MELHORES POEMAS – CASTRO ALVES Edna Eloi VIDA FUGAZ E INTENSA Biografia - Antônio Frederico de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847, na fazenda Cabaceiras, em Curralinho, hoje Castro Alves, na Bahia. Cursou Humanidades no Ginásio Baiano, onde já recitava seus primeiros poemas. Em 1862, transfere-se para o Recife, a fim de ingressar na Faculdade de Direito. Entusiasmado com as ideias liberais e abolicionistas dos jovens acadêmicos da época, dedica-se à poesia e ao desenho, frequenta os teatros e começa a publicar seus versos na imprensa. Não conseguiu ingressar na faculdade em 1863 (foi reprovado no exame de Geometria). Nesse ano, além de estudar Geometria, publica seus primeiros versos abolicionistas, A Canção do Africano, no jornal acadêmico A Primavera; conhece a atriz portuguesa Eugênia Câmara, dez anos mais velha, por quem viria a se apaixonar, e apresenta os primeiros sinais de tuberculose. Castro Alves entra na Faculdade de Direito em 1864, onde se destaca mais pelos poemas recitados nos teatros e comícios estudantis, muitas vezes de improviso, do que pelo afinco nos estudos. O seu primeiro grande sucesso público acontece no aniversário dos cursos jurídicos, em 11 de agosto de 1865, quando recita O Século no salão de honra da Faculdade. Nesse mesmo mês, começa a preparar o livro Os Escravos. Divide seu tempo entre a poesia libertária, as atividades acadêmicas e Idalina, companheira com quem vive num bairro retirado do Recife. Em 1866, funda, com Rui Barbosa e outros colegas de curso, uma sociedade abolicionista, e lança o jornal de ideias A Luz. Nesse mesmo ano, apaixona-se por Eugênia Câmara e vai morar com ela nos arredores da cidade. Para a amada, traduz peças francesas e compõe o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas. Em 1867, mudam-se para Salvador, onde encenam a peça com grande sucesso. Castro Alves dedica-se a terminar Os Escravos e cria A Cachoeira de Paulo Afonso, poema que será o epílogo do livro. Nesse mesmo ano, escreve Sub Tegmine Fagi e outras poesias. Disposto a terminar o curso de Direito em São Paulo e animado pelo sucesso da peça em Salvador, Castro Alves embarca, na companhia de Eugênia, para o Sul, em fevereiro de 1868. De passagem pelo Rio de Janeiro, lê o seu drama e algumas poesias a José de Alencar, que depois o apresenta a Machado de Assis. Ambos ficam impressionados com seu talento e Machado o elogia publicamente no Correio Mercantil. No final de março, já morando em São Paulo, Castro Alves é recebido como um ídolo. Frequenta pouco a Faculdade. Dedica-se a escrever poemas, como As Vozes d'África e Navio Negreiro, recitá-los e preparar a representação do Gonzaga por Joaquim Augusto, o maior ator brasileiro da época, o que viria a se realizar com grande sucesso em outubro. O relacionamento com Eugênia Câmara conturba-se: Eugênia retorna ao palco e as brigas por ciúmes se sucedem. Eugênia o abandona definitivamente em setembro. Angustiado e deprimido, Castro Alves para de ler e escrever, somente passeia e vai à caça, ainda que não dispare nem um tiro. Em 1 de novembro, sai mais uma vez para caçar no Brás, nos arredores da cidade e, ao saltar uma vala, a arma dispara e o tiro acerta-lhe o pé esquerdo. O ferimento infecciona e a tuberculose volta a se manifestar. Em 19 de maio de 1869, embarca para o Rio de Janeiro, onde, no começo de junho, seu pé é amputado, sem anestesia. A convalescença é lenta e dolorosa. Em 25 de novembro, Castro Alves embarca para a Bahia, cercado de amigos e parentes. Durante a viagem, contemplando a esteira de espumas que forma o navio no mar, tem a ideia de reunir seus poemas num livro e lhe chamar Espumas Flutuantes. A conselho médico, em fevereiro de 1870, vai para Curralinho, no sertão baiano e, depois, à fazenda Santa Isabel, no Rosário do Orobó, onde termina Cachoeira de Paulo Afonso. A aparente melhora de saúde o faz retornar a Salvador em setembro. Em outubro, é lançado o livro Espumas Flutuantes. Em janeiro de 1871, ele ainda faz versos, como A Violeta, que dirige à cantora Agnèse Trinci Murri. No entanto, a doença se agrava. No dia 6 de julho de 1871, aos 24 anos, o Poeta dos Escravos morre, junto a uma janela banhada de sol, para onde fora levado em cumprimento do seu último desejo. CONDOREIRISMO Castro Alves foi o principal e mais popular representante do estilo romântico que predominou na poesia brasileira entre 1850 e 1870, denominado condoreiro por Capistrano de Abreu (1853-1927). É caracterizado por uma poesia retórica, repleta de hipérboles e antíteses, em que se destacam os temas sociais e políticos, principalmente a defesa da abolição da escravatura e a apologia da república. Os poetas condoreiros foram influenciados diretamente pela poesia social de Vitor Hugo - o Condoreirismo é o hugoanismo brasileiro. De teor declamativo e pendor social, um de seus símbolos mais frequentes é a imagem do condor dos Andes, pássaro que representa a liberdade da América, o que sugeriu a Capistrano de Abreu a denominação dada ao estilo. A forma mais típica dessa poesia é a décima composta de uma quadra (abab ou abcb) e uma sextilha (ddeffe) de versos heptassílabos, como na poesia O Livro e a América: Por isso na impaciência Desta sede de saber, Como as aves do deserto -As almas buscam beber... Oh! Bendito o que semeia Livros... livros à mão cheia... E manda o povo pensar! O livro caindo n'alma É germe -- que faz a palma, É chuva -- que faz o mar. Outros poetas, como Tobias Barreto (1839-1889), José Bonifácio, o Moço (1827-1886) e Pedro de Calasãs (1837-1874) cultivaram e defenderam o condoreirismo enquanto poesia de tese (científica), pública, política, rimando artigos de fundo de jornal, metrificando manifestos do abolicionismo e proclamações republicanas. ÊNFASE SOCIAL Castro Alves, o maior representante da última geração romântica, diferente dos seus predecessores, como Junqueira Freire e Álvares de Azevedo, projeta o drama interior do escritor (o eu), sua intensa contradição psicológica, sobre o mundo. Enquanto que, para a geração anterior, o conflito faz o escritor voltar-se sobre si mesmo, pois a desarmonia é resultado das lutas internas, para Castro Alves, são as lutas externas (do homem contra a sociedade, do oprimido contra o opressor) que provocam