª REPÚBLICA.
2.6.1 Comentários Preliminares
Com a revolução de 1930 caracterizou-se uma nova ordem com a ruptura da
“excessiva” autonomia dos Estados-Membros. De certa forma, porém sem muita
profundidade, o novo estágio da evolução republicana influenciou na organização
policial, principalmente quando retornou e concretizou a idéia da unificação do
Código de Processo Penal.
A polícia judiciária dos estados era, no Império, incumbência eminentemente
do Poder Judiciário, passando na República para o Poder Executivo. Sua
estruturação ocorre principalmente a partir de 1930, sendo que, até hoje, há apenas
arremedo deste importante organismo em alguns Estados da Federação. Nos
Estados em que se consolidou a polícia judiciária, passou a denominar-se Polícia
Civil, que se refere à corporação do policiamento ostensivo.
13
Sobrevindo a Constituição de 1934, como conseqüência da Revolução de
1939, ficou estabelecido no seu Art. 5º, Nº XIX, que competia privativamente à União
legislar sobre o direito processual, o que vale dizer ter ficado instituída a unidade
processual no Brasil, tanto para a parte criminal como para a Civil.28
De outra parte, a União passou a ter maior controle das Polícias Militares que
se puseram a figurar no texto constitucional de 1934. E sem embargo da função
policial que lhe competia desde o Brasil Colônia, a militarização continuou. Em
Minas Gerais, convênio entre o Estado e a União, assinalou o advento da Missão
Militar Instrutora. Enquanto isto, as Guardas Civis expandiam-se, tornando-se, ao
contrário de complementadoras de esforços, grandes rivais das Polícias Militares,
chegando, em alguns Estados, a tentarem usurpar todas as atribuições das
tradicionais Milícias.
2.6.2 Trajetória da Organização Policial até 1969
2.6.2.1 Estrutura básica
Em que pese à unidade do processo-criminal e o razoável grau de controle
sobre as Polícias Militares, as organizações policias continuavam basicamente
estaduais. Não havia a mínima idéia de um todo federal.
Dentro desse contexto, seguindo-se o exemplo de São Paulo e Rio de
Janeiro, os principais Estados caminharam para uma estrutura básica da sua
organização policial:
a)-Polícia Civil, constituída de Delegados de Carreira, escrivões, Detetives,
Peritos, Médicos-Legistas e Guardas Civis;
b)-Polícias Militares, organizadas em estrutura militar com base na hierarquia
e na disciplina.
Em Minas Gerais, a organização Polícia Civil teve grande impulso com a lei
da Polícia de Carreira, em 1956, quando foram fixados os vários cargos. Entretanto,
a Polícia Judiciária continuou dependendo, principalmente no interior, dos Oficiais
28
ANDRADE, Ibid. p.18
14
Delegados e Sargentos/Cabos
escrivões e investigadores, situação esta que
perdurou até os primórdios da década de 70, como ainda predomina em alguns
Estados Brasileiros.
2.6.2.2 Funcionamento da estrutura
A estrutura era a mesma do Império e da 1ª República. O Chefe de Polícia
evoluiu, em quase todos os Estados, para uma nova figura: o Secretário de
Segurança Pública. Este se coloca no vértice de um sistema que contém todo um
complexo destinado a proporcionar segurança e paz à comunidade.
O Secretário, normalmente um político. Integrando, administrativamente, a
sua secretária, os órgãos da antiga Chefia de Polícia: Departamento Estadual de
Trânsito uma organização com funcionários civis peritos, Delegacia de Acidente,
Engenharia e Guardas de Trânsito (Inspetores de Trânsito); Departamento de
Investigação com as suas especializadas e o Corpo de Segurança com os seus
Investigadores; a Corregedoria de Polícia; os Distritos Policias e o Departamento da
Guarda Civil, além da Polícia Técnica, Departamento de Medicina Legal, Pronto
Socorro Policial, Identificação e outros órgãos menores. Os Delegados eram
classificado de três tipos:
a)-os nomeados para o cargo (eram bacharéis em Direitos, porém, não havia
o chamado Delegado de Polícia de Carreira, que só apareceu em 1956);
b)-os militares: Oficiais da Força Pública (Força Policial ou Policia Militar), que
eram designados como Delegados Especiais de Polícia ou Delegados de Captura;
c)-os leigos; os civis sem título, nomeados Delegados Municipais, suplentes
ou subdelegados dos Distritos (via de regra, ligada ao Partido Político da Situação).
O exercício da função policial centrava-se no Delegado de Polícia que na
verdade, era o Chefe de Polícia da Comarca ou do município. Vejamos a extensão
do seu poder e o seu papel:
-detentor do Poder de Polícia Judiciária: preside o Inquérito, o flagrante delito,
o processo contravencional, investiga, ordena, etc..., tudo nos termos da Lei
Processual Penal;
15
-detentor do Poder de Polícia Administrativa: face à inexistência de uma
regulamentação do poder de polícia do município, ou uma crescente tendência do
Estado usurpar as prerrogativas do município, é à autoridade que ordena, consente
e sanciona, (fornece alvarás de diversão pública, interfere na administração das vias
municipais, multa, etc...)
Detentor do Poder de Polícia de Manutenção da Ordem Pública: tem sob a
sua autoridade funcional o destacamento policial e nas grandes cidades a polícia
fardada empenhada no policiamento ostensivo; requisita as frações da força pública,
planejando o emprego e supervisionando a execução.
Poderíamos dizer que a estrutura da “organização policial” do Estado era bem
rasa; no ápice o Secretário de Segurança (o mesmo Chefe de Polícia) e numa
vinculação hierárquica-funcional direta os Delegados de Polícia nomeados por ato
governamental ou designados em comissão por Portaria. Abaixo do Delegado de
Polícia os serviços policiais subordinados funcionalmente. Sua regência era pelas
leis da Década de 1920:
-Decreto Nº 4.991, de 14 de maio de 1918 – Regimento de Cadeias;
-Decreto Nº 7.437, de 21 de dezembro de 1926 – Regulamento Policial do
Estado de Minas Gerais;
-Decreto Nº 7.712, de 16 de junho de 1927 – Regulamento da Força Pública
do Estado de Minas Gerais.
Os Batalhões de Polícia Militar eram estruturados em Companhias de
Fuzileiros apenas no papel, pois na prática, desdobravam-se em Destacamentos
Policiais. Estes se subordinavam diretamente ao Comandante do Batalhão para
efeitos administrativos, inclusive disciplinares e instrução. Para efeito de emprego
policial subordinavam-se funcionalmente ao Delegado de Policia, e a requisição
configura a legalidade do emprego.
O sistema começou a caminhar para a ruptura quando, paradoxalmente,
tomou-se corpo a idéia de criação da polícia de carreira. Esta poderia ter sido o
suporte para o revigoramento do sistema, mas, na verdade, levou-o a ruptura. Isto
porque a
chamada Polícia de Carreira nasceu e foi buscando contornos de
Instituição Policial Civil em contraposição a uma Instituição policial Militar. Ora, se a
Polícia de Carreira nascesse e florescesse para somar-se à tradicional Força
16
Policial, juntando e congregando esforços, evidentemente, que ambas teriam se
tornado um conjunto policial e harmônico.
Em Minas Gerais, tentava-se desde 1947, a efetivação de uma carreira
policial de Delegado (Decreto Lei Estadual Nº 2.137, de 12 de junho de 1947).
Outras leis vieram, mas não eram implementadas com eficácia por uma série de
razões. Entretanto, foram as Leis Nºs 1.527 e 1528 de 31 de dezembro de 1956,
que deram
impulso à polícia de Carreira. (esta ainda não se corporifica como
instituição Policial Civil).
Não obstante o impulso dos citados diplomas legais, os Oficiais e Praças
continuaram assumindo os grandes encargos das Polícias Judiciárias e de
Manutenção da Ordem Pública no Interior do Estado. Paralelamente, vai
corporificando, cada vez mais, sob inspiração dos Delegados de Polícias de São
Paulo, a idéia de uma instituição “Policial Civil” com o comando total em oposição às
Polícias Militares. E a Guarda Civil expandia-se para as principais cidades do
interior, radicalizando e criando até situações de conflito com a Polícia Militar em
detrimento da ordem pública.
No bojo de tudo isto, estando duas organizações caminhando em sentidos
opostos, a violência urbana vai se agigantando nas capitais e maiores urbes. As
Guardas Civis, assumindo contornos de força pública, mas comandadas por civis e
sem lastro hierárquico-disciplinar, revelam-se impotentes. Vêm, então, como
conseqüência natural, as modificações do Sistema.
A federalização das forças públicas estaduais foi um passo para uma maior
centralização do poder. Tendo herdado do governo Castelo Branco a Inspetoria
Geral das Policias Militares do país , criada no âmbito do Ministério do Exército,
Costa e Silva nomeia para dirigi-la o general de brigada Lauro Alves Pinto, um oficial
da “linha dura”. O comando das PMs passa a ser cargo privativo de oficiais do
Exército. Elas perdem sua autonomia e são empregadas em operações conjuntas
com as Forças Armadas na repressão a passeatas e manifestações políticas,
sobretudo depois da morte do estudante Edson Luis. O Governo também torna
privativo de oficiais do Exército o cargo de secretário de Segurança Pública nos
Estados29.
29
DITADURA. In: ENCICLOPÉDIA Nosso Século. São Paulo: Abril, 1980. v.10
17
2.7 NOVOS RUMOS
O ano de 1969 encontrara o caos em termos de Segurança Pública nas
grandes Capitais Brasileiras. As Polícias Militares de São Paulo, Minas Gerais,
Guanabara, Paraná e algumas outras que, por força das novas exigências da
evolução social, desaquartelaram-se, tentavam o exercício do policiamento ostensivo
visando à tranqüilidade pública, porém encontravam a barreira de uma Polícia Civil
radicalizada, cujos Delegados de Polícia, detentores do Poder de Polícia Judiciária –
excessivo e anacrônico – torpedeavam os esforços das tradicionais e portentosas
Corporações, e instigavam a rivalidade das Guardas Civis. Era o caos. As
populações recebiam tal desorganização em termos de insegurança.
