PROJETO EDUCOM. GERAÇÃO CIDADÃ:
A EDUCOMUNICAÇÃO EM AÇÃO.
Carmen Lúcia M. Elias Gattás
Mestre em Filosofia pela PUC-SP
Professora da FAMEC
Pesquisadora do NCE/ECA/USP
Maria Salete Prado Soares
Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP
Pesquisadora do NCE/ECA/USP
Resumo: A prática educomunicativa tem-se mostrado capaz de
responder a alguns dos problemas enfrentados pela educação através
da valorização da dimensão comunicacional da prática educativa.
Dentro do projeto Geração Cidadã, o NCE – Núcleo de Comunicação e
Educação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo – implementou as atividades relativas ao Módulo Básico,
atendendo 2000 jovens “em situação de vulnerabilidade pessoal e
risco social”, fomentando entre eles o debate sobre valores humanos,
ética e cidadania, educação ambiental e empreendedorismo e
promovendo o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades de
comunicação indispensáveis à inserção dos jovens no mundo do
trabalho. O presente trabalho apresenta um primeiro balanço parcial
sobre o significado teórico e prático dessa experiência.
Palavras-chave: Educomunicação, jovens de periferia, trabalho,
cidadania.
Abstract: The practice of educommunication has been proving itself
as effective to face some of the problems of education through the
valorization of the communicational dimension of educational
practices. The NCE (Group of Communication and Education of the
Faculty of Communication and Arts of the University of São Paulo)
implanted the activities of the Basic Module of the Geração Cidadã
(“Citizen Generation”) Project to 2000 youth “in situation of personal
vulnerability and social risk”, encouraging them to debate about
human values, ethics and citizenhood, environmental education and
enterprising, and promoting the development of communicational
knowledge and habilities which are essential on the youth’s quest for
employment. This paper brings a first partial valuation about the
theoretical and practical meaning of this experience.
Keywords:
citizenhood.
Educommunication,
outskirts
youth,
employment,
Introdução
Há um novo olhar sobre a educação que tem despertado a
atenção no mundo acadêmico. A prática educomunicativa está se
firmando como resposta aos impasses existentes na educação. Com
pouco recurso financeiro, a Educomunicação tem encontrado
caminhos para destravar os nós da educação, dentro de uma
perspectiva dialógica e interdisciplinar.
O presente texto tem por finalidade expor o contexto e o processo
do Módulo Básico do Projeto Educom.GeraçãoCidadã,
desenvolvido pelo NCE – Núcleo de Comunicação e Educação da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, em
parceria com o Consórcio Social da Juventude, no município do Embu
das Artes, entre 20 de dezembro de 2005 e 16 de março de 2006.
O projeto é parte do Programa Primeiro Emprego (PPE) do
Ministério do Trabalho que atua em diversos municípios do Brasil por
intermédio dos Consórcios Sociais da Juventude. Ele se destina a
jovens cujas precárias condições socioeconômicas prejudicam o
acesso ao mercado de trabalho e findam por colocá-los “em situação
de vulnerabilidade pessoal e risco social” 1
O programa Geração Cidadã, na sua totalidade, compunha-se de
400 horas, sendo que 200 horas (relativas ao Módulo Básico) estavam
sob responsabilidade do NCE/ECA/USP (Educom.GeraçãoCidadã).
Outras 200 horas relacionavam-se a cursos e oficinas de
profissionalização, a cargo de outras entidades. Além disso, os alunos
prestavam serviços comunitários e tinham direito ao recebimento de
uma bolsa de R$ 120,00 por mês. Ao final do curso, a expectativa é
de inserir os jovens no mercado de trabalho.
1
Dados obtidos no site do Mistério do Trabalho e Emprego: Cf. http://www.mte.gov.br
(acesso em 30/03/2006).
A parte da formação básica a cargo do NCE/ECA/USP teve
como supervisor-geral o Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares e
coordenação geral da profª Patrícia Horta. Além disso, contou com
três coordenadores para a execução dos trabalhos de área: Robson
Braga, Maria da Graça Mattar e Ana Maria Marotto e 51 mediadores
representados por profissionais da Educomunicação, que orientavam
diretamente os jovens, divididos em 45 turmas de aproximadamente
45 alunos, atendidos em salas de aula ou em laboratórios, nos
períodos matutino, vespertino e noturno.
No Consórcio Social da Juventude de Embu das Artes foram
inscritos cerca de 2.000 jovens entre 16 a 24 anos de idade, oriundos
dos municípios de Embu das Artes, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra,
Juquitiba, São Lourenço da Serra e Taboão da Serra.
O
conceito
basilar
que
fundamentou
o
Educom.GeraçãoCidadã foi o da Educomunição, cujas premissas
referem-se ao “conjunto das ações voltadas para a criação de
ecossistemas comunicativos abertos e criativos em espaços
educativos, favorecedores tanto de relações dialógicas entre pessoas
e grupos humanos quanto de uma apropriação criativa dos recursos
da informação nos processos de produção da cultura e da construção
e difusão do conhecimento.” 2
Perfil do público: jovens da periferia
2
SOARES, Ismar de Oliveira. Comunicação/Educação: a emergência de um novo campo e o perfil dos
profissionais. In: Contato: Revista Brasileira de Comunicação , Arte e Educação. Brasília: UNB no 2,
jan/mar 1999.