essa desarmonia. É outro modo de representar o conflito entre o bem e o mal, tão prezado pelos românticos. Portanto, a poética deve se identificar profundamente com o ritmo da vida social e expressar o processo de busca da humanidade por redenção, justiça e liberdade. O poeta "condoreiro" tem um papel messiânico e afinado com o seu momento histórico. Esse comprometimento faz a poesia se aproximar do discurso, incorporando a ênfase oratória e a eloquência. Nos poemas de caráter político-social de Castro Alves, como O Livro e a América, Ode ao Dous de Julho e Pedro Ivo, a poesia é suplantada pelo discurso político grandiloquente e até verborrágico. Para atingir o alvo e persuadir o leitor e, muito mais, o ouvinte, o poeta abusa de antíteses e hipérboles e apresenta uma sucessão vertiniginosa de metáforas que procuram traduzir a mesma ideia. A poesia é feita para ser declamada e o exagero das imagens é intencional, deliberado, para reforçar a ideia do poema. Os versos devem ressoar e traduzir o constante movimento de forças antagônicas, como em Ode ao Dous de Julho: Era no dous de julho. A pugna imensa Travara-se nos cerros da Bahia... O anjo da morte pálido cosia Uma vasta mortalha em Pirajá (...) Era o porvir -- em frente do passado, A Liberdade -- em frente à Escravidão, Era a luta das águias -- e do abutre, A revolta do pulso -- contra os ferros, O pugilato da razão -- com os erros, O duelo da treva -- e do clarão!... Resumindo, a poesia social de Castro Alves é caracterizada: pelo discurso retórico, declamativo; uso exagerado de hipérboles e antíteses; acúmulo sucessivo de metáforas; movimento, com o objetivo de demonstrar concretamente o ritmo da luta da humanidade em busca da liberdade; e impressionante capacidade de comunicação. A poesia, portanto, perde terreno para a propaganda política. Pragmático, o poeta usa a poesia para levar o leitor à ação, para transformar e não só para deleitar. Trata-se de uma arte engajada no marketing das ideias sociais e políticas. LÍRICA AMOROSA Castro Alves transformou a poesia lírico-amorosa do romantismo, mudando a concepção temática do amor. Seus poemas, muitas vezes de fundo autobiográfico, destacam-se pelo vigor da paixão, pela intensidade na expressão do sentimento e da experiência amorosa realizada também no plano físico, enquanto desejo e envolvimento sentimental e carnal. Isso o diferencia dos poetas das gerações românticas precedentes, cuja poesia se dirige a uma amada distante, idealizada, intocada e etérea. A amada do poeta é de carne e osso, não é fruto da imaginação adolescente, como para os poetas que o antecederam. A paixão concreta, ardente e fecunda por Eugênia Câmara influenciou sua visão poética do amor. Essa visão pode ser classificada não só como sentimental, mas também como sensual, entendida como uma poesia que apela aos sentidos (sensorial). É desse período o poema O Gondoleiro do Amor, em que a descrição da amada é carregada de uma sensualidade sem precedentes no romantismo brasileiro: Teu seio é vaga dourada Ao tíbio clarão da lua, Que, ao murmúrio das volúpias, Arqueja, palpita nua; Como é doce, em pensamento, Do teu colo no languor Vogar, naufragar, perder-se O Gondoleiro do amor!? A experiência do amor com a atriz inspirou seus mais belos poemas de esperança, euforia, desespero e saudade, como É Tarde. Pela primeira vez, a poesia é motivada pela paixão e pelo envolvimento do poeta, e a dor não se traduz em lamentos e queixas. Seu sentimentalismo amoroso é maduro, adulto, e se realiza em sua plenitude carnal e emocional. Castro Alves transforma a realidade imediata da sua experiência amorosa em criação poética e utiliza-se, para traduzir esse movimento de união entre vida e arte, de metáforas (imagens) ligadas à natureza, como revela o poema Aves de Arribação: É noite! Treme a lâmpada medrosa Velando a longa noite do poeta... Além, sob as cortinas transparentes, Ela dorme, formosa Julieta! Entram pela janela quase aberta Da meia-noite os preguiçosos ventos E a lua beija o seio alvinitente -- Flor que abrira das noites aos relentos. O Poeta trabalha!... A fonte pálida Guarda talvez fatídica tristeza... Que importa? A inspiração lhe acende o verso Tendo por musa -- o amor e a natureza! E como o cactus desabrocha a medo Das noites tropicais na mansa calma, A estrofe entreabre a pétala mimosa Perfumada da essência de sua alma. Resumindo, a poesia lírico-amorosa de Castro Alves, reunida em Melhores poemas, diferencia-se dos românticos anteriores pela visão poética do amor como sentimento plenamente vivenciado e concretizado no plano emocional e no plano físico. O amor é descrito com vigor, desejo e sensualidade, através de metáforas da natureza. A mulher amada é real, de carne e osso e a paixão envolve e motiva o poeta a traduzir o relacionamento amoroso em versos. HERANÇA Em vários poemas de Melhores Poemas, principalmente os de temática existencial, evidencia-se ainda a influência do ultrarromantismo, de seu conterrâneo Junqueira Freire e Álvares de Azevedo. As traduções de Lord Byron, (ao lado das de Vitor Hugo) e algumas das epígrafes das poesias indicam a importância dessa herança no fazer poético de Castro Alves. No entanto, - se na geração do ―mal-doséculo‖, a tônica era o pessimismo, o sentimento de impotência diante da morte iminente, que, muitas vezes, representava uma saída para o tédio da vida -, a visão de Castro Alves da existência é bem diferente: demonstra uma imensa paixão pelo mundo, e a vida é vista com otimismo e prazer. Na verdade, o poeta lamenta deixá-la, quando ameaçado pela doença que o levaria à morte, pois viver é ―glória!‖, ―amor!‖, ―anelos!