Para o restabelecimento do império da ordem e da sensatez, surge o Decreto
lei que vem traduzir a vontade dos constituintes de 1934: As polícias militares tem a
missão constitucional de manutenção da ordem pública – e o conceito manutenção
da ordem pública é bem claro:
Polícia de Manutenção da Ordem Pública é uma extensão do Poder de Polícia
no campo da Segurança Pública, manifestada por um conjunto de ações
predominantemente ostensivas de força pública, visando a impedir a eclosão do
delito e a assegurar, quando necessário, a
eficácia dos atos de
polícia
administrativa e judiciária, e o respeito às ordens judiciais tendo por objetivo a
pacífica e harmoniosa convivência social.30
Com a nova legislação e os diplomas legais subseqüentes, emergiu uma
outra realidade em termos de organização policial no Brasil, alterando-se, de forma
substancial, o tradicional conceito de autoridade policial. As conseqüências foram:
-A primeira conseqüência dessa exclusividade foi à extinção das polícias
fardadas sem lastro na hierarquia e disciplina conforme Decreto-Lei nº 1.072, de 30
de dezembro de 1969, ao modificar o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969:
Guardas Civis, Corpos de Fiscais de Trânsito, Guardas Noturnas, Guarda de
Vigilância, etc.
-Rearticulação e desdobramento das Polícias Militares, com a criação de
Comandos Regionais e Intermediários acima do Escalão BPM; descentralização das
18
Companhias Pelotões e Grupos; estabelecimento da Cadeia de Comando nas
operações policiais e no funcionamento da estrutura.
-Redimensionamento do conceito de Autoridade Policial. Com efeito, face não
só à nova lei, mas também as mutações legislativas em geral, reconhecendo a
extensão predominante do Poder de Polícia dos municípios, o tradicional conceito de
autoridade policial centrada no “Delegado do Chefe de Polícia”, assumiu contornos e
conteúdos novos. Assim, emergem três níveis paralelos e harmônicos de autoridade
policial:
. a autoridade de Polícia Administrativa – normalmente municipal – é aquela
que concede alvarás, multa, embarga, impede, etc...
. a autoridade de polícia judiciária – normalmente o Delegado de Polícia – é
aquela que preside o inquérito policial, executando, os atos de autoridade previstos
na legislação processuais penal.
. a autoridade de polícia de manutenção da ordem pública – normalmente
oficial ou sargento de Polícia Militar – é aquela que planeja e executa o policiamento
ostensivo em todas as suas modalidades, tipos e processos. É a autoridade que
comanda a força pública ou fração desta.
O tradicional Delegado de Polícia passou a chefiar o complexo da Polícia
Judiciária – contando com os funcionários especializados de polícia: escrivões,
peritos, detetives, e outros, todos policiais de carreira. Sua autoridade aliviou-se dos
encargos de planejamento e execução no campo da manutenção da ordem pública.
Os velhos “delegados-militares”, com a nova distribuição de competência,
tornaram-se apenas “desbravadores do passado”. Sem comando de tropa, não mais
havia razões para que subsistissem. Chegara a vez da especialização: Oficiais, no
comando da manutenção da ordem pública; bacharéis em direito, especializados na
investigação criminal, na condução do inquérito policial.
Desta forma, prevenindo e/ou adotando medidas repressivas imediatas,
quando eclode o delito, o patrulheiro da Polícia Militar dá passos no campo da
Polícia Judiciária (isola e preserva local de crime, inquire testemunhas de local,
rastreia e capturam delinqüentes, prende em flagrante, etc...) Reprimindo,
30
ALMEIDA, K.S.. O Poder de Polícia e a Polícia de Manutenção da Ordem Pública. O Alferes, Belo
Horizonte, v.1, n.01, set./dez.1983
19
investigando o delito, a autoridade e os agentes de Polícia Judiciária avançam no
campo da manutenção da ordem pública, previnem o crime. Assim, os dois campos
de atuação das chamada Polícia Civil e Militar não só tangenciam, mas possuem
uma faixa cinzenta comum, onde as duas Corporações obrigatoriamente atuam no
exercício de suas atribuições. Há de haver, pois, coesão e harmonia entre
Organizações que se completam em prol do bem comum.
Compete com exclusividade à Polícia Militar a execução do policiamento
ostensivo conforme o Decreto nº 88.777, de 30 de setembro de 1983, com as
seguintes ações:
-
ostensivo geral, urbano e rural;
-
de trânsito;
-
florestas e de mananciais;
-
rodoviário e ferroviário, nas estradas estaduais;
-
portuário;
-
fluvial e lacustre;
-
de radiopatrulha terrestre e aérea;
-
de segurança externa dos estabelecimentos penais do Estado;
-
outros, fixados em legislação da Unidade Federativa, ouvido o
Estado-Maior do Exército, através na Inspetoria-Geral das Policias
Militares.
3 NOVOS TEMPOS
3.1 A NOVA POLÍCIA
No âmbito estadual o atual quadro político tem, como meta prioritária, o
funcionamento do binômio Polícia Militar-Polícia Civil, num sistema de prevenção do
crime e à desordem, otimizando o policiamento ostensivo da Policia Militar em
igualdade de condições com a atuação especializada dos setores reestruturados da
Polícia Civil.
20
Assim espera-se que as polícias cooperem, ao máximo, entre si, no limite de
suas possibilidades, através de normas gerais de ação comuns e que, para o povo,
traduza em inequívoco salto de qualidade de serviços prestados. É indispensável
ação cívico-social de ambas Corporações coirmãs.
Na atualidade, segundo o artigo 42, caput, da Constituição Federal, os
policiais militares brasileiros são servidores estaduais, ainda que subordinados aos
Governadores dos Estados e do Distrito Federal, nos exatos termos do § 6 do seu
artigo 144, pois suas corporações dependem da União, conforme dicção do artigo
22, XXI, da Lei Maior. Estando as Polícias Militares subordinadas aos Governadores
do Estados e do Distrito Federal, elas não representam poder militar.
Na Europa, corporações semelhantes às Polícias Militares brasileiras, como a
“Gendarmerie National”, na França, a “Guardiã di Pubblica sicurezza” e os
“Carabinieri” na Itália, a “Guarda Civil”, na Espanha, e a “Guarda Nacional
Republicana”, em Portugal, têm situações legais perfeitamente definidas em lei
ordinária, já que em época de paz, operam no âmbito dos respectivos Ministérios do
Interior, instituições equivalentes às nossas Secretarias de Segurança Pública.
É necessário, examinar a tradição constitucional brasileira no tratamento do
tema de Segurança Pública, e observar, nas constituições de outros países, como se
processa a abordagem da questão, e o que se oferece ao indivíduo e à sociedade
em favor desse direito. No anexo I, deste trabalho apresento todas as constituições
brasileira e alguns exemplos de outros países onde é abordado os direitos e
garantias individuais nas cartas das nações, as quais permite-nos algumas
conclusões.
3.2 FUNCIONAMENTO DO JUDICIÁRIO NO BRASIL
Após termos acompanhado toda evolução do sistema policia no Brasil, com
suas regulamentações desde a Colônia até os nossos dias com a Lei 9.099, nota-se
que as principais mudanças começaram a partir da constituição de 1988, onde a
Carta Magna em seu parágrafo sétimo dá plenos poderes para quem de direito
21
organizar de maneira eficaz as atividades necessárias para garantir um bom
funcionamento da segurança pública no país.
As mudança estão ocorrendo, no entanto com a situação de grande violência
nos centros urbanos de nosso país, elas precisar com urgência de uma maior
agilidade.
No Brasil o Poder Judiciário não integra o Sistema de Segurança Pública.
Este, formalmente, não existe a não ser que só sejam considerados os órgãos
policiais elencados no artigo 144, caput, da vigente Constituição da República,
isoladamente.
Esse denominado Sistema de Segurança Pública, na realidade, é um
Subsistema de Segurança Pública, que se insere no Sistema Criminal, que tem, no
Poder Judiciário, pela sua Justiça Criminal, o seu órgão final, porque toda atividade
voltada à segurança pública tem, obrigatoriamente , como destinatária, a Justiça
Criminal para que esta possa exercer a jurisdição criminal, papel constitucional do
Poder Judiciário como expressão máxima da soberania do Estado Democrático de
Direito.
Os juízes, aliás, são agentes políticos, autoridades supremas do Estado que
exercem o governo, enquanto que os policiais em geral não o são, pois são agentes
administrativos, sujeitos à hierarquia funcional da Administração Pública.
Lembramo-nos de que, pela teoria dos sistemas, o termo sistema é
geralmente empregado no sentido de sistema total, que tem como componentes
necessários os chamados subsistemas. O sistema total é o Sistema Criminal, que
tem por subsistema, entre outros, o policial, isto é, os órgãos policiais. Estes têm
competência constitucional bem delimitada no artigo 144 da Constituição de 1988.
Polícia de Segurança é especialização da Polícia Administrativa voltada para
a prevenção de ilícitos penais. Pela atual Constituição da República, a Polícia de
Segurança cabe, no plano das Unidade Federadas, às Policias Militares, como
Polícia Ostensiva (artigo 144, 5º ,da Constituição de 1988). A estas, também, dada
a competência constitucional para a preservação da ordem pública, cabe parcela da
atividade da Polícia Judiciária, que decorre da prática delituosa, quando da
denominada repressão imediata aos delitos que não conseguiu evitar no trabalho
preventivo. A Polícia Judiciária, bem por isso, não se confunde com a Polícia de
22
Segurança e, sem exclusividade, é exercida nas Unidades Federadas e onde
houver, pelas suas Polícias Civis, salvo, entre outras situações, nos casos criminais
militares.
Os órgãos policiais que exercem Polícia de Segurança, como também os que
exercem Polícia Judiciária, são auxiliares do Poder Judiciário, pois embora não o
integrem, de vez que integram o Poder Executivo, auxiliam a Justiça Criminal na
Jurisdição criminal, comum ou militar.
Bem por isso deve ser aperfeiçoado, de modo constante e permanente, o
Sistema de Dados Criminais implantado em decorrência do Termo de Cooperação
entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, firmado em 11 de agosto de 1989, pelo
Poder Judiciário e a Polícia Militar aumentam a sua área de atuação, passando a ter
uma informação muito mais confiável de interesse recíproco, como também de alto
interesse para a sociedade, porque o policial militar que trabalha em rua terá uma
informação mais rápida, a fim de também informar, com mais rapidez, o Poder
Judiciário daquilo que é produzido nas ruas e que é de interesse do mesmo Poder
Judiciário.
Não basta o Estado dar à Polícia uma estrutura moderna, mais ágil e
eficiente. É necessário também mudar a Justiça, modernizando a estrutura do Poder
Judiciário.
Esta modernização começa com a Lei 9.099, a qual dá mais agilidade na
apuração dos delitos considerados como de menor potencial ofensivo. Estes delitos
quotidianamente afligiam o meio social e não estavam tendo uma competente
apuração com a consequente punição dos culpados, gerando o descrédito no
sistema jurídico instalado. Com a implantação dos Juizados Especiais Criminais,
possibilitando, mediante a simplificação da persecução penal e do julgamento das
infrações de menor potencial ofensivo, maior dedicação e conseqüentemente,
melhor resultado na repressão dos crimes mais graves.