Alijados das condições ideais para obter uma boa formação que
lhes permita disputar lugares no mercado de trabalho, jovens em
situação socioeconômica desprivilegiada acabam empregando sua
energia na via mais primária, a da subsistência. A soma das
condições inadequadas, como moradia, distância do centro, alto
índice de criminalidade, dificuldade de acesso e oportunidade de
trabalho, baixa condição socioeconômica, aliava-se a outras
condições desfavorecedoras de âmbito individual, tais como jovens
com retardo e outros problemas mentais, portadores de necessidades
especiais, afro-descendentes e quilombolas, trabalhadores rurais,
indígenas, egressos de unidades sócio-educativas, em conflito com a
lei, envolvimento com drogas, desajustes sexuais e jovens mães. Este
era o perfil dos jovens que formaram o público do projeto Geração
Cidadã em Embu das Artes.
A falta de oportunidades oferecidas a estes jovens traz sérias
conseqüências em vários âmbitos, colabora, entre outras coisas, para
diminuição do sentimento de cidadania, de pertencimento e a
marginalidade e ilegalidade surgem como vias de reconhecimento.
Apesar das condições adversas enfrentadas, não há apatia do
jovem e sim falta de um canal adequado para participação na
sociedade.
Nesse sentido, a Educomunicação, tendo como proposta de
criação o fortalecimento de ecossistemas comunicativos, presenciais
ou virtuais, apresentou-se como um caminho viável a ser percorrido
na busca de inserção daquele jovem na sociedade. A valorização de
sua expressão, com a formação de comunidades voltadas para a
construção e exercício da cidadania, resultou na melhora do
coeficiente comunicativo das ações humanas, no sentido de buscar
soluções para alguns dos problemas sociais.
Cidadania, comunicação e educação: Educomunicação.
Nesse contexto marcado pela desigualdade e exclusão sociais, a
educação que se deseja é centrada em valores que assegurem
autonomia ao indivíduo, voltada para o desenvolvimento de uma
visão crítica e criativa e pressupõe construção de cidadania,
desenvolvimento da consciência e da comunicação, o reconhecimento
do outro, das diferenças, dentro de uma visão de totalidade, que
integre os vários níveis de conhecimento e de expressão: o sensorial,
o intuitivo, o afetivo e o racional. A educação passa, assim, por todas
as dimensões do ser humano para que este construa sua identidade .
A prática educomunicativa vê na educação e na comunicação um
espaço de discussão e cidadania, que assume posição estratégica de
resistência frente aos “mecanismos perversos da globalização”3 e que
é fator importante para promover o acesso dos excluídos e fomentar
o reconhecimento do cidadão. Não bastam a apreensão de
conhecimentos e saberes específicos voltados para vida profissional,
é preciso que cada ser humano possa exercitar seus direitos civis,
políticos e sociais, ou seja, direitos de cidadania.
A Educomunicação está dentro dos princípios elaborados pela
UNESCO, conhecido como “Relatório Delors”, em que a educação é
vista como aprendizagem que gira em torno do verbo “aprender” e
não do “ensinar” e cujos pilares são: aprender a conhecer, isto é,
adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para
poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim
de participar e cooperar com os outros em todas as atividades
humanas; finalmente, aprender a ser, via essencial que integra as
três precedentes.4
Um desafio atual, é a apropriação das tecnologias da comunicação
e educação pela maioria dos cidadãos. A privação por que passa uma
parcela da população reforça a divisão social e o fosso cultural e
político, já que apenas alguns têm facilidade de acesso às novas
linguagens e aos meios de comunicação, enquanto a maioria fica
excluída do competitivo espaço profissional.
Educomunicação em ação
3
GOHN, Maria da Glória. Educação Não-Formal e cultura política. São Paulo, Cortez,
1999.
4
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1999.
O projeto desenvolvido pelo NCE/ECA/USP tinha como meta
preparar os jovens para o trabalho por meio da gestão
educomunicativa, através de uma relação participativa e expressiva,
fazendo uso de linguagens midiáticas.
O projeto foi dividido em 11 semanas, cada semana em três dias.
O primeiro dia de cada semana era dedicado a um workshop
temático; o segundo dia era centralizado na elaboração de blog e o
terceiro no rádio, o que levava o jovem a exprimir-se em linguagem
oral, escrita, radiofônica, imagética, entre outras.
As palestras do primeiro dia, apresentadas por equipe de
profissionais de diversas áreas, abrangiam temas variados:
Educomunicação,
Jovens
e
Mídia,
Diversidade
Cultural,
Democratização da Comunicação, Ética e Cidadania, Meio Ambiente e
Promoção de Saúde, Trabalho e Empreendedorismo. Eram seguidas
de intensas atividades em sala e culminavam em variada produção
dos alunos: textos escritos, confecção de cartazes, encenação, jogos,
debates e discussões orais.