‖. Enquanto Álvares de Azevedo afirma: ―Eu deixo a vida como deixa o tédio / Do deserto, o poento caminheiro‖, Castro Alves ―retruca‖, no poema Mocidade e Morte, escrito aos 17 anos, após as primeiras manifestações da tuberculose: Oh! Eu quero viver, beber perfumes Na flor silvestre que embalsama os ares (...) Morrer... quando este mundo é um paraíso, E a alma um cisne de douradas plumas: Não! O seio da amante é um lago virgem... Quero boiar à tona das espumas. Para Álvares de Azevedo, a vida é um deserto. Para Castro Alves, um paraíso. Em Quando eu morrer, escrito em março de 1869, pouco antes de falecer, ele repudia a morte, que afasta o morto do calor dos sentimentos da vida: Quando eu morrer... não lancem meu cadáver No fosso de um sombrio cemitério... Odeio o mausoléu que espera o morto Como o viajante desse hotel funéreo (...) Ei-la a nau do sepulcro -- o cemitério... (...) Ali ninguém se firma a um braço amigo Do inverno pelas lúgubres noitadas... No tombadilho indiferentes chocam-se E nas trevas esbarram-se as ossadas... Como deve custar ao pobre morto Ver as plagas da vida além perdidas, Sem ver o branco fumo de seus lares Levantar-se por entre as avenidas!... E mesmo tratando da morte, Castro Alves lhe dá movimento e dinamismo ao comparar os mortos, nesta mesma poesia, a: Emigrantes sombrios que se embarcam Para as plagas sem fim do outro mundo Castro Alves traduziu Byron, Musset e outros poetas que influenciaram o ultrarromantismo da geração anterior. Porém, ao mesmo tempo em que traduzia seus poemas, escrevia poesias como Aves de Arribação, A uma estrangeira e outras, que demonstram uma reação poética aos traduzidos. Suas traduções estavam muito ligadas às circunstâncias e sentimentos vividos no momento, mas também representavam uma satisfação às solicitações da época. Traduzir bem era um ponto de honra porque demonstrava cultura refinada e familiaridade com os mestres do pensamento universal ―Sou Don Juan!‖, exclama Castro Alves em Os Três Amores. Em Os Anjos da Meia Noite, adotando atitude tipicamente donjuanesca, dedica sonetos para uma sucessão de sete mulheres. Daí supor que o Byron que inspirou Castro Alves parece que foi muito mais o amante da liberdade, o nobre inglês que foi lutar, heroicamente, pela independência da Grécia - e que escreveu o escandaloso poema Don Juan -, do que o byronismo difundido pela geração romântica precedente, através das traduções francesas adocicadas de Alfred de Musset, caracterizado pelo aspecto mórbido e pessimista de se relacionar com a vida. Resumindo: Ainda há, em Castro Alves, influência da geração byroniana, anterior a ele. Mas o poeta baiano encara a morte - e a vida de outra maneira: não é o escape, a solução para a dor vivente de Álvares de Azevedo, e sim o fim do movimento e da alegria de viver. Herda de Byron mais a atitude donjuanesca do que a tendência ao lamento. Paisagem de palavras Poucos poetas utilizaram, na língua portuguesa, tantas reticências, travessões e pontos de exclamação quanto Castro Alves. A cada página do livro, os exemplos se sucedem: Tanta descrença!... Tanta angústia!... Tanta! -- Boa noite! --, formosa Consuelo!... Através destes recursos gráficos, o poeta procura reproduzir a oralidade do discurso exaltado da praça pública ou das declamações nos palcos. As reticências indicam as pausas dramáticas que reforçam a ênfase discursiva marcada pelos pontos de exclamação. Já os travessões têm dupla função. Por vezes aparecem, como as reticências, como marcas de pausa na elocução: Mulher -- de lábio pálido -- e olhar -- cheio de luz. Em muitos outros momentos, aparecem como marca do discurso direto, apresentando uma fala que se dirige a um interlocutor específico: -- Quem bate? -- “A noite é sombria!” -- Quem bate? -- “É rijo o tufão!...” Resumindo: O estilo retórico condoreiro se traduz na linguagem escrita através dos sinais de pontuação, como as reticências, os travessões e os pontos de exclamação!... MELHORES POEMAS – CASTRO ALVES POEMAS SELECIONADOS Mocidade e Morte Oh! Eu quero viver, beber perfumes Na flor silvestre, que embalsama os ares; Ver minh'alma adejar pelo infinito, Qual branca vela n'amplidão dos mares. No seio da mulher há tanto aroma... Nos seus beijos de fogo há tanta vida... Árabe errante, vou dormir à tarde A sombra fresca da palmeira erguida. Mas uma vez responde-me sombria: Terás o sono sob a lájea fria. Morrer... quando este mundo é um paraíso, E a alma um cisne de douradas plumas: Não! o seio da amante é um lago virgem... Quero boiar à tona das espumas. Vem! formosa mulher-camélia pálida, Que banharam de pranto as alvoradas. Minh'alma é a borboleta, que espaneja O pó das asas lúcidas, douradas... E a mesma vez repete-me terrível, Com gargalhar sarcástico: -impossível! Eu sinto em mim o borbulhar do gênio. Vejo além um futuro radiante: Avante! -brada-me o talento n'alma E o eco ao longe me repete-avante!O futuro... o futuro... no seu seio... Entre louros e bênçãos dorme a glórial Após-um nome do universo n'alma, Um nome escrito no Panteon da história. E a mesma voz repete funerária: Teu Panteon-a pedra mortuária! Morrer-é ver extinto dentre as névoas O fanal, que nas guia na tormenta: Condenado - escutar dobres de sino, -Voz da morte, que a morte lhe lamentaAi! morrer -é trocar astros por círios, Leito macio por esquife imundo, Trocar os beijos da mulher - no visco Da larva errante no sepulcro fundo. Ver tudo findo... só na lousa um nome, Que o viandante a perpassar consome E eu sei que vou morrer... dentro em meu peito Um mal terrível me devora a vida: Triste Ahasverus, que no fim da estrada, Só tem por braços uma cruz erguida. Sou o cipreste, qu'inda mesmo flórido, Sombra de morte no ramal encerra! Vivo- que vaga sobre o chão da morte, Morto-entre os vivos a vagar na terra. Do sepulcro escutando triste grito Sempre, sempre bradando-me: maldito! - E eu morro, ó Deus! na aurora da existência, Quando a sede e o desejo em nós palpita... Levei aos lábios o dourado pomo, Mordi no fruto podre do Asfaltita. No triclínio da vida- novo Tântalo O vinho do viver ante mim passa... Sou dos convivas da legenda Hebraica, O 'stilete de Deus quebra-me a taça. É que até minha sombra é inexorável, Morrer! morrer! soluça-me implacável. Adeus, pálida amante dos meus sonhos! Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos! Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga Os prantos de meu pai nos teus cabelos. Fora louco esperar! fria rajada Sinto que do viver me extingue a lampa... Resta-me agora por futuro - a terra, Por glória-nada, por amor-a campa. Adeus! arrasta-me uma voz sombria Já me foge a razão na noite fria!.. O Livro e a América AO GRÊMIO LITERÁRIO Talhado para as grandezas, P'ra crescer, criar, subir, O Novo Mundo nos músculos Sente a seiva do porvir. -Estatuário de colossos Cansado doutros esboços Disse um dia Jeová: "Vai, Colombo, abre a cortina "Da minha eterna oficina... "Tira a América de lá". Molhado inda do dilúvio, Qual Tritão descomunal, O continente desperta No concerto universal. Dos oceanos em tropa Um-traz-lhe as artes da Europa, Outro - as bagas de Ceilão... E os Andes putrificados, Como braços levantados, Lhe apontam para a amplidão. Olhando em torno então brada: "Tudo marcha!... O grande Deus! As cataratas - p'ra terra, As estrelas-para os céus Lá, do pólo sobre as plagas, O seu rebanho de vagas Vai o mar apascentar... Eu quero marchar com os ventos, Com os mundos... co'os firmamentos!!! E Deus responde - "Marchar!" "Marchar!... Mas como?... Da Grécia Nos dóricos Partenons A mil deuses levantando Mil marmóreos Panteons?... Marchar cota espada de Roma -Leoa de raiva coma De presa enorme no chão, Saciando o ódio profundo... -Com as garras nas mãos do mundo, -Com os dentes no coração?... "Marchar!... Mas como a Alemanha Na tirania feudal, Levantando uma montanha Em cada uma catedral?... Não!... Nem templos feitos de ossos, Nem gládios a cavar fossos São degraus do progredir... Lá brada César morrendo: "No pugilato tremendo "Quem sempre vence é o porvir!' Filhos do sec'lo das luzes! Filhos da Grande nação! Quando ante Deus vos mostrardes, Tereis um livro na mão: O livro - esse audaz guerreiro Que conquista o mundo inteiro Sem nunca ter Waterloo... Eólo de pensamentos, Que abrira a gruta dos ventos Donde a Igualdade voou!... Por uma fatalidade Dessas que descem de além, O sec'lo, que viu Colombo, Viu Guttenberg também. Quando no tosco estaleiro Da Alemanha o velho obreiro A ave da imprensa gerou... O Genovês salta os mares... Busca um ninho entre os palmares E a pátria da imprensa achou... Por isso na impaciência Desta sede de saber, Como as aves do deserto As almas buscam beber... Oh! Bendito o que semeia Livros... livros à mão cheia... E manda o povo pensar! O livro caindo n'alma É germe-que faz a palma, É chuva-que faz o mar. Vós, que o templo das idéias Largo - abris às multidões, P'ra o batismo luminoso Das grandes revoluções, Agora que o trem de ferro Acorda o tigre no cerro E espanta os caboclos nus, Fazei desse "rei dos ventos" -Ginete dos pensamentos, -Arauto da grande luz!... Bravo! a quem salva o futuro Fecundando a multidão!... Num poema amortalhada Nunca morre uma nação. Como Goethe moribundo Brada "Luz!" o Novo Mundo Num brado de Briaréu... Luz! pois, no vale e na serra... Que, se a luz rola na terra, Deus colhe gênios no céu! . . . Ode ao Dous de Julho (Recitada no Teatro de S. Paulo) Era no dous de julho. A pugna imensa Travara-se nos cerros da Bahia... O anjo da morte pálido cosia Uma vasta mortalha em Pirajá. "Neste lençol tão largo, tão extenso, "Como um pedaço roto do infinito... O mundo perguntava erguendo um grito: 'Qual dos gigantes morto rolará?!..." Debruçados do céu... a noite e os astros Seguiam da peleja o incerto fado... Era a tocha -o fuzil avermelhado! Era o Circo de Roma-o vasto chão! Por palmas-o troar da artilharia! Por feras-os canhões negros rugiam! Por atletas-dous povos se batiam! Enorme anfiteatro - era a amplidão! Não! Não eram dous povos, que abalavam Naquele instante o solo ensangüentado... Era o porvir-em frente do passado, A Liberdade-em frente à Escravidão, Era a luta das águias - e do abutre, A revolta do pulso-contra os ferros, O pugilato da razão - com os erros, O duelo da treva-e do clarão!... No entanto a luta recrescia indômita... As bandeiras - como águias eriçadas Se abismavam com as asas desdobradas Na selva escura da fumaça atroz... Tonto de espanto, cego de metralha, O arcanjo do triunfo vacilava... E a glória desgrenhada acalentava O cadáver sangrento dos heróis!... Mas quando a branca estrela matutina Surgiu do espaço... e as brisas forasteiras No verde leque das gentis palmeiras Foram cantar os hinos do arrebol, Lá do campo deserto da batalha Uma voz se elevou clara e divina: Eras tu- Liberdade peregrina! Esposa do porvir-noiva do sol!... Eras tu que, com os dedos ensopados No sangue dos avós mortos na guerra, Livre sagravas a Colúmbia terra, Sagravas livre a nova geração! Tu que erguias, subida na pirâmide, Formada pelos mortos de Cabrito, Um pedaço de gládio - no infinito... Um trapo de bandeira - n'amplidão!... Pedro Ivo I Rebramam os ventos... Da negra tormenta Nos montes de nuvens galopa o corcel... Relincha-troveja... galgando no espaço Mil raios desperta co'as patas revel. É noite de horrores... nas grunas celestes, Nas naves etéreas o vento gemeu... E os astros fugiram, qual bando de garças Das águas revoltas do lago do céu. E a terra é medonha... As árvores nuas Espectros semelham fincados de pé, Com os braços de múmias, que os ventos retorcem, Tremendo a esse grito, que estranho lhes é. Desperta o infinito. .. Cota boca entreaberta Respira a borrasca do largo pulmão. Ao longe o oceano sacode as espáduas - Encélado novo calcado no chão. É noite de horrores... Por ínvio caminho Um vulto sombrio sozinho passou, Co'a noite no peito, co'a noite no busto Subiu pelo monte, - nas cimas parou. Cabelos esparsos ao sopro dos ventos, Olhar desvairado, sinistro, fatal, Diríeis estátua roçando nas nuvens, P'ra qual a montanha se fez pedestal. Rugia a procela - nem ele escutava!... Mil raios choviam - nem ele os fitou! Com a destra apontando bem longe a cidade, Após largo tempo sombrio falou!... Às vezes estremecias... Era de febre? Talvez... Eu pegava-te as mãos frias P'ra aquentá-las em meus beijos... Oh! palidez! Oh! desejos! Oh! longos cílios de Inês. Na proa os nautas cantavam; Eram saudades?... Talvez! Nossos beijos estalavam Como estala a castanhola... Lembras-te acaso, espanhola? Acaso lembras-te, Inês? Meus olhos nos teus morriam. . . Seria vida? — Talvez! E meus prantos te diziam: "Tu levas minh'alma, ó filha, Nas rendas desta mantilha... Na tua mantilha, Inês!" De Cadiz o aroma ainda Tinhas no seio. . . — Talvez! De Buenos Aires a linda, Volvendo aos lares, trazia As rosas de Andaluzia Nas lisas faces de Inês! E volvia a Americana Do Plata às vagas... Talvez? E a brisa amorosa, insana Misturava os meus cabelos Aos cachos escuros, belos, Aos negros cachos de Inês! As estrelas acordavam Do fundo do mar... Talvez! Na proa as ondas cantavam, E a serenata divina Tu, com a ponta da botina, Marcavas no chão... Inês! Não era cumplicidade Do