Surgirá de fato a nova Polícia, no Brasil, quando cumprido o espírito do § 7º
do, artigo 144, da Constituição Federal, que preceitua: “A lei disciplinará a
organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública de
maneira a garantir a eficácia de suas atividades.”
23
Permanecemos, pois, doutrinária e politicamente unidos até que a lei
ordinária, de que fala esse preceito programático de natureza constitucional, torne
nossa atividade unívoca, ainda que não unificada, como exige a realidade e a
vontade constitucional do país.
A nova Lei de 1995, se apresenta como um grande avanço em relação a
justiça brasileira. O que se pretende com esta lei é substituir uma parte do
ultrapassado inquérito policial de tantas criticas, por um termo de ocorrência
sumário, conhecido como termos circunstanciado, a possibilidade da denúncia oral,
a dispensa do exame de corpo de delito, a pena alternativa consentida pelo réu
antes da ação penal, o procedimento sumaríssimo, a valorização da pessoa da
vitima. Sem se quebrar por completo o princípio da obrigatoriedade da ação penal, a
lei abre espaço para a conciliação e a transação, através da reparação civil dos
danos ao ofendido e aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.
O Inquérito policial foi dispensado, como regra, para apuração de infrações de
menor potencial ofensivo, conforme seu art. 69, caput. “A autoridade policial que
tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará
imediatamente ao juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as
requisições dos exames periciais necessários”. Desta forma esta lei estende também
a Polícia Militar, que tem por competência preservação da ordem pública, podendo
também lavrar o referido Termo “A autoridade policial que tomar conhecimento da
ocorrência lavrará...”.
Esta lei, dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras
providências de extrema relevância penal e processual penal, criando, na realidade,
um novo modelo de Justiça Criminal, com a introdução de novos institutos e com
mudanças profundas em certos postulados que regem a função punitiva do Estado,
a persecutio criminis e o próprio sistema processual penal. “com o advento do novo
estatuto dos crimes de menor potencial ofensivo, o lesado passou, de mero
referencial do episódio sub judice, a ser sujeito de direitos, numa relação triangular
com o réu e o julgado”.
Baseado em critérios que, aplicados dentro do espírito que a norteia, prestigia
a conciliação, a informalidade celeridade, oralidade e simplicidade no processo.
Resulta num enorme ganho e eficácia para a máquina judiciária.
24
Os especialistas na área de segurança insistem em classificar nosso sistema
policial como o francês, vejamos como funciona a justiça francesa. Na França o
Direito Penal distingue três níveis de infrações criminais. Da mais leve à mais grave:
a contravenção, o delito e o crime. As penas previstas para cada uma das infrações
estão definidas no novo Código Penal, que entrou em vigor em 01.03.1994.31
Em primeira instância, há basicamente três juristiçãos penais: o Tribunal de
Police, Tribunal Correctionnel e a Cour d’assises.
O Tribunal de Police é composto por um juiz e é competente para julgar as
contravenções ( excesso de velocidade, estacionamento irregular, etc), as quais são
passíveis de multa ou suspensão da carta de habilidação ou confisco.
O Tribunal Correcticionnel é composto por três juizes ( sendo um, o juizpresidente ), competente para julgar os delitos (furto, direção em estado de
embriagues, estelionato, tráfico nacional ou internacioanl de entorpecentes, crimes
financeiros, etc.), os quais são passíveis de multa, prisão de até 10 anos ou, ainda
penas de prestação de serviços à comunidade, etc.
A Cour d’Assises, por sua vez, é composta por doze membros, sendo nove
jurados leigo, escolhidos por meio de uma lista eleitoral, e três juízes togados.
Referida Corte julga apenas os crimes, isto é, as infrações mais graves (roubo
qualificado, homicídio, estupro, etc.), passíveis de uma pena de reclusão, que pode
ir até à perpetuidade. Suas decisões são soberanas e não cabe recurso, salvo à
Cour de Cassation, a mais alta Corte, a qual não se manifesta sobre o fato, mas tãosomente sobre o direito aplicado.
Cabe mencionar, outrossim, que há uma quarta jurisdição, chamada Tribunal
pour Enfants, competente para julgar as infrações cometidas pelos menores de 18
anos, cuja competência é daCour d’Assises de menores. Cabe citar que não há
limites de idade para se processar um menor. Exige-se, tão-somente, que fique
caracterizada por meio de um laudo técnico a capacidade de entendimento do ato
incorrido. O direito aplicado é específico e, se necessário, como última medida
extrema, caso falhem as sanções sócio-educativas, podem ser condenados à prisão
até metade da pena máxima prevista para os maiores.
31
SANCTIS, F. M. A justiça penal na França. A Força, São Paulo, n.18, p.17-21, abr./mai./jun. 1998
25
Deve ser sublinhado que a representação processual por meio de advogado
nem sempre é obrigatória, como por exemplo no Tribunal de Police, Correctionel,
etc.
Com exceção da Courd’Assises – cujo procedimento é específico -. Perante
os juízes dos tribunais (ainda aqui se fala em primeira instância), há a audiência que
tem por objeto a discussão das provas. Essa audiência é, via de regra, pública. Nela
o conjunto de provas deve ser debatido perante os juízes: o réu interrogado, as
testemunhas e os peritos comparecem para responderem às questões. O Ministério
Público, o advogado da vítima e o do réu participam dos debates. O procedimento é
todo oral, sendo certo o escrivão anota apenas o essencial ( palavras-chaves) a
pedido do juiz-presidente. Este não dita toda a interpelação. Interessante notar que
os réus são indagados, após a vítima, havendo, de imediato, confronto de versões e
pedidos de justificativa.
Caso o ou os réus não compareçam sem motivo justificado ou o apresentado
não for acatado pelo tribunal, a audiência não é adiada.
Na França, não há direito ao silêncio. Isto significa que, uma vez silenciando
sobre as questões do tribunal, a interpretação será em desfavor do acusado.
No final da audiência, os membros do tribunal se reúnem em sala própria,
secreta, onde deliberam decidindo a causa, ou então designam data para a
publicação da sentença em audiência. O juiz-presidente discute com os demais qual
decisão deve ser tomada. Não há voto preponderante. Todos decidem em conjunto
o caso concreto.
Frise-se, outrossim, que a decisão pode, se o caso permitir, fixar a satisfação
cabível devido ao prejuízo aferido pela vítima (material ou não), uma vez que não há
separação de instâncias civil e criminal.
As decisões dos juízes são extremamente concisas, elaboradas pelo
escrivão, que se baseia num modelo adaptado ao caso concreto. Em havendo certa
complexidade, o que é raro, a decisão é redigida pelos juízes.
Interessante notar que os Tribunais de 2ª Instância (Cour d’Appel) não
consideram, via de regra, nulas tais decisões, por falta de motivação. Daí por que
poucos advogados ousam recorrer sob esse fundamento. Os juízes levam em
26
consideração a quantidade de feitos e trabalhos desenvolvido nas audiências, que
podem exigir esforço contínuo de diversas horas de dedicação.
Cabe abordar, ainda o sistema colegiado de primeira instância francesa, que
é a regra geral. Para
os franceses é inconcebível que um juiz sozinho exare
decisões penais de relevantes conseqüências. Além disso, consideram que o
sistema de juiz único expõe demasiadamente o magistrado, o que pode
comprometer o julgado, principalmente com relação ao juiz que acaba de ingressar
na carreira.
Cumpre-se notar que, antes de se sujeita o fato aos Juízes de julgamento de
primeira instância, em havendo certa complexidade, é necessária a sua apuração
pelo juiz de instrução.
Inexistindo a fase de instrução, o fato é submetido
diretamente aos juízes, imediatamente após a infração, ainda que não seja caso de
flagrante.
A provocação do juiz de instrução cabe ao Ministério Público, ou à vítima,
sendo obrigatória a atuação dele em caso de cometimento de crimes.
Dez por cento dos processos julgados passam pelo juiz de instrução, o qual
possui um papel simultâneo de juiz e apurador. Isto é, ele ouve envolvido e
testemunhas e toma certas decisões jurisdicionais. Como apurador, ele procura os
elementos de informação, úteis à manifestação
favoráveis ao réu. Conduz, ainda, os
da verdade, sejam ou não
interrogatórios e depoimentos e, se
necessário, as acareações. Alem disso, dirige o trabalho da polícia, podendo delegar
a esta seus poderes de apuração. Pode, ainda, determinar perícias e apurar acerca
da personalidade do envolvido. Na função de juiz, decide sobre a possibilidade da
detenção provisória ou sua substituição mediante condições a serem cumpridas
pelo envolvido. O juiz de instrução pode, enfim, determinar o arquivamento do feito,
ou encaminhar aos juízes para julgamento. Urge observar que não há prazo para a
detenção provisória, não sendo incomum verificar-se a prisão cautelar pelo prazo de
dois ou três anos antes mesmo da decisão de primeira instância.
A Polícia, por sua vez, tem seu papel relevante. Procede aos interrogatórios e
depoimentos em havendo ou não flagrante delito e investiga mortes suspeitas,
sempre sob a direção do Ministério Público. O membro do Parquet pode
pessoalmente comparecer na Polícia e decidir pela interrupção do trabalho desta,
27
passando a dirigir os trabalhos nessa instituição. O Ministério Público deve ser
comunicado de certas circunstâncias, como prisão em flagrante ou temporária (art.
54, CPP) e envolvimento de um menor (art. 78, “3”, CPP). Além disso, tem que
concordar com a devolução de objetos apreendidos (art. 56, CPP), prolongação da
prisão temporária (art. 63 e 77, CPP), bem como tomada de impressões digitais e
tiragem de fotografias, quando da identificação (art.78,”3”, CPP). Pode, ainda,
expedir Mandado de Condução coercitiva a um suspeito que deverá ser a ele
apresentado para seu interrogatório.
Importante mencionar, nesse passo, que o membro do Parquet é um
magistrado, recrutado como os magistrados da jurisdição, ou seja,
mediante
concurso de provas ou de títulos. Daí por que tomam certas decisões típicas do
nosso sistema de Poder Judiciário. Podem, durante o curso de sua carreira, passar
ao Judiciário como
os juízes podem se tornar membros do Parquet. Estes, ao
contrário dos juízes que são, por força da Constituição francesa, totalmente
independentes, são hierarquicamente subordinados ao ministro da Justiça, de quem
podem receber ordens, até mesmo a maneira de se conduzir com relação ao
procedimento penal, com maior ou menor severidade.