O segundo dia era dedicado às atividades referentes à prática de
recursos digitais, no laboratório de informática, para elaboração de
um blog do grupo. Eram 50 minutos por semana para desenvolver, no
computador, as atividades propostas pelos mediadores e previamente
delineadas em sala. Dispunham de 4 laboratórios, com dois
mediadores cada. Aprenderam o que é a internet; a criar e a utilizar
e-mail; a pesquisar e buscar informações confiáveis na rede; a criar,
postar e gerir o blog, bem como interagir com os demais grupos via
blog. Aprenderam, também, a organizar-se para que, naquele curto
espaço de tempo, fosse possível terminar as
postagens
programadas.
Além dessas atividades, cada aluno elaborou seu currículo e pôde
inserir a formatação que julgava adequada. Vencidas as dificuldades
iniciais para compreender o conceito de rede e as características
próprias dos ambientes virtuais e de trabalho em grupo, a partir da
metade do curso, os alunos já mostravam autonomia, desembaraço e
curiosidade. De simples receptores passivos de informação,
começaram a solicitar ajuda para questões cada vez mais complexas,
tanto no nível técnico quanto no conteúdo. Era nítida a satisfação com
que desenvolviam as atividades de
expressão, comprovada
posteriormente pelo resultado de uma pesquisa realizada ao final do
projeto que apontou a preferência pela internet.
No terceiro dia eram desenvolvidos os programas de rádio. A
temática, trabalhada nos dias de workshop e blog, ajudavam a
incentivar os cursistas a diversificarem e experimentarem novos
formatos, linguagens e diferentes recursos da mídia radiofônica. Eram
feitos exercícios de sons, de sonoplastia e experimentava-se formatos
e gêneros diversos: humorístico, rádio-novela, noticiário jornalístico,
jingles, spots, etc.
A metodologia utilizada para a construção dos programas de rádio
obedecia a 5 etapas da produção: na pauta discutia-se o tema, o
gênero do programa, os recursos necessários, a divisão de tarefas, o
rigor do tempo estipulado (os programas duravam 2 minutos), o que
constituía um excelente exercício de planejamento; na produção
procuravam-se efeitos sonoros e as músicas que complementariam,
além de escolher nome e colocar a claquete; na apresentação, cada
grupo mostrava seu programa para os colegas; na avaliação,
buscava-se, por meio de um processo dialético, chegar a um
consenso, após uma negociação com o ponto de vista de todos. Não
se pretendiam conclusões definitivas, pois se referia ao momento da
realização da produção radiofônica; na implementação os
programas eram editados. Neste projeto, os programas eram
gravados com gravadores de mão, e posteriormente, alguns foram
editados no laboratório de rádio.
Conclusão
A Educomunicação mostrou-se como um caminho viável para
melhorar o perfil destes jovens e inserí-los no mercado de trabalho.
Desenvolveu habilidades em diferentes linguagens e melhorou a
capacidade de expressão, de relacionamento e de posicionamento
deles. Aprenderam a organizarem-se em grupo. Muitos, ao sentiramse reconhecidos, descobriram potencialidades adormecidas, alguns
elaboraram propostas de intervenção para melhoria do meio onde
vivem.
Uma das jovens deixou o depoimento: “Hoje criamos uma
programa de rádio sobre entrevistas de emprego. O grupo Ação
Jovem está cada vez mais unido, e procuramos fazer com que todos
os integrantes do grupo participem. O trabalho em grupo é
importante. Tenho gostado dos temas trabalhados. Já tenho sentido
diferenças no meu jeito, tenho me expressado melhor, falado com
mais segurança. Sinto que as coisas só têm melhorado.)” Èrica Novais
Souto, Embu, 06/02/2006.
Dados Bibliográficos
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo:
Cortez, 1999;
GOHN, Maria da Glória. Educação Não-Formal e cultura política. São
Paulo, Cortez, 1999;
IBASE & POLIS. Juventude Brasileira e Democracia:participação,
esferas e políticas públicas. Rio de Janeiro: IBASE, 1999.
Disponível em:
[http://www.ibase.br/pubibase/media/ibase_relatorio_juventude.pdf];
LEONELLI, Vera. (org). ABC Direitos Humanos. Unicef. Projeto Axé.
2002. Salvador/BA. p.23;
SOARES, Ismar de Oliveira. Comunicação/Educação: a emergência de
um novo campo e o perfil dos profissionais. In: Contato: Revista
Brasileira de Comunicação , Arte e Educação. Brasília: UNB no 2,
jan/mar 1999;
._____________. Metodologias da Educação para Comunicação e Gestão
comunicativa no Brasil e na América Latina. BACCEGA, M. Aparecida
(org.) Gestão de Processos Comunicionais. São Paulo: Atlas,
2002;
T. H. Marshall . Cidadania , Classe Social e Status ( Rio de
Janeiro: Zahar Editores , 1967) - capítulo III .
Sites:
http://www.embu.sp.gov.br/noticias/perifecultural2.htm
http://www.mte.gov.br
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