céu, dos mares? Talvez! Dir-se-ia que a imensidade — Conspiradora mimosa — Dizia à vaga amorosa: "Segreda amores a Inês!" A uma estrangeira Inês! nas terras distantes, Aonde vives talvez, Inda lembram-te os instantes Daquela noite divina?... Estrangeira, peregrina, Quem sabes? — Lembras-te, Inês? Branda noite! A noite imensa Não era um ninho? — Talvez!... Do Atlântico a vaga extensa Não era um berço? — Oh! Se o era... Berço e ninho... ai, primavera! O ninho, o berço de Inês. E como um véu transparente, Um véu de noiva... talvez, Da lua o raio tremente Te enchia de casto brilho... E a rastos no tombadilho Caía a teus pés... Inês! E essa noite delirante Pudeste esquecer? — TaIvez... Ou talvez que neste instante, Lembrando-te inda saudosa, Suspires, moça formosa!... Talvez te lembres... Inês! O gondoleiro do amor Dama negra Teus olhos são negros, negros, Como as noites sem luar... São ardentes, são profundos, Como o negrume do mar; Quando sangrenta a luz no alampadário Estala, cresce, expira, após ressurge, Como uma alma a penar; E canta aos quizos rubros da loucura A febre - a meretriz da sepultura A rir e a soluçar ... Sobre o barco dos amores, Da vida boiando à flor, Douram teus olhos a fronte Do Gondoleiro do amor. Quando tudo vacila e se evapora, Muda e se anima, vive e se transforma. Cambaleia e se esvai... E da sala na mágica penumbra Um mundo em trevas rápido se obumbra... E outro das trevas sai. . . Tua voz é a cavatina Dos palácios de Sorrento, Quando a praia beija a vaga, Quando a vaga beija o vento; ................................................. .................................................. E como em noites de Itália, Ama um canto o pecador, Bebe a harmonia em teus cantos O Gondoleiro do amor. Então... nos brancos mantos que arregaçam Da meia-noite os Anjos alvos passam Em longa procissão! E eu murmuro ao fitá-los assombrado: São os Anjos de amor de meu passado Que desfilando vão ... Teu sorriso é uma aurora, Que o horizonte enrubesceu, — Rosa aberta com biquinho Das aves rubras do céu. Nas tempestades da vida Das rajadas no furor, Foi-se a noite, tem auroras O Gondoleiro do amor. Teu seio é vaga dourada Ao tíbio clarão da lua, Que, ao murmúrio das volúpias, Arqueja, palpita nua; Como é doce, em pensamento, Do teu colo no langor Vogar, naufragar, perder-se O Gondoleiro do amor!? ... Teu amor na treva é — um astro, No silêncio uma canção, É brisa — nas calmarias, É abrigo — no tufão; Por isso eu te amo, querida, Quer no prazer, quer na dor,... Rosa! Canto! Sombra! Estrela! Do Gondoleiro do amor. Recife, janeiro de 1867. Os anjos da meia noite Quando a insônia, qual lívido vampiro, Como o arcanjo da guarda do Sepulcro, Vela à noite por nós, E banha-se em suor o travesseiro, E além geme nas franças do pinheiro Da brisa a longa voz ... Almas, que um dia no meu peito ardente Derramastes dos sonhos a semente, Mulheres, que eu amei! Anjos louros do céu! virgens serenas! Madonas, Querubins ou Madalenas! Surgi! aparecei! Vinde, fantasmas! Eu vos amo ainda; Acorde-se a harmonia à noite infinda Ao roto bandolim ... ............................................................ ............................................................ E, no éter, que em notas se perfuma, As visões s'alteando uma por uma... Vão desfilando assim!... 1a SOMBRA MARIETA Como o gênio da noite, que desata O véu de , rendas sobre a espádua nua, Ela solta os cabelos... Bate a lua Nas alvas dobras de um lençol de prata O seio virginal que a mão recata, Embalde o prende a mão... cresce, flu Sonha a moça ao relento... Além na Preludia um violão na serenata!... ... Furtivos passos morrem no lajedo... Resvala a escada do balcão discreta... Matam lábios os beijos em segredo... Afoga-me os suspiros, Marieta! Oh surpresa! oh palor! oh pranto! oh medo! Ai! noites de Romeu e Julieta. . . 2a SOMBRA BÁRBORA Erguendo o cálix que o Xerez perfuma. Loura a trança alastrando-lhe os joelhos, Dentes níveos em lábios tão vermelhos, Como boiando em purpurina escuma; Um dorso de Valquíria... alvo de bruma, Pequenos pés sob infantis artelhos, Olhos vivos, tão vivos, como espelhos, Mas como eles também sem chama alguma; Garganta de um palor alabastrino, Que harmonias e músicas respira... No lábio - um beijo... no beijar - um hino; Harpa eólia a esperar que o vento a fira, — Um pedaço de mármore divino... — É o retrato de Bárbara - a Hetaira. — 3a SOMBRA ESTER Vem! no teu peito cálido e brilhante O nardo oriental melhor transpira! Enrola-te na longa cachemira, Como as judias moles do Levante, Alva a clâmide aos ventos - roçagante... Túmido o lábio, onde o saltério gira... Ó musa de Israel! pega da lira... Canta os martírios de teu povo errante! Mas não... brisa da pátria além revoa, E ao delamber-lhe o braço de alabastro, Falou-lhe de partir... e parte... e voa. . . Qual nas algas marinhas desce um astro... Linda Ester! teu perfil se esvai... s'escoa... Só me resta um perfume... um canto... um rastro... 4a SOMBRA FABÍOLA Como teu riso dói... como na treva Os lêmures respondem no infinito: Tens o aspecto do pássaro maldito, Que em sânie de cadáveres se ceva! Filha da noite! A ventania leva Um soluço de amor pungente, aflito... Fabíola!... É teu nome!... Escuta é um grito, Que lacerante para os céus s'eleva!... E tu folgas, Bacante dos amores, E a orgia que a mantilha te arregaça, Enche a noite de horror, de mais horrores... É sangue, que referve-te na taça! É sangue, que borrifa-te estas flores! E este sangue é meu sangue... é meu... Desgraça! CÂNDIDA E LAURA Como no tanque de um palácio mago, Dous alvos cisnes na bacia lisa, Como nas águas que o barqueiro frisa, Dous nenúfares sobre o azul do lago, Como nas hastes em balouço vago Dous lírios roxos que acalenta a brisa, Como um casal de juritis que pisa O mesmo ramo no amoroso afago.... Quais dous planetas na cerúlea esfera, Como os primeiros pâmpanos das vinhas, Como os renovos nos ramais da hera, Eu vos vejo passar nas noites minhas, Crianças que trazeis-me a primavera... Crianças que lembrais-me as andorinhas! ... 