Por fim, cumpre tecer algumas palavras sobre a prisão em flagrante ou
temporária, chamada garde à Vue. Trata-se de medida mediante a qual toda pessoa
deverá permanecer presa na polícia, durante certo tempo dependendo da natureza
da infração, caso haja necessidade para as investigações. Regra geral é de 24
horas, podendo ser prorrogada por mesmo lapso. O advogado, no caso, só é
comunicado 20 horas após a prisão e não possui acesso aos autos. O acesso só
ocorre quando os autos chegam ao Juízo de Instrução.
Mesmo os menores são passíveis dessa modalidade de prisão , salvo se
possuírem idade inferior a 13 ano, os quais estão sujeitos à lei específica que lhe
prevê, tão-somente, medidas sócio-educativas, em caso de condenação.
Todo o procedimento é secreto ainda quando os autos já estão na posse do
Juízo de Instrução, caso em que somente os advogados dos réus e o órgão do
Ministério Público terão acesso.
Vê-se, assim o quão é particular o sistema francês de repressão.
28
Interessante notar que, devido à existência do controle policial pelo Parquet
na fase inicial do procedimento e eventualmente a sujeição deste ao juiz de
instrução (quando o caso permite face à sua complexidade), os processos
submetidos aos juízes de primeira instância, chamados de tribunal, acabam por
acarretar a condenação dos réus. Submetidos que são, logo que são presos, à
instrução policial e/ou judicial, sem o concurso técnico de advogados, ficam
desencorajados a negar os fatos. Quando isto ocorre, imediatamente as versões são
confrontadas com as possíveis vítimas e co-réus, até mesmo perante o tribunal,
fatos que acabam a conduzi-los à confissão ou versões inverossímeis. Daí, quiçá,
explicar-se-ia a ocorrência de raras decisões absolutórias.
4 CONCLUSÃO
Passamos então a analisar o nosso sistema. Como já vimos anteriormente, o
funcionamento das nossas policias, vamos analisar. Para a existência de um sistema
policial brasileiro, se faz necessários três aspectos relevantes:
a) existência de uma Polícia federal, bem estruturada, organizada e definida,
com missões constitucionais específicas;
b) unicidade do Direito Processual Penal;
c) Polícias Militares (Forças Policiais dos Estados-Membros) com missão
definidas constitucionalmente: manutenção da ordem pública.
Com efeito, salvo no tocante às suas Forças Públicas, cada Estado organiza
sua polícia judiciária da forma que lhe é mais peculiar. Ressalvando a Inspetoria
Geral das Policias militares (IGPM), no tocante às forças públicas, inexiste em
âmbito nacional um órgão que, pelo menos no campo doutrinário, pudesse
estabelecer a cooperação entre as polícias.
No âmbito estadual vejamos, na maioria deles prevalecem as rivalidades
estéreis entre a Polícia Civil que se institucionalizou congregando diversas classes
29
de funcionários de Polícia Judiciária e Polícia Técnica Científica, e as seculares
Polícias Militares.
A processualística Penal é que define a essência do Sistema Policia vigorante
em determinado país. No Brasil, perpetramos o erro em 1871 e nele permanecemos,
inexplicavelmente, apesar das mutações da história.
Definindo a essência do sistema, a processualística influirá, decisivamente, na
eficiência e eficácia das organizações policiais.
O atual Código de Processo Penal, instituído em 1941, prosseguiu na tradição
imperial de Conservação do Inquérito Policial, assim justificado na Exposição de
motivos do então Ministro da Justiça:
“Foi mantido o inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da
ação penal, guardadas as suas características atuais. O ponderado exame da
realidade brasileira que não é apenas a dos centros urbanos, senão também a dos
remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio do sistema
vigente.”
Veja, décadas após a consagração de um anacronismo, já o Brasil
penetrando celeremente na era industrial, vivendo o fenômeno do urbanismo os
juristas têm o desplante de continuar atravancando a administração da justiça
criminal com a manutenção do instrumento emperrador. Mas continua a exposição
de motivos:
“o preconizado Juízo de Instrução, que importaria limitar a função da
autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e
indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro de
seu território de jurisdição sejam fáceis e rapidamente superáveis...”
O certo é que a oportunidade perdida em 1871 continuou perdida com o sopro
renovador da república. E pior, permaneceu perdida no bojo dos avanços pósrevolução de 1930.
No entanto, os juristas e profissionais sensatos continuam a clamar pela
evolução do nosso sistema policial.
30
“As pessoas que são investigadas em um inquérito policial ficam ao sabor do
arbítrio da autoridade policial, sempre propensa a violar o direito individual para obter
a prova do fato.”32
“Juízes promotores e advogados reconhecem que o inquérito policial é hoje
uma ação completamente distorcida.”33
Na mesma linha de raciocínio tem se pronunciado o jurista Vivaldo Vieira
Barbosa. Em artigo publicado no Jornal do Brasil há anos, preconizou o rompimento
com a atual estrutura da processualística penal que enseja o arbítrio e o desrespeito
aos direitos humanos. Em certo trecho foi enfático:
“O Promotor e o Juiz devem participar da investigação desde o inicio como
acontece nos países adiantados e com maior grau de democratização e como foi a
tradição do velho Direito Português até a promulgação do Código de Processo
criminal do Império, que num ato de centralização autoritária retirou a investigação
do controle do judiciário e a colocou sob a direção do Executivo.”34
Veja no anexo II, a solução de um assalto a mão armada ocorrido na França,
e sua solução. Uma ocorrência que lá durou 72 horas para se ter solução, aqui pode
levar vários meses ou até mesmos anos.
O sistema processual vigente remonta às leis Filipinas, ao Brasil-Colônia,
tornando ineficientes o trabalho da policia e, principalmente, o da justiça. Não é a
forma ideal de produção de justiça rápida. Ele prolonga, é burocrático, desperdiça
tempo e provas. Depois, tudo é refeito na Justiça, anulando o trabalho da policia.
Nosso quadro constitucional brasileiro está próximo da realidade européia,
uma vez que o ideal de uma polícia unificada não implica, necessariamente, a fusão
dos organismos atualmente existentes. Basta tão somente a vontade política do
legislador para solucionar de vez com inteira propriedade a questão. Isto começa a
acontecer em 1988, com a promulgação da constituição e, por conseqüência com a
Lei 9.099, onde o judiciário passa a ter maior participação.
Na teoria dos sistema policiais, o nosso é algo a parte. Não se encaixa
perfeitamente em nenhum deles.
32
COSTA, Á. M. Jornal do Brasil , 24/06/79. 1º caderno, p.22.
Id.
34
Id.
33
31
No sistema político, a polícia é essencialmente de manutenção da ordem
pública, independente da organização judiciária, não inquire testemunhas e nem
pratica ato que importe em informação para a propositura da ação penal. Este
sistema é o vigorante na Inglaterra. Poderíamos encaixar neste sistema, talvez a
polícia militar, no entanto, temos outra parte da polícia, a judiciária que inquire e
participa da propositura da ação penal.
No sistema eclético, a polícia assume duplo papel. De um lado é órgão tão
somente do poder executivo, exercitando a manutenção da ordem pública,
prevenindo e reprimindo e de outro, auxilia a justiça e outros órgãos da
administração pública. Aqui também não da para nos encaixarmos, pois são
divididas cada uma com uma parte dessas funções. Aqui cada Estado organiza sua
polícia judiciária. Apenas a Polícia Militar e organizada a nível nacional, através da
Inspetoria Geral das Policiais Militares (IGPM). Não há em âmbito nacional um órgão
que estabeleça a cooperação entre ambas.
O sistema histórico, onde a ação da polícia confunde-se com a função
judicante, já foi o sistema adotado no Brasil-Colônia, como vimos no início, deste
trabalho. É um sistema totalmente ultrapassado.
No sistema jurídico, a polícia previne os crimes e evita a fuga dos criminosos.
No campo da repressão, auxilia o Ministério Público e atua sob a supervisão e
orientação deste. È o sistema vigorante na França. Neste sistema, podemos dizer
que ela atua na prevenção e evita a fuga dos criminosos. Mas na segunda parte,
não se encaixa como deveria. Falta aqui uma maior participação do Ministério
Público na sua atuação, participando desde o início. E uma vez mais a questão da
falta de um órgão que estabeleça a cooperação entre as polícias a nível nacional e
até mesmo Estadual.
Nossa organização Policial Brasileira, centrada nos Estados-Membros,
carrega erros do século passado, está viciada e caótica. Falta-nos tradição, uma
continuidade de trabalho, um trabalho bem planejado. Falta colocar em primeiro
lugar os direitos do cidadão, antes do interesses das elites, nossas organizações
precisam ser dirigidas pelo povo e voltada para ele.
O Ministério Público sendo titular da pretensão punitiva do Estado não pode
ficar afastado da investigação e produção de provas. Não pode ficar distante do fato,
32
ou adstrito ao superado Inquérito Policial, praticado pela polícia judiciária, que acaba
muitas vezes por atrasar todo o processo penal. O que caracteriza o Sistema Policial
Jurídico é o comando do Ministério Público nas investigações da polícia judiciária
em paises como a França, Japão, Estados Unidos México Itália, etc... porque no
Brasil deveria ser diferente ?
Podemos dizer que no Brasil não
temos polícias organizadas, de forma
estável e permanente somente sistemas de policiamento que vão surgindo e
desaparecendo na medida em que são verificadas mudanças sociais e políticas em
nossa sociedade. A situação não é exceção.
Atualmente se comenta em fazer novas mudanças, querendo unir aos policias
estaduais. Agora vejamos, esta divisão de atribuições da polícia no plano
constitucional vigente, não é ruim. Esta divisão dicotômica da polícia militar e a
polícia civil é uma divisão “natural” do possível ou defensável ciclo de polícia e
tecnicamente é boa, até porque, mesmo nas polícias que exercem o ciclo completo,
o policial que atende a ocorrência criminal não é o mesmo que irá investiga-la.
As mudanças pretendidas continuam, pretendendo desmilitarizar a policia
ostensiva. No entanto vejo esta desmilitarização de duas formas: por um lado os
políticos que temem uma nova ditadura, ainda com lembranças dos anos dos
governos militares; por outro, políticos que vêem na policia militar estadual uma força
de repressão dos governadores contra seus opositores. Mais uma vez nota-se os
interesses políticos por traz de mudanças, buscando seus interesses e fazendo
surgir pressões para novas mudanças no sistema policial.
Em países como na França, Bélgica, Espanha, Portugal, Itália e diversos
outros as policias são militarizadas, e funcionam bem. Talvez o problema não esteja
em serem militar, mas sim na administração. Com a desmilitarização elas sem
dúvidas tornariam-se mais fracas e indisciplinadas, e teriam mais dificuldade em
combater o crime organizado, pois este a cada dia usa mais técnicas militares para
se organizar.
À luz do exame dos diferentes sistemas policiais, para a melhoria da Polícia
no Brasil são necessárias algumas providências, como a coordenação entre os
diversos órgãos policiais e depois o aperfeiçoamento de cada órgão e ainda políticos
33
mais sérios que não busquem apenas seus interesses, mas sim o do povo além de
uma maior participação de nossos sociólogos nos problemas brasileiros.
34
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Manoel Mauricio de. Pequena história da formação social
brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1981.
ALMEIDA, Klinger Sobreira de. O Poder de Polícia e a Polícia de Manutenção da
Ordem Pública. O Alferes, Belo Horizonte, n.1, set./dez. 1983
_________. Roubo a mão armada em Orry-La-Ville. O Alferes, Belo Horizonte, n.4.
set/dez. 1984.
ANDRADE, Ivan Moraes de. Polícia judiciária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Salvador: Progresso, 1955.
COSTA, Álvaro Mayrink da. Jornal do Brasil , 24/06/79. 1º caderno, p.22
DITADURA. In: ENCICLOPÉDIA Nosso Século. São Paulo: Abril, 1980. v.10.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 7.ed. Rio de Janeiro: Globo, 1987. v.1
FURTADO, Celso. Análise do “modelo” brasileiro. 3.ed. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 1972.
INSTRUÇÃO POLICIAL. Manual básico. Rio de Janeiro: PMDF/RJ,1952
LADEIRA, Antônio Dutra. Manual de organização e prática policiais. Ed.
Academia de Polícia Civil , 1971
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 2.ed. São Paulo: Alfa-Omega,
1975
LIMA Jr, Augusto de. Crônica militar. 2. ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1969
PARANÁ. Governo (1852-1853-1854 Cons. José Thomaz Nabuco de Araujo)
Relatório do presidente da provincia de São Paulo, 1852. Curitiba: Centro de
Estudos Bandeirantes.
SCHELL, Jonathan. O destino da terra. Rio de Janeiro: ed.Record, 1982
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense,1967. v.1
SOARES, Plácido. Segurança pública questionada. Curitiba: Publicação para
todos, 1987.
35
OBRAS CONSULTADAS:
BEDNARCZUK JUNIOR, Alfredo; SANTOS JUNIOR, João Jorge dos. A visão do
poder judiciário sobre a competência da polícia militar para elaborar o termo
circunstanciado. Curitiba, 1999. 104 f. Monografia (Especialista em administração
da PMPR) Departamento de Contabilidade do Setor de Ciências Sociais,
Universidade Federal do Paraná.
BENEVIDES, Maria. Victoria. Violencia povo e policia. São Paulo: Brasiliense,
1983.
BICUDO, Helio. Violência: o Brasil cruel e sem maquiagem. 7.ed. São Paulo:
Moderna, 1994.
BRASIL. Lei n. 0.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispões sobre o Juizado
Especial Civil e Criminal e dá outras providências. Diário Oficial da República do
Brasil, Brasília, n.186, p.15033, 27 set. 1995
_______ . Constituição da República Federativa do. Promulgada em 05 de
Outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989
_______ . Código de Processo Penal. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 1984
DAVIS, Mike. Cidade de quartzo. Escavando o futuro em Los Angeles. São
Paulo: Editora página aberta, 1993.
MASLOW, A.H. Uma teoria da motivação humana. in Comportamento Humano na
Empresa. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1980. p.344
ROCHA, Luís Carlos. Prática policial. São Paulo: Saraiva, 1982.
SALGADO, Joaquim Carlos. Os direitos fundamentais e a Assembléia
Constituinte. In Constituinte e Constituição. Belo Horizonte: Conselho de Extensão
da UFMG, 1986.
36
ANEXO 1 - CONSTITUIÇÕES ABORDANDO O TEMA SEGURANÇA PÚBLICA
1) Constituições do Brasil
a)
A Constituição Política do Império do Brasil, de 1824. (Outorgada)
“Art. 9º - A divisão e harmonia dos poderes políticos é o principio conservador
dos direitos dos cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efetivar as garantias que a
Constituição oferece.”
“Art. 179 – A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos
brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é
garantida pela Constituição do Império.”
b)
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, em 1891.
“Art. 14 – As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes,
destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior.”
(.....)”
“Art. 78 – A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição
não exclui outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de
governo que ela estabelece e dos princípios que consigna.”
c)
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934.
Repete, nos artigos 113 e 114, os mesmos Direitos e Garantias Individuais
previstos na Carta de 1891 e mantidos na Emenda Constitucional de 1926.
d) Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. (Outorgada)
37
“Art. 122 – A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes
no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos
seguintes:
(....)”
“Art. 123 – A especificação das garantias e direitos acima enumerados não
exclui outras garantias e direitos, resultantes da forma de governo e dos princípios
consignados na Constituição. O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem
público, as necessidade da defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva, bem
como as exigência da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e
organizado nesta Constituição.”
e)
Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946.
“Art. 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(....)”
“Art. 138 – As polícias militares, instituídas para a segurança interna e a
manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são
consideradas como forças auxiliares, reserva do Exercido.”
f)
Constituição do Brasil, de 1967.
“Art. 13 - .....................................
§ 4º - As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem e
segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de
bombeiros militares são considerados forças auxiliares, reserva do Exército.”
O artigo 150 repete as Constituições anteriores ao estabelecer os Direitos e
Garantias Individuais.
g)
Constituição do Brasil Emenda Constitucional nº 1, de 1969.
38
Mantém, no artigo 153, os mesmos ditames relativos aos Direitos e Garantias
Individuais previstos nas Cartas anteriores.
h) Constituição Brasileiro de 1988, trata da Segurança Pública no País
como:
CAPÍTULO III
DA SEGURANÇA PÚBLICA
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio , através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
*Competência da Polícia Rodoviária Federal: Decreto n. 1.655, de 0310-1995.
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
*Conselho Nacional de Segurança Pública - CONASP: Decreto n.
2.169, de 04-03-1997.
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º -policia federal, instituída por lei como órgão permanente, é destinada a:
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento
de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e
empresas públicas, assim como outras infrações, cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em
lei;
II – prevenir e reprimir, em todo o território nacional, o tráfico de
entorpecentes e drogas afins e o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da
atuação de outros órgãos públicos em suas respectivas áreas de competência;
III – exercer a polícia marítima, aérea e de fronteiras;
39
IV – exercer com exclusividade a polícia judiciária de União.
§ 2º - A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira,
destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º - A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira,
destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
§ 4º - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º - Às policias militares cabem a polícias ostensivas e a preservação da
ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em
lei, incumbe a execução de atividade de defesa civil.
§ 6º - As policias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e
reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos
Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos
responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas
atividades.
•
Conselho Nacional d Segurança Pública - CONASP: Decreto
n.2.169, de 04-03-1997.
§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais à proteção de seus bens,
serviço e instalação, conforme dispuser a lei.
2)
Constituição da República do Chile, de 09 de Outubro de 1981.
“Art. 19 – A Constituição assegura a todas as pessoas:
1º - O direito à vida e à integridade física e psíquica da pessoa:
..................................................
7º - O direito à liberdade pessoal e à segurança individual.
...................................................
40
8º - O direito a viver em um meio ambiente livre de contaminação. É dever
do Estado velar para que este direito não seja afetado e tutelar a preservação da
natureza.”
Deve-se observar, na análise do direito “à liberdade pessoal e à segurança
individual”descrito no § 7º, que a vontade constitucional quer resguardar a pessoa
das ações arbitrárias e ilegais do próprio Estado, como se vê nas alíneas que
explicam o dito direito.
Nesta Constituição chilena, o Capitulo X trata das forças Armadas, de Ordem
e Segurança Pública”, definindo a formação e atribuições das referidas forças.
As forças de ordem e de Segurança Pública são integradas por Carabineiros
e Investigações, e “existem para dar eficácia ao direito, garantir a ordem pública e a
Segurança Pública interior, na forma que o determinem suas respectivas leis
orgânicas. Os Carabineiros se integrarão, ademais com as forças armadas na
missão de garantir a ordem institucional da República”.(art.90)
3) Constituição da República Popular da China, (comunista) de 1982.
“Art. 28 – O Estado mantém a ordem pública, reprime a alta traição e demais
atividades contra-revolucionárias, castiga todo ato que prejudique a segurança pública e
solape a economia socialista assim como outros atos delituais sanciona os criminosos e
os submete a um processo de reformação.”
“Art. 29 – As forças armadas da República Popular da China pertencem ao
povo. Sua missão é fortalecer a defesa nacional, resistir à agressão, defender a pátria,
proteger o trabalho pacífico do povo, participar da construção do País e servir com
fervor ao povo.”
“Art. 51 – Os cidadãos da República Popular da China, no exercício de suas
liberdades e direitos, não devem prejudicar os interesses do Estado, da sociedade ou da
coletividade, nem menoscabar as liberdades e direitos legítimos dos demais cidadãos.”
41
“Art. 53 – Os cidadãos da República Popular da China devem acatar a
Constituição e as leis, guardar os segredos do Estado, proteger os bens públicos,
observar a moral pública.”
Dos artigos transcritos, torna-se interessante revelar que a manutenção da
ordem pública e da segurança pública é dever do Estado, e, por conseguinte direito do
cidadão. Mas a este incumbe também, como dever, cumprir as prescrições dos artigos
51 e 53 supra, o que em síntese, significa contribuir para a manutenção das mesmas
ordem e segurança pública.
4) Constituição da República de Cuba, de 1976.
“Art. 57 – A liberdade e inviolabilidade de sua pessoa estão garantidas a
todos os que residem no território nacional.
Ninguém pode ser detido senão nos caso, na forma e com as garantias que
prescrevem as leis. O detido ou preso é inviolável em sua integridade pessoal.”
5) Constituição Espanhola, de 1978.
“Ar. 15 – Todos têm direito à vida e à integridade física e moral, sem que
em nenhum caso, possam ser submetidos à tortura nem a penas ou tratos
desumanos ou degradantes. (.....)”
“Art. 17 – Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança. Ninguém
pode ser privado de sua liberdade, salvo com a observância do estabelecimento
neste artigo e nos casos e na forma prevista em lei.
6) Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787.
42
“Emendas II – Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência
de uma milícia bem organizada, o direito do povo de possuir e usar armas não
poderá ser impedido.”
“Emenda IV – O direito do povo à inviolabilidade de suas pessoas, casas,
papéis e haveres contra busca e apreensão arbitrárias não poderá ser infringido.
(.....)”
“Emenda IX – A enumeração de certos direitos na constituição não poderá ser
interpretada como negando ou coibindo outros inerentes ao povo.”