7a SOMBRA DULCE Se houvesse ainda talismã bendito Que desse ao pântano - a corrente pura, Musgo - ao rochedo, festa - à sepultura, Das águias negras - harmonia ao grito..., Se alguém pudesse ao infeliz precito Dar lugar no banquete da ventura... E tocar-lhe o velar da insônia escura No poema dos beijos - infinito..., Certo. . . serias tu, donzela casta, Quem me tomasse em meio do Calvário A cruz de angústias que o meu ser arrasta!. . . Mas ,se tudo recusa-me o fadário, Na hora de expirar, ó Dulce, basta Morrer beijando a cruz de teu rosário!... 8a SOMBRA ÚLTIMO FANTASMA Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso, Que te elevas da noite na orvalhada? Tens a face nas sombras mergulhada... Sobre as névoas te libras vaporoso ... Baixas do céu num vôo harmonioso!... Quem és tu, bela e branca desposada? Da laranjeira em flor a flor nevada Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! ... Onde nos vimos nós? És doutra esfera ? És o ser que eu busquei do sul ao norte. . . Por quem meu peito em sonhos desespera? Quem és tu? Quem és tu? - És minha sorte! És talvez o ideal que est'alma espera! És a glória talvez! Talvez a morte! (Santa Isabel, agosto de 1870.) 5a e 6a SOMBRAS O Navio Negreiro (Tragédia no mar) 'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço Brinca o luar — dourada borboleta; E as vagas após ele correm... cansam Como turba de infantes inquieta. 'Stamos em pleno mar... Do firmamento Os astros saltam como espumas de ouro... O mar em troca acende as ardentias, — Constelações do líquido tesouro... 'Stamos em pleno mar... Dois infinitos Ali se estreitam num abraço insano, Azuis, dourados, plácidos, sublimes... Qual dos dous é o céu? qual o oceano?... 'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas Ao quente arfar das virações marinhas, Veleiro brigue corre à flor dos mares, Como roçam na vaga as andorinhas... Donde vem? onde vai? Das naus errantes Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? Neste saara os corcéis o pó levantam, Galopam, voam, mas não deixam traço. Bem feliz quem ali pode nest'hora Sentir deste painel a majestade! Embaixo — o mar em cima — o firmamento... E no mar e no céu — a imensidade! Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! Que música suave ao longe soa! Meu Deus! como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa! Homens do mar! ó rudes marinheiros, Tostados pelo sol dos quatro mundos! Crianças que a procela acalentara No berço destes pélagos profundos! Esperai! esperai! deixai que eu beba Esta selvagem, livre poesia, Orquestra — é o mar, que ruge pela proa, E o vento, que nas cordas assobia... .......................................................... Por que foges assim, barco ligeiro? Por que foges do pávido poeta? Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira Que semelha no mar — doudo cometa! Albatroz! Albatroz! águia do oceano, Tu que dormes das nuvens entre as gazas, Sacode as penas, Leviathan do espaço, Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas. II Que importa do nauta o berço, Donde é filho, qual seu lar? Ama a cadência do verso Que lhe ensina o velho mar! Cantai! que a morte é divina! Resvala o brigue à bolina Como golfinho veloz. Presa ao mastro da mezena Saudosa bandeira acena As vagas que deixa após. Do Espanhol as cantilenas Requebradas de langor, Lembram as moças morenas, As andaluzas em flor! Da Itália o filho indolente Canta Veneza dormente, — Terra de amor e traição, Ou do golfo no regaço Relembra os versos de Tasso, Junto às lavas do vulcão! O Inglês — marinheiro frio, Que ao nascer no mar se achou, (Porque a Inglaterra é um navio, Que Deus na Mancha ancorou), Rijo entoa pátrias glórias, Lembrando, orgulhoso, histórias De Nelson e de Aboukir.. . O Francês — predestinado — Canta os louros do passado E os loureiros do porvir! Os marinheiros Helenos, Que a vaga jônia criou, Belos piratas morenos Do mar que Ulisses cortou, Homens que Fídias talhara, Vão cantando em noite clara Versos que Homero gemeu... Nautas de todas as plagas, Vós sabeis achar nas vagas As melodias do céu!... III Desce do espaço imenso, ó águia do oceano! Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano Como o teu mergulhar no brigue voador! Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras! É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ... Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror! IV Era um sonho dantesco... o tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho. Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar... Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs! E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais ... Se o velho arqueja, se no chão resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais... Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia, E chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, Outro, que martírios embrutece, Cantando, geme e ri! No entanto o capitão manda a manobra, E após fitando o céu que se desdobra, Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: "Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!..." E ri-se a orquestra irônica, estridente. . . E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Qual um sonho dantesco as sombras voam!... Gritos, ais, maldições, preces ressoam! E ri-se Satanás!... V Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! Quem são estes desgraçados Que não encontram em vós Mais que o rir calmo da turba Que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala, Se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa... Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!... São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos. Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão... São mulheres desgraçadas, Como Agar o foi também. Que sedentas, alquebradas, De longe... bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, Filhos e algemas nos braços, N'alma — lágrimas e fel... Como Agar sofrendo tanto, Que nem o leite de pranto Têm que dar para Ismael. Lá nas areias infindas, Das palmeiras no país, Nasceram crianças lindas, Viveram moças gentis... Passa um dia a caravana, Quando a virgem na cabana Cisma da noite nos véus ... ...Adeus, ó choça do monte, ...Adeus, palmeiras da fonte!... ...Adeus, amores... adeus!... Depois, o areal extenso... Depois, o oceano de pó. Depois no horizonte imenso Desertos... desertos só... E a fome, o cansaço, a sede... Ai! quanto infeliz que cede, E cai p'ra não mais s'erguer!... Vaga um lugar na cadeia, Mas o chacal sobre a areia Acha um corpo que roer. Ontem a Serra Leoa, A guerra, a caça ao leão, O sono dormido à toa Sob as tendas d'amplidão! Hoje... o porão negro, fundo, Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar... VI Existe um povo que a bandeira empresta P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa... chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto!... Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança... Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!... Ontem plena liberdade, A vontade por poder... Hoje... cúm'lo de maldade, Nem são livres p'ra morrer. . Prende-os a mesma corrente — Férrea, lúgubre serpente — Nas roscas da escravidão. E assim zombando da morte, Dança a lúgubre coorte Ao som do açoute... Irrisão!... Fatalidade atroz que a mente esmaga! Extingue nesta hora o brigue imundo O trilho que Colombo abriu nas vagas, Como um íris no pélago profundo! Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! Andrada! arranca esse pendão dos ares! Colombo! fecha a porta dos teus mares! Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus?!... Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas Do teu manto este borrão? Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão!... São Paulo, 18 de abril de 1869. (O Poeta, nascido em 14.03.1847, tinha apenas 22 anos de idade) MELHORES POEMAS – CASTRO ALVES EXERCÍCIOS TEXTO — ODE AO DOUS DE JULHO (Castro Alves) ERA NO DOUS de julho. A pugna imensa Travara-se nos cerros da Bahia. A anjo da morte pálido cosia Uma vasta mortalha em Pirajá. Neste lençol tão largo, tão extenso, Como um pedaço roto do infinito... O mundo perguntava erguendo um grito: Qual dos gigantes morto rolará?!... Debruçados do céu... a noite e os astros Seguiam da peleja o incerto fado... Era a tocha - o fuzil avermelhado! Era o Circo de Roma - o vasto chão! Por palmas - o troar da artilharia! Por feras - os canhões negros rugiam! Por atletas - dous povos se batiam! Enorme anfiteatro - era a amplidão! Não! Não eram dous povos, que abalavam Naquele instante o solo ensangüentado... Era o porvir — em frente do passado, A Liberdade — em frente à Escravidão, Era a luta das águias - e do abutre, A revolta do pulso - contra os ferros, O pugilato da razão — com os erros, O duelo da treva — e do clarão!... QUESTÃO 01. Julgue os seguintes itens: (1) A ode geralmente é uma variante épica, tema guerreiro, assunto glorioso, exaltação das façanhas heróicas; o confronto maquiavélico e maniqueísta da liberdade contra o Despotismo, a visão mitológica e conceptista; na potência verbal de Castro Alves. (2) Alegoria, comparação, metáfora, hipérbole, prosopopéia, são figuras de linguagem que fundamentam a oratória grandiloqüente e hugoana da poesia vibrante de Castro Alves inseridas no contexto da Ode do Dous de Julho. (3) Condoreirismo, visão progressista e liberal, messianismo político e social, poesia de comício identificada com a abolição, mas, também lirismo sensual e viril, paisagismo exuberante e Mal-do-Século ocasional; são tópicos inerentes à poesia de Castro Alves. (4) Os pares antitéticos, típicos do Barroco Literário, o uso permanente e pertinente do contraste e o tom retumbante e metafórico, são aspectos determinantes do perfil retórico e condoreiro do poema. (5) O ápice da poesia abolicionista, em termos formais e temáticos, é o poema O Navio Negreiro, apóstrofe à consciência nacional, grito sublime de uma alma de poeta contra a injustiça, os absurdos e misérias de um sistema social infame: a escravidão. (6) Castro Alves também escreveu e publicou um romance sobre a Inconfidência Mineira: Gonzaga ou a Revolução de Minas. QUESTÃO 02 - (PUC-RS) "O Inglês – marinheiro frio Que ao nascer no mar se achou (Porque a Inglaterra é um navio Que Deus na Mancha ancorou) Rijo entoa pátrias glórias Lembrando o orgulhoso histórias De Nélson e de Aboukir. o Francês – predestinado – Canta os louros do passado E os loureiros do porvir." Como demonstra a estrofe, o romantismo de Castro Alves caracteriza-se pelo: a. preciosismo. b. sentimentalismo. c. patriotismo. d. condoreirismo. e. nacionalismo. QUESTÃO 03. (UFRS) "Ontem a Serra Leoa, A Guerra, a caça ao leão, O sono dormido à toa Sob as tendas da amplidão... Hoje... o porão negro, o fundo Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar..." Nesta estrofe de ......., de Castro Alves, os versos de ..... sílabas métricas evocam, num primeiro momento, a ..... dos negros em sua terra natal, contrastando, na segunda parte, com imagens que indicam os rigores da ..... . Assinale a alternativa que completa corretamente as lacunas do texto acima. a. Vozes d'África – dez – luta – partida b. Canção do Exílio – sete – tranqüilidade – solidão c. Mocidade e Morte – oito – passividade – prisão d. Cachoeira de Paulo Afonso – dez – caçada – luta. QUESTÃO 04. (PUCCAMP-SP) Um juízo crítico que define o estilo de umas das linhas mestras da poesia de Castro Alves é: a. "Notemos que esse poeta sem requinte foi, do grupo em estudo, o mais preocupado com a experimentação métrica, revelando o senso exato da adequação do ritmo à psicologia." b. "Da presença da história decorre um compromisso com a eloqüência: a poesia, como força histórica, se aproxima automaticamente do discurso, incorporando a ênfase oratória à sua magia, que se restringe por isso mesmo ante esta invasão imperiosa." c. "Os seus momentos mais felizes estão nalgumas redondilhas delicadas ou em composições de vôo amplo, lançadas no declive da reflexão e da meditação. d. "Quando amplia o âmbito de visão, é ainda matizando de moderada beleza os aspectos ordinariamente exaltantes da paisagem. O fato dessa natureza existir denota o caráter concreto de sua poesia, que, apesar de intensamente subjetiva, se alia à realidade de uma paisagem despojada de qualquer hipertrofia, em benefício da atmosfera tênue dos tons menores." e. "Esta tendência para volatizar e nebulizar a paisagem completa-se por outra, de aproximá-la da vida pelo mesmo sistema de imagens." QUESTÃO 05. (PUC-RS) "sou como a pomba e como as vozes dela É triste o meu cantar; – Flor dos trópicos – cá na Europa fria Eu definho corando noite e dia Saudades do meu lar." A estrofe acima salienta uma das linhas da reduzida temática da poesia de