7) Constituição da França, de 1958.
“Art. 34 – Compete aos Parlamentares votar as leis.
A lei estabelece as regras relativas: Aos direitos cívicos e às garantias fundamentais
das liberdades públicas, bem como as relativas sujeições impostas aos cidadãos nas
suas pessoas e nos seus bens pela defesa nacional.”
8) Constituição do Japão, de 1946.
“Art. 11 – O povo não será privado do gozo de nenhum dos direitos
fundamentais humanos. Estes direitos fundamentais humanos assegurados ao povo
por esta constituição serão concedidos ao povo desta e das futuras gerações como
direitos eternos e invioláveis.”
“Art. 12 – A liberdade e os direitos garantidos ao povo por esta constituição
serão mantidos pelo esforço constante do povo o qual se abastecerá de qualquer
abuso dessas liberdades e direitos e sempre se responsabilizará pela utilização dos
membros em prol do bem público.”
“Art. 13 – Todos serão respeitados como indivíduos. Seu direito à vida, à
liberdade e à procura da felicidade, até o limite em que não interfira com o bem
público, receberá a suprema consideração na legislação e em outros assuntos
governamentais.”
43
ANEXO 2
ESTUDO DE CASO
ROUBO A MÃO ARMADA EM ORRY-LA-VILLE (OISE)
Por volta de 15,25h de de 17 de Jan 69, um funcionário trabalhava na agência
dos correios de Orry-La-Ville com uma empregada. Um cliente estava junto ao
guichê.
Repentinamente, ele ouviu uma voz de homem gritar: “Mãos para cima!
Passe a grana, depressa!”
Levantando a cabeça, ele percebeu dois indivíduos trajando impermeáveis,
chapéus e óculos escuros e armados de pistolas-metralhadoras. O cliente se
refugiou próximo à cabine telefônica. O funcionário, assustado atrás do guichê,
dobrou-se às imposições dos dois indivíduos. Recolhendo o dinheiro, os último se
retiraram recuando até à rua e entratam em uma “ID”, ou “DS”, de cor azul, de teto
claro, que partiu em disparada.
O funcionário comunicou, então, à Brigada de Chantilly: “Dois indivíduos
armados acabaram de invadir a agência dos correios e tomaram, sob ameaça, uma
soma de 5.000 francos, aproximadamente. Fugiram a bordo de uma “ID” ou “DS”,
citroen, de cor azul, cujas letras de plana parecem ser: “...MX”. Eram 15,30 horas.
A INVESTIGAÇÃO
Tão logo foi cientificado, o Cmt da Brigada de Chantilly retransmitiu o alerta
pelo rádio ao Cmt da Cia de Senlis, que assumiu o comando das operações.
Simultaneamente:
d) Foram instaladas barreiras;
e) Foram enviadas patrulhas aos municípios de Orry-La-Ville e imediações;
f) Foram alertadas as Brigadas limítrofes do Departamento de Vald’Oise;
g) Foram avisados todos os serviços de polícia do Departamento de Oise e
daqueles limítrofes;
-
A Brigada de Chantilly e a Brigada de Investigações de Senlis foram
encarregadas da investigação, sob o comando do Cmt da Cia, que se dirigiu ao local
do evento.
44
Às 15,45, um carro Citroen, de placa 344 AE 95, azul, de teto branco, foi
descoberto, abandonado, numa estrada vicinal, na floresta de
Coye la-Forêt. A
chave estava na ignição; o motor estava quente. A chuva que caia no momento se
condensava e produzia vapor sobre o “capô”.
O veículo foi imediatamente identificado na Prefeitura de ValdÓise: Ele tinha
sido furtado em Villiers-le-bel, na noite de 13 de janeiro.
Às 16,05, o chefe de manobra da SNCF, na estação de Orry-la-Ville,
comunicou a uma patrulha de gendarmes que acabara de ver dois indivíduos
atravessando a via férrea, cerca de 100 metros ao norte da estação e subindo num
trem em manobra.
Seu aviso foi confirmado pela “dispagem”dos cães das Cia de Senlis e
Compiègne que rastreavam desde o “ÏD” 19, abandonado, se dirigindo no sentido
daquela via, tendo-a perdido nas imediações. O pessoal foi deslocado para tais
lugares e passou a empreender uma procura minuciosa.
Às 16,15h, dois cantoneiros da SNCF transmitiram aos gendarmes de
Chantilly uma informação interessante: Às 14,30h, eles haviam visto, estacionado na
orla de um caminho de terra ao longo da via férrea Orry-Chantilly, dói veículo eles
tiveram a intuição de anotar as placas: “344AE95” Citron e “406AW95”Renault.
O condutor da Renault, um homem de cor, saíra desse veículo, entrando na
“ID”, ocupada por dois homens. Instantes após ele retornou ao seu carros e os dois
veículos partiram em direção a Orry-La-Ville.
O “ID” placa 244AE95 era o veículo furtado (foi encontrado, abandonado,
uma meia hora após). Na ocasião já se deduzia que teria sido o veículo que
permitira aos autores retornar às suas residência. O Renault também foi identificado
na Prefeitura de Vald’Oise: Era de propriedade do Sr. S... , residente em Villers-leBel.
A Brigada de Ecouen, convidade a verificar o assunto, informou que o veículo
em questão fora vendido após 13 Jan 69 a H..., residente em Villiers-le-Bel. O novo
proprietário não foi encontrado em seu domicílio, o que levou a Brigada a manter
vigilância sobre o local, aguardando seu retorno.
Às 19,00h, as buscas na zona da estação de Orry-la-Ville foram suspensas.
Às 19,30h, os investigadores se dirigiram a Villiers-le-Bel.
45
À sua passagem pela Brigada de Ecouen, eles foram informados que os
gendarmes que se encontravam vigiando o domicílio de H... (um guadelupano) o
haviam prendido e o mesmo encontrava-se à sua disposição. Na cidade os
investigadores receberam o preso, passando a mantê-lo sob custódia.
Seu domicílio foi mantido sob vigilância pela Brigada de Ecouen.
Nessa ocasião, havia cerca de 24h que o roubo ocorrera.
Por ocasião do interrogatório, H... declarou ser proprietário do veículo
“406AW95”, desde 13 Jan 69. Disse que o carro esteve estragado em Goussainville,
95, de 15/16 Jan até 17 Jan 69, até horário que não sabia precisar e que tinha
recebido com uma roda amassada. Acrescentou que não tinha comparecido a Orryla-Vile, após adquirir o carro.
Durante suas declarações, discretamente, os dois cantoneiro foram colocados
em um corredor dos escritórios da Brigada, para verem a passagem de H...
Eles o reconheceram formalmente como sendo o homem de cor, que dirigia o
veículo que eles tinham visto após o meio-dia de 17 jan.
Em 18 jan 69, os investigadores se dirigiram a Villiers-le-Bel, e após ouvirem a
Senhora H... ( que não acrescentou nenhum elementos novo), procederam a uma
busca no domicílio. Durante essa, a importância de 1.370 francos foi descoberta,
dissimulada no porão, junto com roupas sujas de argila.
Durante sua segunda inquirição, H... confessou ter participado do roubo à
mão armada dos correios de Orry-la-Ville, em companhia de G..., residente em
Gonesse e de 9..., antes residente em Villiers-le-Bel e atualmente sem domicílio fixo.
Os investigadores sabiam então que:
(1º) Em 17 jan 69, por volta de 12h, H... chegara à casa de G... em Gonesse,
o qual lhe propôs “fazer” os correios de Orry-la-Ville, tendo aceito a idéia.
(2º) Seguiram os dois com destino a Villiers-le-Bel, no veículo de H... (G...
levara um saco de viagem, do qual H... ignorava, conforme disse, o conteúdo).
(3º) Em Villiers-le-Bel, eles contrataram B.... e foram a Luzarches, onde G... e
B.. entraram num “HD 19”, Citroen, furtado. Os dois veículos tomaram a direção de
Orry-la-Ville e foram estacionar na floresta, perto da estação. Lá H...., G.... e B.....,
perceberam que eram observados pelos empregados da SNCF, que trabalhavam na
estrada, entraram em outra pequena estrada, onde permaneceram até cerca de
46
14,45h. G... e B... se prepararam e cada um camuflou uma arma sob os respectivos
impermeáveis.
(4º) Depois, os três entraram no “ID19”, deixando o outro veículo estacionado
numa estrada vicinal.
(5º) Após ter feito um reconhecimento prévio dos correios e dos lugares, com
o “ID 19”, H.... que o conduzira, se posicionou no estacionamento em frente ao
posto, com o motor funcionando.
G... e B... entraram na agência dos correios. Dois ou três minutos após, eles
saíram precipitadamente e entraram no carro, o qual abandonaram em local não
muito distante de lá.
(6º) Eles foram à floresta, onde estava estacionado o outro carro e
embarcaram no mesmo. Seguindo até a estação de Orry-la-Ville.
Lá, G... e B... desceram e H... retornou a Villiers-le-Bel.
(7º) Por volta de 18,15h, G… B… e H… se reuniram na casa de G... para
dividir o dinheiro.
ÀS 17,00h, os investigadores se dirigiram a Gonesse e, com a participação
dessa Brigada, se dirigiram à casa de G...., o qual não estava.
Conforme o testemunho dos vizinhos, ele não fora visto após o meio dia de 17
jan. Uma vigilância discreta sobre seu domicilio foi mantida pelos investigadores até
às 21,00h; depois
pelos
militares da Brigada de Genesse e da Brigada de
Investigações de Montmorency-95.
Foi difundido um pedido de busca referente a G... e B...
Em 19 jan, às 11,00h, H... foi apresentado ao “Ministério Público”e recolhido à
cadeia de Compiégne.
Uma carta-precatória expressa foi imediatamente enviada ao Juiz de
instrução para prosseguimento do inquérito.
Como B... tinha um avô em Béthisg-Saint-Pierre-60, a Brigada de Verberie
dirigiu-se ao seu domicílio em 19 jan, onde conseguiu localizá-lo.
B... foi conduzido pelos investigadores. Ele afirmava não conhecer H...
Como resultado de uma busca minuciosa, foi encontrada a soma de 160,90
Francos. Ele admitiu a mesma provinha de um roubo à mão armada, cometido em
Orry-la-Ville, em companhia de H... e de G...
47
Em virtude do Art. 105 do Código de Processo Penal, seu interrogatório foi
interrompido.
Às 17,00h, a Brigada de Gonesse avisou que G... acabara de chegar em seu
domicílio. Os investigadores seguiram para o local e procederam a uma busca, que
levou à descoberta de duas carabinas modificadas ( tendo o aspecto de pistolasmetralhadoras, podendo disparar rajadas), de uma soma de 1.450 Francos, de uma
pistola de alarme, de 46 cartuchos 22 L.R., de um caderno ( no qual figurava uma
inscrição relativa à utilização de um veículo e a uma partilha, provando que a ação
tinha sido preparada), de um saco de viagem, no qual foi encontrado, sobre um
papel, o selo da agência de correios de OrrY-la-Ville, com data de 17 jan 69.
Durante seu interrogatório, G... reconheceu que os objetos e valores
descobertos em seu domicílio eram ligados ao roubo a mão armada de 17 jan. em
Orry-la-Ville, a bordo de um veículo “ID 19”de cor azul, roubado em Villers-la-Bel em
13 jan. e que esse roubo fora cometido em companhia de B... e H...
Em virtude do Art. 105 do CPP, seu interrogatório foi interrompido.
Em 20 de jan., às 16,00h G...e B... foram apresentados ao Juiz de Instrução e
recolhidos à cadeia de Compiégne.
Um outro roubo a mão armada, cometido em Oise há algum tempo foi
solucionado ao mesmo tempo: Os indivíduos foram reconhecidos.
Ensinamentos:
Se, em 72 horas, o inquérito foi encerrado e os autores presos, é necessário
frisar que o rápido resultado é devido:
(1º) À presença de espírito e ao sentido de observação de dois empregados
da SNCF, que tiveram a intuição de anotar as placas de dois veículos que lhes
pareceram suspeitos;
(2º) À estreita colaboração entre as diversas Brigadas que se situam em
Vald’Oise;
(3º) À rapidez de execução em conjunto do pessoal interessado na missão e
ao seu desejo de bem cumpri-la.
48
COMENTÁRIOS AO ESTUDO DE CASO
A “Gerdarmerie” é uma Força Pública Nacional, que, segundo antiga lei
Francesa, foi “instituída para velar pela Segurança Pública e para
assegurar a
manutenção da ordem e a execução das leis”. Sua ação se exerce sobre toda
extensão do Território da França, contudo sua atuação de polícia se faz com maior
intensidade no interior francês e nas rodovias. Na região de Paris predomina a ação
de outra organização policial.
A “Gendarmerie” em muito se assemelha a nossa Polícia Militar. Contudo, tem
o caráter mais militar, constituindo-se numa arma do Exército Francês, vinculando-se
diretamente ao Ministério da Defesa. Sem embargo disso, executa a atividade
policial plena, isto é, a polícia de patrulhas e a polícia de investigação.
A organização básica da Gendarmerie no interior é a BRIGADA (compara-se
ao nosso destacamento de Polícia Militar). O escalão acima é a companhia. A
“Gendarmerie Departamentale” -
o grupamento – tem similitude com a nossa
Organização Batalhão.
Feitas estas ligeira explicações, reportemo-nos ao “Estudo de caso”. Vimos a
descrição de um roubo com a agravante de o emprego de arma de fogo,
configurando-se o chamado “assalto à mão armada”, figura delituosa prevista no
Código Penal Brasileiro – Art, 157 § 2º .
A Brigada de Chantilly agiu rápido comunicando ao escalão superior ( Cia de
Senlis) . Esta assumiu as investigações e adotou as medidas táticas aconselháveis (
bloqueio e vasculhamento com patrulhas), além de alerta às regiões limítrofes. Em
três dias, o inquérito, concluído com apreensão das armas, produto do roubo e
prisão dos delinqüentes.
Temos, ai, o exemplo da eficiência e eficácia na ação policial.
Na França, isto é possível. O Sistema Policial vigorante naquele país é bem
diferente do nosso. Ele enseja uma polícia rápida, dinâmica e lépida. No Brasil,
estamos atrelados a arcaicos conceitos d Polícia Judiciária; a pouca flexibilidaden
legal do Ministério Público; a distante e lenta instrução criminal. Naquele país, e de
resto nos países mais adiantados, o que existe é a unicidade de ação policial como
no caso descrito a Gendarmerie recebeu a notícia do fato e, incontinenti, adotou
49
todas as medidas policiais cabíveis, inclusive a investigação.
O inquérito é
sumaríssimo – praticamente um processo verbal – e o Ministério Público tem papel
preponderante. Na verdade, a atividade de polícia Judiciária subordina-se ao
Procurador da República (Promotor de Justiça). Não existe a figura do Delegado de
Polícia na cidade ( cantão ou vila); quando exercita a investigação policial (polícia
judiciária), desenvolve a atividade como auxiliar e sob a supervisão do representante
do Ministério Público (procurador). Caracterizada a materialidade e autoria do delito,
a prisão provisória do delinqüente faz-se sob a égide do Ministério Público, e a
investigação criminal prossegue de plano sob a direção do Juiz de Instrução.
Diríamos, sem qualquer receio, que o modelo francês é excelente para o
Brasil, mormente nos dias atuais, em que o Governo se preocupa em conter a
escalada da violência e da criminalidade, estaria na hora dos nossos legisladores
introduzirem modificações substanciais no
Processo Penal e na Organização
Policial.
AUTOR: Cap Lannier (gendarmerie Nationale-França, 1970); Trad. COSTA,
A.L.C.; Comentado por Klinger Sobreira de Almeida, Cel PMMG. Roubo a mão
armada em Orry-La-Ville (Oise) O Alferes, Belo Horizonte, n.04, 198?
50
ANEXO 3
ERROS HISTÓRICOS
Embora nos intitulemos latino-americanos, há que se fazer uma distinção
entre a formação histórica, social e política da América Espanhola e da América
Portuguesa.
Há um século e meio atrás, aléxis de Toqueville, no fim do primeiro volume de
sua obra monumental – De la Démocratie em Amérique – sobre a democracia norteamericana, que ele fora conhecer numa viagem que durou três anos especulando
sobre o futuro das relações entre os Estados Unidos e a América do Sul, escrevia
estas palavras: “Os espanhóis e os portugueses fundaram na América do Sul
grandes colônias, que, depois se tornaram impérios. A Guerra Civil e o despotismo
assolam, hoje, essas vastas regiões... Mas não será sempre assim... A Europa,
entregue a ela mesma, conseguiu por seus próprios esforços, sair das trevas da
Idade Média. A América do Sul é cristã como nós; ela possui nossas leis e nossos
costumes; ela encerra todos os germes de civilização que se desenvolveram no seio
das nações européias e de seus rebentos. A América do Sul tem, além do mais, o
nosso exemplo: por que continuaria ela bárbara para sempre? Trata-se
evidentemente, aqui, apenas de uma questão de tempo; uma época mais ou menos
distante virá, sem dúvida, em que os sul-americanos formarão nações florescentes e
esclarecidas”.
Cento e cinquenta anos depois, tentando explicar por que a profecia de
Tocqueville até agora não foi plenamente confirmada, o escritor mexicano Octávio
Paz, em artigo publicado no suplemento Cultural, do jornal O Estado de São Paulo,
de 21 de novembro de 1982, escreveu estas observações: “Os latino-americanos
falam espanhol ou português; somos ou fomos cristãos; nossos costumes,
instituições, artes e literatura descendem diretamente dos da Europa e Portugal. Por
tudo isso, somos um extremo americano do Ocidente; o outro é o Estados Unidos e
o Canadá. Mas, tão logo afirmamos ser um prolongamento ultramarino da Europa,
saltam aos olhos as diferenças. São elas numerosas e acima de tudo decisivas.”
A análise de Octávio Paz, lúcida e brilhante, enfoca principalmente as
dessemelhanças que se foram acentuando depois do desaparecimento de
Tocqueville.Talvez porque fosse impossível prever, no seu tempo, todos os fatos
51
que iriam influir na evolução das nações que tinham em comum apenas a época do
nascimento, a vizinhança geográfica, as raízes religiosas comuns e as origens
político-culturais semelhantes ou, pelo menos, aparentadas.
Octávio Paz prossegue dizendo que “nossos intelectuais abraçaram
sucessivamente o liberalismo, o positivismo e, o Marxismo-leninismo; em quase
todas elas, porém, sem distinção de filosofias, não é difícil advertir, ocultas mas
ainda vivas, as atitudes psicológicas e morais dos antigo campeões da neoescolástica. Paradoxal modernidade: as idéias são de hoje, as atitudes são de
ontem. Seus avós juravam em nome de São Tomás, eles, em nome de Marx, mas
para uns e outros a razão é uma arma a serviço de uma verdade com maiúscula. A
missão do intelectual é defende-la. Têm uma idéia polêmica e combativa da cultura e
do pensamento: são cruzados. Assim, perpetuou-se em nossas terras uma tradição
intelectual que pouco respeita a opinião alheia, que prefere as idéias à realidade e
os sistemas intelectuais a critica dos sistemas”.
O fruto político dessa – digamos assim – deformação cultural, ainda não
conseguimos digeri-lo até hoje: “Com a queda do Império Espanhol”, diz Octávio
Paz, “o poder se concentrou em dois grupos: o econômico nas oligarquias nativas e
o político nos militares. As oligarquias eram impotentes para governar em nome
próprio”.
“Sob o regime espanhol”, porque ele, ä sociedade civil, longe de crescer e
desenvolver-se como no resto do Ocidente, viveu à sombra do Estado. A realidade
central de nossos países, como na Espanha, tem sido o sistema patrimonialista.
Nesse sistema, o chefe de governo – o príncipe ou vice-rei, caudilho ou presidente –
dirige o Estado e a nação como uma extensão de seu patrimônio particular, isto é,
como se fosse sua casa”.
Daí o início da caracterização da formação social e política da América Latina.
Os direitos e garantias individuais de seus cidadãos em nada representa ante a
prepotência, a onipresença e o paternalismo do Estado.
Octávio Paz refere-se mais especificamente, é claro, à América Espanhola. O
caso do Brasil tem peculiaridades, que ele mesmo reconhece de passagem, que o
tornam, talvez, menos sombrio quando o que temos em mente é analisar as razões
52
que nos deixaram tão distantes do mundo ocidental, plenamente desenvolvido,
política, social e economicamente.
O que se ajusta perfeitamente ao quadro brasileiro, na análise de Octávio
Paz, é o que ele diz sobre a herança cultural da América Latina, que determinou o
comportamento de nossos intelectuais e, conseqüentemente, de muitas de nossas
lideranças políticas até hoje.
A diferença maior e até fundamental está no plano da evolução política,
embora tenha existido sempre o traço comum do Estado patrimonialista
(paternalista). O que se fiz sobre a queda do Império Espanhol não é válido para a
queda do Império Português que, no Brasil, transmudou-se tranqüilamente em
Império Brasileiro.