Casimiro de Abreu que é a: a. vida familiar. b. paisagem nativa. c. saudade da pátria. d. ternura sonhadora. e. timidez amorosa. (FUVEST-SP) Texto para as questões 06 e 07. "Podemos gostar de Castro Alves ou Gonçalves Dias, poetas superiores a ele; mas a ele só nos é dado amar ou repelir. Sentiu e concebeu demais, escreveu em tumulto, sem exercer devidamente o senso crítico, que possuía não obstante mais vivo do que qualquer poeta romântico, excetuado Gonçalves Dias. Mareiam a sua obra poemas sem relevo nem músculo, versalhada que escorre desprovida de necessidade artística. O que resta, porém, basta não só para lhe dar categoria, mas, ainda, revelar a personalidade mais rica da geração." (Antonio Candido, Formação da literatura brasileira) QUESTÃO 06. (FUVEST-SP) Com relação a gostar e amar ou repelir, podemos depreender que: a. gostar de não pressupõe, no texto, nenhuma diferença quanto a amar. b. é possível gostar de Castro Alves ou Gonçalves Dias, mas não se pode apreciar o autor não nomeado. c. amor ou repulsa implicam envolvimento mais afetivo que racional. d. se gosta de Castro Alves ou Gonçalves Dias porque são superiores ao autor em questão. e. se ama ou se repele o autor não citado por ele ser inferior aos dois citados. QUESTÃO 07. (FUVEST-SP) Assinale a expressão que melhor denota o juízo pejorativo de Antonio Candido acerca de boa parte da poesia do autor não nomeado. a. "a ele só nos é dado (...) repelir" b. "sentiu e concebeu demais" c. "escreveu em tumulto" d. "versalhada" e. "o que resta" QUESTÃO 08. (CEAP-AM) Assinale a alternativa que exemplifica o Condoreirismo na poesia de Castro Alves. a) ―O Poeta trabalha!... A fronte pálida Guarda talvez fatídica tristeza... Que importa? A inspiração lhe acende o verso Tendo por musa – o amor e a natureza!‖ b) ―O seio virginal, que a mão recata, Embalde o prende a mão... cresce, flutua... Sonha a moça ao relento... Além na rua Preludia um violão na serenata‖...‖ c) ―Caminheiro que passas pela estrada, Seguindo pelo rumo do sertão, Quando vires a cruz abandonada, Deixa-a em paz dormir na solidão.‖ d) ―Senhor Deus do desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus?!‖ e) ―Se eu dissesse que cindindo os mares Triste, pendido sobre a vítrea vaga, Eu desfolhava de teu nome as pétalas Ao salvo vento, que as marés afaga...‖ (PUC-RJ, adaptadas) Leia o texto seguinte para responder às questões 09 e 10. Marieta Como o gênio da noite, que desata O véu de rendas sobre a espádua nua, Ela solta os cabelos... Bate a lua Nas alvas dobras de um lençol de prata. O veio virginal, que a mão recata, Embalde o prende a mão... cresce, flutua... Sonha a moça ao relento... Além na rua Preludia um violão na serenata!... ... Furtivos passos morrem no lajedo... Resvala a escada do balcão discreta Matam lábios os beijos em segredo... Afoga-me os suspiros, Marieta! Ó surpresa! ó palor! ó pranto! ó medo! Ai! noites de Romeu e Julieta!... Castro Alves, Antônio de. Os anjos da meia-noite. In: Poesia. 4ª ed. Rio de Janeiro, Agir. 1972. p. 59. (Col. Nossos Clássicos). espádua: ombro. recatar: encobrir, ocultar. embalde: em vão, inutilmente, debalde. preludir: iniciar, ensaiar antes de começar a cantar ou a tocar. palor: palidez. QUESTÃO 09 - Sobre o poema lido só não podemos dizer que: a) a adjetivação utilizada contribui para a idealização da cena. b) a presença constante de reticências enfatiza o cenário íntimo e a atmosfera de sensualidade. c) a idealização da mulher se reforça através de alusão a personagem trágica. d) a natureza retratada rompe a atmosfera propícia ao enlevo amoroso sugerido. e) o uso de expressões exclamativas ressalta a exacerbação sentimental do eu lírico. QUESTÃO 10. A estética romântica apresenta, como uma de suas características, o rompimento com as regras clássicas que definiam temas e estruturas formais apropriadas ao texto poético. Castro Alves, no entanto, conserva, neste poema, traços clássicos, o que pode ser visto: a) na alusão a elementos musicais. b) na menção a personagens mitológicos. c) no uso reiterado de metáforas. d) na referência à espiritualidade. e) na escolha de métrica regular e forma fixa. QUESTÃO 11. A partir dos seguintes fragmentos da poesia de Castro Alves: ―E eu sei que vou morrer... dentro em meu peito Um mal terrível me devora a vida: (...) Sou o cipreste, qu’inda mesmo florido, Sombra da morte no ramal encerra!‖ (Mocidade e morte) ―Não! Não eram dois povos que abalavam Naquele instante o solo ensangüentado... Era o porvir – em frente do passado, A liberdade – em frente à Escravidão...‖ (Ode ao dois de julho) é correto afirmar-se: a) Fiel ao ideário da terceira geração romântica, da qual fez parte, o poeta rejeitou as imagens e a temática referentes ao mal-do-século. b) Impregnado de tristeza e pessimismo, o poeta desprezou os ideais coletivos e se concentrou em sua problemática pessoal. c) O poeta equilibrou a dimensão pessoal com a dimensão coletiva, ilustrando, através desse procedimento, o comportamento característico da segunda geração romântica. d) Embora cantando as aspirações coletivas, ligadas à afirmação da nacionalidade, o poeta também cultivou a morbidez própria da segunda geração. e) A obsessão com o amor impossível e com a idéia da morte, predominante em seus textos, diminuiu no poeta a contundência e a amplitude do seu protesto social. QUESTÃO 12. (FIUbe-MG) Na poesia lírico-amorosa de Castro Alves, observa-se: a) uma posição platônica em relação ao amor, sobre o qual versifica em linguagem racional e contida. b) a idealização da mulher, cantada constantemente como objeto inacessível ao poeta. c) a preocupação de ocultar, por meio de excesso de figuras de linguagem, os mais recônditos desejos do poeta. d) uma renovação em relação a seus antecessores, pela expressão ousada dos impulsos eróticos. e) a mesma timidez revelada nos devaneios líricos dos poetas da geração byroniana. QUESTÃO 13 - (UFG) A renovação da lírica romântica, em Espumas flutuantes, de Castro Alves, está relacionada a: a) glorificação da fidelidade amorosa. b) erotização da paisagem natural. c) negação de referências clássicas. d) satirização do espírito heróico. e) rejeição do cenário nativista. GABARITO – CASTRO ALVES 01-6 02-D 03-C 04-B 05-C 06-C 07-D 08-D 09-D 10-E 11-D 12-D 13-B