Quase setenta anos de regime imperial foram suficientes para a formação de
uma elite política, que sobreviveu durante a Primeira República, e que foi
suficientemente potente para governar em nome próprio, ainda que com certo grau d
paternalismo. Aqui, enquanto o caudilhismo militaresco avassalava nossos vizinhos
hispano-americanos, tínhamos um regime de estilo europeu. A época que foi para os
argentinos a do auge da luta entre civilização e barbárie – com o prevalecimento
desta -, a época de Facundo Quiroga e de Rosas, foi à época de Dom Pedro II no
Brasil. Nossos militares só entraram mais diretamente no jogo político –
desprezando-se o chamado período da “República da Espada” (Deodoro e Floriano)
– na década de 20, e como fator decisivo da desestabilização da elite política que,
com as raízes plantadas no Segundo Império, dominou toda a Primeira República.
Mas o Estado paternalista não existiu apenas sob o regime imperial e sob a
Primeira República. O progressismo dos tenentes que levaram o país à Revolução
de 30, foi traído pelo único caudilho do tipo hispano-americano que chegou ao poder
federal no Brasil, Getúlio Vargas, que, com o seu populismo, só contribuiu para
acentuar ainda mais o estilo paternalista. É verdade que os problemas que ele
enfrentou exigiam mudanças radicais. Mas a maneira como ele as empregou em
nada se diferenciava daquela adotada pelo caudilhismo militaresco e revolucionário
que ensangüentou e atrasou consideravelmente a América Espanhola. Com sua
prolongada presença na liderança do jogo político nacional, Vargas conseguiu
reduzir sensivelmente aquilo que nos vinha diferenciando, no sentido positivo, do
53
resto da América Latina. Perdemos grande parte da vantagem que conquistáramos
no período imperial e na Primeira República, no esforço para anular as diferenças
do prolongamento ultramarino da Europa, na luta entre civilização e barbárie.
A configuração político-ideológica do mundo que emergiu da Segunda Guerra
Mundial e mais o trabalho que essa configuração facilitou enormemente , dos nossos
intelectuais, foram outros fatores que contribuíram para reduzir ainda mais nossa
vantagem. As forças da barbárie ganharam novo impulso, enquanto as da civilização
passaram para a defensiva.
Estados Unidos e União Soviética saíram da guerra como vencedores e
lotearam o mundo. O primeiro expandia seus tentáculos em busca de riquezas e
dominação para a manutenção de sua política externa dominadora, enquanto a
segunda procurava a todo custo exportar a sua revolução. Todos os países
subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento tiveram suas pretensões tolhidas
ou, no mínimo, seriamente comprometidas com a intromissão desses dois grandes.
Os resultado foi que, nos países prevaleceu a dominação americana, as suas
riquezas foram e têm sido exploradas indiscriminadamente pela sanha
de
dominação dos norte-americanos, ao mesmo tempo em que se tem exportado para
esses países os costumes, artes, moda e até mesmo a língua dos EUA , anulando
em muito a formação cultural nativa e colocando em segundo plano o seu
desenvolvimento social e político.
Já nos países onde a influência soviética conseguiu penetrar, ainda que em
confronto com os interesses americanos, o que ocorreu foi uma forte repressão por
parte das forças governamentais desses países, ante a pressão dos Estados
Unidos, sempre lutando por seus interesses. Os direitos e garantias individuais
nunca representaram nada para as ditaduras latino-americanas.
Em contra-partida, a esquerda, então florescente, acenava com a libertação
do imperialismo americano, mas com outra fórmula ainda mais tirânica no que se
relaciona aos direitos e garantias individuais dos cidadãos, ou seja, a anulação pura
e simples da liberdade individual e da livre-iniciativa para delegar plenos poderes ao
Estado, que passaria a reger a vida de tudo e de todos.
54
Exemplo disso é que nos países onde a influência soviética triunfou, como
Cuba ou mais recentemente a Nicarágua, os direitos e garantias individuais de seus
cidadãos praticamente não existem.
Ante esse novo quadro, passou o nosso país a viver um drama que cada vez
mais vem dificultando o nosso desenvolvimento político. De um lado, as corrente
estatizantes e partidárias de uma maior ação do Estado na vida dos cidadãos, em
confronto com outra corrente que não difere muito da primeira, só que com uma
opção mais à esquerda. Os liberais e partidários de uma filosofia mais aberta, onde
o Estado não teria uma intromissão maior na vida do cidadão, mas apenas atuando
como árbitro capaz de estabelecer um justo equilíbrio na sociedade, através da
aplicação da lei, da manutenção da ordem e segurança da comunidade e obediência
aos poderes constituídos, são cada vez menor, infelizmente.
Assim sendo, com a mentalidade de um Estado paternalista, passa-se a
esperar tudo do Estado, como se ele fosse o único culpado pelas nossas frustrações
e o responsável direto pela nossa felicidade. Sob esse clima, a lei sofre constantes
desvirtuamentos e começa-se a criar os problemas da população através de leis
positivas, simplesmente. Habitação, alimentação, transportes, educação e até
mesmo lazer e diversão são objetos de “leis”, enquanto a verdade lei é
desobedecida todos os dias sem que se possa fazer nada, uma vez que o Poder
Judiciário, árbitro indispensável em todas as democracias verdadeiras, não pode ter
uma atuação mais dinâmica, pois passa a ser visto como um Poder de segunda
classe, e nunca como o único Poder capaz de manter a sociedade sob um clima da
justiça e harmonia.
Hoje, infelizmente, o povo brasileiro está tão condicionado, psicologicamente,
a aceitar o Estado paternalista – que se assemelha cada vez mais ao Estado
totalitário – quanto qualquer outro povo latino-americano, como descreve Ruy
mesquita em seu artigo “Não nos Resignarmos à passividade do objeto” publicado
no Jornal O Estado de São Paulo, 5 de dezembro de 1982. p.6
“Não tivemos a sorte do povo norte-americano, cujos intelectuais, ao longo de
toda a sua História, nunca se afastaram sensivelmente da área do liberalismo. Os
nossos, dele evoluíram para o positivismo e, depois, para um marxismo mal digerido,
já relegado ao esquecimento em todo o mundo democrático desenvolvido, mas que
55
aqui mantém raízes até dentro do próprio aparelho estatal, apesar do rótulo de
direitista pregado pelo regime.”
A nossa crise social no que se relaciona à manutenção da ordem pública e
segurança individual dos cidadãos possui, como já vimos, raízes históricas
profundas. Em todo o nosso processo de desenvolvimento social e político, os
direitos civis nunca tiveram muita importância. Aprendemos a viver sem eles e,
agora quando estamos dando os primeiros passos rumo a uma sociedade
desenvolvida, estamos sofrendo o trauma de uma criminalidade crescente, sem que
saibamos o que
fazer exatamente. Falta-nos, como já disse, tradição. A nossa
estrutura judiciária não está e nunca esteve em condições de atender aos reclamos
da população pelos seus direitos, pela sua vida, pela sua propriedade. Por outro
lado, a polícia sempre foi apenas um instrumento do poder, sempre manipulada
pelos poderosos do momento.
Passamos, mais uma vez, a palavra a Aléxis de Tocqueville que, tratando do
fenômeno semelhante surgido em sua época, já definia, com impressionante
clarividência, a diferença fundamental entre a democracia norte-americana e a
democracia que nascera da Revolução Francesa. “... O que acabo de dizer nos faz
compreender bem porque o poder social deve ser cada vez mais forte e o indivíduo
cada vez mais fraco entre um povo que chegou à igualdade através de um longo e
penoso trabalho social ( Revolução Francesa) do que uma sociedade democrática
(Revolução Americana) onde, desde a origem os cidadãos sempre foram iguais. É o
que o exemplo dos americanos acaba de provar... O destino dos americanos é
singular: eles emprestaram da Inglaterra a idéia dos direitos individuais e das
liberdades locais; e puderam conservar uma e outro, porque nunca tiveram que
combater uma aristocracia.”
Essa a diferença fundamental que marcou as democracias européias na sua
fase inicial e a norte-americana: para o norte-americano, até hoje, o Estado
representa um instrumento de defesa do direito individual de cada cidadão ou grupo
de cidadãos que têm plena consciência do seu poder de contrata-lo e de fazer o seu
interesse individual ou de grupo ser zelado por ele. Já o moderno Estado
democrático europeu, nascido da Revolução Francesa, assumiu, desde sua origem,
56
o caráter de um poder supremo, destinado a sobrepor-se aos poderes dos diversos
grupos sociais, contendo os mais fortes em proteção aos mais fracos.
Tocqueville define, assim, a preocupação que lhe causava essa concepção
do Estado que, para ele, encerrava o germe de novos despotismos: “nossos
contemporâneos são, incessantemente, trabalhados por duas paixões inimigas: eles
sentem a necessidade de ser conduzidos e o desejo de permanecer livres.”Para
conciliar esses dois impulsos, “eles imaginam um poder único, tutelar, todopoderoso, mas eleito pelos cidadãos. Eles combinam a centralização e a soberania
do povo” ... “Eles se consolam em estar sob tutela, sonhando que eles mesmos
escolheram seus tutores...”.
A nossa evolução cultural levou-nos a esse mesmo condicionamento
psicológico, a que se referia Tocqueville já 140 anos.
O modelo de democracia que nós, e os latino-americanos em geral,
procuramos implantar – ainda sem muito sucesso – se assemelha mais àquele que
tem suas raízes plantadas na Revolução Francesa. Aquele em que a igualdade,
com todas as suas conotações utópicas, prevalece avassaladoramente sobre a
liberdade. Aquela igualdade que se dilui na onipotência do Estado.
O Estado surge, para os povos latino-americanos, como o poder onipresente
e onipotente, destinado a esmagar qualquer outro poder que possa existir dentro da
sociedade e não como o poder delegado, que é a emanação de todos os poderes
sociais e cuja função precípua é manter um equilíbrio justo entre todos eles.
Essa é a grande realidade. O nosso povo, depois de pedir e reclamar do
governo uma porção de providências que, à luz da democracia, a ele não competia
atender, passou agora a reclamar do Estado aquilo que de primordial lhe compete: a
segurança coletiva e individual.
Nossas autoridades judiciárias, nossos medalhões da judicatura, nossos
magistrados e administradores
da Segurança Pública vivem, infelizmente, de
filosofias. Vivem distantes dos fatos e da realidade, vivem de ideais simplesmente. E
de tanto filosofarem, acabam sempre,
não raro sob a influência de modelos
estrangeiros, cometendo algumas distorções filosóficas.
SOARES, Plácido.Segurança pública questionada. Curitiba: Publicação
para todos, 1987. p.39/47
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sistema policial brasileiro - Departamento de História